segunda-feira, 12 de maio de 2014

A esquerda quer acabar com a pobreza destruindo a riqueza

Safatle e Lênin: separados na maternidade
Se a esquerda, principalmente a socialista bolivariana, se preocupasse mais em combater a pobreza do que a desigualdade social, seguramente teríamos menos desigualdade e menos pobreza. Entretanto, o raciosímio do pessoalzinho é de que a riqueza de uns se deve sempre à pobreza de outros. A riqueza é sempre fruto da exploração dos desfavorecidos. Enriquecer devido ao mérito é papo-furado de coxinha, direitista e tals. Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg que o digam.

Então, o negócio é sobretaxar os ricos - agora sobretaxá-los em nível global - e tirar-lhes o direito de passar aos filhos o fruto de seu trabalho. Ah, e não só os ricos não. Também os classe-(re)mediados. Segundo Vladimir Safatle, "deixar herança não passa de uma forma de perpetuar desigualdades e estimular a criação de uma classe parasitária de rentistas. Melhor usar esse dinheiro para financiar serviços públicos ou obrigar empresas a abrir fundações baseadas em filantropia."  O Imposto sobre Transmissão, Causa Mortis e Doação (IPCMD) de 4%, que o Estado brasileiro extorque dos cidadãos, é muito pouco para o valente Lênin dos trópicos.

A família que ralou e ralou, a fim de construir um patrimônio e deixar para os filhos um futuro melhor do que seus pais tiveram, deveria ser obrigada a doar tudo para o financiamento de serviços públicos. Ou seja, seus filhos ficariam a ver navios enquanto seu dinheiro engordaria os cofres governamentais para alimentar os vigaristas da esquerda (e de outras facções) que vivem às custas do Estado. A dúvida é: essa gente é cínica porque é louca ou é louca porque é cínica?

Dois artigos do jornalista Leandro Narloch e do economista Kenneth Rogoff refletem sobre essa absurda forma de ver a vida das esquerdas,

Safatle contra os pobres

Leandro Narloch

Por que intelectuais como Vladimir Safatle desprezam a receita mais eficaz, testada e aprovada para a redução de pobreza? Falo do crescimento econômico. Qualquer país que vive uma ou duas décadas de altas consecutivas do PIB vê massas humanas deixarem a miséria.

China: 680 milhões de miseráveis a menos desde que as fábricas capitalistas apareceram, há 35 anos. Indonésia: redução de pobreza de 54% para 16% em 18 anos. Coreia do Sul: tão pobre quanto a Índia em 1940, virou um dos países mais ricos do mundo depois de crescer em média 8% ao ano entre 1960 e 1980.

Essa receita deu tão certo que levou o mundo a superar, cinco anos antes do previsto, a meta estabelecida pela ONU, em 2000, de cortar pela metade o número de pessoas que viviam com menos de US$ 1,25 por dia. Quase tudo isso aconteceu sem cotas sociais, sem Bolsa Família, sem alta de impostos. Só com geração de riqueza.

É uma excelente notícia, que deveríamos comemorar –mas por que Safatle não participaria da festa conosco? No artigo "Demagogia" (29/4), naFolha, ele reclama de quem prefere discutir o crescimento econômico em vez de se concentrar no "caráter insuportável" dos arcaísmos brasileiros (mas a expansão da economia é melhor arma contra esses arcaísmos!).Noutro artigo, diz que a atividade econômica só faz produzir desigualdade.

Dá pra entender o desprezo. Admitir a importância da alta do PIB na redução da pobreza implica em reconhecer verdades dolorosas. A primeira é que quem atrapalha o crescimento da economia atrapalha os pobres. Afugentar investidores resulta em menos negócios, menos vagas, menores salários.

Outra é que os interesses das classes nem sempre divergem. PIB em alta faz bem para pobres, remediados e magnatas. Os anos recentes do Brasil são um exemplo disso. Entre 2007 e 2012, vivemos uma impressionante redução da miséria. Enquanto isso, o número de milionários subiu de 120 mil para 165 mil. Não há motivo para fomentar conflito entre motoboys e donos de jatinhos.

Mas o fato mais difícil de reconhecer é que os filósofos de palanque e os bons mocinhos tiveram um papel irrelevante na redução da pobreza. Se crescimento da economia ajuda os pobres, isso se deve a seus protagonistas, ou seja, os homens de negócio, alguns deles ricos, quase todos interessados somente em botar dinheiro no bolso.

Pior ainda, Safatle teria que admitir que os negociantes aliviaram a condição dos pobres fazendo justamente aquilo que mais incomoda os intelectuais ressentidos: lucrar explorando mão de obra barata. Capitalistas costumam atrair competidores, criando uma concorrência por empregados, elevando salários.

Intelectuais costumam reservar para si um lugar mais elevado que o de comerciantes na sociedade. É difícil terem generosidade para admitir que uma de suas causas mais nobres depende de negociantes mundanos. Por isso, o filósofo prefere ficar do lado da ideologia, e não do lado dos pobres, o que me faz acreditar que ele é movido por um ressentimento contra os ricos, talvez um desejo puritano de conter seus excessos. E não uma vontade genuína de reduzir a pobreza.

LEANDRO NARLOCH, 35, é jornalista e autor de "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" e coautor de "Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo" (ambos pela editora LeYa)

Fonte: Folha de São Paulo, 12/05/2014

Onde está o problema da desigualdade?
Não esqueçamos que, quando se trata de reduzir desequilíbrios,o capitalismo teve três décadas impressionantes
Kenneth Rogoff

Ao ler o influente novo livro de Thomas Piketty, “Capital in the Twenty-First Century”, pode-se concluir que o mundo nunca foi tão desigual desde os dias dos barões ladrões e dos reis. O que é estranho, pois ao se ler outro excelente lançamento, “The Great Escape”, de Angus Deaton, conclui-se que o mundo está mais igualitário do que nunca. Qual visão é a correta? Depende de se olhar para países, individualmente, ou para o mundo.

O fato abrangente no livro de Deaton (que revisei recentemente) é que, nas últimas décadas, bilhões de pessoas no mundo em desenvolvimento, particularmente na Ásia, escaparam de níveis de pobreza desesperadores. A mesma máquina que aumentou a desigualdade em países ricos aplainou globalmente o campo de jogo para bilhões. Olhando de fora, e dando, por exemplo, a um indiano o mesmo peso de um americano ou de um francês, os últimos 30 anos estão entre os melhores na história no que se refere a melhorar a situação dos pobres.

O brilhante livro de Piketty documenta a desigualdade dentro dos países, com o foco no mundo rico. Grande parte da onda que cerca o livro foi provocada por pessoas que se consideram de classe média em seus próprios países, mas que são de classe média alta ou mesmo ricos segundo padrões globais. Há debates sobre os fatos que Piketty, e o coautor Emmanuel Saez, estabeleceu para os últimos 15 anos. Mas considero os resultados persuasivos, especialmente porque outros autores, usando métodos completamente diferentes, chegaram a conclusões similares. Brent Neiman e Loukas Karabarbounis, da Universidade de Chicago, por exemplo, argumentam que a participação da mão de obra no PIB está em queda mundial desde 1970.

Entretanto, Piketty e Saez não oferecem um modelo. E a falta de um modelo, combinada com o foco nos países de classe média alta, faz diferença quando se trata de prescrição de políticas. Será que os admiradores de Piketty estariam tão entusiasmados sobre sua proposta de uma taxa global progressiva sobre a riqueza se ela se destinasse a corrigir as enormes disparidades entre os países ricos e os mais pobres, em vez de entre aqueles que estão em boa situação, pelos padrões mundiais, e os ultrarricos? Piketty argumenta que o capitalismo é injusto. E o colonialismo também não era? A ideia de uma taxação global da riqueza está repleta de problemas de credibilidade e execução, além de ser politicamente implausível.

Embora Piketty esteja certo ao dizer que o retorno sobre o capital aumentou nas últimas décadas, ele menospreza o amplo debate entre os economistas sobre as causas disso. Por exemplo, se a principal causa é o maciço fluxo de mão de obra asiática nos mercados globais, o modelo de crescimento desenvolvido pelo economista Prêmio Nobel Robert Solow sugere que, eventualmente, o estoque de capital se ajustará e os salários subirão. Aposentadorias numa força de trabalho envelhecida poderão também fazer os salários aumentarem. Se a participação do trabalho na renda cai devido ao inexorável aumento da automação, a pressão de baixa continuará.

Felizmente, há meios melhores para abordar a desigualdade nos países ricos enquanto se fomenta o crescimento a longo prazo da demanda por produtos dos países em desenvolvimento. Por exemplo, a adoção de um imposto sobre o consumo com alíquotas muito próximas seria uma forma mais simples e mais efetiva de taxar a acumulação de riqueza passada. Um imposto progressivo sobre o consumo é relativamente eficiente e não distorce tanto as decisões sobre poupança como faz hoje o Imposto de Renda. Por que adotar uma taxa global sobre a riqueza quando estão disponíveis alternativas favoráveis ao crescimento, que levantam receita significativa e podem se tornar progressivas?

Além de um imposto global, Piketty recomenda uma alíquota marginal de 80% sobre a renda nos EUA. Embora acredite que os EUA precisem de uma taxação mais progressiva, particularmente para o 0,1% no topo, não entendo por que assumir que uma alíquota de 80% não causará distorções significativas, especialmente porque isto contradiz um grande trabalho dos prêmios Nobel Thomas Sargent e Edward Prescott.

Ao aceitar a premissa de Piketty, de que a desigualdade importa mais que o crescimento, é preciso lembrar que muitos nos países em desenvolvimento dependem do crescimento dos países ricos para ajudá-los a escapar da pobreza. O problema número um deste século continua a ser ajudar os mais pobres na África e fora dela. A elite do 0,1% deve pagar mais impostos, mas não esqueçamos que, quando se trata de reduzir a desigualdade mundial, o sistema capitalista teve três décadas de desempenho impressionante.

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI, é professor de Economia e Políticas Públicas na Universidade de Harvard

Fonte: O Globo, 10/05/2014

1 comentários:

Sem herança, não haveria poupança para investimento, a produção diminuiria, haveria desemprego e pobreza. É assim que querem acabar com a pobreza? Loucos mesmo.

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