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Mulheres samurais

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Quando Deus era mulher:

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Aserá,

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terça-feira, 3 de setembro de 2019

Futuro Burger, hambúrguer que parece de carne, mas só tem vegetal

Não adianta chorar pelas queimadas na Amazônia, feitas para criar pastos para os chamados animais de corte, se você permanece sendo a rainha ou rei do grill. Nada destrói mais a natureza do que a pecuária, a indústria do matadouro. Comece a substituir a carne animal pelas chamadas carnes vegetais, cada vez mais feitas sob medida para mudar, nos corações e bocas, o ruinoso hábito de comer animais.+
Embarque, desde já, nessa tendência internacional, já presente no Brasil, experimentando, por exemplo, o Futuro Burguer.

Empresa brasileira quer conquistar carnívoros com hambúrguer vegano que promete sabor e textura de carne bovina

Quando se fala em hambúrguer vegano, a primeira reação de quem come carne geralmente é torcer o nariz com argumentos do tipo “não é a mesma coisa”. Pois acaba de chegar aos supermercados um produto feito exclusivamente de vegetais e que promete surpreender o paladar dos carnívoros.

Trata-se do Futuro Burger, primeiro lançamento da startup Fazenda Futuro, que se dedica a criar “carne” à base de plantas. Com aparência e textura e muito semelhantes à versão bovina, a novidade já está disponível em algumas lanchonetes de São Paulo e do Rio de Janeiro, e agora chegou a supermercados paulistas, cariocas e mineiros.

A ideia não é conquistar veganos e vegetarianos.
Estamos entrando no mercado de carnes. Queremos falar com quem procura uma alternativa saudável e sustentável sem deixar de lado o prazer em comer algo de que gosta”, explica Marcos Leta, fundador da Fazenda Futuro.
Para chegar no visual e sabor adequados, foram dois anos de testes. A receita final leva proteínas isoladas da soja, da ervilha e do grão-de-bico, além de beterraba para imitar a cor rosada e os sucos da carne. O produto não usa ingredientes transgênicos, tem menos gorduras saturadas do que a versão tradicional e contém fibras, por conta dos vegetais.

Onde encontrar

O Futuro Burger começou a ser vendido nas lojas do Carrefour, Pão de Açúcar, St. Marche e Quitanda, em São Paulo; La Fruteria e Zona Sul, no Rio de Janeiro; e Verdemar, em Minas Gerais.

Também é possível provar a novidade nas hamburguerias T.T. Burguer, na capital fluminense, e Lanchonete da Cidade, em São Paulo.

A meta da empresa é expandir a distribuição do hambúrguer nos próximos meses. No segundo semestre, uma versão de almôndega à base de plantas desenvolvida pela empresa deve chegar ao Spoleto, rede nacional de massas.

Tendência internacional

Buscar alternativas para driblar o consumo excessivo de carne é uma tendência que veio para ficar.
 “No Brasil, o número de gado é superior ao número de pessoas, e somos um dos países mais afetados pela agropecuária quando se trata de meio ambiente”, comenta Leta. “Este impacto ambiental faz com que as pessoas optem cada vez mais por mudanças na alimentação”, continua o empresário.
Lá fora essa movimentação é nítida. A marca Beyond Meat, de “carnes” à base de plantas, por exemplo, abriu seu capital neste mês nos Estados Unidos com alta de 163% em seu primeiro dia na bolsa de valores, chegando a um valor de mercado de 3,8 bilhões de dólares. Bill Gates e Leonardo Di Caprio, dois célebres entusiastas da causa do meio ambiente, investem na marca.

A Impossible Foods, nascida no ambiente tecnológico do Vale do Silício, abastece mais de 3 mil restaurantes norte-americanos com 226 toneladas de carnes vegetais todos os meses.

Elas, assim como a Fazenda Futuro, são consideradas foodtechs, ou seja, empresas que usam a tecnologia para criar novos produtos alimentícios.
O hambúrguer vegetal tupiniquim está sendo anunciado como a versão “1.0”. A 2.0 está sendo desenvolvida pela empresa atualmente e promete ser ainda mais parecida com a proteína animal.
Perfil nutricional

Veja o que encontramos em uma unidade (115 gramas) do Futuro Burger disponível hoje:

Calorias: 283 kcal
Proteínas: 15,8 g
Carboidratos: 14,3 g
Gorduras totais: 18,6 g
Gorduras saturadas: 6 g
Fibras: 4 g
Sódio: 684 mg

Clipping Conheça o Futuro Burger, que parece de carne, mas só tem vegetal, por Chloé Pinheiro, 24/06/2019, Saúde

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Tatuadoras dão dicas de como evitar assédio sexual em estúdios

O pré-lançamento aconteceu em 13 de Maio. Foto: Beth Freitas / Reprodução / Facebook
Tatuadoras lançam cartilha contra assédio sexual em estúdios

Em Maio ficou disponível para download, impressão ou leitura online a cartilha Minha Tatu, Minhas Regras, criada por tatuadoras e ativistas de Belo Horizonte. O material buscar colaborar com enfrentamento do assédio e abuso sexual em estúdios de tatuagem.

Você pode clicar aqui para acessar gratuitamente o material e a plataforma para download. Sem dúvida alguma a cartilha colabora muito com a segurança de mulheres que pretendem se tatuar, como também tem grande importância para que os tatuadores possam refletir sobre suas posturas, condutas e posicionamentos.

Importante mencionar que a criação da cartilha está relacionada com as constantes denúncias que têm acontecido de assédios, abusos sexuais e, inclusive, estupros em estúdios de tatuagem. Em particular o caso do tatuador Leandro Caldeira em Belo Horizonte, Minas Gerais. Foram mais de 40 denúncias de distintas mulheres contra ele. A Polícia Civil fez abertura de inquérito e apurou em torno de 19 denúncias contra o tatuador. A investigação levou Leandro para prisão desde 31 de Março de 2019. Acusado e respondendo por violação sexual mediante o fraude, o tatuador alega inocência.

O material foi pré-lançado na segunda-feira, 13 de maio, em uma roda de conversa para profissionais da área na Casa Juta. Entre os pontos destacados pelas tatuadoras, estão:

1 – Você não precisa se despir: ficar sem o sutiã, por exemplo, só é necessário se a tatuagem for no mamilo;

2 – Atenção ao excesso de toque. Se o profissional encostar demais fora da área onde o desenho está sendo feito, em locais inapropriados, desconfie. Às vezes acontece sem querer ou o tatuador precisa tocar, mas ele sempre vai te avisar se esses forem os casos;

3 – Fotografias somente se autorizadas. Se um tatuador pede que você pose nua ou seminua para mostrar a tatuagem, não permita se este não for seu desejo;

4 – Assédio também pode ser verbal. Além do toque, o assédio também pode acontecer na conversa ou até no olhar. Fique atenta, se algum desses aspectos incomodar, não tenha medo de ir embora. É possível concluir o trabalho com outro profissional.

5 – Você não precisa tocar o tatuador. Se o profissional pedir que você repouse a mão em alguma parte do corpo dele, não obedeça, não é necessário em momento algum que a cliente se apoie no tatuador.

Abaixo você pode assistir um material educativo produzido pelo Jornal Hoje Em Dia. Lembre-se sempre, como a própria cartilha diz, “para um procedimento de tatuagem seguro, o assédio não pode ter lugar”.



Fonte: FRRRK GUYS, 18/05/2019

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Um país onde Alexandre Frota é modelo conservador merece estudo


Um país onde Alexandre Frota é modelo conservador merece estudo


É uma triste verdade: Henry David Thoreau (1817-1862) é cada vez mais o meu herói. A verdade é triste porque nunca fui um libertário. Mas o contexto determina o meu texto: como lidar com o fanatismo e a imbecilidade que esquerda e direita vomitam todos os dias?

Pela fuga. Pelo isolamento. Pela vida no bosque, onde os animais são mais civilizados do que a espécie humana em geral.

Nesta semana, em duas revistas diferentes ("The Economist" e "The Spectator"), contemplei o estado a que chegaram as universidades anglo-saxônicas, tomadas de assalto por meninos semiletrados que gostam de censurar as opiniões que consideram ofensivas.

O problema é que essas crianças têm uma saúde mental assaz frágil. Resultado: tudo é ofensivo para elas. Até a chuva que cai, imagino eu. Um mundo de silêncio seria o ideal —o silêncio de um cemitério, embora a palavra "cemitério", pela sua evocação da morte, possa ser um insulto desnecessário para quem acredita na eternidade da juventude. As minhas desculpas antecipadas.

A "The Economist", mais otimista, diz que o mundo não está perdido: nas universidades, sempre houve batalhas ideológicas contra ideias polêmicas. Certo. Mas a mesma revista informa que 20% dos estudantes universitários defendem a violência contra palestrantes controversos.

Mais: em Yale, 42% dos estudantes (e 71% dos estudantes conservadores) preferem não emitir opinião sobre política, raça, religião ou gênero.

Só a Universidade de Chicago se salva do dilúvio. Por quê? Porque decidiu aprovar uma declaração onde se recusa a proteger os estudantes de ideias ou opiniões que os mesmos considerem ofensivas. Para Chicago, não é permitido cancelar palestras ou criar "espaços seguros" para que as crianças se sintam, enfim, seguras.

Sem surpresa, não há praticamente incidentes na Universidade de Chicago, prova definitiva de que a covardia das universidades é a razão primeira para haver problemas.

Na "The Spectator", a escritora Lionel Shriver, uma progressista "old school", relembra outros números: 38% dos britânicos e 70% dos alemães defendem que o governo deve proibir discursos ofensivos para as minorias. A típica receita autoritária: por favor, Estado, exerce a tua censura para que eu não conviva com aquilo de que não gosto.

O Estado agradece —e cresce em autoridade e poder. Um clássico.

Tudo isso são loucuras esquerdistas? Seriam, sim, se uma certa direita não fosse igual.

Nas últimas semanas, tenho acompanhado as polêmicas "artísticas" brasileiras. Confesso que rio. Muito e alto. Um país onde Alexandre Frota é uma referência ideológica "conservadora" deveria ser caso de estudo internacional. 😂

Mas uma parte da direita brasileira também tem o seu interesse. Deixemos a questão da "pedofilia" para psiquiatras: não é preciso ter lido Freud para perceber que aqueles que veem "pedofilia" quando uma criança toca no braço de um artista pelado em pleno museu estão a falar mais dos seus fantasmas do que da realidade propriamente dita.

O que me impressionou foi ver essa direita a pedir mais Estado, mais intervenção do Estado, mais censura do Estado —e não, como seria de esperar, mais responsabilidade individual, ou familiar, na forma como se educam os menores.

Se isso é a direita, eu prefiro a esquerda. Entre a cópia e o original, eu sempre preferi o original.

Corrijo: eu não prefiro ninguém. Só o bosque, embora os meus amigos aconselhem prudência. Longe da civilização, eu não duraria 24 horas.

Talvez eles tenham razão. E eu, suspirando por ar limpo e alguma companhia, sinto uma estranha admiração pelos pensadores utópicos do século 19.

Com uma diferença: imagino uma comunidade de adultos, e não de autômatos, onde as pessoas discutem livremente; usam as palavras sem medo das patrulhas; educam os filhos sem mendigar o chicote do Estado; e até, Deus me livre, flertam com mulheres (ou homens) sem temerem acusações de machismo, assédio ou violência psicológica.

Seria uma espécie de reserva natural, digamos, onde se entra e de onde se sai voluntariamente —e longe desse berçário onde esquerdas e direitas gritam e fazem birra na mesma linguagem infantil.

Com sorte, as patrulhas acabariam por se destruir mutuamente —e nós, os sobreviventes, poderíamos sair da reserva e fazer o que mais interessa: começar de novo.

Fonte: Folha de São Paulo, 24/10/2017, por João Pereira Coutinho

terça-feira, 28 de março de 2017

Matriarcados: quando as mulheres é que mandam

Bijagós: elas organizam o trabalho, a gestão da economia e a lei
Conhecer sociedades matriarcais ou matrilineares tem dois objetivos salutares fundamentais:
primeiro, desconstruir a crença de que o patriarcado em que vivemos é natural, universal e atemporal. Como tudo que se refere ao ser humano, visões essencialistas e deterministas não encontram respaldo na história da humanidade. O patriarcado, ou seja, o sistema onde o sexo masculino monopoliza a condução das sociedades e domina as mulheres, é um evento histórico consolidado sobretudo com o advento das religiões patriarcais, com destaque para as abraâmicas, a saber o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
segundo, citando as palavras da antropóloga Anna Boye "porque, através do saber que se adquire com elas, a gente aprende que há novas maneiras de organizar a sociedade, novas maneiras de ser, o que nos obriga a revisar tudo que aprendemos". 
Abaixo edição do texto original O que podemos aprender com as sociedades em que as mulheres mandam, da Natasha Romanzoti, e informações do blog da antropóloga Anna Boye. Ver também, ao fim da postagem, vídeos sobre sociedades matriarcais e um sobre a visão negativa que nossa sociedade patriarcal tem das mulheres à guisa de comparação.
Ede
Tradicionalmente, nas aldeias Ede do Vietnã, são as mulheres que possuem todas as propriedades e as passam para suas filhas. Elas também devem pedir seus maridos em casamento, e eles adotam o nome de família da esposa, vivendo na casa dela. A mulher mais velha da casa, inclusive, tem sua própria cadeira artesanal, que deve ser cuidadosamente esculpida a partir de um certo pedaço de madeira.

A terra é propriedade coletiva da aldeia, enquanto as florestas são sagradas, parte de sua antiga religião animista. Enquanto vestígios de costumes antigos ainda permanecem, as aldeias Ede de hoje são principalmente cristãs protestantes (ou seja, a contaminação patriarcal já se instalou).

Mosuo
Na sociedade Mosuo, no sudoeste da China, perto do lago Lugu, as mulheres tomam a maioria das decisões de negócios e gerenciam as famílias completamente. O também chamado “Reino das Mulheres” é formado por 40.000 fortes damas, e é uma das últimas sociedades matriarcais do mundo. A “Ah Mi” é a líder suprema da casa, normalmente a mulher mais velha. Crianças são criadas comunitariamente. Muitas vezes, uma família ajuda a criar o filho de outra como se fosse sua. Enquanto todo mundo compartilha um espaço comum, mulheres com mais de 13 anos de idade ganham a privacidade de seu próprio quarto, chamada de “sala de floração”. As mulheres podem escolher seu parceiro, mas não ficam totalmente ligadas à ele. Como convém a uma cultura com nenhuma palavra para “pai” ou “marido”, as mulheres não casam. Em vez disso, têm quantos amantes quiserem, convidando-os para encontros secretos à noite (geralmente depois que os homens passaram o dia todo abatendo porcos, enquanto elas organizavam as finanças domésticas). A propriedade é transmitida através da linha feminina e não há nenhum estigma em não saber quem é o pai de uma criança. Tal utopia matriarcal tem desvantagens, no entanto – visitantes curiosos vão até a região antes isolada sob a sugestão equivocada de que as mulheres Mosuo oferecem sexo grátis o tempo todo. Infelizmente, algumas das aldeias anteriormente pacíficas foram invadidas por hotéis, cassinos, karaokês e até um “distrito vermelho”.

Hopi
A tribo indígena americana Hopi se chama de “as pessoas pacíficas”. Eles basearam seu modo de vida em um respeito por seu ambiente, e tradicionalmente se organizam em volta de matriarcas. As mulheres ocupam a maior parte do poder, mesmo que o trabalho seja dividido igualmente.

Todas as mulheres se reúnem sempre que um bebê na tribo chega aos 20 dias de idade, a fim de nomeá-lo. É uma sociedade extremamente cooperativa, e que evoca princípios comuns a todos os níveis.

Chambri
Os escritos de Margaret Mead sobre o povo Chambri, de Papua Nova Guiné, em 1930 ajudaram a reforçar o feminismo nos Estados Unidos. Mead escreveu sobre como as mulheres é que pescavam e proviam para sua família e comunidade na sociedade Chambri. Antropólogos mais tarde concluíram que, embora as observações de Mead estivessem corretas, a dinâmica de poder entre as relações dos Chambri era mais igualitária do que ela deixou transparecer. No entanto, o povo Chambri ainda é um bom exemplo de uma sociedade com uma política sexual atípica, onde mulheres mantêm o controle de muitos aspectos da cultura.

Meghalaya
De acordo com o Livro dos Recordes Guinness, o estado indiano de Meghalaya é o lugar mais chuvoso na Terra. Suas populações tribais também possuem um dos poucos sistemas matrilineares sobreviventes do mundo, onde as mulheres, em vez de homens, são as donas das terras e propriedades. A tradição dita que a filha caçula da família herda todos os bens, bem como atua como zeladora dos pais idosos e irmãos solteiros. Quanto aos homens da família, um movimento sufragista surgiu, com grupos de direita afirmando que a cultura matrilinear está produzindo gerações de senhores que ficam aquém do seu potencial, posteriormente entrando no alcoolismo e abuso de drogas.

Aka
Os homens do povo Aka, na Bacia do Congo, na África, têm sido descritos como os “melhores pais do mundo”. Eles brincam com seus bebês pelo menos cinco vezes mais frequentemente que homens de outras sociedades. Enquanto as mulheres caçam, os homens cozinham. Berços não existem; os casais nunca deixam os bebês deitados sozinhos, e se um deles bate em uma criança, isso é base para divórcio. Mais impressionante de tudo, os pais Aka oferecem seus mamilos como chupetas para seus bebês quando a mãe não está por perto.

Minangkabau
Vivendo principalmente na Sumatra Ocidental, na Indonésia, em quatro milhões de pessoas, o povo Minangkabau é a maior sociedade matrilinear conhecida hoje. Além do direito tribal que exige que todos os bens do clã sejam legados de mãe para filha, o povo Minangkabau acredita firmemente que a mãe é a pessoa mais importante da sociedade. Após o casamento, cada mulher adquire seu próprio quarto. O marido pode dormir com ela, mas deve sair no início da manhã para tomar café na casa de sua mãe. Aos 10 anos, os meninos saem da casa de sua mãe para ficar em quartos de homens e aprender habilidades práticas. Os homens são sempre chefes do clã, mas são elas que escolhem o chefe e pode tirá-lo do posto se sentirem que ele não cumpriu suas funções.

Akan
Os Akan vivem em sua maioria em Gana e aderem à estrutura social matriarcal, apesar da pressão do governo.

A organização social dos Akan é fundamentalmente construída em torno do clã matriarcal. Dentro deste clã, a identidade, herança, riqueza e política são todas determinadas pelas mulheres.

No entanto, homens tradicionalmente ocupam cargos de liderança. Muitas vezes, o homem deve não só sustentar sua própria família, mas as de suas parentes do sexo feminino.

Bribri
O povo Bribri é um pequeno grupo indígena de pouco mais de 13 mil pessoas que vivem em uma reserva no Cantão Talamanca, na província de Limón, Costa Rica. Como muitas outras sociedades matrilineares, a de Bribri é organizada em clãs. Cada clã é composto de uma família e determinado pela matriarca. As mulheres são as únicas que tradicionalmente podem herdar terra, além de possuírem o direito de preparar o cacau usado nos rituais sagrados do povo.

Nagovisi
O povo Nagovisi vive no sul de Bougainville, ilha de Nova Guiné. O antropólogo Jill Nash relatou detalhes da sociedade dividida em clãs matriarcais. Por exemplo, mulheres Nagovisi estão envolvidas na liderança e cerimônias do povo, mas também trabalham nas terras que possuem. Nash observou que, quando se trata de casamento, a mulher Nagovisi dá à jardinagem e à sexualidade igual importância. O casamento não é institucionalizado. Se um casal é visto junto, dorme junto e o homem ajuda a mulher em seu jardim, para todos os efeitos, eles são considerados casados.

Bijagós
Trata-se de uma comunidade da ilha Orango Grande, no arquipélago Bijagós, em frente a costa de Guinea Bissau, onde as mulheres governam, gerenciam a economia e são respeitadas.

Segundo a antropóloga Anna Boye, nesta comunidade bijagó de Orango Grande cada sexo tem funções diferentes: as mulheres seguem a tradição de seus antepassados e organizam o trabalho, a gestão da economia e a lei, porém com um sistema de valores que aprecia os homens por sua sensibilidade e delicadeza e os valoriza pelo trabalho no campo, na caça e na pesca. Também os homens são levados em conta na hora de decidir as questões da comunidade com vistas ao bem comum.

Abaixo, o documentário Matriarcados: A lha das Mulheres, da antropóloga Anna Boye, outro sobre a sociedade Mosuo e um terceiro questionando o rebaixamento da mulher na educação patriarcal (à guisa de comparação). Fazer alguma coisa como uma menina é uma coisa negativa, ridícula.

Com informações de Hypescience e do blog da antropóloga Anna BoyeVer também Libertem as meninas do estereótipo feminino e elas serão grandes cientistas, matemáticas, engenheiras 




Publicado originalmente 04/07/2014

quinta-feira, 23 de março de 2017

Empresa Memphis Meats, do Vale do Silício, produz carnes sem matar animais

Empresa produz carne vermelha e de frango sem matar animais 

A Memphis Meats, do Vale do Silício, anunciou na semana passada a criação bem-sucedida de filés de frango e de pato cultivados em laboratório, feitos com DNA dos animais, mas sem abater nenhum. Os produtos são feitos a partir de amostras de célula que se multiplicam quimicamente e formam filés quase idênticos aos que já conhecemos.

Os filés de aves vêm um ano depois do lançamento das almôndegas produzidas em laboratório pela mesma companhia, que promete revolucionar a indústria alimentícia produzindo carne “de verdade” sem crueldade.
É emocionante induzir os primeiros frangos e patos que não precisaram da criação de animais. Este é um momento histórico para o movimento da carne limpa”, disse, em comunicado, Uma Valeti, CEO da Memphis Meat. 
Nós realmente acreditamos que esse é um momento significativo para a humanidade, e uma oportunidade de negócio incrível – de transformar uma indústria global gigante enquanto contribuímos para resolver um dos problemas de sustentabilidade mais urgentes do nosso tempo”, continua.
Embora já estejam prontos, os produtos devem ser lançados aos consumidores apenas em 2021, quando a companhia espera ter reduzido os custos o suficiente para que seja viável a venda dos mesmos pelos valores das carnes no mercado. Atualmente, produzir 500 g de carne em laboratório custa cerca de US$ 9 mil.

Confira, abaixo, o vídeo de divulgação da companhia, e clique aqui para mais fotos dos pratos feitos com os produtos:


Fonte: Infomoney, 20/03/2017

segunda-feira, 6 de março de 2017

O sequestro do termo "gênero": uma perspectiva feminista do transgenerismo

Transgenerismo: de volta à medicalização do comportamento humano
Já havia escrito sobre transgenerismo aqui no blog, com o texto Que conservadores e "progressistas" me desculpem, mas não existe criança "trans", ainda não muito consciente das dimensões dessa nova onda. Hoje, melhor informada e mais preocupada, pretendo abordar, sempre que possível,  os vários aspectos que configuram essa moda regressiva. Para começar, traduzi e editei o texto abaixo, da ensaísta americana Terri M. Murray, também mestre em Teologia, com especialização em ética cristã, e doutora em Filosofia, que escreveu o livro "Thinking Straight About Being Gay: Why It Matters If We’re Born That Way," (algo como "Visão hétero sobre ser Gay: Por que importa se nascemos desse jeito?").

Ressalvo que, neste texto, quando a autora fala em "queer", refere-se à comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e drags e não aos adeptos da teoria queer.  "Queer" é um termo pejorativo, em inglês, usado contra homossexuais e outros indivíduos sexualmente não normativos. Significa esquisito, estranho, anormal. Já em fins dos anos 80, contudo, ele passou a ser assumido pelos próprios discriminados como identidade política, principalmente no contexto do surgimento da AIDS. A partir da década de 90, sobretudo de 1991 em diante, passa a ser adotado pelos acadêmicos que forjaram a chamada Teoria Queer, entre outros, Teresa de Lauretis, Michael Warner, Judith Butler, Eve Kosofsky Sedgwick, Lee Edelman. 

Por fim, embora tenha alguma divergência com a autora, concordo no geral com sua abordagem que me trouxe inclusive um novo dado sobre o tema. Ela faz um histórico a respeito da mudança do conceito de gênero, da visão progressista, dos tempos dos movimentos pelos direitos civis (meados do século passado até o novo milênio), para a visão regressiva atual. Aponta como o movimento transgênero sequestrou a linguagem e imitou a  postura política dos movimentos libertários anteriores, com intenção, contudo, oposta a desses movimentos (cavalo de Troia de uma política sexual regressiva). Aponta também para o retorno da medicalização do comportamento humano, trazida no bojo do transgenerismo, em particular no que se refere ao possível futuro da biotecnologia como ferramenta para eliminar homossexuais ainda no útero. E termina proclamando a volta ao conceito de gênero anterior como a via para nos livrar do possível futuro distópico que se avizinha. Não é uma leitura rápida, mas para sorver como um bom vinho. Degustem!

Terri M. Murray
O sequestro do termo "gênero":
uma resposta feminista ao transgenerismo 

Gênero costumava ser um conceito legal. Feministas fodonas como Simone de Beauvoir o usaram para distinguir o que você tem no meio das pernas (sexo) do que tem entre  as orelhas (gênero). Você nasceu com o primeiro; o segundo lhe ensinaram. O que colocaram entre suas orelhas (mente) chegou ali via doutrinação cultural patriarcal.

Mas essa concepção libertadora sempre teve variados opositores. Quando as mulheres começaram a ocupar papéis considerados masculinos ou posições consideradas tradicionalmente masculinas, os agentes do patriarcado recorreram à “natureza” para reforçar o sistema. Apelar para a "natureza" funcionava (e funciona) porque a paisagem cultural estava tão saturada de estereótipos (e continua) que eles pareciam (parecem) realmente naturais. Nesse contexto, foi fácil criar uma teoria biologicamente determinista para explicar porque o patriarcado não seria uma questão política mas sim uma necessidade biológica. Sociobiologistas, como E.O. Wilson, insistiram que a persistência do patriarcado se deveria ao suposto fato de a cultura ser assentada nos genes 😲.

Nada de novo nessa abordagem. Freud já havia postulado que as raízes da cultura patriarcal emanavam do pênis e da vagina (principalmente do todo-poderoso pênis). Tradicionalistas cristãos sempre vincularam os arranjos sociais patriarcais às funções reprodutivas, como visto na “Criação”, limitando os papéis sociais das mulheres aos de mãe e esposa. A transgressão e a punição de Eva por "deus" reforçaram mais ainda a subserviência da mulher ao marido. E São Paulo acrescentou uma pitada da autoridade do Novo Testamento a essa receita, declarando que as mulheres “deveriam se submeter aos maridos” assim como ao "senhor". A sagrada instituição do casamento era uma invenção humana, mas continha as intenções de “deus”.

Algumas feministas teimosas se recusaram a concordar com essa naturalização do patriarcado e seu concomitante determinismo biológico, em vez disso apontando a dominação masculina como resultado das instituições sociais, culturais, teológicas, acadêmicas e econômicas de nosso mundo. Existencialistas como Beauvoir abominavam ideias que tentavam explicar o comportamento humano como determinado por alguma "essência" fixa. Tanto ela quanto seu companheiro de longa data, Jean-Paul Sartre, insistiam que o caráter dos indivíduos é formado em resposta às circunstâncias que vivenciam e através das escolhas que realizam. Somos jogados nesse mundo, in situ, com nossa capacidade de livre-arbítrio, e nossas escolhas precisam ser tomadas inclusive frente a situações imutáveis como a do sexo biológico com o qual nascemos. Mas como as pessoas reagem a essas situações depende de cada uma particularmente. Embora seja óbvio que apenas mulheres possam engravidar, as implicações dessa capacidade são indeterminadas, e a atual divisão sexual do trabalho é apenas uma possibilidade de arranjo social entre várias outras.

Assim como as feministas de outrora, gays, lésbicas e bissexuais costumavam transgredir os estereótipos de gênero ensinados pela cultura patriarcal. A partir dos amplamente difundidos mitos de gênero heterossexistas, essas pessoas desviantes (queer) foram rotuladas de “sapatões”, “bichas”, "caminhoneiras", “viados” — nomes criados para estigmatizar qualquer indivíduo que se recusasse a agir e se vestir de acordo com os papéis de gênero sexistas e heterossexistas. Mas elas reagiram à intolerância dos criadores desses mitos, apropriando-se desses apelidos pejorativos e transformando-os em bandeiras de luta.
Dzi Croquettes
 Ao tornarem as normas de gênero uma forma de teatro, drag queens e kings mostraram que qualquer pessoa pode adotar e imitar os papéis de gênero independente de sua genitália particular, dessa forma expondo o fato de que o gênero não é algo natural, mas sim uma forma convencional de interpretação, como um figurino que se usa ou se tira (a la Judith Butler). Queers encarnaram o fracasso dos estereótipos de gênero em colar nas pessoas reais. Tudo isso era revolucionário porque desnudava a ficção conservadora de que todos os homens compartilham de uma personalidade heterossexual masculina diferente da das mulheres e vice-versa.
Na esteira das feministas, os queers começaram a apontar que somados aos mitos sociais sobre como meninos e meninas se sentem vem também a noção de que todas as pessoas são atraídas pelo sexo oposto. Boa parte da concepção de gênero é construída com base nos papéis heterossexuais e no heterossexismo. Os papéis sociais femininos e masculinos, culturalmente normativos (quer dizer, papéis de gênero), tornaram-se ritualizados como parte da cultura ocidental cristã que fetichiza e erotiza a diferença sexual.  Exagerar as diferenças entre mulheres e homens, mistificar o sexo oposto e tornar tabu os atos sexuais serve também para elevar a excitação de penetrar os mistérios do "outro" e transpor as barreiras que se opõe à realização sexual. Pressupor que a heterossexualidade é inata facilitou a bifurcação dos humanos em dois tipos opostos que se atraem mutuamente. Da mesma forma que as feministas rejeitaram a definição de “mulher” como ser oposto ao ideal masculino, os homossexuais se recusaram a ver a si mesmos como a versão defeituosa ou perturbada dos heterossexuais.

Tanto para as feministas quanto para os queers de fins do século passado, o natural havia sido reprimido pelo social. Ao mesmo tempo, porém, o "natural" também era produzido pelos pressupostos culturais e teológicos existentes. Ideias sobre gênero não são apenas resultado de observações empíricas; elas são as premissas das "pesquisas". Por isso, quando os indivíduos não se amoldam aos estereótipos de gênero, alegadamente estariam invertendo os papéis de gênero (supostamente fixos, reais) e não expondo-os como as ficções que de fato são. Se os indivíduos, quando observados, não se conformam realmente com as ideias sociais de gênero, então isso deveria valer como evidência de que as ideias sociais sobre gênero são furadas. Em vez disso, os papéis de gênero são pressupostos a priori, e as evidências em conflito com eles são interpretadas como sinais de "anormalidade" ou "desvio", não como uma indicação de que a pressuposta "norma" sempre foi falha. Há um problema de circularidade em toda a moldura conceitual onde as questões de gênero são "pesquisadas". O bestseller de John Gray "Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus" é um bom exemplo dessa metodologia anticientífica.
O novo movimento transgênero não é uma extensão dos esforços anteriores para desconstruir a mitologia sexista e heterossexista. Não agrupa feministas e dissidentes de gênero numa frente solidária e unida em oposição à mitologia heterossexista e aos estereótipos sexuais. Ao contrário, divide e conquista o outrora poderoso movimento contracultural, sequestrando sua linguagem e imitando sua postura política para disfarçar intento oposto ao desse movimento. Embora numericamente reduzidos, os ativistas transgênero, promotores desse contra-ataque ao movimento contracultural, são figuras bem posicionadas no establisment e contam com apoio total da mídia na promoção de sua "causa" - outra coisa que os separa dos predecessores libertários dos anos 80 e 90.
Nos últimos anos, o termo "gênero" foi radicalmente redefinido por esse movimento reacionário que o tornou sinônimo de mero estado mental interior em oposição a seu significado original de "série de convenções (e restrições) sobre como mulheres e homens podem ser e o que podem fazer". Chrissie Daz está certa ao afirmar que alguma coisa fundamental se alterou na forma como o termo gênero passou a ser entendido no século XXI, com os novos ativistas transgênero representando uma grande mudança paradigmática em relação à concepção de gênero prevalente nos 40 anos anteriores. A princípio uma ideia empunhada pela esquerda liberal (social-democrata) contra as normas sociais sexistas e heterossexistas conservadoras, o termo "gênero" foi transformado numa arma do arsenal de uma política regressiva que não é somente sexista mas também homofóbica. 
O atual movimento transgênero reforça o mito de que homens e mulheres são espécies diferentes de seres humanos, não apenas reprodutiva mas mentalmente - com diferentes desejos, necessidades, atitudes e mentes distintas. Agora os porta-vozes do transgenerismo apoiam a naturalização conservadora tradicional de "masculinidade" e "feminilidade" como estados psicológicos inatos, intrínsecos ao ser humano desde o nascimento e provenientes de química cerebral ou de outras interações hormonais do corpo. A ideia progressista de que não há um jeito uniforme de meninas e meninos sentirem ou pensarem foi descartada. Em vez de lutar contra o rígido binarismo de gênero heterossexista (como sua retórica, aliás, sugere), os novos guerreiros transgênero assumem que seu inato senso de eu  ("identidade") é inerentemente "masculino" ou "feminino" antes de qualquer socialização. Aparentemente, julgam que a doutrinação cultural é insignificante. O termo "gênero" foi despolitizado, naturalizado e medicalizado de um só golpe.
Gênero agora é um conceito que aparenta fazer o tipo de trabalho político outrora associado ao movimento dos direitos civis. Na verdade, contudo, sua nova versão reverte a lógica que norteou os direitos civis no passado. Os ativistas dos direitos civis  apontavam que a discriminação baseada em diferenças biológicas como cor da pele ou sexo falhava em reconhecer a humanidade comum a todas as pessoas como agentes morais. Agrupar pessoas de acordo com traços físicos comuns negligencia o caráter e a individualidade das mesmas. Grupos humanos eram definidos por referência à cor de pele ou aos genitais, não por seu agenciamento humano, seu caráter ou comportamento. Assim as pessoas eram reduzidas a seus corpos (ou parte deles) enquanto seus atributos mais distintivos de intelecto e vontade (aspectos que deveriam fundamentar qualquer avaliação de caráter) eram negligenciados.

A "masculinidade" ou "feminilidade" da psique trans é tratada como uma condição
 inata semelhante à cor do cabelo ou à pigmentação da pele.
Os ativistas de gênero atuais não reivindicam ser tratados como indivíduos nem veem seu caráter como uma escolha. Eles enfatizam que pertencem a uma ‘minoria’ definida pela identidade de gênero ou por uma similar condição biológica que alegadamente teriam com outras pessoas. Enquanto os ativistas de direitos civis tornaram a biologia irrelevante, os ativistas dos direitos de gênero a colocaram num altar. A "masculinidade" ou "feminilidade" de sua psique é tratada como uma condição inata semelhante à cor do cabelo ou à pigmentação da pele. Assim sendo, como categoria de pessoas definidas por referência a uma suposta diferença biológica inata, eles não deveriam sofrer mais discriminação do que mulheres ou minorias étnicas. Entretanto, enquanto mulheres e minorias étnicas dos movimentos civis de meados do século XX estavam ansiosas por se desassociar das referências biológicas reducionistas de suas identidades, reivindicando não ser definidas a partir de sua genitália ou cor da pele, os ativistas transgênero de hoje reivindicam reconhecimento de sua alegada diferença "biológica", acreditando que o pertencimento a um grupo biológico particular os autoriza a ter direitos civis.

Adotar a narrativa biológica determinista da condição trans (uma psique de gênero inata) requer que primeiro aceitemos as premissas conservadoras sobre gênero. Como vimos acima, uma coisa que vem incrustada no conceito de gênero é a heterossexualidade obrigatória de mulheres e homens. Assim, se a ideologia de gênero heterossexista define "mulher" como par erótico do homem, as lésbicas tendem a não se identificar com a ‘feminilidade’ (papel de gênero feminino), já que não se sentem atraídas por homens nem desejam ser objeto da atenção sexual masculina. Da mesma forma, gays acharão difícil se encaixar na masculinidade heterossexual e suas correspondentes suposições eróticas.
Uma vez que o conceito de gênero binário vem sendo renaturalizado e recolocado como um dos dois possíveis estados psicológicos dos seres humanos, as pessoas de sexo feminino que se identificam com o que se convencionou chamar de masculino e seu correspondente objeto de desejo ficam com a única opção de "se tornar" do sexo masculino. Se elas desejam "agir como homens", sendo biologicamente mulheres, é porque estão doentes (disfóricas). O mesmo para as pessoas de sexo masculino que sentem forte afinidade com os papéis normativos de gênero feminino e sua correspondente orientação sexual. Não por menos pessoas homossexuais andam tão confusas diante desse contexto.
Médicos especialistas em transgêneros identificam a disforia (insatisfação) de gênero como uma condição psicossexual anormal. Mas, se a disforia é realmente um efeito ou sintoma do mal-entendido da sociedade a respeito da bioquímica sexual natural, então a doença não é intrínseca ao paciente; ela  resulta do relacionamento entre o paciente e a cultura circundante. De fato, tanto o eugenista liberal Nicholas Agar quanto os bioeticistas cristãos Michael J. Reiss e Roger Straughan interpretam "doença" como um conceito socialmente construído ou “de certo modo, um relacionamento entre a pessoa e a sociedade”.
Os ativistas queer do passado, porém, argumentavam que é a natureza do próprio relacionamento - não a natureza do "paciente" - que faz o mesmo se sentir infeliz. Hoje, todavia, o desconforto social com a diferença foi reconceituado como uma anormalidade psicossexual da constituição do paciente. O "cérebro desordenado" do sujeito é visto como a causa de uma inaceitável interação do indivíduo com as organizações sociais. Como consequência política dessa concepção, desvia-se o foco da crítica das instituições sociais necessitadas de reforma para a reforma do indivíduo supostamente anormal. Ele precisa ser reformulado para se encaixar nas instituições.
Para citar um exemplo de como isso funciona na prática, basta considerar a situação das pessoas homossexuais no Irã. O Irã é uma teocracia sexista, intolerante e homofóbica, onde as leis fundamentalistas religiosas impõe um estrito status quo heteronormativo. A solução estatal para a homossexualidade nesse país se resume a duas possibilidades: (1) punir ou executar quem a pratica abertamente, ou (2) "encorajar" homossexuais a transicionar, cirurgicamente, para o sexo "correto" de modo que a pessoa se encaixe na norma heterossexual, a única norma que o Irã tolera. Consequentemente, o Irã tem o segundo maior número de cirurgias de redesignação sexual do mundo, perdendo apenas para a Tailândia. Tal fato se assemelha ao clareamento químico da pele das pessoas negras para torná-las mais aceitáveis numa sociedade racista, quando o que deveria ser feito é atacar o racismo. Trata-se de uma política regressiva. Em vez de rejeitar ou desconstruir o binarismo heteronormativo, a indústria médica está facilitando a "desconstrução" literal do indivíduo transgênero - literalmente desconstruindo seu próprio corpo -  de modo que ele se refaça na imagem heterossexista desejada. Isso é violência mascarada de compaixão.
Esse tipo de prática não é muito diferente da "medicina" de estilo soviético do início dos anos 70, quando o estado soviético usava de violência física somente como último recurso ao lidar com os dissidentes que começavam a pressionar por mais liberdade política. Investigações psiquiátricas e diagnósticos de doença mental (esquizofrenia geralmente) se tornaram o instrumento preferido para possibilitar o encarceramento dos dissidentes em hospitais psiquiátricos. À luz do relacionamento político conturbado entre o movimento pelos direitos homossexuais e as instituições políticas vigentes, a atual tendência de tratamento transgênero pode ser melhor analisada com base no argumento de Michel Foucault de que toda as categorias de desordens psicológicas são expressões de relacionamentos de poder na sociedade. De forma simplificada, Foucault vê a loucura não como própria do indivíduo mas sim como uma definição social desejada pela sociedade para o segmento não-conformista de sua população.

O "reconhecimento" clínico e médico aparentemente progressista e compassivo do "paciente" transgênero está na realidade reforçando o binarismo heteronormativo que por muito tempo causou sofrimento e alienação para uma grande variedade de pessoas homossexuais. Não precisamos nos opor a que adultos bem informados consintam em transicionar cirurgicamente para um corpo com o qual se sintam mais à vontade. Entretanto, progressistas não deveriam correr para abraçar esta opção acriticamente ou como a solução principal para os que sofrem com a chamada disforia de gênero.

Editado de comentários do facebook: cons e trans, farinhas do mesmo saco
Simplesmente não há como testar se a infelicidade de alguns com seu corpo é um subproduto da doutrinação dogmática de gênero ou uma condição inata, já que todas as culturas tem doutrinação de gênero, embora das formas as mais variadas. Não há um grupo de controle contra o qual se possa comparar indivíduos doutrinados pelos estereótipos de gênero. Mas a reivindicação dos transativistas de que algumas pessoas do sexo feminino são inerentemente "masculinas" enquanto outras de sexo masculino são inerentemente "femininas" assume o que precisa provar: a saber, que o gênero é natural e intrínseco à feitura psicossexual dos indivíduos em vez de uma série de ficções culturalmente em circulação que as pessoas internalizam. Embora não haja problema em aceitar a hipótese de que a orientação sexual possa ser inata, tal aceitação não nos compromete a comprar uma teoria essencialista de gênero. De fato, feministas e queers progressistas deram um tiro no pé ao abandonar a distinção natureza-cultura que o conceito de gênero anterior tão bem iluminou.

No contexto da narrativa determinista de gênero, torna-se difícil distinguir a pessoa homossexual da transgênero. Esta última é conceitualizada como alguém que tem uma psique feminina ou masculina presa no corpo "errado". Mas, "errado" de acordo com quem ou com o quê? Não importa se homossexual ou heterossexual, as normas de gênero binárias representam uma série de restrições de atuação para pessoas de sexo feminino e masculino. A própria homossexualidade representa uma boa razão para que algumas pessoas não se sintam à vontade em seus próprios corpos, dadas as expectativas sexuais erigidas junto com as normas de gênero heterossexistas. Mas algumas pessoas heterossexuais também consideram muito difícil se identificar com muitas das expectativas inerentes ao gênero que lhes designaram. Algumas pessoas simplesmente acham os conceitos de gênero muito alienantes e não conseguem se adaptar a suas generalizações sobre "mulheres" e "homens". Não são doentes por isso, apenas apresentam um sintoma de desconforto social. Todos os indivíduos são "encorajados" a acreditar que ficarão melhor e serão mais felizes se suas ideias sobre seus "eus" biológicos se encaixarem com as ideias culturalmente aceitáveis. E elas podem ser ainda mais felizes se transicionarem em vez de virarem crossdressers ou viverem com a constante rejeição que assombra os não-conformistas. Numa sociedade inclusiva, a opção de transicionar não deveria ser descartada, mas, de novo, igualmente não deveria ter precedência sobre a luta por novas reformas sociais. Sobretudo deveria ser uma decisão tomada apenas por  adultos que estão plenamente conscientes do papel que a cultura joga no entendimento que elas têm de si mesmas.

Para compreender as implicações políticas iminentes da atual tendência de direitos transgênero, precisamos ter clareza de como seus conceitos centrais funcionam em relação aos direitos da mulheres e da população LGBI assim como em relação à eugenia liberal. Eugenistas transhumanistas/Liberais (Nicholas Agar, Julian Savulescu, James Hughes, Nick Bostrom, David Pearce, Gregory Stock, John Harris, Johann Hari, et al.) combinam biopolítica com economia de livre mercado para alcançar uma política social ostensivamente liberal sobre o uso da biotecnologia. Estes autoproclamados "eugenistas liberais" estão reivindicando o uso ilimitado ou desregulado da reprogenética. Eles diferenciam a reprogenética da eugenia considerando que esta última implica coerção estatal a pretexto de beneficiar pessoas. A primeira (reprogenética) seria voluntariamente buscada por pais com o objetivo de melhorar suas crianças de acordo com suas preferências. Esta seria uma eugenia "privatizada" ou de "livre mercado" (havendo naturalmente um incentivo financeiro para promover seu uso).
Dentro da aparentemente progressista barriga do Cavalo de Troia transgênero se esconde uma política sexual regressiva que está pronta para usar a medicina e a biotecnologia a fim de, primeiro cirurgica e quimicamente - e mais tarde talvez mesmo geneticamente - recolocar-nos nos papéis tradicionais do velho binarismo heterossexual. A engenharia social feita por meio da disciplina e da punição pode logo ser realizada via biotecnologia, tratamentos hormonais pré-natais e/ou edição de genoma.
Considerando a hipótese de uma causa biológica para a atração homossexual, eliminá-la certamente reduzirá o comportamento homossexual. Negar tal fato é fingir que atos sexuais voluntários não têm relação com a atração sexual involuntária. O exato propósito das intervenções reprogenéticas será, através da eliminação da predisposição biológica involuntária para o comportamento homossexual, eliminar o comportamento homossexual voluntário dos indivíduos. Isso acontecerá não por tirar o livre-arbítrio dos indivíduos mas sim por guiar biologicamente a direção para onde suas escolhas se encaminharão, onde serão  mais provavelmente expressas. Mas poderão ainda aquelas pessoas cuja orientação sexual principal é hétero se engajar em atos homoeróticos? Naturalmente. Mas isso passa ao largo da questão central. As intervenções reprogenéticas para proibir o desejo homossexual constituiriam uma forma de engenharia social, que não é terapêutica em qualquer sentido médico, visando restringir o comportamento do indivíduo (sem seu consentimento) aos objetivos de vida que os pais preferem. O futuro poderá trazer pessoas homossexuais que não se rebelem contra a doutrinação homofóbica dos pais nem saiam do armário porque simplesmente não desejarão fazê-lo.

O novo movimento trans (intencionalmente ou não) remove a única barreira que impede pais de serem capazes de presumir o consentimento implícito do paciente para essa espécie de "tratamento" eugenista de sua "condição" psicossexual. Para definir e mirar a orientação homossexual como uma condição médica passível de "tratamento" será necessário primeiro distinguir esse "tratamento" da violência médica homofóbica, que seria muito questionável. O que inviabiliza essa distinção é a suposição de que o paciente alegremente coincidiria com tal "tratamento". Em sua pressa para abraçar os "direitos transgênero", progressistas bem intencionados e pessoas homossexuais estão fomentando exatamente essa suposição. O movimento eugenista homofóbico tem buscado o santo graal da orientação sexual biológica com o objetivo de descobrir como mudá-la. Se algum dia realmente localizarem uma causa ou causas biológicas para a orientação homossexual, só lhes faltará, para poder curá-la, uma moldura conceitual que lhes permita a edição homofóbica do genoma ou o tratamento hormonal  pré-natal a fim de parecerem benevolentes. Como o "tratamento" será feito num feto, os especialistas precisarão patologizar a homossexualidade de tal forma que os pais acreditem que é como se tivessem o consentimento do paciente (prole) para sua "cura".

Mas eles só podem presumir tal coisa se os indivíduos com sexualidades não binárias consentirem em mudar a si mesmos. O movimento transgênero luta pelo reconhecimento de sua condição desviante como condição médica e reivindica o "direito" de seus integrantes, como pacientes, de ter acesso à assistência médica para transicionar de volta à definição de saúde socialmente conservadora.

Mesmo que alguns dos transicionados não venham a se tornar heterossexuais, terão de qualquer forma apoiado a noção heterossexista de que gênero é, para algum subconjunto de indivíduos, uma condição biológica interna que os faz se sentir mal. Como pacientes voluntários que aceitam a medicalização de sua infelicidade, eles terão jogado um importante papel na reformulação teórica de questões políticas como patologias clínicas. Embora os apoiadores dos trans sejam motivados por boas intenções, eles involuntariamente ajudam os conservadores sociais a vender uma agenda eugenista ao público, travestindo-a  de compaixão esclarecida ou tolerância pela diversidade.
Não há razão pela qual não possamos sentir compaixão por pessoas que se sintam presas num corpo biológico "errado". O perturbador não é como esses indivíduos se sentem.  Pelo contrário, a questão é como seus sentimentos estão sendo enquadrados ou interpretados, e isso se deve em parte aos contextos sociopolíticos nos quais seus sentimentos surgiram em primeiro lugar. Como Sarah Ditum argumentou, "a existência do sofrimento não é evidência de que o sofredor tenha clareza inquestionável da origem de seu sofrimento." Se as sociedades fossem organizadas em torno da ideia de que a sexualidade humana natural (atração) inclui tanto as variantes heterossexuais quanto as homossexuais, não somente isso ajudaria a eliminar o estigma associado aos intersexuais, como diminuiria significativamente a homofobia e (em grande medida) o sexismo. E como isso quebraria os mitos sexistas que alienam os que não se sentem "à vontade" com os papéis sociais designados para pessoas de seu sexo, provavelmente haveria também um aumento do bem-estar daqueles que atualmente sentem que estão presos no corpo "errado".
                  
Fonte do original: Culture on offensive: The Hijacking of Gender: A Feminist Take on Transgenderism Tradução: Míriam Martinho, São Paulo, 04/03/2017

Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana. Aqui ela afirma o óbvio: "Não acho que seja uma boa coisa falar das questões das mulheres como se fossem as mesmas das questões das transfemininas (ou transmullheres) porque não acho que isso seja verdade. 

Uma transfeminina (ou transmulher) honestíssima afirma que as trans não são mulheres.

Também se opõe aos procedimentos de transição em crianças pelos danos que causam à saúde das mesmas.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Retrospectiva 2015: A cultura do desrespeito detona o "homem cordial" brasileiro

Ruth de Aquino
A jornalista Ruth de Aquino faz uma crônica realista das cidades e do povo brasileiro e detona o mito do nosso "homem cordial". Os brasileiros estão cada vez mais para "homem selvagem", tendo como trilha sonora a vulgaridade do funk sob o governo obsceno do PT.

Precisamos encontrar forças - nem sei onde - para achar uma luz no fim do túnel nem que seja a luz fornecida por um isqueiro. Pessoalmente, não é de hoje que digo que, se tivesse condições, iria passar os restos do meus dias em algum lugar mais civilizado. Porque esta zona aqui é um martírio para qualquer pessoa minimamente civilizada.

A cultura do desrespeito
Washington parece outro planeta. O motorista sorri. A cidade funciona. A vida flui. Gentileza gera gentileza

É cada vez mais deprimente voltar ao Brasil, depois de uns dias em cidade civilizada no exterior. A falta de educação nas grandes cidades brasileiras torna o cotidiano uma batalha diária. Isso para não falar na falta total de segurança. Física e econômica. O desrespeito das prefeituras e dos governos estaduais com as necessidades básicas do cidadão e do contribuinte – saúde, educação, moradia e transporte – contribui para provocar um êxodo, não só para fora do país. Casais de jovens, com ou sem filhos, começam a se mudar para cidades pequenas. Buscam relações mais humanas, gastos mais baixos, menos estresse, menos poluição, menos barulho, menos tempo no trânsito, menos risco de morrer atropelado, esfaqueado ou com um tiro no ponto de ônibus, no parque ou na praia. “Cansamos”, dizem.

“Não aguento mais abrir um jornal”, ouço falar. O problema não é o jornal, mas a realidade estampada na imprensa. Os exemplos do “Rio que dá certo” ou da “São Paulo que dá certo” são raros. Sem contar a devassidão moral e ética de nossos políticos, incomoda perceber que “o brasileiro cordial” não passa de um mito.

Não é o nível de escolaridade que conta. As festas no playground de meu prédio no bairro do Leblon são um retrato da falta de educação e civilidade da tal elite. Barulho absurdo, contra a convenção, e o lixo de garrafas, latas e gordura – para o porteiro limpar. No condomínio pequeno de Búzios onde tenho casa, ameaço chamar a polícia porque o som de funk e batidão eletrônico na piscina, misturado a gritos femininos de ca$*&#ralho, não deixa a neta dormir. Resposta: “Mas aqui na festa só tem delegado e policial”.

Estive em Washington em abril e me senti num “retiro espiritual”. As pessoas sorriem para você na rua. Do nada. Pedestres felizes, confiantes e desarmados. Como assim? No metrô, cede-se lugar a crianças. Não se empurra ninguém. Já os brasileiros... a moda agora é nem esperar a pessoa sair do elevador. Ao entrar numa farmácia ou pagar no caixa em Washington, você escuta: “How are you doing today?”, acompanhado de um sorriso. Os grandes supermercados são limpos, imaculados! Os produtos têm qualidade. Vinho francês Mouton Cadet a US$ 9,99. Carnes, peixes e frutos do mar frescos. Enorme oferta de orgânicos.

Impossível comparar os preços de carros com o Brasil. Dá inveja o esquema de leasing. Não existe Detran em Washington, já pensou que maravilha? Não há obrigação de vistoria. Ninguém é refém de cartório. Caramba. Por que infernizam tanto a nossa vida?

Ninguém fecha e xinga no trânsito nem ousa trafegar pelo acostamento ou acelerar no sinal amarelo. Não há policiais de trânsito. Se existe um cruzamento sem sinal, a prioridade é do pedestre. O carro para no meio da rua ao enxergar um ser humano a pé. O motorista sorri para você. Parece outro planeta. A cidade funciona. A vida flui. Gentileza gera gentileza.

Ao usar o celular, ninguém olha para os lados com medo de assalto seguido de morte. Ao andar na calçada, ninguém é atropelado por ciclistas que teclam o celular! Isso não existe. Bicicletas não disputam espaço com pedestres, crianças, idosos. No Brasil, tiram fino, em velocidade.

Posso falar com mais propriedade do carioca, já que nasci em Copacabana e sempre amei esta cidade. Era bem melhor. O Rio virou uma selva. Selva não, tadinhos dos animais. Virou uma zona. Para isso, conta também a arrogância de prefeito, governador e suas equipes.

Noticiário da semana no Rio, apenas? Uma nadadora, medalhista pan-americana, morre atropelada por um bêbado veloz no ponto de ônibus, que foge e está solto. Banalidade. Taxista mata bandido após ser roubado e sequestrado. Favelas expandem e desmatam em todos os bairros, muros ecológicos são abandonados pela prefeitura por demagogia e omissão. Delegacias fecham de madrugada “por falta de segurança”. Ciclistas buscam a natureza na Floresta da Tijuca, mas são assaltados e ameaçados de morte. No centro e no Aterro do Flamengo, assaltantes atacam com facas e porretes. Em Santa Teresa, as obras do bondinho estão paradas, prejudicando moradores e comerciantes. Trem descarrila na hora do rush e, sem plano de contingência, trabalhadores andam pelos trilhos.

E o metrô? O temível tatuzão da Linha 4 não deixa dormir, moradores ficam um mês sem telefone, água e internet. O metrô abre trincas em prédios e, “por movimentação do solo”, derruba concreto em cima de pedestre em praça de Ipanema. A Justiça proíbe ruídos entre 22 horas e 7 horas, mas o secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osorio, não pode parar as obras porque terminar o metrô “é um compromisso olímpico internacional”. Ninguém planeja ou calcula antes? O compromisso olímpico de despoluir a Baía de Guanabara foi para as cucuias.

E se o Brasil incluísse no currículo escolar a disciplina do respeito à cidadania?

Fonte: Época, 09/05/2015

Publicado originalmente em 11/05/2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Ódio ao feminismo é ódio à liberdade das mulheres

Frase histórica de Beauvoir, publicada em 1949,
provoca grita de conservadores
O texto abaixo foi escrito por um homem, Rogerio Waldrigues Galindo, para o Gazeta do Povo, o que, por si só, demonstra que as polêmicas envolvendo o feminismo não são coisa de guerra dos sexos. Tem mais a ver, a se falar em batalhas, com guerra de mentalidades entre os que entendem a liberdade como um patrimônio para todos e dos que acham que ela deve ser exclusividade do clichê "homem, branco, hétero, burguês e cristão".

Impressionou a todas e todos, que não atravessam a vida pelo vale das sombras do obscurantismo, a indignação ignorante e hipócrita de conservadores com a presença do trecho histórico do livro o Segundo Sexo (1949) de Simone de Beauvoir, na prova do ENEM, onde ela afirmava que ninguém nasce mulher, torna-se. Disse uma obviedade: não é a biologia que determina o comportamento da mulheres em nossa sociedade e sim a cultura, "a construção do feminino é um processo dado pela civilização" (como bem lembrou outro homem, o historiador Leandro Karnal). Outra grita foi contra o tema da redação do ENEM sobre a violência doméstica contra as mulheres. Tal tema seria uma tentativa de doutrinação esquerdista dos adolescentes via prova.



Depois de mais de uma década de uma quase hegemonia da esquerda brasileira, fóssil, anacrônica, agora em decadência, temos a ascensão de uma direita ignorante e reacionária que também ameaça a democracia e os direitos da população. O Rogério disseca as razões para a grita com a suposta doutrinação esquerdista no ENEM com muita propriedade e vai ao cerne da questão: o ódio ao feminismo é o ódio à liberdade das mulheres.Vale a leitura.


Enem mostra que ódio ao feminismo é ódio à liberdade das mulheres

O ódio que o feminismo provoca em muitas pessoas é impressionante. E diz muito sobre a sociedade em que vivemos. Neste fim de semana, as provas do Enem voltaram a causar chiadeira de quem acha que o MEC usa a educação para doutrinar alunos. Tinha duplamente a ver com o feminismo.

Primeiro, uma das questões de Ciências Humanas usava um trecho de “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir. Citava-se o trecho inicial clássico em que a filósofa diz que ninguém “nasce mulher”. A discussão é fascinante: ela defende que as mulheres são o que são na sociedade não por questões biológicas inerentes, mas sim porque o mundo as trata de determinada maneira.

Já seria tolice infinita dizer que usar um clássico na prova era doutrinação. Mas é pior: a pergunta não pedia para que se concordasse sobre o texto, nem para que se discorresse sobre ele, nem nada. Queria apenas que o sujeito fosse capaz de identificar o texto com uma corrente de pensamento. Com o feminismo. A questão era só isso.

Era como colocar um texto de Adam Smith e pedir que se identificasse aquilo com o capitalismo. Ou de Marx e exigir que se soubesse que aquilo tem a ver com comunismo. Ou falar de Martin Luther King e perguntar se aquilo tinha ou não relação com os direitos dos negros. Não se pode fazer isso?

O tema da redação, que pedia um texto sobre “a persistência da violência contra a mulher” no Brasil fez de novo, no domingo, muita gente se exaltar. Como se a violência contra a mulher não fosse um fato, ou como se pedir que os alunos raciocinem sobre isso significasse que a prova é “de esquerda” (como alguém disse por aí, a direita deveria ficar envergonhada de se afastar de um tema como esse, entregando-o de bandeja para seus oponentes).

Mas por que o ódio contra o feminismo? Pode ser que muita gente considere algumas feministas estridentes e exageradas. Não se negue: todo movimento social pode ter exageros e estridências. Mas nesse caso podia haver um questionamento pontual contra certos argumentos, talvez. Não. Há ódio, inclusive de mulheres, às feministas em geral. Ao feminismo em si.

Tempos atrás entrevistei vereadoras e deputadas do Paraná. Só duas se disseram feministas. As outras queriam distância. Dia desses, li um comentário de uma senhora que se dizia revoltada com o feminismo porque, graças às feministas, ela era obrigada a trabalhar fora e não podia ficar em casa com os filhos. Um blogueiro chegou a escrever um texto dizendo que talvez não fosse interessante para as mulheres ganhar o mesmo que os homens no trabalho…

O ódio ao feminismo pode ter origem em certos exageros, mas parece mais que tem a ver com duas outras coisas. Um conservadorismo inerente à nossa sociedade e uma falta de compreensão do que é o feminismo.

O conservadorismo quer que as coisas mudem pouco não só em relação ao que são mas ao que eram. Isso se mudarem. Há conservadores sérios, que querem apenas evitar mudanças bruscas e revolucionárias, e há base para isso. Mas há os que usem isso como pretexto para imobilismo ou até para regressão social.

Um “conservador-fenômeno-de-Facebook” comemorava dez mil assinantes neste fim de semana dizendo que os neófitos não esperassem muito dele como conservador: ele até lavava a louça enquanto a mulher descansava. O que imagina alguém assim que é o conservadorismo? Uma regressão ao século dezoito? Isso, na verdade, já é outra coisa: reacionarismo.

Mas parece que o outro problema é igualmente grave: o desconhecimento do que é o feminismo. Pensam talvez que seja algo de outro mundo, que as mulheres querem odiar aos homens, que querem ser superiores, que querem mais direitos do que os outros. Pode até haver algum exagero do gênero, claro. Sempre há.

Mas feminismo, se for resumir em uma linha, poderia ser o seguinte. Que as mulheres não sejam obrigadas a ter limitações extra simplesmente por serem mulheres.

Quem odeia o feminismo normalmente odeia, de fato, é a liberdade das mulheres.

É pedir demais? É doutrinação falar disso?

Fonte: Gazeta do Povo, 26/10/20015


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