sexta-feira, 2 de maio de 2014

A direita brasileira é conservadora e mal resolvida, a despeito de um de seus ícones ser uma espécie de Dercy Gonçalves de suspensórios


No artigo abaixo, Helio Saboya Filho aponta corretamente que, se a dita direita brasileira acerta em enaltecer o papel dos indivíduos e propor a redução do Estado, erra ao fazer tempestade em copo d'água por conta de picuinhas ligadas às questões da moral e dos costumes (no exemplo do texto, trata-se do episódio da "filósofa" Valéria Popozuda). 

Embora chame o economista Rodrigo Constantino - porque são amigos - (um dos mais deslavados oportunistas que já vi no cenário público brasileiro), "de jovem culto, dinâmico, que vem alcançando merecido sucesso em palestras, livros e artigos", Saboya também acerta quando aponta o quanto já deu o "interminável choramingo contra a hegemonia da esquerda na política (na imprensa, como visto, não há), um “coitadismo” em causa própria que desautoriza o discurso da meritocracia." 

Acerta ainda quando chama Olavo de Carvalho, o pancadão ultraconservador, de espécie de Dercy Gonçalves de suspensórios, e quando afirma que, se a espécie dos esquerdopatas sobrevive, há também destropatas  ressentidos e autoritários a reprovar.

De fato, a direita brasileira - fundamentalmente conservadora - indo dos toscos espécimens como Bolsonaro, padres Ricardos e pastores evangélicos, até aos mais letradinhos como Pondé, Reinaldo Azevedo e Constantino, mistura questões de macropolítica (economia, democracia, direitos civis, saúde, educação, segurança, etc.) com questões de micropolítica (questões específicas como religião e temas de moral e costumes), fazendo o célebre samba do conservador doido e ridicularizando a si mesma.

Entre os esquerdopatas e esses destropatas, a diferença é simplesmente de quem está ou não está no poder. Para quem quer um Brasil moderno e inclusivo, nenhum deles têm qualquer serventia. De fato, só servem para se retroalimentar de ódio e ressentimento, num fla-flu interminável que não leva a futuro algum.

Vozes da direita

Eleições se ganham por mérito; não há cotas para excluídos

O enfant terrible da direita, o economista Rodrigo Constantino, é um jovem culto, dinâmico, que vem alcançando merecido sucesso em palestras, livros e artigos, superando Olavo de Carvalho, oráculo direitista cujos excessos o converteram em uma espécie de Dercy Gonçalves de suspensórios.

Constantino, Diogo Mainardi, Denis Rosenfield, Luiz Felipe Pondé, Guilherme Fiuza e Reinaldo Azevedo fazem um respeitável contraponto ao colunismo de esquerda formado por Verissimo, Vladimir Safatle, Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim, Luiz Nassif e Emir Sader. (Omissões nas escalações são debitadas à falta de espaço, que sobra para todos na grande imprensa e na internet).

Na essência, o primeiro time desses formadores de opinião advoga a liberdade individual e a redução do Estado, e o segundo um Estado intervencionista e provedor. Para Pondé, “o Brasil hoje é um país rasgado entre uma cultura liberal, centrada no indivíduo e na valorização da autonomia e autorresponsabilidade, e uma autoritária, centrada no ‘coletivo’ e no culto do ressentimento e da dependência”.

A dimensão paquidérmica da máquina oficial e seus escândalos fazem praticamente irretorquíveis os argumentos de uma direita que, mesmo com material tão fértil a ser explorado, desperdiça energia com questões completamente insignificantes, polemizando bobagens com verniz de erudição e entusiasmo de hora do recreio.

Há alguns dias, em uma escola de Taguatinga, a cantora Valesca Popozuda foi citada como “pensadora contemporânea” por um professor que pretendia chamar atenção para “a influência da mídia na formação desses valores”.

A direita fez um charivari digno de quem se viu diante de um traseiro bolivariano a serviço da doutrinação marxista. Ora, nos EUA, uma universidade da Carolina do Sul criou um curso cuja matéria é a Lady Gaga e outra, de Nova Jersey, um curso sobre a cantora Beyoncé. E daí?

Por outro lado, no recente caso Petrobras, ícones do empreendedorismo independente que concorreram com seus votos para aprovar a polêmica operação Pasadena não sofreram quaisquer críticas por aqueles que pregam a iniciativa privada como a solução de todos os males que afligem a humanidade. Um silêncio difícil de explicar.

Finalmente, não há mais lenço (nem saco) para o interminável choramingo contra a hegemonia da esquerda na política (na imprensa, como visto, não há), um “coitadismo” em causa própria que desautoriza o discurso da meritocracia. Eleições se ganham por mérito; não há cotas para excluídos. E o mais incensado liberal acidental, Demóstenes Torres, saiu do Senado por feitos de gravidade mensaleira.

Se sobrevive a espécie dos esquerdopatas, há também destropatas que, ressentidos e autoritários, festejam o golpe militar, tietam Bolsonaros e Felicianos, e se arrepiam ao ver uma foto do Che Guevara. Será que não basta ter o Lobão como muso e a Sheherazade como musa?

Fonte: O Globo, 24/04/2014

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