8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

PM recebe ‘Oscar do Serviço Público’ por criação de Patrulha Maria da Penha de assistência a mulheres

Claudia Moraes Foto: Ana Branco / Agência O Globo

 Claudia Moraes, de 47 anos, despertou o olhar para a causa ao analisar estatísticas e pensar políticas públicas

Na primeira aula de equitação na Academia de Polícia Militar Dom João VI, em Sulacap, Claudia Moraes caiu do cavalo. Hoje tenente-coronel, ela lembra que imediatamente levantou e subiu de novo no animal. E não esquece o nome da égua: Estrela. “Nossa, você tem coragem”, disse o instrutor. Responsável por lançar o programa Patrulha Maria da Penha — Guardiões da Vida, que em um ano e quatro meses de funcionamento já assiste a mais de dez mil mulheres, ela acaba de ganhar o prêmio Espírito Público — uma espécie de Oscar para servidores do país — por sua trajetória.

Nascida na Vila Kennedy, estudante de escolas públicas e ex-funcionária de call center, a oficial de 47 anos ingressou na Academia da PM aos 26, após prestar vestibular para a Uerj. A meta era conquistar a tão sonhada estabilidade do serviço público e poder ajudar a família. Na PM, já enfrentou tiroteio e correu atrás de bandido no meio da rua vestindo uniforme de passeio (usado para eventos da corporação), com salto e saia. Mas sua carreira na PM se destaca pela atuação em gestão. No Instituto de Segurança Pública (ISP), ela foi analista criminal e coordenadora dos conselhos comunitários.

“Meu olhar despertou”

Com a voz rouca depois de um dia inteiro de aula on-line de Direitos Humanos e Sociologia para alunos do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap), ela revela uma passagem traumática da vida: conta que sofreu abuso na adolescência, aos 14 anos, dentro de um ônibus, quando ia para a escola. Apesar dessa marca que carrega, diz que foi sua participação na organização do Dossiê Mulher, de 2010 a 2018, no ISP, que a fez se engajar de corpo e alma no tema da prevenção da violência contra a mulher.
 Meu olhar despertou para a violência contra a mulher a partir do trabalho com estatística. Via a cada ano os números se acumulando e me perguntava: Como reduzi-los através de políticas públicas? — conta Claudia, que ali deu uma guinada na carreira: — Queria aprender mais e comecei a me especializar. Fiz mestrado em Ciências Sociais na Uerj e fui da primeira turma de pós em Gênero e Direito da Escola de Magistratura.
Em agosto de 2019, ela criou, com o apoio da instituição, a Patrulha Maria da Penha, que fiscaliza hoje o cumprimento de medidas protetivas de 10.472 mulheres no Estado do Rio. Nesse tempo, foram 231 agressores presos por descumprimento das decisões judiciais e nenhum feminicídio. Algumas vítimas têm contato diário com as equipes, seja por WhatsApp e telefone ou presencialmente, através de visitas das equipes, sempre com um PM homem e uma policial mulher.Tropa, que tem sempre uma mulher, garante execução de medidas protetivas para vítimas Foto: Agência O Globo

Casada com o coronel da reserva Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado-Maior da PM do Rio, Claudia dedica o prêmio à equipe da patrulha — há 250 policiais capacitados — e diz:
Atendemos desde mulheres pobres e desempregadas a estudantes e pessoas com perfil de classe média alta. A vida delas é o verdadeiro prêmio.
Pelos últimos levantamentos da Patrulha Maria da Penha, aumentou a adesão de mulheres ao programa na pandemia: entre agosto e novembro, a média diária de ingresso chegou a 30, sendo que, no primeiro ano de funcionamento do projeto, a taxa era de 23.

Mais confiança na polícia

Uma das vítimas a entrar para o programa nesse período foi uma consultora de marketing de 37 anos, mãe de dois filhos, que sofria constantes ameaças, agressões verbais e tortura psicológica do ex-marido e pai das crianças.
Só nunca apanhei. Todo resto teve — conta ela, que, tomada pelo medo, não conseguia mais trabalhar.
Após conseguir a medida protetiva, que proibiu a aproximação do ex-marido, que deve ficar a uma distância mínima de 200 metros, ela recebeu por WhatsApp mensagem da patrulha, que atua em rede com outros órgãos, incluindo o Judiciário.

A vítima diz que o programa não só fez ela se sentir segura, como derrubou preconceitos em relação à PM.
Meu ex-marido ainda é devedor de pensão. Por isso eu digo: para mim, a única coisa que funciona nesse Brasil é a Patrulha Maria da Penha. Quando a polícia entrou, ele, parou até de me mandar mensagens — conta, que já acionou o grupo para ajudar um amigo gay.
Todos os batalhões do estado e mais três UPPs — Rocinha, Andaraí e Barreira do Vasco — têm equipes da patrulha. Enquanto na PM as mulheres são apenas 11% do efetivo — 4.990 de 44.648 policiais —, dentro do programa a presença é menos desigual. Entre os capacitados, elas são 47%. Para fazer parte, tem que ser voluntário, ou seja, precisa querer.

Referência na área, a juíza Adriana Ramos de Mello, titular do I Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, define Claudia como uma profissional de excelência e uma mulher inspiradora:
É uma verdadeira ativista dos direitos humanos das mulheres. Na PM, com sua força, criou a Patrulha Maria da Penha, que é extremamente completa, abrange todo o Rio. Claudia se dedica pessoalmente.

Um dos organizadores do prêmio Espírito Público, Eloy Oliveira, diretor da Republica.org, ONG voltada para a melhoria do serviço público, também elogia Claudia:
Ela passou por muitos lugares na PM do Rio, uma corporação extremamente machista. Ainda assim, o trabalho dela se destacou.
Clipping ‘Oscar do Serviço Público’ premia PM que criou a Patrulha Maria da Penha, que assiste mais de 10 mil mulheres, por Ludmilla de Lima, Globo, 19/12/2020

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Por que a oposição entre socialismo e capitalismo é uma falsa questão


Eu ri com esse vídeo do Ranking dos Políticos, ao fim do post, reagindo a outro vídeo do Guilherme Boulos, onde o dito fala um monte de falácias sobre as maravilhas do socialismo em oposição ao capitalismo. Eu, mesmo quando estava na faixa de idade do pessoal que hoje acredita nos leros do Boulos, já não acreditava em socialismo. Cresci ainda sob a Guerra Fria, quando os podres da URSS já circulavam pelo mundo: o genocídio dos ucranianos, o Grande Terror, obras do Stalin (um das maiores genocidas da História), mas, depois, já sem o carniceiro, também a invasão da Hungria (1956) e da Tchecoslováquia (1968) pela tropas soviéticas. - Nunca ouviram falar da primavera de Praga? - Depois da queda do muro de Berlim e, em seguida, do fim da URSS, mais informações circularam sobre a mortandade (na casa dos muitos milhões) em todos os países que caíram sob o jugo do chamado socialismo real. Fora que, como jovem ativista do movimento homossexual, lá nos idos de 1980, eu também já sabia dos campos de reeducação de homossexuais em Cuba, do sufoco generalizado que era ser gay ou lésbica em países onde a individualidade das pessoas não tinha vez e cuja moral não era lá muito diferente dos evanjegues americanos ou da ultradireita em geral. 

Eu sou da geração da contracultura que era libertária e imensamente crítica tanto da tecnocracia e da sociedade de consumo dos EUA quanto da tecnocracia e do totalitarismo soviéticos. Minha geração queria pensar em outras possibilidades que não essas que nos apresentavam. Problema é que a AIDS, identificada em 1981, fechou de vez as portas da contracultura, que já vinham se estreitando desde a década de 70, acabando com a revolução sexual e todo clima libertário e também libertino da geração do "paz e amor". E a contracultura, como movimento específico, não se rearticulou nas décadas seguintes. Quem veio a se rearticular na década de 90 foi a esquerda ortodoxa, as então viúvas do Muro de Berlim, com as mesmas velhas ideias que não passaram no test drive da História em canto algum, em momento algum. E foi essa velha esquerda que fez a cabeça das novas gerações, principalmente na América Latina e no Brasil. Daí hoje essas gerações ficarem pagando o grande mico de apoiar gente como o Boulos e, ainda pior, o neostalinista, Jonas Manoel, que um idiotizado Caetano Veloso resolveu trazer à luz.

A discussão capitalismo versus socialismo é uma falsa questão porque não se pode comparar um sistema que funciona, apesar dos seus muitos pesares, com outro que nunca funcionou. Os adeptos dessa relíquia macabra socialista só servem para nos impedir de discutir, com ideias de hoje, o capitalismo em si mesmo e o custo ambiental e humanamente insustentável do seu sucesso. 

Mas, pessoal, socialismo não funciona mesmo. E não, isso não é papo da direita. É a real. O exemplo da China que, quando puramente comunista, fora matar milhões também de fome e em execuções sumárias, era um país rural e atrasado e virou, ao aderir à economia de mercado, uma potência mundial em apenas 50 anos, deveria ter enterrado de vez a ideia do socialismo como alternativa ao capitalismo. Incrível, no entanto, o quanto a humanidade prefere manter essa neurose coletiva de insistir nesse mesmo erro eternarmente.

A discussão capitalismo versus socialismo é uma falsa questão porque não se pode comparar um sistema que funciona, apesar dos seus muitos pesares, com outro que nunca funcionou. Os adeptos dessa relíquia macabra socialista só servem para nos impedir de discutir, com ideias de hoje, o capitalismo em si mesmo e o custo ambiental e humanamente insustentável do seu sucesso. 

Ah, e o Trump ganhou na Flórida porque o eleitorado latino (20%), composto majoritariamente de cubanos e seus descendentes, compram sua retórica anticomunista. E de comunismo esse pessoal, que viveu a coisa na própria pele, nem quer ouvir falar.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Magalu é companhia brasileira com mais mulheres em seu conselho de administração

Apenas 7% dos conselhos de administração de 275 empresas com ações na bolsa de valores de
São Paulo, a B3, são presididos por mulheres – um deles é o do Magalu, com Luiza Helena Trajano
(Foto: Divulgação)
O Magalu é a companhia brasileira com a maior concentração de mulheres em seu conselho de administração, com três no board, o equivalente a 43% do total de sete assentos

De cada 100 vagas nos conselhos administrativos das principais empresas do Brasil, apenas 11,6 são ocupadas por mulheres, segundo levantamento realizado pela Teva Índices, em parceria com a corretora Easynvest, que destrinchou as posições de liderança em 275 empresas listadas na B3, a bolsa de valores de São Paulo, com capitalização mínima de R$ 300 milhões.

São só 214 mulheres para 1.846 assentos. Apenas 19,3% das empresas pesquisadas têm duas ou mais mulheres no conselho, e 48% são conduzidas por conselhos exclusivamente masculinos.

Quando se olha para os cargos mais elevados, a participação feminina é ainda menor: do total de conselheiros homens, 6% são CEOs, na comparação com 1% das mulheres. E apenas 7% dos conselhos são presididos por lideranças femininas.

No Magazine Luiza, a situação é diferente: 43% das vagas no conselho de administração são ocupadas por mulheres – são elas a empreendedora Luiza Helena Trajano, a consultora Betania Tanure e a administradora Ines Correa de Souza.

Apenas cinco empresas brasileiras, dentre as pesquisadas, têm três mulheres nesses cargos. Em termos percentuais, nenhuma supera os 43% do Magalu – a empresa segunda colocada tem 33% de participação feminina. 

Na média mundial, segundo um relatório global e anual realizado pela Mercer, as mulheres ocupam apenas 23% dos cargos de nível executivo, e 29% dos postos de nível sênior. Mas esse é um cenário em rápida transformação entre as empresas dos países desenvolvidos.

Ao valorizar as lideranças femininas, o Magalu segue uma tendência internacional – o banco Goldman Sachs, por exemplo, anunciou em janeiro que não vai mais realizar IPO (ou oferta pública inicial de ações) para empresas americanas e europeias que não tenham mulheres em seus conselhos. Coautora do estudo da Teva, a Easynvest vai recomendar a seus clientes que priorizem as ações das empresas que se destacaram por valorizar a diversidade no mais alto posto de gestão.

Do interior de São Paulo

Luiza Helena Trajano sustenta uma trajetória que comprova a capacidade das mulheres em construir empresas de grande porte e enorme sucesso. Nascida em Franca, no interior de São Paulo, Luiza começou a trabalhar como balconista na loja dos tios, chamada A Cristaleira. Tinha 12 anos e queria juntar dinheiro para comprar presentes de Natal para a família e os amigos.

A tia, Luiza Trajano Donato, realizou um concurso cultural numa rádio local para que os moradores da cidade escolhessem um novo nome para a loja. Foi assim que surgiu o Magazine Luiza. Depois da primeira experiência como balconista, a sobrinha manteve contato com a empresa, até que, aos 18 anos, tornou-se funcionária efetiva.

Luiza Helena formou-se em direito e em administração e percorreu diferentes setores da empresa. Tornou-se presidente da rede – atualmente, o CEO é seu filho, Frederico Trajano, enquanto ela preside o conselho de administração.

Além das atividades na companhia, Luiza preside o Grupo Mulheres do Brasil, um movimento suprapartidário fundado em 2012 para discutir e implementar medidas capazes de aumentar a participação feminina na sociedade. Ela conduz muitas das reuniões do grupo, que já conta com mais de 33 mil participantes.

E assim mantém o Magalu como uma empresa que lidera o incentivo à participação feminina nos mais altos postos de comando das maiores companhias do País.

Clipping Magalu: alma e gestão femininas, Marie Claire, 15/10/ 2020.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Contracultura brasileira: o desbunde que desafiou a esquerda e os militares


 Gal Costa, Os Mutantes, Jards Macalé, Gilberto Gil (com Torquato Neto), Novos Baianos, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Rogério Duprat, Sérgio Sampaio, Tom Zé e Walter Franco 

A música Sangue Latino é de 73. Os Secos e Molhados existiram de 71 a 74 em sua formação original. Os Dzi Croquettes de 1972 a 1976. O musical Hair foi encenado de 69 a 71. Andróginos e libertários. Em pleno período do regime de exceção. Foram filhos da contracultura que os militares não reprimiram com a contundência que reprimiram a esquerda ortodoxa, mesmo porque a consideravam meio alienada, visão compartilhada pela esquerda da época. Segundo consta, foi a esquerda da luta armada que apelidou os contraculturais no Brasil de desbundados. A contracultura no BR foi o desbunde. 



E a geração que prevalece no país na década de 70 foi exatamente a do desbunde, a do "sexo, drogas e rock'n'roll", da "minha casa no campo, meus amigos, meus discos, meus livros e nada mais" e não a da esquerda que queria nos transformar num Cubão. Aliás, a matriz do movimento homossexual no Brasil e no mundo foi a contracultura, não a esquerda tradicional que era tão homofóbica e machista quanto os conservadores. Ainda hoje, vejo muito mais em comum entre eles do que sonham as vãs filosofias. 

Lembrei disso porque, desde que lançaram uma tese pra lá de discutível que afirma ter o regime militar instituído uma política de Estado contra pessoas homossexuais, volta e meia vem alguém me perguntar dos sofrimentos que passei por ser lésbica sob a ditadura. 

Então, vamos esclarecer, o período 64-84 se deu de fato sob um regime de exceção, mas não sob um regime totalitário. Nós não vivemos uma espécie de Gilead como no "O Conto da Aia," pra citar uma referência atual. Os agentes da repressão não estavam visíveis a cada esquina, não ficavam acompanhando as pessoas até o supermercado, não havia corpos de subversivos pendurados nos muros das cidades ou na frente das casas, não se executava gente a sangue frio em ruas de bairros de classe média. A abdução dos ditos subversivos se dava mais na surdina, na calada da noite ou em blitz pontuais durante o dia. Nós outros vivíamos uma aparente normalidade, com as pessoas levando suas vidas de forma não muito diferente da de hoje.


A juventude daquele período, no Brasil, gastava seu tempo tomando todas e transando muito, indo a teatros (onde se faziam críticas veladas ao regime), aos cinemas (ver Bergman, Pasolini, Fellini, Polansky, Woody Allen) e a Salvador (que virou a Meca dos desbundados). Também gastava seu tempo lendo livros, jornais (cheios de mensagens cifradas) e a imprensa alternativa, assistindo os festivais de música popular e as novelas na TV. Indo ainda a musicais e, no final da década, entre 78 e 79, acabando-se nas baladas dos dancing days.
++++++++

Enfim, esse era o meu cotidiano naquele período. Não sofri repressão da ditadura por ser lésbica. Da ditadura, sofri repressão como estudante, quando fui às ruas em 1977 participar das manifestações promovidas pela UNE que se rearticulava. Fui inclusive presa na tristemente célebre invasão da PUC pelas forças do famigerado coronel Erasmo Dias. Porque manifestação de rua não podia mesmo acontecer, ainda mais contra o governo. 

Como lésbica, a repressão que sofri foi da sociedade ultraconservadora da época, tão vigente aqui, sob um regime de exceção, quanto nos EUA, a democracia mais estável da História. Naquele período, a homossexualidade ainda era considerada doença ou crime (nos EUA, a homossexualidade só deixou de ser crime na década de 70), as pessoas homossexuais eram totalmente marginalizadas, como se fossem realmente criminosas, aparecendo na imprensa somente nas páginas policiais. Provavelmente a invasão que promovi, com outras ativistas, em 19 de agosto de 1983, no antológico Ferro's Bar de São Paulo, foi a primeira a inaugurar uma nova abordagem da imprensa sobre o assunto, com artigo da Folha de SP nos tratando de forma positiva. 

Em outras palavras, não vão comprando acriticamente qualquer tese que aparece. Busquem sobre a contracultura no Brasil no oráculo do Google. Há teses e livros sobre o tema que, sem dúvida, vão lhes ampliar o horizonte, abrir uma nova perspectiva sobre a realidade sócio-cultural daquele período paradoxalmente de repressão mas também de grandes mudanças políticas e comportamentais. Aqui uma dica: Contracultura – Alternative Arts and Social Transformation in Authoritarian Brazil, de autoria de Christopher Dunn. Liberdade cabeluda:  O  inusitado caráter político da contracultura brasileira

Por último, naqueles conturbados anos do regime militar e da Guerra Fria (com a bomba atômica pairando sobre nossas cabeças), nós vivemos a contracultura (considerada por muitos como a última grande utopia) e tínhamos aquela coisinha verde que, hoje, a gente procura à esquerda, à direita, no centro, em cima e embaixo, e não encontra. Nós tínhamos esperança. Ao contrário, atualmente, vivemos num clima distópico que parece sobretudo uma mistura do 1984 com O Conto da Aia mas também conta com pitadas do Admirável Mundo Novo e do Fahrenheit 451. Sinto muito!
 😓

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Passando pano para comunismo no século XXI?

Essa página da História já não devia ter sido virada?
Caramba, e eu pensando que a Folha de SP tinha dado espaço pro marxista afro Jonas Manoel por causa da divulgação que o Caetano Veloso, dando uma de o pateta do ano, fez do dito.

Que nada! Agora o UOL abre espaço pra mais comunistas se fazerem de coitados demonizados pela direita bozolavista e outros através da História (Demonizados pela direita, comunistas se protegem e debatem lugar no séc. 21)  É fato que bolsominions e congêneres dão à palavra comunista um tom folclórico e caricatural, já que chamam de comunista qualquer pessoa que não lhes seja espelho. Eu sou comunista pelos padrões bozolavistas, marxista cultural, gayzista, feminazista e outras pérolas. Pra se ver. 😁

Mas, de fato, fora do âmbito da piada, não existe demonização do comunismo e sim conhecimento de sua obra. Não foi a direita que trouxe primeiro os crimes do Stalin a público. Foi o vazamento de um discurso do Nikita Khrushchev, primeiro-secretário do Partido Comunista da União Soviética, em fevereiro de 1956, que trouxe. E o padrão estalinista de genocídio, mortes por fome, em execuções sumárias e campos de concentração, foi seguido em todos os países que caíram sob o jugo comunista. O Mao Tsé-Tung fez ainda pior na China (matou umas 45 milhões de pessoas de fome, fora o que matou por outras vias). O Pol Pot, no Camboja, matou 25% da população do país que era de cerca de 10 milhões. 

Eu quando jovem, na faixa dos 20 anos, sob a ditadura militar, já considerava o comunismo anacrônico, criminoso e brega pelo pouco que o conhecia. E, entre o pouco que se sabia, o tratamento dado aos homossexuais também já era notório. Variava de direito algum aos campos de reeducação da ditadura cubana. Fora que os Castro e seo Che Guevara foram também responsáveis, direita ou indiretamente, pela morte de milhares de cubanos. 

Aqui, no Brasil mesmo, essa esquerda ortodoxa, ainda no início da década de 80, dizia que feminismo era coisa de burguesa desocupada e homossexualismo produto da decadência da burguesia. Entrou, pra História, em fevereiro de 1981, um barraco armado por uma integrante do Jornal A Hora do Povo, do MR-8, durante o III Congresso da Mulher Paulista, em SP, que queria expulsar as lésbicas do evento porque estas não seriam mulheres, abdicavam da condição feminina e outras tantas de igual jaez.

Quando a irracionalidade da esquerda identitária encontra
a irracionalidade comunista
Com o passar do tempo, essa esquerda ortodoxa percebeu que era mais oportuno cooptar os novos movimentos sociais em vez de afrontá-los, a tal ponto que hoje temos uma transcomunista desejando que outras trans matem a J. K. Rowling por ela não aceitar abdicar de sua mulheridade e liberdade de pensamento. Quando a irracionalidade do comunismo se junta com a irracionalidade da esquerda identitária, o negócio nem é fugir pras colinas e sim partir pra outro planeta. 

Pra aliviar, no artigo abaixo, o tal do Jones Manoel diz que existe preconceito contra comunistas até na esquerda, onde são minoria. O que ele chama de preconceito eu chamo de consciência. Bom saber que ainda existe gente de esquerda com alguma. Os milhões de mortos que o comunismo produziu agradecem.

* Ah, e, antes que me esqueça, pra mim comunismo não tem lugar no século XXI.



terça-feira, 8 de setembro de 2020

Aserá, a esposa de Deus que foi apagada da História

Estátua da Deusa Asherah (אֲשֵׁרָה) - Reuben and Edith Hecht Museum - Universidade de Haifa, Israel
Deusa Aserá (ou Astaroth), esposa de Javé
A deusa mãe, mulher de Javé, teria sido excluída intencionalmente da Bíblia, no caminho para a construção paradigmática da hegemonia masculina. Em tempos anteriores ao monoteísmo patriarcal – instaurado no ocidente pelo judeu-cristianismo e responsável por semear as bases de uma consciência que enaltece os valores masculinos da conquista, expansão e exploração da natureza –, prevaleceu uma concepção religiosa da divindade como um casal: Deus Mãe e Deus Pai.

Segundo a pesquisadora da Universidade de Exeter Francesca Stavrakopoulos, originalmente, as chamadas grandes religiões abraâmicas também adoravam, junto com Javé, a deusa Aserá (chamada por vezes de Astaroth), uma divindade doadora, como a Ishtar babilônica, ou a Astarte grega, arquétipos da divindade feminina, como a Lua, a Terra e Vênus.

Stavrakopoulos baseou sua hipótese no estudo de antigos textos, amuletos e figuras encontrados na cidade de Ugarit, atual território da Síria, que refletem o modo como Aserá era adorada, junto com Javé, ou Jeová, como uma poderosa deusa da fertilidade. Há uma vasilha do século XIII, descoberta no deserto de Sinai, em Kuntillet Arjud, que registra um pedido de bênção ao casal divino. E existem várias inscrições similares, que fortalecem a tese de que o Deus bíblico teve uma esposa, de acordo com pesquisadora.

Conheça a esposa de Deus que foi riscada da história da Bíblia, segundo  pesquisadores | HISTORY
Javé e Aserá
São também significativas as escrituras bíblicas que mostram como Aserá era adorada no templo de Javé, em Jerusalém, ou a descrição de uma estátua da mesma deusa, que, segundo é narrado no Livro dos Reis, ficava situada no templo, zelada ritualmente por mulheres. A referência a “A Rainha do Céu” no Livro de Jeremias, poderia ser uma possível alusão à mesma divindade.

Stavrakopoulos concorda em suas conclusões com inúmeros estudos, que explicam como as edições seguintes da Bíblia – curadas sempre por homens – teriam sido infiéis às escrituras sagradas, para realizar uma operação de inteligência, uma programação neurolinguística da sociedade, com o objetivo final de manter no centro do poder a casta sacerdotal masculina, em detrimento e repressão do lado feminino da divindade.

Clipping Conheça a esposa de Deus que foi riscada da história da Bíblia, segundo pesquisadores, History Channel

Ver também

As Amazonas, além do mito 
Matriarcados: quando as mulheres é que mandam  

terça-feira, 14 de julho de 2020

Perdoar o PT só quando ele reconhecer seus erros e não mais apoiar ditaduras



Impressionante o artigo do diretor de Redação do Globo, Ascâmio Selene, com o título de "É hora de perdoar o PT" (11/07/2020).  O texto segue abaixo da análise.

Para começar, o autor lista e destrincha duas das principais características que levaram boa parte da população brasileira a execrar o PT: a roubalheira siderada e a índole claramente autoritária.

Depois, porém, diz que os líderes petistas já foram punidos e que "imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo". Onde foi parar aquele velho ditado de que o lobo perde o pelo, mas não perde o vício?

Quanto ao autoritarismo genético do petismo, exemplificado por seus ataques à imprensa e à democracia vide “controle externo da mídia”, “instrumentos de mediação”, “conselhos populares”, segundo Ascâmio Selene, tudo não passou de tentações que, hoje mais do que antes, podem ser facilmente rechaçadas.

E toda essa conversa mole para concluir que, para se livrar do bolsonarismo, "O Brasil não tem tempo para esperar por uma outra esquerda, renovada e livre da influência do PT."

Então, a figura reconhece que o PT é corrupto e autoritário, mas, mesmo assim, a gente deve perdoá-lo porque não existe outra esquerda capaz de vencer a direita no próximo pleito!!??

Perguntinhas que não querem calar: o PT fez alguma vez um mea culpa sobre os erros cometidos? O PT pediu perdão pelo mensalão, o petrolão e tantos outros escândalos de corrupção que perpetrou contra os cofres públicos? Que eu saiba não. Petistas sempre foram apenas os pobres coitados perseguidos pela imprensa, o judiciário, as elites, nunca os responsáveis por nada. Então, por que cargas d'água a gente haveria de perdoar quem nunca pediu perdão por seus erros? Aliás, seria  temerário perdoá-lo mesmo se tivesse se arrependido publicamente do que fez, já que o partido sempre mentiu deslavadamente, imagine então perdoá-lo quando nunca se retratou nem de deslizes. É óbvio que só se pode imaginar, ao contrário do que diz o redator de O Globo, que o PT, voltando ao poder, irá repetir tudo que fez no passado. Aliás, é tão certo quanto a cor do céu ser azul.

Sobre o DNA autoritário do petismo, em nada a sigla mudou também. Nesse começo de mês mesmo, a Gleise Hoffman saudou os 99 anos do partido comunista chinês, mantenedor de uma ditadura genocida e horrenda, campeã de desrespeito aos direitos humanos. https://bit.ly/2ZmKVhU  Aliás, o que mais se viu, com o PT no poder, foi o partido alinhado com tudo quanto é ditadura do mundo, em particular com as da distopia socialista. Isso ao mesmo tempo em que sempre hiperdimensionou a ditadura militar de 64-85 que perseguiu sua turma no passado. Então, por que a gente haveria de desconsiderar a índole autoritária do PT, se ela continua presente e, portanto, sempre ameaçadora? Porque agora existe uma direita capaz de pôr freio nas tentações autoritárias do petismo? É sério isso? Não é melhor, então, que a direita permaneça no poder?

Bem ao contrário do autor do texto, eu tenho certeza de que, para a esquerda ter chance de voltar a ser eleitoralmente viável, precisa sair da sombra do PT e secundarizar a pauta identitária dos atuais desnorteados movimentos sociais. O Brasil pode sim esperar uma outra esquerda, renovada e livre da influência do PT. Uma esquerda que recupere a credibilidade que foi para o brejo exatamente pela associação de toda a esquerda ao petismo. De preferência, uma centro-esquerda, menos fanática e mais pragmática que se disponha a conversar com todo o espectro político que assim se disponha. Só assim poderemos de fato pavimentar caminhos pelos quais se possa chegar ao objetivo comum de paz e prosperidade. PT nunca mais. 🤮

É hora de perdoar o PT - Jornal O Globo
Arte O Globo Foto Reprodução

É hora de perdoar o PT

Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância. Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes. Os que acreditam e sustentam o PT são a maioria do terço de eleitores perenes do partido, não os que foram flagrados nos dois grandes escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas.

Esse agrupamento político, talvez o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional. Passou da hora de os petistas serem reintegrados. Ninguém tem dúvida de que os malfeitos cometidos já foram amplamente punidos. O partido teve um ex-presidente e seu maior líder preso e uma presidente impedida de continuar governando. Outros líderes históricos também foram presos ou afastados definitivamente da política. Hoje, respeitadas as suas idiossincrasias naturais, homens e mulheres de esquerda devem ser convidados a participar da discussão sobre o futuro do país. Têm muito a oferecer e acrescentar.

A gritaria contra a roubalheira já cansou, não porque se queira permitir roubalheiras, mas porque é oportunista politicamente. Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam dúvidas. Mas o PT é maior que isso e, como já foi dito, para ladrões existe a lei. Imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo. Os erros amadurecem as pessoas, as instituições, os partidos políticos. Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é sinônimo de roubo, como o malufismo.

Superada esta instância, que é mais fácil, terá de se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado, quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num ambiente muito mais polarizado como o de hoje.

O fato é que o ódio dirigido ao PT não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante. Não pode se esperar essa boa vontade dos que carregam faixas pedindo intervenção militar e fechamento do Supremo e do Congresso, um grupelho ideológico, burro e pequeno que faz parte da base do presidente Jair Bolsonaro. Mas é bastante razoável ter esta expectativa em relação a todos os outros, sejam eles de direita, de centro-direita ou de centro.

Não se pode negar que parte considerável do Brasil é de esquerda. Como tampouco há como se ignorar a força da direita nacional. Ambos os campos existem e precisam ser representados politicamente. O Brasil não tem tempo para esperar por uma outra esquerda, renovada e livre da influência do PT. O país precisa se reencontrar logo para construir uma alternativa ao bolsonarismo, este sim um problema grave que deve ser enfrentado por todos. Perdoar o PT não significa abrir mão de convicções. Ao contrário, significa pavimentar caminhos pelos quais pode se chegar ao objetivo comum de paz e prosperidade.

Ué, mas o Lula não foi solto? E não é fato que tantos outros também nunca foram presos?

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Intelectuais lançam manifesto contra cultura do cancelamento da esquerda

Estudante queima faixa com "Liberdade de Expressão" na Universidade de Berkeley
onde a liberdade de expressão foi outrora tão defendida
Que bom ver, enfim, as pessoas se manifestando contra a censura dos guerreiros da justiça social, mais conhecidos como fascistas do bem ou membros da "woke culture", termo que poderia ser traduzido para o português como cultura da lacração. Se alguém tiver melhor tradução para o termo que me informe, please.

Mas, então, trata-se daquele pessoal chatíssimo, cheio de moralismo hipócrita, que, em nome do ofendidismo, faz tempestade em copo d'água por qualquer deslize de fala de qualquer pessoa e luta por criminalizar até o pensamento da população, no melhor estilo 1984. E o pior dessa história é que esse tipo de fascismo não emergiu por imposição de um estado ditatorial, mas sim da própria sociedade e pelas mãos de herdeiros dos paladinos da liberdade no passado, os integrantes de movimentos sociais.

Em nome do ofendidismo e da vitimologia, os outrora libertários movimentos sociais estão corroendo as estruturas do estado democrático de direito como nunca se viu antes. Liberdade de pensamento, de consciência, de expressão, de reunião e de associação estão indo pelo ralo com uma rapidez impressionante.

Na universidade de Berkely (CA/EUA) estudantes pedem liberdade de expressão em 1967 e queimam faixa onde se lê liberdade de expressão em 2017
A sociedade precisa parar de se deixar chantagear por essa gente fascista, travestida de justiceira social, parar de pedir desculpas por preconceitos reais ou imaginários, por qualquer deslize de fala. Ninguém morre por se sentir ofendido vez ou outra. Ninguém tem a obrigação de negar sua própria percepção da realidade para validar visões ou identidades dos outros. Discurso de ódio é só o que incita a violência seja contra quem for ou a perda de direitos civis seja de quem for. No mais, nem injúria é discurso de ódio, quanto mais questionar os dogmas desse bando de insanos que querem apenas impor seu pensamento único e estúpido a todo mundo.

Abaixo texto sobre o manifesto que vários intelectuais subscreveram contra a a cultura do cancelamento da esquerda.
"Woke culture" é literalmente cultura do despertar, onde supostamente
 as pessoas se manteriam alertas todo o tempo contra as discriminações várias
Intelectuais lançam manifesto contra cultura do cancelamento na esquerda

WASHINGTON - Mais de 150 escritores, acadêmicos e intelectuais — incluindo Noam Chomsky, Salman Rushdie, Gloria Steinem, Margaret Atwood e Martin Amis, entre outros — assinaram uma carta aberta denunciando uma crescente “intolerância” por parte do ativismo progressista dos Estados Unidos contra ideias divergentes. Na opinião do grupo, isso está afetando ambientes acadêmicos e culturais, por meio de denúncia e boicote, “punição desproporcional” e uma consequente “aversão ao risco” que empobrece o debate público. “Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa fé, sem consequências profissionais terríveis”, destacam.

O texto, publicado nesta terça-feira na revista “Harper’s”, com o título “Uma carta sobre justiça e debate aberto”, aplaude os protestos pela justiça racial e social, por maior igualdade e inclusão, mas alerta que esse “ajuste necessário de contas” também intensificou “um novo conjunto de atitudes morais e compromissos políticos que tendem a enfraquecer nossas normas de debate aberto e tolerância de diferenças em favor da conformidade ideológica”. “As forças do iliberalismo estão ganhando força no mundo e têm um poderoso aliado em Donald Trump, que representa uma ameaça real à democracia, mas não se pode permitir que a resistência imponha seu próprio estilo de dogma e coerção”, afirmam os autores.

Entre os signatários também estão os escritores George Packer, John Banville, J.K. Rowling e Malcolm Gladwell, entre outros, além de acadêmicos importantes como Francis Fukuyama, Michael Ignatieff e Mark Lilla.

Manifestantes atacam estátua do ex-presidente americano Andrew Jackson Foto: Tom Brenner / Reuters
Manifestantes atacam estátua do ex-presidente americano Andrew Jackson
Foto: Tom Brenner / Reuters
O grupo aborda uma crescente controvérsia nos Estados Unidos: se o novo limiar de tolerância zero a desigualdades como racismo, sexismo ou homofobia também estaria alimentando alguns excessos que buscam silenciar qualquer dissidência. É uma tendência que os críticos costumam chamar de “cultura do cancelamento”, em referência ao banimento e à denúncia de criadores ou professores por qualquer desvio da norma; ou de “woke culture” (do inglês, despertar), que se refere a uma atitude de alerta permanente.
A livre troca de informações e ideias, a força vital de uma sociedade liberal, está se tornando cada vez mais limitada. Enquanto esperávamos isso na direita radical, a atitude de censura está também se expandindo em nossa cultura”, diz a carta, que não menciona recentes controvérsias específicas com nomes e sobrenomes, mas descreve situações. “Os líderes institucionais, em uma atitude de pânico e controle de risco, estão aplicando punições duras e desproporcionais em vez de correções ponderadas. Editores são demitidos por publicar materiais controversos; livros são removidos por suposta inautenticidade, jornalistas são impedidos de escrever sobre certos assuntos; professores são investigados por citarem obras literárias durante aulas”, descreve o texto, entre outros exemplos.
Um dos casos controversos recentes foi a demissão de James Bennet, editor do “New York Times” no início deste mês, após a polêmica gerada pela publicação de um artigo de opinião do senador republicano Tom Cotton, no qual o político pedia uma resposta militar aos protestos desencadeados pela morte de George Floyd. A torrente de críticas dentro e fora da redação levou Bennet a pedir demissão e desculpas. Ele admitiu que o texto não deveria ter sido publicado e que não havia sido editado com rigor suficiente.

Ligado à mesma discussão, em 10 de junho, a Poetry Foundation anunciou a demissão de dois de seus líderes após uma carta de protesto de 30 autores que consideraram brando o seu comunicado denunciando a violência policial. Também foi demitida a presidente do Círculo Nacional de Críticos de Livros, e cinco outros membros se demitiram, em meio a uma briga nas redes sociais em relação à sua declaração pública contra o racismo. Ainda, um analista eleitoral, David Shor, foi demitido da plataforma Civis Analytics após a polêmica que surgiu por ter tuitado u estudo acadêmico de um professor de Princeton que alertou sobre os efeitos perversos de protestos violentos. Segundo a “New York Magazine”, alguns funcionários da empresa consideraram que o tuíte de Shor “colocava sua segurança em risco”.

O debate sobre onde termina a tolerância zero ao abuso e onde começa o apagamento da discrepância também se estende à revisão de estátuas e monumentos nacionais. Donald Trump, que adotou a guerra cultural como um de seus argumentos de campanha, se concentrou nessa questão em um longo discurso na noite de sexta-feira passada, na véspera de 4 de julho. “Nas nossas escolas, nossas redações, mesmo em nossos conselhos de administração, há um novo fascismo de extrema-esquerda que exige lealdade absoluta. Se você não fala a língua deles, pratica seus rituais, recita seus mantras e segue seus mandamentos, você será censurado, perseguido e punido”, disse o republicano.

Na carta, os intelectuais descrevem o presidente como uma “ameaça à democracia”, mas alertam: “a restrição do debate, seja por um governo repressivo ou por uma sociedade intolerante, prejudica invariavelmente aqueles que não têm poder e torna todos menos capazes de participação democrática”.”O caminho para derrotar as más idéias é a exposição, a argumentação e a persuasão, não tentando silenciá-las ou querendo expulsá-las. Como escritores, precisamos de uma cultura que nos deixe espaço para experimentação, risco e até erros. Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa fé sem terríveis conseqüências profissionais”, concluem.

O texto também é assinado por Jeffrey Eugenides, Anne Applebaum, David Brooks, Enrique Krauze e Sean Wilentz, entre outros nomes.

Clipping Chomsky, Atwood e outros intelectuais lançam manifesto contra cultura do cancelamento na esquerda, O Globo, 07/07/2020

terça-feira, 26 de maio de 2020

Primeira-ministra da Nova Zelândia agita a Internet com suas medidas progressistas

Jacinda Stardust, ilustração criada por Todd Atticus em um café de Madri, deu a volta ao mundo: serigrafiada em camisetas, em cartazes e até impressa em jornais e capas de livros que analisam o fenômeno Jacinda.
As medidas progressistas da primeira-ministra agitam a Internet.
O que aconteceu para que já não sonhemos (tanto) com o modelo escandinavo?
Durante anos vivemos suspirando pela utopia escandinava e de outros países nórdicos. Queríamos ser mães na Finlândia. Sonhávamos com nossos filhos indo a creches a 300 reais por mês, tendo educação pública até o doutorado e com trabalhar no máximo oito horas por dia (mas de verdade). Que em Helsinque, se você perder a carteira e alguém a encontrar, a devolverá. Pois se eles tinham até uma palavra para a glória (pré-coronavírica) de ficar em casa, só de calcinha (kalsarikänni)! E uma sauna cada dois habitantes! Quem não gostaria de viver nesse país honrado que tinha encontrado a fórmula da felicidade? Mas o fato é que, há alguns meses, os progressistas utópicos deixaram de suspirar pela Finlândia. Agora esticam os olhinhos para Jacinda Ardern, novo ícone da utopia social. Todos sonham em se mudar para a Nova Zelândia. Para tomar a temperatura do assunto, basta dar uma olhada nas redes cada vez que Ardern propõe uma medida social:

“Amo você. O que tenho que fazer para morar aí?”, “Como fazemos para que você seja a presidenta de todo o planeta?”, “Como não te amar?”, “Quero uma presidenta como ela!”, “Jacinda fez de novo”, “Eu quero ir para a Nova Zelândia”, “Estou dentro”, “Nova Zelândia é tudo de bom” ou “Me levem pra láááá” são alguns dos entusiasmados comentários que acompanham os retuítes quando o EL PAÍS publicou no Twitter a última proposta de Ardern: estabelecer uma semana de trabalho de quatro dias para reativar a economia depois do impacto do coronavírus e assim poder impulsionar o turismo enquanto se ajuda os cidadãos a conciliarem a vida profissional com a pessoal.

Desde que virou primeira-ministra da Nova Zelândia aos 37 anos, em 2017, Jacinda Ardern, terceira mulher a chefiar o governo em seu país e a dirigente mais jovem desde 1856, tornou-se um ícone político pop da esquerda global. Especialmente entre os que transitam pela bolha da Internet progressista: são aqueles que aplaudiram seu gesto de calar os machistas quando lhe perguntaram por que não era mãe (já foi), ou os que a defenderam frente a uma campanha de desprestígio por parte da direita (#TurnAdern).

Seguindo o rastro de outra política pop, Alexandria Ocasio-Cortez, Ardern faz um uso estratégico das redes e não hesita em aparecer ao vivo no Instagram de moletom para conversar com seus seguidores sobre a crise do coronavírus. Também conta com ajuda externa: a conta do Facebook @NZLPMemes, supostamente sem origem política, aglutina uma comunidade de mais de 40.000 seguidores que curtem e viralizam memes positivos sobre as propostas de Jacinda. Todos a amam. A tal ponto que seu rosto estampa camisetas (que se esgotam). Uma busca no Google indicará 119.000 resultados para “Jacinda merchandise”. Existem bordados à venda por 35 euros (210 reais) que perguntam “WWJD”: What would Jacinda do? (“o que Jacinda faria?”), camisetas do “Team Jacinda” (“time Jacinda) a 42 euros (252 reais), máscaras repletas de mini-Jacindas a 9 euros (54 reais), ilustrações em que ela toma a forma da princesa Leia, da Mulher-Maravilha e até da personagem feminista Rosie the Riveter.

A iconografia feminista se alia, também, com a veneração pop: a ilustração de Jacinda Stardust, ressignificando a capa de Bowie concebida pela mãe da estilista Phoebe Philo para a capa do seu álbum Aladdin Sane, é uma das mais populares e reproduzidas. Foi inventada pelo artista Todd Atticus em um café de Madri em apenas duas horas, depois que o principal rival dela na campanha, Bill English, a tentou menosprezar em um debate televisivo dizendo:
Agora que a poeira de estrelas [stardust, nome também do personagem de Bowie] assentou, podemos ver a fragilidade das suas propostas”.
Como aconteceu com o “Nevertheless she persisted” (“Entretanto, insistiu”) contra Elizabeth Warren, a desqualificação se transformou em lema viral a favor dela. Três anos depois daquela frase, sua fama e a veneração por seu país não diminuíram em nada.

Primeira-ministra da Nova Zelândia comenta terremoto ao vivo na TV ...
Jacinda Ardern anunciou corte de 20% nos salários dos executivos públicos,
ministros e, naturalmente, dela mesma.
Por que a Internet quer se mudar para a Nova Zelândia?

O que tem um pequeno país do sudoeste do Pacífico com menos de cinco milhões de habitantes para que todos o idealizem atualmente? Uma líder carismática que aposta nas políticas sociais. Ardern se somou à lista de líderes mulheres que provaram uma eficaz gestão sanitária e social perante o coronavírus —aprovou uma lei que, sob o lema de “bata firme e bata rápido”, conseguiu achatar a curva da pandemia em apenas três semanas (com apenas 21 mortos até o momento). Embora sejam os programas, as pautas de ação e a ideologia que definam os resultados, e o gênero não seja critério exclusivo para a validade de uma política, Ardern provou que a Nova Zelândia é um país apetecível para viver.

Ardern abriu o caminho a uma política aglutinadora quando disse aquilo de “eles são nós” e soube administrar a crise decorrente de um ataque terrorista do supremacismo branco contra mesquitas, cobrindo-se com um hijab e abraçando os familiares das vítimas em um ato público:
Não foi fraqueza o que Jacinda Ardern mostrou: exibiu, pelo contrário, uma força incomum na classe política dirigente, reconhecendo a vulnerabilidade como o ponto de referência para pensar a política a partir de outro lugar”, escreveu Máriam Martínez-Bascuñán a propósito desse gesto.
Também disse que seu país estava “no lado certo da história” na luta contra a mudança climática quando aprovou a histórica lei do carbono zero e se comprometeu a eliminar as emissões de gases do efeito estufa até 2050, como exige o Acordo de Paris.

Seu governo de coalizão aprovou um dos pacotes sociais mais aplaudidos contra a epidemia da ansiedade e frente aos elevados índices de violência de gênero detectados ao chegar ao cargo (está entre as piores posições da OCDE). Investiu o equivalente a cerca de seis bilhões de reais ao todo, dos quais uma boa parte se destinará ao chamado “centro perdido”: os neozelandeses que sofrem ansiedade leve a moderada e transtornos depressivos, os que estão num ponto intermediário e não precisam de hospitalização, mas cujo mal-estar afeta significativamente sua qualidade de vida. Também anunciou que investirá outro bilhão de reais em políticas contra a violência contra mulheres, entre as quais se inclui uma rede de refúgios para mulheres que sofrem maus-tratos, assistência às cidadãs maoris e cursos educativos para advogados.

Por causa da crise do coronavírus, anunciou um corte de 20% nos salários dos executivos públicos, ministros e, naturalmente, dela mesma. E tornou a fazer história ao propor estabelecer uma semana trabalhista de quatro dias para reativar a economia depois do impacto do coronavírus. “Ouvi muita gente dizer que deveríamos ter uma semana de trabalho de quatro dias. É um acordo que deve ser feito entre empregador e empregado. Mas aprendemos muito durante a covid-19, a flexibilidade das pessoas que trabalham de casa e a produtividade que se pode tirar disso”, afirmou. Quem poderia assumir seu lugar? Enquanto isso, a Internet continuará sonhando em se mudar para a Nova Zelândia.

Clipping Jacinda Ardern torna a Nova Zelândia a nova utopia para onde todo mundo quer se mudar, Noelia Ramírez, 25/05/2020, El País.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Patrícia Medici e Gabriela Cabral Rezende receberam o Whitley Awards, o “Oscar Verde” da conservação ambiental

prêmio cientistas brasileiras
Patrícia Medici e Gabriela Cabral Rezende dedicam a vida à fauna brasileira
 e receberam o Whitley Awards, o “Oscar Verde” mundial
Dois projetos idealizados por pesquisadoras brasileiras foram vencedores do maior prêmio de conservação ambiental do mundo, o "Fundo Whitley para a Natureza", chamado de “Oscar Verde”. Na manhã desta quarta-feira (29) Gabriela Rezende recebeu a notícia da vitória que a beneficia com cerca de R$ 260 mil (40 mil libras esterlinas) para auxiliar o financiamento de seus projetos envolvendo o mico-leão-preto.

Além das iniciativas inscritas, o Fundo ainda garante o principal prêmio da edição a um projeto que já tenha sido vencedor anteriormente e continue merecendo destaque na biodiversidade. Foi nesta categoria que consagrou Patrícia Medici com seu trabalho sobre a conservação de antas no Brasil, recebendo cerca de R$ 400 mil (60 libras esterlinas).

Gabriela Rezende preserva os micos-leões-pretos da Mata Atlântica
Gabriela Rezende estava entre os quinze finalistas do "Fundo Whitley para a Natureza", um dos mais prestigiados prêmios referentes à conservação no mundo, popularmente chamado de “Oscar Verde”. Premiado, o projeto trata da conexão dos fragmentos florestais da paisagem do Pontal do Paranapanema para garantir a reintrodução de micos-leões-pretos em áreas onde ainda não estão presentes.

Implantando o projeto, os corredores ecológicos estabelecerão uma área contínua de mais de 45.000 hectares de Mata Atlântica para micos-leões-pretos, aumentando a população na região e reduzindo a zero o risco de extinção das pequenas populações, já que estarão todas conectadas.
Além do reconhecimento e de toda a visibilidade que o prêmio trás, ele vem com um apoio financeiro que vai ajudar muito a dar os próximos passos para a conservação da espécie. Com esse recurso vamos focar nas atividades de manejo das populações, movimentar grupos de micos-leões-pretos para as áreas que estão sendo conectadas, justamente para garantir que eles ocupem essas áreas restauradas e que isso possibilite o crescimento da população”, explica.
O prêmio conferido usualmente é entregue em uma celebração oficial em Londres, dinâmica que foi modificada em função da pandemia do novo coronavírus. Quanto ao adiamento da cerimônia, Gabriela garante que a comemoração será ainda maior.
Vai ser muito emocionante viver tudo isso no dia da cerimônia, que foi postergada. Trazer notícias boas de conservação da biodiversidade em um momento tão complicado que o mundo está passando é muito especial”, completa.
Também faremos mais plantios de árvores e corredores para alcançar o nosso objetivo final de estabelecer essa grande área contínua e reconectar as populações de mico. Também não podemos deixar de lado as ações de educação ambiental e envolvimento comunitário, que são cruciais para garantirmos a sustentabilidade de tudo que a gente faz”, completa.
O prêmio conferido usualmente é entregue em uma celebração oficial em Londres, dinâmica que foi modificada em função da pandemia do novo coronavírus. Quanto ao adiamento da cerimônia, Gabriela garante que a comemoração será ainda maior.
Vai ser muito emocionante viver tudo isso no dia da cerimônia, que foi postergada. Trazer notícias boas de conservação da biodiversidade em um momento tão complicado que o mundo está passando é muito especial”, completa. 
Patrícia defende a causa da conservação da anta brasileira
Há 24 anos, a bióloga Patrícia Medici, cofundadora da ONG brasileira Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), começou a desvendar os mistérios que envolviam as antas na Mata Atlântica, mais especificamente no Parque Estadual Morro do Diabo (SP). Se a perda de habitat, a caça e o aumento da urbanização eram ameaças para esse mamífero, o projeto utilizou a tecnologia de GPS, armadilhas fotográficas, a restauração de corredores florestais e até a atividade de educação ambiental como ferramentas da conservação da espécie.
Eu comecei a pensar em expandir para diferentes partes do Brasil esse projeto. Além da Mata Atlântica, em áreas que sabíamos da ocorrência desse animal como o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia”, explica Patrícia.
E foi com a ideia de expansão das ações para o Pantanal que o projeto conquistou seu primeiro prêmio no Fundo Whitley, em 2008.
Houve uma reação do tipo: ‘é um projeto sobre antas mesmo que ganhou um prêmio?’ (risos). Isso gerou na gente uma necessidade de falar mais com o público sobre o animal”, relembra a pesquisadora.
Ampliar os conhecimentos, produzir o maior banco de dados sobre o animal e estudar o atropelamento da espécie nas estradas foram conquistas que permitiram que o fundo mantivesse o suporte para os diferentes passos do projeto.
Recebemos auxílio para dar continuidade às ações no Cerrado e agora este prêmio para a Amazônia”, vibra Patrícia.
Em 7 anos, no Mato Grosso do Sul, monitoramos 35 rodovias e detectamos mais 600 carcaças de antas por atropelamentos que ocasionaram a morte de mais de 30 pessoas. É, de longe, o problema mais sério para conservação e um risco para o tráfego nessas rodovias”
O dinheiro recebido pelo prêmio, agora, será dividido entre a expansão do projeto para a Amazônia e um retorno ao local de nascimento da iniciativa para avaliar a população dez anos após a pesquisa original. O valor recebido deve também ajudar a conter ameaças, criar planos a favor das antas e reforçar estratégias que reduzam o atropelamento desses animais em estradas, como cercamentos, radares e passagens de fauna.

A equipe coordenada por Patrícia é composta por cinco pessoas fixas, um trainee de algum país que possua o animal para obter conhecimentos e treinamentos sobre ele e mais sete colaboradores de diversas áreas que analisam, por exemplo, a contaminação de antas por agrotóxicos.

O prêmio "Whitley Fund for Nature " foi fundado na Inglaterra e completa 27 anos em 2020. Nessa trajetória já beneficiou mais de 200 projetos em 80 países com um financiamento que supera 16 milhões de libras, um valor que se aproxima dos 90 milhões de reais. Desde a origem da iniciativa, sete brasileiros já foram premiados (Patrícia Medici, por exemplo, havia vencido em 2008).

O dinheiro para auxiliar os projetos provém de doações de grandes instituições e fundações que vão desde o WWF até a Fundação Leonardo DiCaprio, por exemplo. Também foram premiados na edição deste ano projetos do Quênia, Butão, Nigéria, Indonésia e África do Sul, que envolviam assuntos como chimpanzés, antílopes e anfíbios.

Clipping Conheça as brasileiras vencedoras do maior prêmio de conservação ambiental do mundo, por Gabriela Brumatti e Giulia Bucheroni, Terra da Gente, G1 Campinas, 29/04/2020

terça-feira, 12 de maio de 2020

Pneumologista brasileira se destaca ao usar com sucesso anticoagulante contra a Covid-19

Elnara Negri é destaque por uso de anticoagulante contra Covid-19 Foto: Divulgação
Pneumologista conseguiu alcançar alta taxa de recuperação de pacientes

Uma pneumologista brasileira ganhou destaque em uma das revistas científicas mais conceituadas do mundo, a Science, ao apresentar um artigo que teve ótimos resultados no combate à Covid-19.

O estudo em questão, conduzido pela doutora Elnara Negri, trata do uso do anticoagulante heparina, usado para reversão da trombose, em pacientes com o coronavírus. Ao redor do mundo, médicos de diversos países também têm comprovado a eficácia do método.

Elnara, que foi a primeira médica no Brasil a observar os bons resultados do medicamento, relatou que o maior problema de pacientes com casos graves de Covid-19 não está no pulmão propriamente, mas na coagulação da rede sanguínea do órgão.
A evasão em cascata de proteínas do sangue leva à coagulação, o que impede a oxigenação adequada – destaca a médica.
A pneumologista conta que percebeu o fato ao atender a primeira paciente com Covid-19, uma idosa com dificuldades para respirar e com problemas circulatórios em um dedo do pé.
 Ficou roxo, ao mesmo tempo em que houve uma queda abrupta na oxigenação – relatou.
Com base na conclusão, Elnara publicou um estudo preliminar, no dia 20 de abril, detalhando a experiência no Hospital Sírio Libanês, onde ela atua, em 27 pacientes com Covid-19. No tratamento, as pessoas com baixa oxigenação no sangue receberam heparina, com a dose sendo reforçada a cada vez que a coagulação aumentava.

Dos 27 pacientes atendidos por Elnara, um não recebeu acompanhamento porque foi transferido para outro hospital, dois mantiveram-se em estado grave, e 24 se recuperaram da infecção, incluindo quatro que tinham sido submetidos à ventilação mecânica. A taxa de recuperação é a mais alta já vista desde o início da pandemia, segundo a conceituada revista Science.

A médica destaca que nem todos os hospitais têm utilizado o medicamento “porque nem todos os colegas acreditam no tratamento”, mas ela ressalta que o momento atual é uma guerra e todos os avanços devem ser considerados para salvar vidas.
Eles querem tudo baseado em evidências com estudos randomizados. Acontece que nós estamos no meio da guerra, e por isso nesse caso, a nosso ver, a observação clínica associada aos dados de autópsia deve ser levada em consideração – finaliza.
Clipping Brasileira se destaca ao tratar Covid-19 com anticoagulante, por Paulo Moura, Pleno.News, 07/05/2020

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Governos chefiados por mulheres viram exemplo de combate à pandemia do coronavírus

Angela Merkel
Chanceler alemã, Angela Merkel, chega ao Parlamento Foto: AFP / Bernd von Jutrczenk 
As respostas dos países à crise do coronavírus têm sido variada e de resultados heterogêneos, mas as de maior sucesso têm em comum governos chefiados por mulheres. Em dois exemplos, Alemanha e Nova Zelândia, as estratégias foram diferentes, mas o êxito foi parecido, em comparação a outras grandes economias.

No primeiro caso, na Alemanha, o governo da chanceler Angela Merkel realizou um vasto número de testes, ofereceu milhares de leitos de UTI e equipou seu pessoal de saúde com as proteções necessárias para lidar com a pandemia. O país foi atingido duramente pelo vírus, mas com uma taxa de mortalidade baixa, cerca de 1,6%. Em comparação, na Itália, ela foi de 12%, na Espanha e no Reino Unido, de 10%.

A Nova Zelândia, liderada por Jacinda Ardern, também se destacou com apenas 9 mortes. Muito graças a sua geografia e tamanho: o país tem apenas 5 milhões de habitantes, menos do que a cidade de São Paulo. No entanto, a liderança de Ardern também contribuiu. Ela determinou testes em massa e tomou a rápida decisão de fechar fronteiras e ordenar o isolamento no início da pandemia.

O que é importante não é a questão de gênero do líder, mas a habilidade do país de eleger o melhor candidato, independentemente do sexo”, escreveu a colunista Emma Burnell do jornal Independent.

Jacinda Ardern
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, carrega sua filha recém-nascida, Neve Te Aroha Ardern Gayford, ao lado de seu marido, Clarke Gayford, ao deixar o Hospital de Auckland. Foto: REUTERS/Ross Land - 24 de Junho de 2018
Uma das respostas mais rápidas à pandemia foi a da presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen. No dia 31 de dezembro, no mesmo dia em que soube do surgimento de um vírus em Wuhan, até então desconhecido, ela determinou que todos os passageiros retornando da cidade deveriam ser investigados. Somente alguns dias depois é que a Organização Mundial da Saúde (OMS), organismo do qual Taiwan não faz parte, viria a declarar que o vírus era transmissível entre humanos.

Em janeiro, dois meses antes de a OMS declarar a pandemia, Tsai apresentou 124 medidas para evitar que o vírus se espalhasse sem ter de recorrer ao isolamento total, que viria a ser adotado em vários países mais tarde. Hoje, Taiwan contabiliza um saldo de 393 casos e apenas 6 mortes.

A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, recebeu apoio depois de recusar os apelos do presidente da China, Xi Jinping Foto: Billy H.C. Kwok/The New York Times.
Na Finlândia, Sanna Marin, a chefe de Estado mais jovem do mundo, de 34 anos, comanda uma cruzada contra a pandemia usando as redes sociais e influenciadores digitais, que vem ajudando o país a manter números baixíssimos de infectados – apenas 3 mil. O sucesso da premiê finlandesa é tão grande que uma pesquisa recente indicou que seu desempenho durante a crise recebeu a aprovação de 85% dos eleitores.

A jovem Sanna Marin após a eleição que a definiu como primeira-ministra.
Foto: Vesa Moilanen/ Lehtikuva /Reuters
De acordo com reportagem da revista Forbes, a Islândia, sob a liderança da jovem primeira-ministra Katrín Jakobsdóttir, também é um caso à parte. Seu governo está oferecendo testes gratuitos para todos os cidadãos, com ou sem sintomas – o país já testou 10% da população. O país registrou 1,7 mil casos e apenas 8 mortos. O governo islandês instituiu também um sistema completo de rastreamento de casos, permitindo que não fosse necessário o isolamento ou fechamento de escolas.

Clipping Governos liderados por mulheres viram exemplo de combate à pandemia, Estadão, 15/04/2020




terça-feira, 14 de abril de 2020

Cientistas brasileiras foram pioneiras no sequenciamento do genoma do coronavírus

Ester Cerdeira Sabino (à esq.) e Jaqueline Goes de Jesus fazem parte da equipe que fez o sequenciamento do sequenciamento do genoma do novo coronavírus, que teve casos confirmados no Brasil em fevereiro (Foto: USP Imagens; Currículo Lattes)
Ester Cerdeira Sabino (à esq.) e Jaqueline Goes de Jesus fazem parte da equipe que fez o sequenciamento do genoma do novo coronavírus, que teve casos confirmados no Brasil a partir de fevereiro (Foto: USP Imagens; Currículo Lattes)

No início de março, duas brasileiras lideraram o trabalho que sequenciou o genoma do novo coronavírus em apenas dois dias, quando a média mundial vinha sendo de 15 dias.

Quem comandou a equipe foi Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da Fapesp. Jaqueline desenvolve pesquisas na área de arboviroses emergentes e integra um projeto itinerante de mapeamento genômico do vírus Zika no Brasil.

A coordenadora geral da “missão” é Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP e coordenadora do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), que é apoiado pela Fapesp e pelos britânicos Medical Research Council e Fundo Newton.

Os pesquisadores conseguiram um resultado tão rápido porque se prepararam. Eles sabiam que a doença poderia chegar ao Brasil e se prepararam para acelerar o processo de sequenciamento.

Segundo Ester Sabino, assim que o primeiro surto de COVID-19 foi confirmado na China, em janeiro, a equipe do projeto se mobilizou para obter os recursos necessários para sequenciar o vírus quando ele chegasse no Brasil.
Usamos essa metodologia para monitorar a evolução do vírus zika nas Américas, mas, nesse caso, só conseguimos traçar a origem do vírus e a rota de disseminação um ano após o término da epidemia. Desta vez, a equipe entrou em ação assim que o primeiro caso foi confirmado”, contou Ester.
O sequenciamento foi realizado com o primeiro caso identificado no país, de um paciente de 61 anos vindo da Itália para São Paulo. O resultado foi publicado e disponibilizado para pesquisadores do mundo inteiro e já foi possível descobrir que o vírus do brasileiro é semelhante ao de um genoma sequenciado do coronavírus na Alemanha.

Com esse sequenciamento, é possível desenvolver mais rapidamente vacinas e tratamentos mais eficientes. “Por meio desse projeto foi criado uma rede de pesquisadores dedicada a responder e analisar dados de epidemias em tempo real. A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e não apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, disse Ester Sabino à Agência FAPESP.

Outros pesquisadores que participaram do sequenciamento do novo coronavírus

Ao lado dessas duas mulheres que fizeram história estão vários outros pesquisadores que elas fazem questão de lembrar, como Claudio Tavares Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz, Dr. Nuno Faria, Dr. Oliver Pybus, Dra. Sarah Hill e o doutorando Darlan Candido, da Universidade de Oxford, Dr. Joshua Quick e Dr. Nicholas Loman, da Universidade de Birmingham, o mestre Filipe Romero, da UFRJ, a mestre Pâmela Andrade, as estudantes Mariana Cardoso e Camila Maia a bióloga Thais Coletti, a farmacêutica Erika Manuli e as biomédicas Ingra Morales e Flavia Sales. 

Clipping Cientistas brasileiras são as mais rápidas no mundo a sequenciar genoma do coronavírus, por Rafael Melo, Razões para Acreditar (via revista Galileu e Jornal da USP), 02/03/2020

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