8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 26 de junho de 2014

E se não der, a gente inventa!

Lily Born criou canecas com perninhas 
Para pequenos ou grandes problemas, a criatividade dos jovens. Para ajudar o avô, portador de Parkinson, Lily Born, criou copos com perninhas. Para limpar os oceanos, entulhados de detritos deixados pelos humanos, Boyan Slat criou uma tecnologia capaz de limpar o lixo dos mares.  Enquanto esses jovens estão aí criando produtos e tecnologias úteis para todos, os debiloides do Black Block e congêneres estiveram nas ruas de São Paulo para promover mais um show de destruição.  

Menina inventa caneca para ajudar avô com Parkinson

Ao perceber que o avô, portador de Parkinson, estava com dificuldades em manter as bebidas em seu copo, uma menina americana de 11 anos, chamada Lily Born, se dispôs a montar um plano para ajudá-lo com essa tarefa do cotidiano. A ideia de Lily? Adicionar perninhas nos copos.

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Na primeira versão da Kangoroo Cups, como foi batizada a invenção, Lily usou plástico maleável e adaptou copos e canecas da própria casa.

A ideia deu tão certo que ela apostou em um financiamento coletivo para fabricar em escala industrial a versão plástico da Kangoroo.

O kit com 4 canecas custa US$ 35 (R$ 79) no site Imagir0o, e é apresentado nas versões transparente com perninhas coloridas ou multicoloridas.

Fonte: Jovem Pan, 11/06/2014



Garoto cria sistema que limpa metade do Pacífico em 10 anos
A tecnologia Ocean Cleanup funciona como uma barreira flutuante que aproveita as correntes oceânicas para bloquear os resíduos encontrados no mar

Boyan Slat quer limpar o Oceano Pacífico
São Paulo - O rapaz da foto acima tem apenas 19 anos, mas é responsável por um plano ambicioso apoiado por mais de 100 pesquisadores, cientistas e ambientalistas.

O holandês Boyan Slat criou a Ocean Cleanup, uma tecnologia capaz de limpar o lixo do Oceano Pacífico em uma década.

O sistema funciona como uma barreira flutuante que aproveita as correntes oceânicas para bloquear os resíduos encontrados no mar.

Nos testes com um protótipo, a barreira foi capaz de coletar plásticos em até três metros de profundidade.

O sistema também recolheu pouca quantidade de zooplâncton, o que facilita o reaproveitamento e a reciclagem do plástico.

A estimativa é de que o sistema remova 65 metros cúbicos de lixo por dia.

Slat teve a ideia anos atrás, quando mergulhava na Grécia e viu mais garrafas de plástico do que peixes.

Desde então, desenvolveu a tecnologia, montou um site com todas as especificações, fez um estudo de viabilidade e uma campanha para financiar sua ideia.

A primeira apresentação da tecnologia aconteceu em um TEDx na Holanda há dois anos. Sua ideia não foi bem recebida por todos.

Como resposta, Slat e uma equipe de pesquisadores fizeram um relatório com 530 páginas, em que justificavam a viabilidade do projeto.

O próximo passo é testar o sistema em larga escala e aumentar a produção do sistema. Para isso, ele busca financiamento coletivo. A meta é conseguir 2 milhões de dólares em 100 dias.

Ela já conseguiu 30% da meta em 14 dias.

Veja abaixo um vídeo sobre a Ocean Cleanup, nome da tecnologia e também da empresa criada por Slat:


Fonte: Exame, Vanessa Daraya, 18/06/2014

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Os excessos do politicamente correto tiram a credibilidade de lutas mais do que justas

É mais fácil ser autoritário do que libertário (aqui no sentido de amante da liberdade no sentido mais amplo). Não exige muito da pessoa. Basta ter pouca capacidade de autocrítica, achar que tem a "verdade" (não confundir com a certeza fundamentada), ter uma visão maniqueísta da realidade (por exemplo ou se é de esquerda ou de direita) e transformar em bode-expiatório qualquer um(a) que não concorde com suas ideias. 

E ninguém escapa do risco de ser contaminado pelo vírus do autoritarismo. Basta ter um pouquinho de poder que a possibilidade de a pessoa descambar para um comportamento autoritário aumenta muito. Movimentos como o feminista e o LGBT nasceram libertários, questionando, com toda a razão, as discriminações impostas a mulheres e pessoas homossexuais que as impedem de desenvolver seu potencial individual na sociedade. Ao longo dos anos, o espírito libertário se perdeu e foi substituído por uma mentalidade não muito diferente da de um pastor evangélico em sua pregação fundamentalista cristã.

Outro dia li numa postagem no facebook uma moça comentando um artigo de um cara, onde ela reduzia seu argumento, contrário à posição do artigo, na base do "só podia ser coisa de um homem branco, hétero, cis e coxinha". Lê-se coisas do tipo o tempo inteiro nas redes sociais. O artigo abaixo descreve mais detalhadamente essa triste situação de patrulha do pensamento. 

Tolerância intolerante

Você é machista! Ao ouvir essa acusação, um professor de história sentiu o golpe. Ele abordava o período colonial e a situação de inferioridade da mulher naquela sociedade patriarcal. A base era o livro "História das Mulheres no Brasil", de Mary del Priore.

Diante da constatação de que a maioria dos livros didáticos conta uma "história masculina", a respeitada pesquisadora defende a necessidade de se procurar a mulher na narrativa histórica. Apesar de o discurso do professor estar alinhado ao da historiadora, a única coisa que uma aluna registrou foi: "A história é masculina". Interpretou a fala como uma absurda exemplificação da inferioridade feminina. Foi o suficiente para considerar o professor machista e, portanto, seu inimigo.

Nós, professores de ensino médio e pré-vestibular, temos sido, em sala, alvos das mais pesadas acusações. Imbuídos de uma espécie de "neofundamentalismo politicamente correto", alguns alunos retiram nossas observações de contexto e as usam como combustível para justificar sua intransigência, que cresce a cada dia em progressão geométrica de razão infinita.

Claro, atitudes machistas, homofóbicas e afins devem ser combatidas. Mas, em torno dessa causa justa, surgiram patrulhas ideológicas, sempre atentas a toda possível ação preconceituosa. O olhar do crítico está tão viciado que busca preconceito, avidamente, onde não há.

Outro exemplo: um colega foi acusado de homofobia por contar, em classe, uma história vivida por ele e um amigo homossexual. O detalhe de o amigo ser gay era importante no caso, e o relato tinha um fim pedagógico. Atacado por um aluno, defendeu-se: "Homofobia? Onde?". O aluno respondeu: "Ora, pelo fato de você ter dito que seu amigo era gay". Novamente o professor: "E ser gay é defeito?".

Os patrulheiros não costumam ser agentes de mudança. São como fiscais de trânsito, que só multam, mas não colaboram para melhorar o fluxo. "Descobrem" infrações que nem foram cometidas. Medem cada palavra do professor, buscando ferozmente uma má intenção que não está ali.

Nessa caça intensa, os patrulheiros não se dão conta de que ficaram mais agressivos do que muitos daqueles que imaginam combater. Praticam um preconceito às avessas. "Eu faço parte de um grupo iluminado que dita as regras e é bom você me obedecer." Só que as regras –repetidas "ad nauseam", sem reflexão– quase nunca fazem sentido quando avaliado o contexto.

Machismo é obviamente abominável. Sobretudo numa sociedade como a nossa, que carrega uma tradição de hegemonia masculina, e em que, apesar de as mulheres serem mais da metade da população, ocupam menos de 9% das cadeiras do Congresso Nacional. Mas uma pessoa não é machista por não gostar, digamos, de lojas de sapatos femininos (sim, algo parecido aconteceu com outro colega). Machismo seria, por exemplo, achar que uma mulher não pode ser cientista. Madame Curie que o diga.

A situação guarda perigosa semelhança com o romance "1984", de George Orwell, em que a novilíngua definia as novas palavras aceitáveis. Certas coisas deixariam de existir pelo simples fato de não haver uma palavra que as explicasse. Controle de pensamento: "Seja como eu. Concorde comigo. Diga o que eu quero ouvir. Ou você é da minha turma ou é meu inimigo". Sem meio termo.

Ao ouvir certas expressões (o contexto pouco importa), detectam "preconceito" e atiram contra o inimigo. Os jovens patrulheiros veem maldade em tudo. Impregnados, eles sim, por preconceitos, desprezam o humor popular, que muitos professores usam apenas para quebrar a tensão. Acreditam que só o "humor inteligente", isto é, o militante da "causa", é aceitável. Jamais aprovariam a comédia nonsense dos mestres ingleses do Monty Python, pois "não é engajada".

São movidos por boas intenções, mas podam, são censores. Transformaram-se naquilo que dizem abominar. Em nome da tolerância, têm cometido as maiores intolerâncias.

LUÍS PEREIRA é professor de química de curso pré-vestibular
SÍLVIO PERA é professor de história de curso pré-vestibular

Fonte: Folha de São Paulo, 15/06/2014

terça-feira, 24 de junho de 2014

As mudanças na relação entre Estado e sociedade permitiram à humanidade abandonar a situação de pobreza extrema característica de sua existência

Mauricio Rojas
Mauricio Rojas foi um marxista chileno ferrenho, membro do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria), que teve que exilar-se, depois do golpe de Augusto Pinochet, para não ser morto. Foi para a Suécia. Lá, felizmente, desemburreceu. Obteve um doutorado em economia na Universidade de Lund e abandonou as tolas superstições marxistas. Aderiu ao liberalismo e ajudou a Suécia a contornar os problemas do estado de bem-estar social. No texto O paradoxo chileno, pode-se ler um pouco mais sobre sua trajetória. No texto abaixo, que traduzi do espanhol, ele resume bem o grande salto da humanidade da pobreza extrema à riqueza relativa criado pela nova relação estabelecida entre o Estado e a sociedade. Vale a leitura.

O segredo da criação da riqueza

A mudança institucional mais significativa surgiu com a nova relação que se estabeleceu entre o Estado e a sociedade.

Por Mauricio Rojas

A humanidade começou a abandonar o estado de pobreza extrema que sempre caracterizou sua existência há apenas alguns séculos. Esse processo se iniciou, como se sabe, na Europa Ocidental, a partir do renascimento das cidades e do comércio do século XI. Posteriormente, deu um salto espetacular, com a Revolução Industrial inglesa do século XVIII, e agora, difunde-se por todo o planeta com a globalização em marcha.

Os pesquisadores concordam que a razão principal desse salto para a prosperidade foi de ordem institucional. Não dependeu dos recursos naturais nem do nível de conhecimentos ou da exploração de outros ou da riqueza acumulada pelas elites. Se tivesse sido assim, esse salto haveria se dado na China, na Índia ou no mundo islâmico, o que não aconteceu. Ele ocorreu devido à significativa mudança institucional na relação entre Estado e sociedade. Em algumas partes da Europa, o poder do soberano deixou de ser ilimitado e caprichoso para ter que se submeter à legalidade e passar a respeitar seus súditos. Shakespeare refletiu muito bem essa novidade  em “O Mercador de Veneza” (1600). A prosperidade veneziana dependia da capacidade de atrair investidores e comerciantes confiantes de que seus direitos seriam respeitados e a lei cumprida por todos, inclusive pelo soberano.

Quase dois séculos depois, em 1776, Adam Smith deu sua resposta clássica à pergunta sobre “a causa da riqueza das nações”: somos mais ricos porque somos mais livres e seremos ainda mais ricos se incrementarmos nossa liberdade. A seu ver, a divisão do trabalho e a especialização são a chave do aumento da produtividade, embora o motor mais poderoso do progresso seja o interesse próprio, a busca por melhores condições individuais. Essa busca sempre existiu e levou a muita violência e a muito pouco progresso enquanto não foi enquadrada dentro de um marco de liberdade para todos e de trocas voluntárias. Só então nos vimos forçados a fomentar nosso próprio interesse satisfazendo o dos outros em vez de violentá-los.

Surge assim uma ordem espontânea, onde cada um se especializa em servir aos demais para servir a si mesmo. E a eficiência desta ordem cresce na medidade em que ampliamos a esfera das trocas voluntárias. É por isso que Smith afirma que “a divisão do trabalho se encontra limitada pela extensão do mercado” e predica a liberdade de comércio a fim de ampliá-lo.

Mais de meio século depois encontramos quem melhor e pior compreendeu a essência da ordem da liberdade, Karl Marx. “O Manifesto Comunista” (1848) é uma descrição ainda insuperada da força criativa da “burgesia” que “não pode existir sem a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção”. A causa do elemento distintivo do capitalismo (palavra que Marx não usava) ou “ordem burguesa” é esta: a competição econômica como meio para o enriquecimento próprio.

Onde outras classes econômicas usaram a força, a burguesia passou a usar sua capacidade de produzir de forma mais eficiente. Por isso, “a burguesia cumpriu um papel altamente revolucionário na História”, multiplicando a riqueza , acumulando-a, contudo,  em cada vez menos mãos, na visão de Marx. Tal visão, porém, provou-se equivocada, levando-o a profetizar a pobreza massiva e a inevitável revolução comunista.

No início do século XX, o economista austríaco Joseph Schumpeter aprofundou nossa compreensão da criação da riqueza enfocando, para tal, a ação dos empreendedores. O que valoriza a natureza, o trabalho e o capital é a capacidade dos empreendedores para dar-lhes usos socialmente proveitosos sob formas cada vez mais eficientes. Para isso, experimentam e inovam, quer dizer, assumem diretamente a tarefa de, como disse Marx, “revolucionar incessantemente os meios de produção”. Essa revolução é a responsável pelas ondas de avanço tecnológico e “destruição criativa” que agitam o capitalismo moderno, impondo  um preço pelo progresso que nem sempre compreendemos ou estamos dispostos a pagar.

Em décadas recentes, Douglass North e outros historiadores econômicos vêm estudando mais em detalhe as instituições do progresso: o Estado de Direito, a liberdade civil e econômica, a propriedade privada, o respeito aos contratos, a limitação do poder. Para Nathan Rosenberg, grande estudioso da história da tecnologia, ao dar a todos um espaço de soberania individual, a ordem da liberdade demonstra sua superioridade decisiva ao maximizar  a quantidade de experimentos que se realizam na sociedade. Com isso, potencializa-se a capacidade de mudança e de adaptação a novas condições, o que é fundamental para a sustentabilidade do progresso. Ao mesmo tempo, a descentralização própria da liberdade faz com que o custo de cada experimento fracassado seja limitado. Pelo contrário, as ordens centralizadas tendem a reduzir a quantidade de experimentos, maximizando, porém, o custo social de cada fracasso.

Por último, Daron Acemoglu e James Robinson, em sua obra “Por que as nações fracassam?” (2012), deram importante destaque a um aspecto central das instituições que geram progresso: sua capacidade de incluir a grande maioria da população no processo de desenvolvimento. Assim, podemos completar a abordagem de Adam Smith dizendo que a profundidade do mercado - e, consequentemente, o dinamismo do capitalismo - está relacionada à igualdade básica de oportunidades que amplia a participação social no mesmo.

Não é demais lembrar essas coisas neste momento em que muitos parecem obstinados em tirar o Chile do rumo do progresso.

*O autor é diretor da Academia Liberal Fundación para elProgreso (@MauricioRojasmr).

Fonte: Pulso, Opinion, El secreto de la creación de la riqueza, Tradução Míriam Martinho

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Copa no Brasil: governo deu isenção total de impostos à FIFA no valor de R$ 1,1 bilhão


O Mundial 2014 e a Casa da Mãe Joana

A Copa é parte do contexto. Manifestações e vaias são consequência da inflação, de serviços públicos ruins e da corrupção

No século XIV, a rainha de Nápoles, Joana, após envolver-se em conspiração para a morte do marido, fugiu e foi morar em Avignon, na França. Lá, se instalou em um palácio e passou a mandar e desmandar na cidade, a ponto de regulamentar até os bordéis. A partir daí, cada prostíbulo passou a ser conhecido como “Paço da Mãe Joana”. No Brasil, a expressão foi alterada para “Casa da Mãe Joana”, sinônimo de lugar ou situação em que predominam o vale-tudo, a balbúrdia e a desorganização.

Associo a história à Copa. Desde 2007, quando o Brasil foi anunciado como país-sede, venderam-nos gato por lebre. À época, o então ministro do Esporte, Orlando Silva, afirmou: “Os estádios para a Copa serão construídos com dinheiro privado. Não haverá um centavo de dinheiro público.” Na mesma linha, o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira disse: “Faço questão absoluta de garantir que será uma Copa em que o poder público nada gastará em atividades desportivas.” O ex-presidente Lula confirmou: “Tudo será bancado pela iniciativa privada.”

Se fosse verdade, ninguém criticaria as arenas de Manaus, Natal, Cuiabá e Brasília — uma manada de elefantes brancos —, construídas pela iniciativa privada, por sua própria conta e risco. Curiosamente, porém, a maioria dos empresários não se interessou pelos estádios padrão Fifa. A fatura de R$ 8 bilhões, em sua quase totalidade, caiu mesmo no colo da viúva.

Afirmar que a metade desse valor decorre de financiamentos que serão cobrados com rigor pelos bancos é, no mínimo, uma falácia. Em sete arenas, os próprios governos estaduais assumiram dívidas de R$ 2,3 bilhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Sendo empréstimos contraídos pelos estados, adivinhe, leitor, de onde sairá o dinheiro para quitá-los?

Outro sofisma é a comparação entre o custo dos estádios em 12 cidades e os gastos integrais em Saúde e Educação, efetuados pela União, pelos estados e por todos os municípios brasileiros, de 2010 a 2013. Com a intenção de tornar irrelevantes os investimentos nas arenas, a presidente Dilma, às vésperas da Copa, apresentou soma de R$ 1,7 trilhão, segundo ela “investida” em Saúde e Educação, incluindo no montante, de forma inadequada, itens de custeio, como vigilância, limpeza, salários, luz e água, entre outros. Na realidade, o custo dos estádios equivale a dois anos de investimentos federais em Saúde ou à instalação de 2.263 escolas.

Em contrapartida, boa parte das reformas dos aeroportos e do legado de mobilidade ainda está pelo caminho. Para atenuar o caos urbano chegaram a ser previstos R$ 12,4 bilhões. No entanto, cerca de R$ 4 bilhões simplesmente sumiram da Matriz de Responsabilidades, visto que as obras não ficariam prontas a tempo do Mundial. Das que restaram, apenas 43% foram concluídas, segundo o TCU. Dessa forma, chegamos ao Mundial com o ônus dos elefantes brancos e sem o bônus dos legados.

Até agora, ninguém sabe o custo real da Copa. No Portal da Transparência constam R$ 25,6 bilhões, mas o valor — por sinal desatualizado — não inclui, por exemplo, as verbas de publicidade, as estruturas temporárias, os centros de treinamento e os subsídios à entidade presidida por Blatter, bem como às empresas por ela indicadas. Apesar de a Fifa ter obtido receitas de R$ 10 bilhões, o Congresso Nacional concedeu-lhe inédita isenção total de impostos, correspondente a R$ 1,1 bilhão. No pacote do perdão estão tributos federais como IRRF, IOF, contribuições sociais, PIS/Pasep, Importação, Cofins Importação, entre outros. Como a Fifa diz que não exigiu esse amplo favor, quem foi o mentor dessa caridade com o nosso chapéu?

Enfim, a Copa 2014 será marcada por falta de planejamento, má gestão, obras inacabadas, excessivas cidades-sede, desperdícios evitados pelo TCU (R$ 700 milhões), denúncia de superfaturamento do “Mané Garrincha” (R$ 431 milhões), arenas entre as mais caras do mundo e repulsa à Fifa, entidade que merece um “chute no traseiro”.

De qualquer forma, quando 72% da população estão insatisfeitos (Pew Research Center), a Copa é apenas parte do contexto. As manifestações e as vaias são consequência da inflação, da estagnação da economia, da péssima qualidade dos serviços públicos e da corrupção deslavada. É bom lembrar que em 2010, na Copa da África do Sul, o ex-presidente Nelson Mandela foi ovacionado.

Como o protesto mais eficiente não é nos estádios, mas nas urnas, o dever de casa para hoje será o Brasil vencer o México e avançar rumo à conquista da Copa — a Copa da Mãe Joana.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas

Fonte: O Globo, Gil Castello Branco, 17/06/2014

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Feminismos: tantos que alguns já viraram o avesso de si mesmos

Vi o texto abaixo no facebook e me identifiquei em boa parte com a visão da autora, Marília Coutinho. Alguns grupos de mulheres que hoje se dizem feministas descambaram para um sectarismo tão grande que até já existe um feminismo paradoxalmente machista, classista e racista, apoiando inclusive homens abusadores, se suas vítimas forem mulheres brancas, de classe média e não anticapitalistas. Já li falações nesse sentido em redes sociais.

Ao contrário da autora, contudo, não perdi a esperança de resgatar o feminismo desse mar de lama de mulheres que perderam literalmente o juízo e que inclusive, por seus excessos, prestam um desserviço aos direitos das mulheres. Destaco o seguinte trecho do texto que vale a leitura:
Um feminismo burro que sacrifica a busca minimalista por consensos que permitiria uma ação ecumênica em busca de poucos e importantérrimos objetivos comuns. 
Desse feminismo, vários de nós fomos excluídos e nos excluímos. Nosso desejo por relações justas entre sexos e gêneros permanece, no entanto. Nossa capacidade de agir nessa direção também. Mas fomos usurpados da ferramenta de organização para isso: esta está, para sempre, pervertida pelo pensamento sectário. Já era.
Feminismo revanchista, feminismo escatológico e feminismo autoritário: onde ficamos nós, que não queremos isso?
Nós, herdeiros de feminismos reflexivos esquecidos, que observamos relações desiguais e violentas entre sexos e gêneros e gostaríamos de expressar nosso desejo por sua substituição? Que achamos que estupro não tem justificativa, jamais? Que achamos que disparidade salarial para funções iguais entre homens e mulheres é inaceitável? Que enxergamos o viés machista em diversas situações cotidianas e achamos que vale a pena apontá-las? Isso tudo, entre tantas outras coisas, mais ou menos visíveis conforme nosso lugar nas sociedades heterogêneas a que pertencemos.

Nós fomos mais ou menos excluídos de um universo cada vez mais ocupado por discursos hegemônicos de ódio, sectários e até mesmo machistas.

Já tive oportunidade de apontar o perigo da inversão revanchista proposta por militantes do “feminismo negro”, que chega a propor que nenhuma outra etnia possa celebrar sua identidade. Já me manifestei contra atos escatológicos e irresponsáveis, horrores que se intitulam feministas e surpreendentemente ganham apoio das porta-vozes majoritárias do movimento.

Exponho aqui minha rejeição ao discurso machista do texto “Um pinto contra Francisco Sá”, de Juliana Cunha.

Por favor, leiam o texto mas não deixem de assistir o vídeo, que é retratado de maneira distorcida pelo artigo de Juliana. Se possível, leiam também os comentários ao texto, grande parte bastante lucida, criticados pelas feministas hegemônicas de plantão.

O resumo da ópera é o seguinte: Yasmin Ferreira confrontou, pela primeira vez, um agressor que lhe importunava todos os dias numa rota obrigatória que a moça fazia entre sua casa e a faculdade onde estuda. Ponto final. Inferimos (e depois temos a comprovação) disso que:

A agressão era repetida e não um caso fortuito (que seria inaceitável, mas se repetido todos os dias configura tortura: observando o incômodo e dor da vítima, o perpetrador repete a agressão);

A vítima obrigatoriamente encontrava seu agressor, pois ele é porteiro de um edifício na rota da moça (ou seja, sua ocupação proporcionava a ele um acesso garantido à vítima e foi neste contexto que a moça empregou o termo, que Juliana, maliciosamente, assume ser uma forma de desqualificação do trabalhador);

Uma jornalista captou acidentalmente a explosão de revolta da moça, que ganhou coragem para confrontar o agressor apenas naquela ocasião;

O agressor fugiu da câmera (qualquer um que assista o vídeo vê isso claramente) e não, como maliciosamente diz a jornalista Juliana, “não foi ouvido”.

Juliana, a jornalista, constrói um caso contra o que chama de “feminismo branco e de classe média”, que ignora as injustiças sociais. A conclusão de seu texto é fácil: a condição de classe e raça do agressor é um atenuante para a agressão sexual que ele pratica.

Este argumento foi defendido por diversas feministas (igualmente brancas e de classe média, curioso).

Vejamos um trecho do texto de Juliana:

“O argumento de que a cantada de rua seria violenta por se dar em um ambiente inapropriado, com métodos e palavras erradas, soa capenga se pensarmos que dentro da organização social brasileira não há ambiente, palavra ou método de abordagem que torne o desejo de um homem pobre e negro por uma mulher branca e rica algo que possa ser exposto em público sem causar atrito.”

Agressão sexual virou “expressão de desejo”? Puxa, pensei que o conceito da agressão sexual (cantada, passada de mão, assédio e estupro) como forma de violência de gênero já era um consenso há muitíssimas décadas, inclusive tipificado como tal em diversas constituições democráticas. Que retrocesso é esse?

O mesmo que ouvi na minha adolescência por parte de “companheiros” stalinistas: “a mulher burguesa que se veste com mini-saia merece o estupro do homem trabalhador porque expõe a ele o que, por barreira de classe, ele não pode ter”. Não é chocante? “O que ele não pode ter”, ou seja: minha bunda é um objeto caro, que chato, coitado do pobre que não pode comprar este objeto. Tudo bem então se ele roubar ou tomar a força esse objeto. Afinal, é uma situação injusta em que ele, pobre, é excluído da possibilidade de comprar ou obter este objeto.

Só que não é um objeto: é o corpo de uma pessoa. Para os stalinistas, o fato desta pessoa ser burguesa (ou “branca de classe média”) a desqualifica como gente e a objetifica.

Peraí: objetificar a mulher não era o que todo mundo condenava? Então como pode ser parte de um argumento supostamente transformador, supostamente até feminista? Pois ao combater o “feminismo branco de classe média” a autora (e as feministas hegemônicas) defende o “feminismo de verdade”, o interseccional, aquele comprometido com o movimento negro, os movimentos anti-capitalistas e também anti-religiosos.

O feminismo sectário que exclui todas as mulheres que forem brancas (ou que não tenham vergonha de ser brancas), não pobres, que forem religiosas, que não forem anti-capitalistas, que tiverem suas dúvidas quanto ao aborto, etc.

Um feminismo burro que sacrifica a busca minimalista por consensos que permitiria uma ação ecumênica em busca de poucos e importantérrimos objetivos comuns.

Desse feminismo, vários de nós fomos excluídos e nos excluímos. Nosso desejo por relações justas entre sexos e gêneros permanece, no entanto. Nossa capacidade de agir nessa direção também. Mas fomos usurpados da ferramenta de organização para isso: esta está, para sempre, pervertida pelo pensamento sectário.

Já era.

Fonte: Marília Coutinho (blog), 07/06/2014

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Que conservadores e "progressistas" me desculpem, mas não existe criança "trans"



Quando a religião predominava como reguladora do mundo, tudo que ela considerava fora  de seus rígidos padrões de comportamento caía na categoria de pecado. E os pecadores pagavam seus pecados até virando tochas vivas nas fogueiras da Inquisição.

Com o advento das ciências médicas e afins, o que era pecado virou doença ou anormalidade. Os pecadores de antes viraram doentes ou anormais por não se encaixarem nos padrões dos novos reguladores do mundo. E psicólogos, psiquiatras, sexólogos e outros tantos ditos "especialistas" no comportamento humano se revelaram pródigos em criar problemas para depois se propor como fornecedores de soluções.

De homossexuais, transexuais, centauros e unicórnios

Uma de suas mais conhecidas invenções, desenvolvida na segunda metade do século XIX, foi "o homossexual", "o terceiro sexo", criatura tida como possuidora de uma "alma feminina em um corpo masculino" ou de uma "alma masculina em um corpo feminino". E saíram os doutos senhores inclusive a buscar por características anatômicas nesses invertidos que comprovassem suas fantasias. E como quem procura acha, não é que acharam as tais diferenças!? Modo de dizer, claro.

Foi preciso chegar a 1990, mais de um século depois da invenção do homossexual pelos "especialistas", para homens e mulheres, que preferem amantes e amores de mesmo sexo, conseguirem tirar sua orientação sexual da classificação internacional de doenças. Classificação - claro - obra dos próprios "especialistas". E tal façanha ainda não é consenso, haja vista a recorrente historinha da tal "cura gay". Saiu da moda, porém, entre a maioria dos "especialistas" atuais, considerar "os homossexuais" como doentes. 

Entretanto, a ideia de gente presa em corpo errado nunca deixou de cativar os corações e mentes dos "especialistas". Tanto que, com nova perspectiva, retomaram a historinha criando agora a figura do "transexual", desta feita em meados do século passado (anos 50/60). O transexual é a criatura tão descontente com seu sexo de nascimento, em tal sofrimento com essa condição, que só tratamentos hormonais e mesmo cirurgias de reatribuição sexual, ou mais popularmente, de mudança de sexo, podem resolver seu problema.

Essa história de transexual me lembra o aforisma do Millôr Fernandes sobre o comunismo. Dizia o genial frasista: "O comunismo é uma espécie de alfaiate que quando a roupa não fica boa faz alterações no cliente." Os "especialistas" são desse tipo de alfaiate que faz alterações no cliente porque ele não consegue se sentir bem na roupa de gênero que a sociedade lhe deu. Obviamente o problema reside na roupa de gênero (verdadeira camisa de força) e não no cliente, porém é mais fácil e gratificante, em múltiplos sentidos, fazer alterações no paciente.

Não deixa de ser irônico que, sobre esse tema, conservadores e "especialistas", considerados em geral "progressistas", comunguem da mesma perspectiva. Os chamados papéis de gênero (masculino e feminino) são impostos a meninas e meninos pela educação diferenciada. Nada tem a ver com o sexo natural das crianças, lembrando que a natureza só passa a distinguir efetivamente os sexos na puberdade. Durante a infância, meninas e meninos são praticamente indistinguíveis, a não ser para os que podem ver seus genitais.

Quem estabelece a diferença entre a garotada, na tenra idade, não é a natureza e sim  a sociedade. A educação diferenciada começa já desde o berço, com a roupinha cor-de-rosa idiota para a menina e o azul para o menino, estendendo-se, por toda a infância, por meio de roupas e cortes de cabelo diferentes para ambos os sexos. Também via brinquedos e brincadeiras diferentes para meninas e meninos. E, para garantir que as crianças caibam na roupa de gênero que lhes foi designada, vale tudo, desde induções várias até a repressão dos menos domesticáveis.

Trata-se de fato do primeiro grande massacre contra a individualidade das pessoas porque, na infância, elas não têm como se defender. São como massinhas de modelar que os pais e a sociedade empurram para forminhas pré-estabelecidas em detrimento de suas características (de cada criança) de personalidade, temperamento, índole. Todas as meninas têm que caber na forminha do feminino. Todos os meninos na forminha do masculino. Caso contrário, os conservadores apelam para a porrada, como nas falas atravessadas do deputado Jair Bolsonaro, e os "especialistas", agora, para a mudança de sexo.   

Papéis de gênero não são naturais e não existem crianças "trans"

E aqui chegamos ao tema central dessa postagem. Que gente adulta, maior e vacinada queira mudar de sexo, porque acha que nasceu no sexo errado ou seja lá pelo que for, é um direito que a assiste. Acho que adultos pagam bastante caro, em vários sentidos, para incorporar uma fantasia, uma convenção criada pela sociedade conservadora. Entretanto, o ser humano vive buscando alterar sua aparência de diferentes formas, por diferentes vias. Dermatologistas e cirurgiões plásticos contam hoje com um fantástico arsenal para mudar o visual das pessoas, às vezes para melhor, às vezes para ficarem parecendo um ET, como no caso do Michael Jackson. Os tratamentos de mudança de sexo são formas radicais de body modification (modificação do corpo), tais como tatuagens no corpo inteiro, escarificações e outras tantas de espantar a muitos.

E até aí morreu Neves, como no dito popular. Acho que todos os seres humanos têm soberania sobre seus próprios corpos e o direito de fazer com eles o que bem entender. No caso dos transexuais, têm também o direito de obter documentação correspondente ao sexo que escolheram. Picuinha total negar-lhes algo tão simples. E, diga-se de passagem, os trans, não só os sexuais, devem aumentar no futuro.

Agora, quando essa história de transexualidade passa a ser aplicada a crianças, tudo muda muito de figura. Digo porque atualmente vez ou outra, rola nas redes sociais exemplos de crianças "trans", ou seja, meninos e meninas que não se sentem bem na roupa de gênero que a sociedade lhes impôs e que saem dizendo, inocentemente, que são do sexo oposto. E os pais, condicionados pelo binarismo de gênero (a crença nos papéis de gênero feminino e masculino como naturais), resolvem submeter as crianças a tratamentos hormonais e outras loucuras para enquadrá-las no suposto sexo certo. A garota gosta de roupas, brincadeiras, coisas que os pais e a sociedade dizem que são de menino. A garota pode consequentemente se sentir um menino, tendo sua interpretação errônea corroborada pelos pais. 

Comparo essa invenção de criança "trans", e o consequente "tratamento" a que andam submetendo as pobres crianças, à pedofilia. Crianças têm sexualidade difusa, compatível com seu nível de maturidade, mas não vão, de livre e espontânea vontade, querer se relacionar sexualmente com gente grande. Elas são induzidas por algum adulto a atos que lhes são danosos. Trata-se de uma violência.

Essa invenção de criança "trans" é a mesma coisa. Crianças não têm idade para discernir sobre algo complexo como identidade sexual. Gostam de coisas e brincadeiras que lhes agradam como pequenos indivíduos em formação já com seus gostos particulares. Os adultos é que vão dizer a elas que o que apreciam pode ou não ser supostamente adequado ao seu sexo. E são os adultos que decidem, agora com aval dos "especialistas", partir para a violência de fazer "tratamentos" a fim de adequar meninos e meninas ao que se convencionou chamar de masculino ou feminino. Se a roupa não serve no cliente, fazemos alterações no cliente e não na roupa. 

Pra mim, essa gente é tão criminosa quanto um pedófilo, e "tratamentos" para mudança de sexo só deveriam ser permitidos mesmo para adultos, maiores e vacinados. As crianças devem ser deixadas em paz. Como disse a blogueira Camila Lisboa, que me inspirou essa postagem, em seu artigo "E se meus pais tivessem decidido que eu era uma criança "transgênero" e me transformado em um menino?" :
Sinceramente, rezo para que essa moda não pegue. Para que os pais deixem seus filhos livres com as suas escolhas durante a infância, sem impor que precisam ter cabelos longos ou curtos, usar shorts, vestidos, azul ou cor-de-rosa. Que os pais não transformem a sexualidade das crianças em uma questão durante a infância, que deixem que sejam simplesmente crianças e esperem a chegada da adolescência e idade adulta para que possam ter maturidade e discernimento para decidirem por conta própria o time para o qual desejam torcer.
Perfeito. Os papéis de gênero (essa história ridícula de coisa de menino e coisa de menina) têm sido uma fonte permanente de conflitos emocionais para todo o mundo, como coisa massificante que são, em detrimento da individualidade das pessoas. Em casos mais extremos, levam até a tragédias como o caso do pai que matou o filho de pancada por ser efeminado, seguindo os conselhos do truculento Bolsonaro (boçalnaro). Pais e mães amorosos tem que fazer como o famoso casal de atores Brad Pitt e Angelina Jolie, cuja filha, Shiloh Nouvel, prefere o "masculino", pede para ser chamada de John e gosta de usar roupas dos irmãos. Disse o célebre ator, em entrevista a Oprah Winfrey:
Nós tentamos promover a individualidade (das crianças) ao máximo, não importando quão excêntrica ela possa ser”.
Shiloh Nouvel: só ela poderá definir o que será quando crescer
A considerar as fotos da garota (ver acima e abaixo), a cara do pai, a única coisa certa é que ela vai arrebatar os corações quando crescer.

Para terminar, acautelem-se todos contra os "especialistas", mesmo quando se apresentam bonzinhos (de boas intenções está pavimentado o chão do inferno). Quer dizer, não vão assim comprando de primeira o que eles dizem. A razão pela qual os conservadores criaram os papéis de gênero pode ser encontrada na imagem acima, na frase da saudosa Simone de Beauvoir, de uma época em que feministas expunham mais as ideias do que as tetas. "Admitir a existência de uma natureza feminina é aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres em sua condição de oprimidas". Em outras palavras, trata-se da velha questão do poder, nesse particular do poder dos homens sobre as mulheres. 

As razões dos "especialistas" são da mesma natureza. Trata-se do poder de ditar o comportamento de todos. Para atestar como sua coerência é falha, basta lembrar que enquanto andam dando aval a "tratamentos" de mudança de sexo em crianças - uma tremenda violência - celebram a ridícula lei da Palmada que quer penalizar pais por darem um tapinha na bunda de um moleque ou moleca mais levados, não dados a respeitar limites só com a coação das palavras.

E essa celebração se deve ao fato de serem eles, "os especialistas", os criadores dessa nova patacoada e também seus aplicadores, via Estado, já que os "delituosos" pais e mães podem ser encaminhados para - ora, vejam - "tratamento" psicológico ou psiquiátrico (idem para a criança que levou um tapa na bunda). A lei inclusive obriga médicos e assistentes sociais a denunciar pais supostamente agressores. Para completar o quadro de incoerência, deram à lei o nome do menino Bernardo Boldrini, assassinado pelos pais com um sedativo e não com palmadas. Como se fosse possível comparar um tapa com um assassinato, não é?

Enfim, parece haver mais em comum entre conservadores e certos "especialistas" do que sonham as vãs filosofias. E eles, os fiscais da vida de todos, que se entendam, mas o fato é que, na real, os papéis de gênero não são naturais e não existem crianças "trans".

Fotos: revista Quem

A moleca do casal Pitt-Jolie criada com respeito por sua individualidade

terça-feira, 10 de junho de 2014

A copa começa dia 12, mas até a Fifa reconhece que o Brasil não está pronto para recebê-la

A megalomania de Lula levou o Brasil a assumir um evento para qual não estava preparado, inclusive porque foi hiperdimensionado pelos governos petistas, como sempre afoitos para arrumar dinheiro de forma ilícita. Agora está todo o mundo com o cu na mão com medo do vai acontecer nessa Copa tanto pelas questões infraestruturais das muitas obras incompletas como pelo clima de greves e vandalismo que assolam o país.

O espírito do tempo do Brasil de hoje é muito ruim. Tem-se a impressão de que o país se desmancha a olhos vistos. Não tenho dúvidas de que a raiz do mal se chama PT. E agora só nos resta orar para que não corra sangue nessa Copa. Depois, para que a gente consiga tirar o cancro petista do poder federal e possa iniciar uma quimioterapia pesada no tecido social brasileiro tão comprometido.

Para dirigentes da Fifa, Brasil não está pronto para receber a Copa

O maior temor dos dirigentes da entidade, é sobre o impacto das greves e das manifestações que ocorreram nos últimos dias

A manutenção da paralisação do metrô em São Paulo, a possibilidade de uma greve geral, manifestações e a situação dos estádios deixam membros da Fifa em estado de alerta total e cartolas já declararam: o Brasil não está pronto e a Fifa jamais poderá permitir uma nova Copa do Mundo nesta situação.

Oficialmente, o secretário-geral da Fifa, Jerome Valcke, garante que "está tudo sob controle". Mas o Estado falou com vários dos principais dirigentes da Fifa, sob condição de anonimato, e os comentários são radicalmente diferentes da versão oficial, enquanto nos bastidores a entidade exige garantias do governo de que a Copa poderá ocorrer numa situação ideal.

A Fifa fechou uma estratégia para abandonar qualquer discurso alarmista sobre a preparação do Brasil, na esperança de gerar nos torcedores um ambiente de festa e de Copa. Não por acaso, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, apelou para que o País apresentasse um "ambiente de samba". Mas o discurso cuidadosamente montado contrasta com a realidade das reuniões e os comentários dos dirigentes do futebol mundial.
Essa situação está revelando que o Brasil não estava pronto. O que estamos vendo é inaceitável", disse um membro do Comitê Executivo da Fifa, na condição de não ter sua identidade revelada. "Teremos de repensar tudo para os próximos anos. Não se pode dar a Copa a um país que, no fundo, tem outras prioridades e não tem condições de dar condições mínimas nem de segurança", insistiu.
Um dirigente europeu também constatou:
"A situação é muito, muito ruim. Sabíamos que as condições não eram ideais, mas acho que poucos tinham a dimensão dos problemas".
O maior temor hoje é com o impacto das paralisações e manifestações. Antes mesmo do início da Copa, a Fifa já sofre com as greve e o trânsito. Durante a semana, membros do comitê responsável pela venda de ingressos tentou visitar um dos locais de distribuição. Mas o engarrafamento impediu até chegada dos cartolas.

A cúpula da Fifa ainda ficou "assustada" quando, na quinta-feira, o Ministério dos Esportes e os organizadores brasileiros da Copa do Mundo ignoraram as greves e manifestações ao apresentarem à entidade a situação da preparação do Mundial, faltando menos de uma semana para o pontapé inicial. "Nenhuma palavra sobre as greves foi dita", disse um dos vice-presidentes da Fifa.

Depois da reunião, durante uma entrevista coletiva, Valcke e o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, garantiram que um Plano B existe caso a greve continue, o que permitiria torcedores chegar ao estádio da abertura no dia 12. Mas não explicaram qual é a alternativa.

Outra preocupação é com os estádios, principalmente com aqueles que não foram plenamente testados, como o próprio Itaquerão.
Como é que vamos para uma Copa transmitida ao mundo inteiro com um estádio que jamais foi testado em sua total capacidade?", alertou um membro da Fifa da América do Norte. "Em nenhum outro esporte isso seria permitido e quero saber quem é que será responsável se um acidente ocorrer."
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2014, por Jamil Chade

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Queda da indústria e de investimentos no primeiro trimestre de 2014


PIB cresce 0,2% no 1º trimestre com queda da indústria e de investimento

SÃO PAULO - A economia do País desacelerou o crescimento no primeiro trimestre de 2014. O Produto Interno Bruto (PIB) subiu 0,2% no primeiro trimestre, impactado sobretudo pela queda da indústria e dos investimentos. O consumo das famílias ficou praticamente estável. No último trimestre de 2013, o PIB havia avançado 0,4%. Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A desaceleração da atividade econômica no trimestre passado veio em meio à queda generalizada da confiança dos agentes econômicos no ano em que a presidente Dilma Rousseff tenta sua reeleição. A economia do Brasil tem crescido de forma errática desde 2011 apesar das inúmeras medidas de estímulo adotadas pelo governo, cenário que pode durar por muito tempo ainda. Dentro da equipe econômica, ha avaliações de que ele persistirá até o início de 2016.

O resultado do PIB veio dentro do intervalo das estimativas dos analistas de 65 instituições consultados pela Agência Estado (de -0,30% a +0,60%), que resultou numa mediana positiva de 0,20%. Na comparação com o primeiro trimestre de 2013, o PIB avançou 1,90% no primeiro trimestre deste ano. O resultado ficou dentro das estimavas dos analistas do mercado, que previam alta entre 0,90% e 2,50%, com mediana de 1,98%.

Com o dado divulgado hoje, o PIB acumula alta de 2,5% no acumulado em 12 meses até o primeiro trimestre de 2014. Ainda segundo o instituto, o PIB do primeiro trimestre do ano totalizou R$ 1,2 trilhão.

O IBGE revisou ainda os resultados passados, levando em consideração a nova composição da série da produção industrial. Em 2013, o PIB cresceu 2,5%, um pouco melhor do que a expansão de 2,3% informada antes.

Analistas veem o PIB crescendo 1,63% neste ano, segundo última pesquisa Focus do BC. Já o governo vê em 2,3%, como chegou a afirmar o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Agronegócio. O agronegócio, que subiu 3,6%, foi o que puxou o crescimento da economia. A tendência para o PIB do setor no restante do ano é positiva, avaliou Robson Mafioletti, agrônomo e assessor da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar). Conforme ele, o desempenho dos setores de grãos e carnes deve continuar firme. E mesmo as safras de café e de cana-de-açúcar, que registraram quebras por conta da estiagem no início do ano, serão compensadas pela alta dos preços internacionais dos produtos.

"O trigo vai dar um puxada boa. A produção será maior, em torno de 7 milhões de toneladas, a partir de dados preliminares. No ano passado, foram 5 milhões de toneladas. A perspectiva para a soja também é positiva, com produção passando de 81 milhões para 87 milhões de toneladas", afirmou. "O PIB não está ruim, se levarmos em conta que o PIB brasileiro não deve chegar nem a 2% (neste ano)", avaliou Mafioletti.

Queda da indústria. O desempenho fraco da economia sofreu impacto da indústria, que não teve um bom primeiro trimestre. O PIB da indústria caiu 0,8% no primeiro trimestre de 2014 em relação ao quarto trimestre de 2013, o pior resultado do segmento desde o segundo trimestre de 2012, quando tinha recuado -1,8%. Na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, o PIB da indústria mostrou alta de 0,8%.

Para o setor automotivo, o primeiros meses de 2014 também foram difíceis. A indústria de transformação, que engloba o setor, caiu 0,5%. Montadoras já falaram em dar férias coletivas para ajustar o ritmo de produção ao menor volume de vendas deste ano.

Investimento e poupança. A taxa de investimento, de 17,7% Produto Interno Bruto (PIB) é a pior para primeiros trimestres desde 2009, quando ficou em 17,0%. Já a taxa de poupança (12,7%) é a menor para primeiros trimestres da série histórica (desde 2000) apresentada pelo IBGE.

A queda de 2,1% na formação bruta de capital fixo (FBCF) no primeiro trimestre do ano, ante o quarto trimestre de 2013, é a maior desde os três primeiros meses de 2012, quando o recuo foi de 2,2%. Já na comparação do primeiro trimestre com igual período do ano anterior, o recuo de 2,1% é o maior desde o quarto trimestre de 2012 (-4,2%).

Consumo das famílias. Impactado pelo aumento do juro ao longo dos últimos meses, o consumo das famílias caiu 0,1% no primeiro trimestre de 2014 em relação ao quarto trimestre de 2013, o pior resultado desde o terceiro trimestre de 2011, quando a queda foi de 0,3%. Nesta semana, o Banco Central interrompeu a escalada dos juros e manteve a Selic em 11% ao ano. Ainda assim, em 12 meses, a alta do juro é de 3 pontos porcentuais, o que acabou impactando no consumo das famílias.Consumo do governo. Em relação ao primeiro trimestre do ano passado, o consumo do governo mostrou alta de 3,4%, a maior taxa desde quarto trimestre de 2012, quando o avanço foi de 4,4%. Os próximos meses, porém, tendem a ser mais difíceis para o governo. A Receita Federal diminuiu as projeções de arrecadação devido ao ritmo lento da economia.

Colaboraram Daniela Amorim, Idiana Tomazelli, Mariana Sallowicz e Vinicius Neder

Fonte: Estado de São Paulo, 30 Maio 2014

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Mais sobre o autoritário decreto de Dilma que cria uma "democracia" de movimentos sociais


Um decreto abre o caminho da servidão

Com licença de Hayek, podemos dizer que o Decreto 8.243 escancarou as portas para o caminho da servidão. É preciso ir devagar na sua análise para que aqueles que não creem em fantasmas, e só os veem quando aparecem com um porrete e um .45 nas mãos, acreditem neles.

O decreto ampara-se na Constituição: é competência exclusiva do presidente da República expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução, e dispor, mediante decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração federal. O D8243 não é, no rigor constitucional, uma lei. Na prática administrativa característica dos regimes totalitários, é uma “norma” que, como toda norma da administração, deve ser cumprida. Não é isso o que acontece com as instruções normativas que a Receita baixa?

O problema está quando seus autores abusam dessa prerrogativa, confiantes na passividade dos ofendidos. O D8243, a pretexto de organizar o funcionamento da administração, avança sem se deter em quaisquer limites, dividindo o Brasil em duas grandes massas de indivíduos, uns destinados a participar da administração e a auxiliar a produzir políticas públicas, outros que devem reger suas atitudes segundo as normas baixadas pelos novos órgãos da “democracia participativa e direta”.

A divisão da sociedade brasileira em dois grandes segmentos está clara no artigo 2.º, que define o que seja a sociedade civil: “Para os fins deste decreto, considera-se: I - Sociedade civil - o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Donde se segue que: 

- A administração federal está obrigada, desde o dia 23 de maio, a só permitir a colaboração de movimentos sociais, sejam institucionalizados, sejam não institucionalizados. Mas o que se entende por “institucionalizado” não se sabe, nem se decretou - seguramente não serão as associações civis que têm estatutos registrados em cartório. Na medida em que os sindicatos, os institutos, as Ordens (OAB, por exemplo), as associações profissionais, os partidos políticos (com o perdão de Gramsci), etc., não são organizações de movimentos sociais, não pertencem aos grupos sociais que podem legalmente assessorar a administração federal - não pertencem à sociedade dita civil. A menos que estejam incluídos na palavra “coletivos” - mas ônibus são “coletivos”...

- A referência a que o “cidadão” está entre os que compõem a “sociedade civil”, afora ser uma estultice, pois não se compreende “sociedade” sem “indivíduo” nem “Estado democrático” sem “cidadão”, só encontra explicação caso permita que particulares “membros da sociedade civil”, indivíduos, possam participar enquanto tal do “diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas” - note-se: “participação no processo decisório”. Assim, eles serão representantes da “sociedade civil” que passam a integrar a administração federal. Há no D8243 evidente abuso da prerrogativa de “dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal” na medida em que alguém do governo escolherá os “cidadãos” e os “movimentos sociais” que decidem sobre políticas públicas. Quem? Quais? O decreto cuida disso - aliás, cuida de tudo, como se verá.

O D8243 reforma toda a administração federal, criando estrutura burocrática como convém aos que pretendem eternizar-se no poder. Há os “conselhos de políticas públicas”, que decidem sobre as políticas públicas e sua gestão. Depois, as “comissões de políticas públicas”, em que a “sociedade civil” e o “governo” dialogarão sobre “objetivo específico” dado pelo tema determinado para discussão. Segue-se a “conferência nacional”, para debater, formular e avaliar “temas específicos de interesse público”. Note-se que essa “conferência” não cuida apenas de políticas públicas federais: poderá “contemplar etapas estaduais, distrital (sic), municipais ou regionais para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado”. Há uma “Ouvidoria”, que cuidará também dos “elogios às políticas e aos serviços púbicos prestados sob qualquer forma ou regime...”. E há, finalmente, a “mesa de diálogo, mecanismo de debate e negociação com a participação de setores da sociedade civil (não mais “movimentos sociais”) e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais”.

Convém prestar atenção às finalidades das “mesas de diálogo”, que devem “prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais”. A Justiça do Trabalho pode dizer adeus a uma de suas funções; os conflitos entre índios e proprietários de terra não irão mais à Justiça, mas passarão pela “mesa” que os resolverá, da mesma maneira que qualquer outro “conflito social”. Criou-se uma “Justiça” paralela.

Depois da “mesa” temos o “fórum interconselhos”, que permitirá o “diálogo entre representantes de conselhos e comissões de políticas públicas... formulando recomendações para aprimorar sua intersetorialidade e transversalidade” (arre!). Num arroubo de fato participativo, abre-se “consulta pública” de “caráter consultivo” a qualquer interessado disposto a se manifestar “por escrito”...

A “consulta pública” é, pois, o consolo que se dá aos cidadãos que não pertencem aos “movimentos sociais” - se souberem escrever! Ao contrário dos participantes em debates - que são orais - nos conselhos, comissões, conferências, mesas e no fórum, que não precisam ser alfabetizados...

Pelo D8243, um secretário-geral se preocupará com dar aparência democrático-formal às decisões do governo. Eis o primeiro-ministro do governo democrático-participativo. Ninguém mais conveniente ao cargo que o secretário-geral da Presidência da República.

Professor da USP e da PUC-SP, é membro do gabinete e oficina de livre pensamento estratégico

Fonte: Estado de São Paulo, 04/06/2014

terça-feira, 3 de junho de 2014

Democracia participativa de Dilma é reunião dela com compadres e comadres do PT


Pelo visto temendo perder a eleição, Dilma apelou para um decreto onde institucionaliza de vez a simbiose do governo com os chamados movimentos sociais a fim de se manter no poder de um jeito ou de outro. Digo que institucionaliza de vez porque esse processo de institucionalização já vem ocorrendo faz tempo. A formação de conselhos disso e daquilo em órgãos governamentais não é de hoje. 

Em retrospectiva, alguns movimentos sociais sempre estiveram estreitamente ligados à esquerda ortodoxa. Outros, porém, como os chamados modernos movimentos sociais (negro, feminista, LGBT, ambientalista), mantiveram sua independência em relação à esquerda tradicional durante a década de oitenta do século passado (aqui no Brasil). O contexto político da época ajudou muito na manutenção dessa posição de autonomia. A esquerda ortodoxa de então considerava apenas a luta de classes e contra a ditadura como as grandes lutas (a luta maior). As outras eram lutas menores, divisionistas da grande cruzada. Assim os partidários da luta menor deveriam esquecer suas demandas particulares para se engajar na luta maior. A proposta não colou.

O tempo passou, o Muro de Berlim ruiu (1989), gerando o efeito dominó que derrubou os regimes comunistas do Leste Europeu. Na América Latina, as viúvas do Muro mal enxugaram as lágrimas, pela morte do comunismo, e já passaram a se rearticular, no famigerado Foro de São Paulo (1990) a fim de reconstruir na região a perdida Cortina de Ferro. Nesse processo, voltaram à carga contra os movimentos sociais autônomos, desta feita, contudo, incorporando suas demandas e atrelando-as à sua  nova luta maior.

A estratégia se acentuou e se consolidou com a chegada de Lula e sua turma ao poder. O processo de cooptação e aparelhamento dos movimentos foi total. Seus encontros originais foram substituídos por conferências petistas. Os fundadores dos movimentos, ostracizados, sua verdadeira história, distorcida e usurpada. Os movimentos sociais, com raras exceções, tornaram-se correias de transmissão do petismo e do bolivarianismo latino-americano. Pra se ter uma ideia, a última conferência regional LGBT foi realizada em Varadero, Cuba (6-9/05/14), sob os auspícios da ditadura comunista dos Castro que perseguiu e enjaulou homossexuais em tempos idos.

Entre os inúmeros efeitos colaterais negativos dessa situação, destaca-se o de validar a paranoia conservadora que vê, nas demandas específicas dos movimentos, uma relevante contribuição para um golpe comunista. Na verdade não têm, mas, nas atuais condições, anda difícil separar o joio do trigo. Sem falar também que, como Dilma fez acordo com deus e o diabo, ou talvez fosse melhor dizer, com o diabo azul e o diabo vermelho, volta e meia as demandas específicas dos movimentos são rifadas para agradar àqueles que pagam mais.

O fato é que, cooptados e institucionalizados, esses movimentos não representam mais de fato os segmentos que dizem representar. As bandeiras dos movimentos se tornaram pretexto para uns e outras alcançarem cargos em instâncias governamentais cada vez mais numerosas a fim de alimentar tantas boquinhas. E a população a quem dizem representar nunca sequer viu os membros desses movimentos mais gordos ou mais magros, com raras exceções.

Daí que, concluindo, o decreto de Dilma institucionaliza de vez instâncias de poder paralelas ao poder parlamentar que nada mais são do que o PT conversando com seus compadres e comadres dos movimentos sociais amestrados. De participativa, portanto, a Política Nacional de Participação Social (PNPS) não tem nada.

Há críticas à democracia representativa vindas de todos os cantos do espectro político, mas, até prova em contrário, ela tem mostrado ser o regime mais adequado para as sociedades se gerenciarem. Quando ela fraqueja, a barbárie autoritária, diga-se de esquerda ou de direita, costuma tomar o seu lugar. Preservá-la e, no caso brasileiro, aprimorá-la para que de fato represente a população brasileira é um dever de todos. Da mesma forma, é imperioso resgatar os movimentos sociais (que não existem para substituir a democracia parlamentar) das garras dos bolivarianos e oportunistas de todo o tipo. São duas instâncias de política igualmente válidas, mas cada uma no seu devido lugar.

Mudança de regime por decreto

A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas. Na realidade é o mais puro oportunismo, aproveitando os ventos do momento para impor velhas pretensões do PT, sempre rejeitadas pela Nação, a respeito do que membros desse partido entendem que deva ser uma democracia.

A fórmula não é muito original. O decreto cria um sistema para que a "sociedade civil" participe diretamente em "todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta", e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc. Tudo isso tem, segundo o decreto, o objetivo de "consolidar a participação social como método de governo". Ora, a participação social numa democracia representativa se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. O que se vê é que a companheira Dilma não concorda com o sistema representativo brasileiro, definido pela Assembleia Constituinte de 1988, e quer, por decreto, instituir outra fonte de poder: a "participação direta".

Não se trata de um ato ingênuo, como se a Presidência da República tivesse descoberto uma nova forma de fazer democracia, mais aberta e menos "burocrática". O Decreto 8.243, apesar das suas palavras de efeito, tem - isso sim - um efeito profundamente antidemocrático. Ele fere o princípio básico da igualdade democrática ("uma pessoa, um voto") ao propiciar que alguns determinados cidadãos, aqueles que são politicamente alinhados a uma ideia, sejam mais ouvidos.

A participação em movimentos sociais, em si legítima, não pode significar um aumento do poder político institucional, que é o que em outras palavras estabelece o tal decreto. Institucionaliza-se assim a desigualdade, especialmente quando o Partido (leia-se, o Governo) subvenciona e controla esses "movimentos sociais".

O grande desafio da democracia - e, ao mesmo tempo, o grande mérito da democracia representativa - é dar voz a todos os cidadãos, com independência da sua atuação e do seu grau de conscientização. Não há cidadãos de primeira e de segunda categoria, discriminação que por decreto a presidente Dilma Rousseff pretende instituir, ao criar canais específicos para que uns sejam mais ouvidos do que outros. Ou ela acha que a maioria dos brasileiros, que trabalha a semana inteira, terá tempo para participar de todas essas audiências, comissões, conselhos e mesas de diálogo?

Ao longo do decreto fica explícito o sofisma que o sustenta: a ideia de que os "movimentos sociais" são a mais pura manifestação da democracia. A História mostra o contrário. Onde não há a institucionalização do poder, há a institucionalização da lei do mais forte. Por isso, o Estado Democrático de Direito significou um enorme passo civilizatório, ao institucionalizar no voto individual e secreto a origem do poder estatal. Quando se criam canais paralelos de poder, não legitimados pelas urnas, inverte-se a lógica do sistema. No mínimo, a companheira Dilma e os seus amigos precisariam para esse novo arranjo de uma nova Constituição, que já não seria democrática. No entanto, tiveram o descaramento de fazê-lo por decreto.

Querem reprisar o engodo totalitário, vendendo um mundo romântico, mas entregando o mais frio e cinzento dos mundos, onde uns poucos pretendem dominar muitos. Em resumo: é mais um ato inconstitucional da presidente Dilma. Que o Congresso esteja atento - não apenas o STF, para declarar a inconstitucionalidade do decreto -, já que a mensagem subliminar em toda essa história é a de que o Poder Legislativo é dispensável.

Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2014

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