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Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Retrospectiva 2015: A cultura do desrespeito detona o "homem cordial" brasileiro

Ruth de Aquino
A jornalista Ruth de Aquino faz uma crônica realista das cidades e do povo brasileiro e detona o mito do nosso "homem cordial". Os brasileiros estão cada vez mais para "homem selvagem", tendo como trilha sonora a vulgaridade do funk sob o governo obsceno do PT.

Precisamos encontrar forças - nem sei onde - para achar uma luz no fim do túnel nem que seja a luz fornecida por um isqueiro. Pessoalmente, não é de hoje que digo que, se tivesse condições, iria passar os restos do meus dias em algum lugar mais civilizado. Porque esta zona aqui é um martírio para qualquer pessoa minimamente civilizada.

A cultura do desrespeito
Washington parece outro planeta. O motorista sorri. A cidade funciona. A vida flui. Gentileza gera gentileza

É cada vez mais deprimente voltar ao Brasil, depois de uns dias em cidade civilizada no exterior. A falta de educação nas grandes cidades brasileiras torna o cotidiano uma batalha diária. Isso para não falar na falta total de segurança. Física e econômica. O desrespeito das prefeituras e dos governos estaduais com as necessidades básicas do cidadão e do contribuinte – saúde, educação, moradia e transporte – contribui para provocar um êxodo, não só para fora do país. Casais de jovens, com ou sem filhos, começam a se mudar para cidades pequenas. Buscam relações mais humanas, gastos mais baixos, menos estresse, menos poluição, menos barulho, menos tempo no trânsito, menos risco de morrer atropelado, esfaqueado ou com um tiro no ponto de ônibus, no parque ou na praia. “Cansamos”, dizem.

“Não aguento mais abrir um jornal”, ouço falar. O problema não é o jornal, mas a realidade estampada na imprensa. Os exemplos do “Rio que dá certo” ou da “São Paulo que dá certo” são raros. Sem contar a devassidão moral e ética de nossos políticos, incomoda perceber que “o brasileiro cordial” não passa de um mito.

Não é o nível de escolaridade que conta. As festas no playground de meu prédio no bairro do Leblon são um retrato da falta de educação e civilidade da tal elite. Barulho absurdo, contra a convenção, e o lixo de garrafas, latas e gordura – para o porteiro limpar. No condomínio pequeno de Búzios onde tenho casa, ameaço chamar a polícia porque o som de funk e batidão eletrônico na piscina, misturado a gritos femininos de ca$*&#ralho, não deixa a neta dormir. Resposta: “Mas aqui na festa só tem delegado e policial”.

Estive em Washington em abril e me senti num “retiro espiritual”. As pessoas sorriem para você na rua. Do nada. Pedestres felizes, confiantes e desarmados. Como assim? No metrô, cede-se lugar a crianças. Não se empurra ninguém. Já os brasileiros... a moda agora é nem esperar a pessoa sair do elevador. Ao entrar numa farmácia ou pagar no caixa em Washington, você escuta: “How are you doing today?”, acompanhado de um sorriso. Os grandes supermercados são limpos, imaculados! Os produtos têm qualidade. Vinho francês Mouton Cadet a US$ 9,99. Carnes, peixes e frutos do mar frescos. Enorme oferta de orgânicos.

Impossível comparar os preços de carros com o Brasil. Dá inveja o esquema de leasing. Não existe Detran em Washington, já pensou que maravilha? Não há obrigação de vistoria. Ninguém é refém de cartório. Caramba. Por que infernizam tanto a nossa vida?

Ninguém fecha e xinga no trânsito nem ousa trafegar pelo acostamento ou acelerar no sinal amarelo. Não há policiais de trânsito. Se existe um cruzamento sem sinal, a prioridade é do pedestre. O carro para no meio da rua ao enxergar um ser humano a pé. O motorista sorri para você. Parece outro planeta. A cidade funciona. A vida flui. Gentileza gera gentileza.

Ao usar o celular, ninguém olha para os lados com medo de assalto seguido de morte. Ao andar na calçada, ninguém é atropelado por ciclistas que teclam o celular! Isso não existe. Bicicletas não disputam espaço com pedestres, crianças, idosos. No Brasil, tiram fino, em velocidade.

Posso falar com mais propriedade do carioca, já que nasci em Copacabana e sempre amei esta cidade. Era bem melhor. O Rio virou uma selva. Selva não, tadinhos dos animais. Virou uma zona. Para isso, conta também a arrogância de prefeito, governador e suas equipes.

Noticiário da semana no Rio, apenas? Uma nadadora, medalhista pan-americana, morre atropelada por um bêbado veloz no ponto de ônibus, que foge e está solto. Banalidade. Taxista mata bandido após ser roubado e sequestrado. Favelas expandem e desmatam em todos os bairros, muros ecológicos são abandonados pela prefeitura por demagogia e omissão. Delegacias fecham de madrugada “por falta de segurança”. Ciclistas buscam a natureza na Floresta da Tijuca, mas são assaltados e ameaçados de morte. No centro e no Aterro do Flamengo, assaltantes atacam com facas e porretes. Em Santa Teresa, as obras do bondinho estão paradas, prejudicando moradores e comerciantes. Trem descarrila na hora do rush e, sem plano de contingência, trabalhadores andam pelos trilhos.

E o metrô? O temível tatuzão da Linha 4 não deixa dormir, moradores ficam um mês sem telefone, água e internet. O metrô abre trincas em prédios e, “por movimentação do solo”, derruba concreto em cima de pedestre em praça de Ipanema. A Justiça proíbe ruídos entre 22 horas e 7 horas, mas o secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osorio, não pode parar as obras porque terminar o metrô “é um compromisso olímpico internacional”. Ninguém planeja ou calcula antes? O compromisso olímpico de despoluir a Baía de Guanabara foi para as cucuias.

E se o Brasil incluísse no currículo escolar a disciplina do respeito à cidadania?

Fonte: Época, 09/05/2015

Publicado originalmente em 11/05/2015

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Jean Wyllys à deriva num mar de incoerências

Jean Wyllys de Che Guevara: o desplante intelectual em seu apogeu.

Um estudo sobre Jean Wyllys
Por: Lorenzo Dumas (crônica de um encontro fictício com Jean Wyllys)


Ornado por um terno preto de corte justo, com os cabelos desgrenhados tombados em um rosto seduzido pelo desleixo de uma barba por fazer, Jean Wyllys surge à distância e se põe a caminho do Congresso Nacional sob o rangido dos seus sapatos de couro custeados pelo dinheiro público. Os olhos fatigados de quem luta contra si mais do que contra os outros se perdem no horizonte solitário que o tempo pincelou de cinza. A gravata rosa, enroscada em seu pescoço como uma naja indiana, verte a exuberância simbólica de sua cor camisa abaixo, enquanto o resplendor de um arco íris em miniatura pendura-se como distintivo na altura do coração. 

À medida que progride, a passada leve desenha o seu caminhar ágil, fazendo os cabelos hollywoodianos recém alisados sacudirem cinematograficamente. Ao que parece, nem a moda cubana, nem a norte-coreana são agraciadas a ponto de compor o vestuário do deputado socialista, que elege, sensatamente, as tendências americanas como o molde de sua aparência. Mas sensatez em um cínico não passa de hipocrisia. Jean Wyllys, que hoje se parece mais com o personagem Jon Snow do seriado ''imperialista'' Game of Thrones, já foi visto travestido de Che Guevara em determinada ocasião, com direito a boina com broche de arco íris, no entanto, presumo que tal acontecimento tenha se dado mais por fetiche de quem ele considera um macho alfa de coturno do que por apego propriamente dito às novidades da indústria fashion cubana. 

Os socialistas amam a tal ponto a América que querem fazer do capitalismo um clube, cujas benesses somente eles podem usufruir às custas dos outros. A isso denomina-se comunismo. O socialismo ''progressista'' do vencedor do Big Brother Brasil 5, expressão máxima da cultura de massa e do capitalismo, assim como o socialismo ''revolucionário'' de Che Guevara, que ao ser capturado na selva ostentava um Rolex de ouro em seu punho esquerdo, é como o canto sedutor das sereias gregas que atraíam os marinheiros para a sua própria morte. Na lenda, Odisseu amarra o seu corpo no mastro da embarcação para não se deixar seduzir pelo canto. Hoje, devemos nos amarrar no mastro incólume da história, norteados pelos ventos da razão, para concluirmos que todo socialista é, no mínimo, um mal informado. Os devaneios me assaltam e as palavras, essas que me acodem contra o punhal dos progressistas revolucionários, me escapam. 

Mas eu paro, respiro e reparo que a leveza de cada passo de Wyllys não impede que a erudição dos seus óculos Ray-Ban, de armação fina, estremeça. O eixo das lentes enviesa, mas é logo corrigido pelo gesto intelectual onde a ponta de um dos dedos vem de encontro ao centro dos óculos. A performance termina com as mãos acariciando a gravata, para que alinhada fique esta faminta serpente rosa, estreita e longa, que rasteja de um lado para o outro na iminência do bote peçonhento que homofobiza até mesmo Clodovil Hernandes, em meio ao elegante, embora demasiadamente curto, peitoral do ex-BBB. 

Jean Wyllys é conduzido pelo vento seco da cidade inventada por Juscelino Kubitscheck e à sua frente, ao invés da majestade de um tapete vermelho, estende-se uma interminável lista de contradições infames por onde o decoro do parlamentar chafurda. Como um defensor dos direitos humanos pode ser devoto de Che Guevara e da Revolução Cubana que perseguiu, prendeu e executou milhares de homens, mulheres, crianças e homossexuais? Como um indivíduo que bebe Coca-Cola, participa do Big Brother Brasil, fatura R$1.000.000,00 e não doa um centavo sequer, pode ter o desvario ideológico de se auto-intitular socialista-progressista? Como é possível conceder apoio à Luciana Genro, esta que sobe em palanques venezuelanos para lamber as botas de Fidel Castro e Hugo Chávez, sem ser cúmplice do mal que acomete a vida dos nossos vizinhos sul-americanos? Como um bastião da tolerância, um baluarte indelével da igualdade como Jean Wyllys pode chamar de ''negro gordo e burro'' um semelhante, somente por este ter discordado de uma de suas considerações?

E a Igreja Católica que possibilitou o primeiro emprego de Wyllys como menor aprendiz na Caixa-Econômica, seria esta então uma fábrica de estelionatários e predadores sexuais como declarou odeputado? A exceção vale como regra quando és tu o inquisidor, eminente senhor? E quando és tu o oprimido, não te sentes mal por ser diminuído pela ignorância implacável? Perdes tanto tempo escondendo as suas limitações por trás de um diploma de mestrado, se definindo como um intelectual progressista, quando bastaria um pouco de honra e sabedoria de vida para não lançar no próximo a mesma pedra que não desejas receber em seu telhado.

Jean caminha e dos seus bolsos escapole uma infinidade de recibos ressarcidos pelo dinheiro público que parece não satisfazer as suas necessidades pouco franciscanas. Que tipo de obscenidade intelectual leva um homem público que recebe R$26.723,13 a reclamar do seu salário como fez em entrevista recente a Marcelo Tas? Além do salário, há a verba indenizatória que somada ao auxílio moradia e ao ressarcimento ilimitado de despesas médicas, faz com que o custo anual médio de um deputado seja de R$140.629,09. Confesso que Wyllys é, neste aspecto, um deputado acima da média: neste ano já gastou R$183.000,00 da verba indenizatória em aluguel de automóveis, gasolina aditivada, viagens de avião para terceiros, marketing pessoal, aluguel de máquina de café expresso (os socialistas não bebem o café coado oferecido pela Câmara) e refeições em restaurantes de luxo. R$ 43.000,00 a mais do que a média dos deputados. E para não negar ao parlamentar a mesma tolerância que ele finge pregar, se R$150,00 na churrascaria Cruzeiro do Sul e R$202,62 em um restaurante à beira-mar em Niterói não se caracterizem como despesas de luxo, então peço que as desconsidere, mas não sem lembrar que milhares de famílias brasileiras sobrevivem com muito menos do que a quantia gasta pelo parlamentar em uma reles refeição; não sem lembrar que são essas famílias, assim como todas as outras deste país, que custeiam os caprichos desses verdugos medíocres da ética. 

Enquanto me perco novamente em devaneios, Jean passa por mim e adentra o Congresso Nacional com a despretensão de quem desfila; com a serpente rosa que desliza no peito e a todos intimida; com a empáfia disfarçada de quem tudo finge saber; de quem cobiça somente o poder. E os recibos da impostura, assim como as demais falcatruas, deixam uma senda de descaso para o brasileiro ver. Em verdade, Jean Wyllys não caminha: submerge. Submerge em um oceano de incoerências em busca da superfície, sem se dar conta de que o ar puro está na direção contrária.

Fonte: Diário da Corte, Coluna do Lorenzo, 19 de novembro de 2014

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Nelson Mandela, admirável mesmo e muito além do fla-flu esquerdireitista

Nélson Mandela
Atualização: Enquanto o mundo chora a morte da figura excepcional que foi Nelson Mandela, ocorrida ontem (05/12/2013), no Brasil do atraso eterno, o fla-flu esquerdireitista profana a imagem do grande líder.

Extremesquerdistas acham que se deve exortar Mandela por seus tempos de luta armada contra o apartheid e suas tendências comunistas e não por suas - segundo eles, claro - impotentes exortações morais de combate bem comportado, disciplinado e conciliador ao racismo (sic).  Para esses tipos, como Mandela acabou com o apartheid sem guerra civil, sua vitória de fato foi um fracasso.

Os direitistas extremistas, por sua vez, acham que Mandela não merece todas as comemorações que agora recebe porque foi comunista e promoveu ações violentas e sabotagens contra a tirania racista, razão pela qual foi preso e condenado à prisão perpétua.

Primeiro que faz diferença ter acreditado em "comunismo" antes e depois da Queda do Muro de Berlim. Muita gente boa acreditou no socialismo antes de se dar conta de seu fracasso social, político e econômico. Segundo, tendo ou não mantido alguma crença nessa canoa furada, o importante é que, ao sair da cadeia, Mandela chegou ao poder e instalou, em seu país, uma democracia constitucional e não uma tirania comunista ou uma ditadura personalista (e ele tinha a faca e o queijo na mão para se perpetuar no poder).

Sobretudo, ele promoveu a conciliação racial em seu país, abdicando de buscar justiça ou revanche contra os que lhe roubaram metade da vida, em prol da pacificação da África do Sul. Só para exemplificar, durante os 27 anos que passou na cadeia em condições deploráveis, ele teve tuberculose e câncer, além de problemas nos canais lacrimais por causa do trabalho forçado nas pedreiras. Transcender todo esse dano pessoal e a justa revolta por tantos anos de sofrimento em prol da paz e da justiça é para os raros e os muito bons. Se Mandela não foi herói - o que não quer dizer santo e perfeito - ninguém mais foi.

Que os esquerdireitistas não enxerguem isso, cada um com sua cegueira particular, só mostra, mais uma vez, como no fundo são tão parecidos.

Elogios a Mandela

O Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, escreveu o texto Elogios a Mandela, na edição do Estadão de 21/07/03, que merece registro não só porque resgata resumidamente a história do grande líder sul-africano como também porque o personagem merece mesmo todas as honras. Destaco o trecho:

Mandela é o melhor exemplo que temos - aliás muito raro nos nossos dias - de que a política não é apenas a tarefa suja e medíocre que tantos imaginam, da qual os malandros se valem para enriquecer e os vagabundos para sobreviver sem fazer nada, mas uma atividade que pode também melhorar a vida, substituir o fanatismo pela tolerância, o ódio pela solidariedade, a injustiça pela justiça, o egoísmo pelo bem comum, e que alguns políticos, como o estadista sul-africano, tornam o seu país, e o mundo, muito melhor do que como o encontraram.

Deixo também, ao fim do texto, a música e a letra do filme Invictus (veja a resenha), de Clint Eastwood, que também narra a trajetória de Mandela e suas estratégias para unir um país desfacelado pelos anos do famigerado apartheid.  Após 27 anos de prisão, Mandela poderia ter saído da cadeia desejoso de vingança contra os que o injustiçaram tão brutalmente, mas preferiu outro caminho, caminho que somente poucos e os muito bons conseguem trilhar. Imperdíveis o texto de Llosa e o filme de Eastwood.

Elogios a Mandela

Nelson Mandela, o político mais admirável destes tempos tumultuados, segue em um hospital de Pretória, após completar 95 anos na quinta-feira. Poderemos ter a certeza de que todos os elogios feitos a ele são justos, pois o estadista sul-africano transformou a história do seu país de uma maneira que ninguém imaginava concebível, e demonstrou com sua inteligência, habilidade, honestidade e coragem que, no campo da política, às vezes, os milagres são possíveis. 

Tudo isso foi sendo gestado, antes mesmo que na história, na solidão de uma consciência, na desolada prisão de Robben Island, onde Mandela ingressou, em 1964, para cumprir pena de prisão perpétua e trabalhos forçados. As condições em que o regime do apartheid mantinha seus presos políticos na ilha rodeada de um mar traiçoeiro e tubarões, em frente à Cidade do Cabo, eram atrozes. Uma cela tão minúscula que parecia um nicho ou o covil de uma fera, uma esteira de palha, uma sopa de milho três vezes ao dia, mudez obrigatória, visitas de meia hora de duração a cada seis meses, e o direito de receber e escrever somente duas cartas ao ano, nas quais jamais deveriam ser mencionados temas políticos nem da atualidade. Em tal isolamento, ascetismo e solidão transcorreram os primeiros nove anos dos 27 que Mandela passou na ilha.

Cela onde Nelson Mandela cumpriu pena
(Robben Island, Cape Town, Western Cape Province)
Em vez de suicidar-se ou enlouquecer, como muitos companheiros de prisão, nos nove anos Mandela meditou, reviu suas próprias ideias e ideais, fez uma autocrítica radical de suas convicções e atingiu aquela serenidade e sabedoria que a partir de então guiariam todas as suas iniciativas políticas. Embora nunca tenha compartilhado das teses dos resistentes que propunham uma 'África para os africanos' e queriam atirar ao mar todos os brancos da União Sul Africana, em seu partido, o Congresso Nacional Africano, Mandela, assim como Sisulu e Tambo, os dirigentes mais moderados, estavam convencidos de que o regime racista e totalitário só seria derrotado mediante ações armadas, sabotagens e outras formas de violência, e para tanto formou um grupo de comandos ativistas chamado Umkhonto we Sizwe, que enviava para Cuba, à China Popular, à Coreia do Norte e à Alemanha Oriental jovens militantes para que se adestrassem.

Deve ter levado muito tempo - meses, anos - para convencer-se de que toda essa concepção da luta contra a opressão e o racismo na África do Sul era equivocada e ineficaz, e era preciso renunciar à violência e optar por métodos pacíficos, ou seja, buscar uma negociação com os dirigentes da minoria branca - equivalente a cerca de 12% do país, que explorava e discriminava de maneira iníqua os 88% restantes - e convencê-la de que permanecera no país porque a convivência entre as duas comunidades era possível e necessária, quando a África do Sul fosse uma democracia governada pela maioria negra.

Naquela época, final dos anos 60 e início dos 70, pensar semelhante coisa era um exercício mental distante da realidade. A brutalidade irracional com que a maioria negra era reprimida e os esporádicos atos terroristas com que os resistentes respondiam à violência do Estado haviam criado um clima de rancor e ódio que fazia prever, mais cedo ou mais tarde, um desenlace de dimensões cataclísmicas no país.

A liberdade só poderia significar o desaparecimento ou o exílio para a minoria branca, particularmente para os africâners, os verdadeiros donos do poder. É espantoso pensar que Mandela, perfeitamente consciente das vertiginosas dificuldades que encontraria no caminho que traçara para si, decidiria empreendê-lo, e, mais ainda, que perseveraria nele sem sucumbir ao desalento um só instante, e, 27 anos mais tarde, concretizaria aquele sonho impossível: uma transição pacífica do apartheid para a liberdade, enquanto a maior parte da comunidade branca permanecia no país ao lado dos milhões de negros e mulatos sul-africanos que, convencidos por seu exemplo e suas razões, haviam esquecido os insultos e os crimes do passado, e perdoado.

Seria preciso recorrer à Bíblia, àquelas histórias exemplares do catecismo que nos contavam quando éramos crianças, para tentar entender o poder de convicção, a paciência, a vontade inquebrantável e o heroísmo que Nelson Mandela deve ter demonstrado durante todos aqueles anos para persuadir, primeiramente seus próprios companheiros de Robben Island, depois seus correligionários do Congresso Nacional Africano e, por último, os próprios governantes e a minoria branca, de que não era impossível que a razão substituísse o medo e o preconceito, que uma transição sem violência era igualmente factível e ela assentaria as bases de uma convivência humana em lugar do sistema cruel e discriminatório imposto à África do Sul por séculos. Creio que Nelson Mandela é ainda mais digno de reconhecimento por esse trabalho extremamente lento, hercúleo, interminável, graças ao qual suas ideias e convicções foram contagiando os seus compatriotas como um todo, do que pelos extraordinários serviços que prestaria depois, já no governo, aos seus concidadãos e à cultura democrática.

Formação. É preciso lembrar que o homem que assumiu essa admirável tarefa era um prisioneiro político, o qual, até o ano de 1973, quando foram abrandadas as condições carcerárias em Robben Island, vivia praticamente confinado numa minúscula cela e com apenas uns poucos minutos diários para trocar algumas palavras com os outros presos, quase privado de toda comunicação com o mundo exterior. Contudo, sua tenacidade e sua paciência tornaram possível o impossível. Enquanto na prisão já menos inflexível dos anos 70, pôde estudar e formar-se em Direito, suas ideias foram rompendo pouco a pouco os preconceitos totalmente legítimos que existiam entre os negros e mulatos sul-africanos e começou a ser aceita sua tese de que a luta pacífica na busca de uma negociação seria mais eficaz e permitiria alcançar a liberdade mais rapidamente.

Mas foi ainda mais difícil convencer de tudo isso a minoria que detinha o poder e julgava ter o direito divino de exercê-lo com exclusividade e para sempre. Esses eram os pressupostos da filosofia do apartheid proclamada por seu mentor intelectual, o sociólogo Hendrik Verwoerd, na Universidade de Stellenbosch, em 1948, e adotada de modo quase unânime pelos brancos nas eleições daquele mesmo ano. Como convencê-los de que estavam equivocados, de que deviam renunciar não apenas a semelhantes ideias, mas também ao poder, e resignar-se a viver numa sociedade governada pela maioria negra?

O esforço durou muitos anos, mas, no final, como a gota persistente que fura a pedra, Mandela foi abrindo portas na cidadela de desconfiança e temor, e, um dia, o mundo inteiro descobriu estupefato que o líder do Congresso Nacional Africano saía às vezes de sua prisão para ir tomar civilizadamente o chá das cinco com os que seriam os dois últimos mandatários do apartheid, Botha e de Klerk.

Quando Mandela subiu ao poder, sua popularidade na África do Sul havia se tornado indescritível, tanto na comunidade negra quanto na branca (lembro ter visto, em janeiro de 1998, na Universidade de Stellenbosch, o berço do apartheid, uma parede coberta de fotos de alunos e professores recebendo a visita de Mandela com entusiasmo delirante).

MARIO VARGAS LLOSA - O Estado de S.Paulo
Esse tipo de devoção popular mitológica costuma atordoar quem a recebe e fazer dele - como no caso de Hitler, Stalin, Mao, Fidel Castro - um demagogo e um tirano. Mas Mandela não se deixou envaidecer; continuou sendo o homem simples, austero e honesto que sempre foi e, para surpresa do mundo todo, negou-se a permanecer no poder, como seus compatriotas pediam. Aposentou-se e foi passar os seus últimos anos na aldeia indígena de onde se originara sua família.

Mandela é o melhor exemplo que temos - aliás muito raro nos nossos dias - de que a política não é apenas a tarefa suja e medíocre que tantos imaginam, da qual os malandros se valem para enriquecer e os vagabundos para sobreviver sem fazer nada, mas uma atividade que pode também melhorar a vida, substituir o fanatismo pela tolerância, o ódio pela solidariedade, a injustiça pela justiça, o egoísmo pelo bem comum, e que alguns políticos, como o estadista sul-africano, tornam o seu país, e o mundo, muito melhor do que como o encontraram. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Invictus Theme Song

Out of the night, that covers me
I'm unafraid, I believe
Beyond this place of wrath and tears
Beyond the hours that turned to years
I thank whatever, whatever gods may be

9000 days were set aside
9000 days of destiny
9000 days to thank gods wherever they maybe

It matters not, the circumstance
We rise above, we took a chance
And I thank whatever, whatever gods maybe

9000 days were set aside
9000 days of destiny
9000 days to thank gods, wherever they may be

A broken heart that turned to stone
Can break a man, but not his soul
9000 days were set aside
9000 days of destiny
9000 days to thank gods,
wherever they may be
I thank whatever, whatever gods may be

Ver resenha do filme Invictus e o poema de mesmo nome que foi fonte de inspiração para Mandela. 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A Beleza continua sendo fundamental

A beleza é baseada na simetria e proporcionalidade
das formas que geram harmonia na composição do real
.

Não costumo ter simpatia por conservadores, bem pelo contrário. Sobretudo não gosto da mania conservadora de querer que todos vivam em seu eterno pretérito presente. Em geral, conservadores são como uma âncora que não se consegue içar, mantendo o navio preso ao porto da rotina, da segurança e da estagnação.

Entretanto, como toda a regra tem exceção, eis que me vejo, em boa parte, de acordo com Roger Scruton, filósofo conservador inglês, em seu documentário Why Beaty Matters (Porque a beleza importa) que foi veiculado em 28/11/2009 pela BBC.  Neste documentário (ver após o post), Scruton questiona as razões pelas quais a humanidade perdeu o senso ético e estético de Beleza e hoje até cultua a feiura.


Verdade. Existe de fato um culto à feiura nos dias atuais. Por exemplo, sob pretexto de se questionar os padrões de beleza, sobretudo feminina, volta e meia rolam postagens, nas redes sociais,  com imagens de pessoas obesas e mesmo disformes sendo definidas como "bonitas" ou "sexy". Questionar os padrões de beleza, contudo, significa apenas apresentar os diferentes tipos de beleza humana distintos do padrão comercial, pasteurizado, da indústria da moda e dos cosméticos. Significa apresentar a diversidade da beleza natural das mulheres em oposição ao modelo meio anoréxico das top models ou photoshopado das celebridades.  

Não significa cultuar a feiura e querer que todos embarquem nessa com a desculpa esfarrapada de rebeldia contra a ditadura da beleza ou de promoção da inclusão social dos desvalidos estéticos. Inclusão social não passa por uma deturpação do conceito de beleza a ponto deste passar a significar seu antônimo. Quando até o grotesco começa a ser tido como belo é porque as coisas estão bem feias.

Os cultores e as cultoras da feiura que me perdoem, mas a beleza continua sendo fundamental. E a melhor definição de beleza também continua sendo SIM a estabelecida pelas culturas greco-romanas e renascentistas. Ela é baseada na simetria e proporcionalidade das formas que geram harmonia na composição do real É essa harmonia que nos permite identificar o que é belo nos humanos ou na natureza em geral. Qualquer coisa ou criatura que fuja demais desses parâmetros não pode passar por bela, a não ser se vista de uma perspectiva muito distorcida.

A vida já nos oferece muita feiura e muito sofrimento. Não faz sentido, ainda por cima, cultuar esse tipo de coisa. E não percam o vídeo porque vale a audiência.


Por que a Beleza Importa (Why Beauty Matters). Legendado from O Godzilla on Vimeo.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Fina Ironia: Direita X Esquerda - o retorno

Posto texto do Antônio Prata, reproduzido no blog do Augusto Nunes, porque criativo e engraçado, embora tenha dúvidas se a maioria entendeu (ou entenderá) a fina ironia do autor. Na mesma linha, contribuo: "A diferença entre a esquerda e a direita é que a esquerda pensa com o coração, mas o coração não tem cérebro, e a direita esqueceu o coração em algum lugar, mas nem se preocupa em saber onde."

Direita X Esquerda - o retorno 

ANTÔNIO PRATA

Depois que o muro de Berlim foi partido em cubinhos e vendido como souvenir, Che Guevara passou a usar o chapéu do Mickey Mouse e a Colgate uniu o mundo num único e branco sorriso, muita gente pensou que esquerda e direita tinham ficado para trás. Dizia-se que, dali em diante, os termos só seriam usados para indicar o caminho no trânsito e diferenciar os laterais no futebol. Afinal de contas, estávamos no fim da história e, como sabíamos desde criancinhas, todos viveriam felizes para sempre.

Mas o mundo gira, gira e – eis aí um grande problema de rodar em torno do próprio eixo – voltamos para o mesmo lugar. Se a história se repete como farsa ou como história mesmo, não faço a menor idéia, mas ouso dizer, parafraseando Nelson Rodrigues (que já foi de direita, mas o tempo e Ruy Castro liberaram para a esquerda), que hoje em dia não se chupa um Chicabom sem optar-se por um dos blocos.

Ah, como fomos tolos! Acreditar que aquela dicotomia ontológica resumia-se à discussão sobre quanto o Estado deveria intervir no mercado (ou quanto o Mercado deveria ser regulado pelo estado, o que vem a ser a mesma coisa, de maneira completamente diferente) é mais ou menos como pensar que a diferença entre homens e mulheres restringe-se ao cromossomo Y. Ou ao comprimento do cabelo.

Estado e Mercado são apenas a ponta de um iceberg, ou melhor, dois icebergs sociais, culturais, gastronômicos, gramaticais, musicais, lúdicos, léxicos, religiosos, higiênicos, esportivos, patafísicos, agronômicos, sexuais, penais, eletro-eletrônicos, existenciais, metafísicos, dietéticos, lógicos, astrológicos, pundonôricos, astronômicos, cosmogônicos – e paremos por aqui, porque a lista poderia levar o dia todo.

Justamente agora, quando esquerda e direita, pelo menos em suas ações, pareciam não divergir mais sobre as relações entre Estado e Mercado (ponhamos assim, os dois com maiúsculas, para não nos acusarem de nenhuma parcialidade), a discussão ressurge lá do mar profundo, com toda a força, como o tubarão de Spielberg.

Para que o pasmo leitor que, como eu, dá um boi para não entrar numa discussão, mas uma boiada para não sair, não termine seus dias sem uma única rês, resolvi enumerar algumas diferenças entre essas, digamos, maneiras de estar no mundo. Dessa forma saberemos, ao comentar numa mesa de bar, na casa da sogra ou na padaria da esquina, “dizem que o filme é chato” ou “como canta bem esse canário belga”, se estamos ou não pisando inadvertidamente numa dessas minas ideológicas, mandando os ânimos pelos ares e causando inestancáveis verborragias.

A lista é curta e provisória. Outras notas vão entrar, mas a base, por ora, é essa aí. Se a publico agora é por querer evitar, mesmo que parcialmente, que mais horas sejam ceifadas, no auge de suas juventudes, nas trincheiras da mútua incompreensão. Vamos lá.

A esquerda acha que o homem é bom, mas vai mal – e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas vai bem – e tende a melhorar.

A esquerda acusa a direita de fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir, marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).

Temos trânsito na cidade. O que faz a direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não está preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.

Temos trânsito na cidade. O que faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?, cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.

Direita e esquerda são uma maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes), diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda. (“filosofar é aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço plásticas, rebate a direita. Neurótica! – grita a esquerda. Ressentida! – grita a direita.

A direita vai à academia, porque é pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à yoga, porque o processo é tão ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de direita).

Um estudo de direita talvez prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que os vícios privados geram benefícios públicos – se encararmos vício privado como o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de esquerda).

Um estudo de esquerda talvez prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga (processo, holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos mais do que a musculação. (Yoga já é de direita, diz alguém que lê o texto sobre meus ombros, provando que o provérbio correto é “pau que nasce torno, sempre se endireita”).

Dieta da proteína: direita. Dieta por pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo. Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante sobre os Vigilantes do Peso).

Evidente que, dependendo da época, as coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris). Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.

As coisas também mudam, dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita. Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).

Leão, urso, lobo: direita. Pinguim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo. Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita. Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que se encontram no mapa). Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo, calcanhar: esquerda. Bíceps, abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda. Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade, praticidade, razão).

Liquidificador é de direita. (Maquiavel: dividir para dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é um caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita – e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.

Graal é de direita, Fazendinha é de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.

No sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A mulher de quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita, mulher é de esquerda. (mas talvez essa seja a visão de uma mulher – de esquerda).

Vogais são de esquerda, consoantes, de direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar, pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e Freakonomics embaixo do braço. (O trema e a crase acham todo esse debate uma pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).

“Eu gostava mais no começo” é de esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.

Dia é de direita, noite é de esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda, quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron informou que ele prefere ausentar-se da discussão.

To be continued (continua, para os de direita)

Under construction (em construção, para os de esquerda)

Fonte: (re)publicado no blog do Augusto Nunes em 29/06/2013 via blog do Antonio Prata

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Ótimo texto de Pereira Coutinho: Caminhando com Ferreira Gullar

O cientista-social português João Pereira Coutinho é um dos poucos conservadores que, em geral, consigo ler com gosto e, inclusive, com quem consigo concordar algumas vezes. Seus congêneres brasileiros são, em geral, reacionários demais para o meu gosto.  No texto abaixo, Coutinho vai além do flaflu direita x esquerda e afirma, comentando a entrevista de Ferreira Gullar à VEJA:

A entrevista é sobretudo uma lição de política só possível em alguém que, permanecendo à esquerda no que a esquerda tem de melhor (uma insubordinação instintiva perante abusos ou privilégios injustificáveis), aprendeu e refletiu com a experiência histórica. (....)

Ferreira Gullar não alinha em farsas. O capitalismo tem páginas abomináveis de miséria e exploração, sobretudo nas incipientes sociedades industriais do século 19? (....)
 
Fato: sem freios éticos ou legais, o capitalismo é destrutivo e autodestrutivo. Mas quando existem esses freios, e nenhum liberal clássico prescinde deles (Adam Smith, antes de escrever "A Riqueza das Nações", escreveu primeiro a sua "Teoria dos Sentimentos Morais", base ética de qualquer sociedade civilizada), não há outra forma, historicamente comprovada, de gerar riqueza.

Destaco esse trecho, mas todo o artigo é muito bom. Vale a pena a leitura!

Caminhando com Ferreira Gullar

Viajo para Londres. Na mala, algumas revistas para ler nas duas horas de voo. Tiro a primeira. Folheio as páginas iniciais. Encontro Ferreira Gullar em entrevista à "Veja". O dia está ganho.

Sobre o poeta, não vale a pena dizer o óbvio: depois da morte do lusitano Mário Cesariny (1923-2006), Ferreira Gullar é o único poeta de língua portuguesa que merece a honraria do Nobel.
Embora, atendendo às anedotas recentes da academia sueca (Elfriede Jelinek, Herta Müller etc.), talvez seja mais correto dizer que é o Nobel que precisa do prestígio de Gullar.

Mas a entrevista é sobretudo uma lição de política só possível em alguém que, permanecendo à esquerda no que a esquerda tem de melhor (uma insubordinação instintiva perante abusos ou privilégios injustificáveis), aprendeu e refletiu com a experiência histórica.

"Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é", diz o poeta. Eis o "espírito do tempo", feito de oportunismo e farsa ideológica.

Ferreira Gullar não alinha em farsas. O capitalismo tem páginas abomináveis de miséria e exploração, sobretudo nas incipientes sociedades industriais do século 19? Sem dúvida --e ler Charles Dickens é, nesse quesito, mais relevante do que ler Marx, que nunca pôs os pés numa fábrica e tinha Engels para sustentá-lo.

Mas o capitalismo, apesar de tudo, "é forte porque é instintivo", diz o poeta. Em apenas uma frase, Gullar resume o que Adam Smith escreveu em dois volumes, 250 anos atrás.

Existe nos seres humanos um desejo natural para "melhorarem a sua condição", escrevia o filósofo escocês. E essa melhoria material só se consegue quando o açougueiro, o cervejeiro e o padeiro perseguem o seu próprio interesse, negociando os seus produtos e procurando aumentar os seus lucros.

Fato: sem freios éticos ou legais, o capitalismo é destrutivo e autodestrutivo. Mas quando existem esses freios, e nenhum liberal clássico prescinde deles (Adam Smith, antes de escrever "A Riqueza das Nações", escreveu primeiro a sua "Teoria dos Sentimentos Morais", base ética de qualquer sociedade civilizada), não há outra forma, historicamente comprovada, de gerar riqueza.

Claro que, para um marxista puro e duro, o capitalista nunca gera riqueza; ele explora quem trabalha e vive do suor alheio, de preferência fumando o seu charuto e brandindo o chicote. Raymond Aron, o mais incisivo crítico do marxismo que conheço, tem páginas notáveis onde desmonta essa dicotomia caricatural entre "capital" e "trabalho".

Ferreira Gullar prefere uma metáfora: "O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas". E acrescenta, para os lentos de raciocínio: "A visão de que só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária".

Finalmente, as lições da história: Ferreira Gullar não se limita a relembrar os crimes do "socialismo real", hoje uma evidência para qualquer pessoa com dois neurônios em funcionamento.

Ele deixa uma pergunta devastadora: quantos dos defensores de Cuba estariam dispostos a viver lá? Sim, a viver enjaulados em uma ilha de onde é difícil sair, onde publicar um livro implica uma permissão governamental --e onde a igualdade na miséria é a única igualdade que existe e resiste?

É um bom princípio de responsabilidade política: só defendermos regimes sob os quais estamos dispostos a viver. Todo resto é pose pornográfica.

Infelizmente, não sobra espaço para as meditações estéticas propriamente ditas. Mas Ferreira Gullar, relembrando a morte de um filho, deixa esta definição (meta) poética primorosa: "Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos".

Nem mais: escrever é continuar essa revelação interminável do ainda não-dito, do ainda não-experimentado, como se o poeta fosse o elo presente de uma corrente interminável.

Ou, como o próprio Gullar escreveu nos seus velhinhos "Poemas Portugueses", que praticamente aprendi de cor: "Caminhos não há/ Mas os pés na grama/ os inventarão/ Aqui se inicia/ uma viagem clara/ para a encantação".

Caminhar com Ferreira Gullar tem sido, hoje e sempre, uma lição e um privilégio.

Fonte: Folha de São Paulo, 02/10/2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Vermelhos ou Capitalismo para Todos

Ilustração de Carvall
Haviam me passado o texto abaixo em março deste ano, via e-mail, mas, naquelas limpezas meio afoitas que fazemos de nossas caixas de entrada, acabei deletando a mensagem e não lembrava mais o nome do texto. Do seu conteúdo de fina ironia, contudo, não esqueci. Tanto que adotei o delicioso mote Capitalismo para Todos (que síntese de tanta coisa!) e parafraseei a autora ao dizer que "entre a esquerda e a direita, sou livre para pensar".

Mas, lembrando do nome da autora, a Fernanda Pompeu, escritora e redatora freelancer, consegui resgatar o texto e sua fonte que segue ao fim da postagem. Vale a leitura. Traça também a trajetória de muitos de minha geração.

Vermelhos
por Fernanda Pompeu

Tenho para mim que a filha de um pastor evangélico, por mais ateia que se torne, nunca se sentirá confortável na profissão de stripper. Da mesma forma a filha de uma cozinheira, por mais apressada que esteja, nunca engolirá o slogan dos alimentos de caixinha: "Aqueça e Pronto". A filha de um pedreiro jamais dormirá segura dentro de uma barraca de camping.

É claro, quando adultos, vamos nos desprendendo dessas heranças fundamentais. Muitas vezes até nos insurgimos. Um caso é o do político Carlos Lacerda (1914-1977). Filho de um entusiasta do socialismo, seu nome é Carlos em homenagem ao Karl Marx e Frederico em homenagem ao Friedrich Engels. O Carlos Frederico Lacerda acabou entrando para a eternidade como um feroz anticomunista. 

Cito o Lacerda por conta de uma lembrança anedótica da minha infância carioca. O ano era o fatídico 1964. Numa rádio, Lacerda fazia um discurso lambisgoio e laudatório ao golpe militar. Meu tio, sindicalista da cabeça aos pés, ouvia raivoso. Eu sempre gostei do nome Carlos e também para desafiar o tio Walter, gritei: "Viva o Carlos Lacerda!" 

Então meu tio correu atrás de mim com um chinelão em punho. O alvo era o meu traseiro. Eu me safei daquela. Neta de tenentista, filha e sobrinha de comunistas, o que eu esperava? Ainda tem gente que pergunta se eu sou comunista. Respondo: só de família. Passadas tantas ideologias debaixo do meu nariz, o único ista de que não abro mão é o de flamenguista. Por enquanto.

Mas tal como a filha do pastor, a filha da cozinheira e a do pedreiro, sempre serei filha de um comunista. Sempre desconfiarei dos bancos e dos patrões. Agora se me perguntassem qual o sistema ideal, eu não titubearia: capitalismo para todos! Sonho que cada habitante da Terra, além de moradia, saúde, educação e de quatro refeições por dia, tenha direito a um iPad.

Ser filha de um comunista me trouxe muitas vantagens. Por exemplo, ter lido na adolescência os melhores escribas do século XIX. A brilhante literatura de Dostoiévski, Tolstói, Gogól, Tchecov. Tudo pela casualidade deles serem russos. Soviéticos, segundo meu pai. E desvantagens: só fui ler Borges e Nelson Rodrigues nos anos da faculdade. Meu pai e meu tio os vetavam por reacionários. 

Na Escola de Comunicações e Artes da Usp, em 1977, me tornei ativista da Liberdade e Luta – tendência estudantil monitorada por uma organização trotskista. Entre as tendências, a Liberdade e Luta, Libelu, era a mais aguerrida e determinada no combate à camarilha militar. Porém, o mesmo ódio que dedicava à ditadura, dedicava aos militantes do Partidão – apelido histórico do Partido Comunista Brasileiro. 

O PCB, através do meu pai e do meu tio, havia sido na minha casa tão reverenciado quanto é o Papa nas famílias católicas. Nunca me esqueço do dia que meu pai, com uma imensa mágoa, me mostrou um panfleto assinado pela Liberdade e Luta descendo o cassete nos velhos comunistas, acusando todos eles de stalinistas e traidores da classe operária. 

Eu até que aguentei firme o embate entre a tradição familiar e a minha descoberta de juventude. Acho que o que eu queria, e ainda quero, era pensar livremente. Não demorei para perceber o sectarismo e autoritarismo dos dirigentes da Liberdade e Luta. Um belo dia, a direção decretou que marihuaneros e delirantes seriam expulsos da tendência estudantil. 

Quem me salvou, naquela altura, foi o feminismo. Na época, deliciosamente libertário. Feminismo desprezado tanto pelo Partidão quanto pela Libelu, que insistiam que as reivindicações das mulheres eram blablablá burguês. A filósofa e ativista do movimento negro Sueli Carneiro uma vez me disse uma frase inesquecível: "Entre a esquerda e a direita, eu sou negra". 

Daí parafraseei: Entre Josef Stalin e Leon Trotsky, eu sou mulher.

Hoje admiro as vidas de lutas do meu pai e do meu tio, ambos fiéis ao socialismo. Também trago boas lembranças da minha juventude libelu que, ao menos, me fez gostar de rock and roll e de certa irreverência.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

E o mundo não se acabou!

Anuncio e garanto que o mundo acabará
 se o casamento homossexual for aprovado 
Nos últimos séculos, a cada pequena tentativa de avanço, na área da moral e dos costumes e mesmo na dos direitos básicos da maior parte da população, a humanidade sempre contou com a oposição obstinada das igrejas cristãs e de conservadores religiosos e mesmo não religiosos. 

A cada conquista das mulheres, da Revolução Francesa aos dias de hoje, por sua cidadania - poder estudar, trabalhar, votar e ser votada, ter propriedades - os conservadores se levantaram para afirmar que esses direitos elementares levariam ao fim da família e do mundo.

Também não foi sem resistência desse pessoal que os negros romperam os grilhões da escravidão e posteriormente da segregação racial. O Estado de direito, que significa igualdade perante as leis e também liberdade dos indivíduos, foi incorporado pelos conservadores apenas no que lhes diz(ia) respeito. 

E atualmente muitos continuam pensando assim. Agora, tendo os direitos básicos de negros e mulheres passado enquanto eles ladravam, voltam seu foco de ataques obscurantistas contra a população homossexual que reivindica sua cidadania diante do estado brasileiro. Mais uma vez, esses conservadores se levantam, com base na eterna cantilena do fim da família e da chegada do apocalipse, contra o reconhecido das uniões LGBT pelo Estado. 

Embora o pleito do casamento, entre pessoas de mesmo sexo,  seja da área civil, e não religiosa, esses conservadores querem obstá-lo com base em leituras da Bíblia descontextualizadas historicamente, negando um dos pilares da democracia que é a separação entre assuntos de Estado e assuntos da religião. O adjetivo civil, contudo, não deixa dúvidas da legitimidade dessa reivindicação: civil, em sua principal acepção, é aquilo que diz respeito aos cidadãos de uma determinada sociedade ou país. Acaso não seriam as pessoas homossexuais cidadãs brasileiras? Não contribuem com os mesmos impostos, não constroem também a nação? Por que então não podem ter os mesmos direitos dos outros segmentos da população? Por que um bando de beatos obscurantistas não quer? E isso em pleno século XXI!!???

Até história de que os direitos homossexuais fazem parte de uma conspiração comunista para acabar com a família e a cristandade rola da boca dessa gente cujo cérebro não tem redes neurais e sim teias de aranha. Desde quando comunistas respeitam leis e a igualdade das pessoas perante as leis? Samba do conservador doido seguramente. Doido, antidemocrático, mesquinho e mau. A verdade é que não querem perder o monopólio da instituição "casamento", acham que são proprietários de um instituto que é de todos os civis do Brasil.

Resumindo, essas objeções nada santas ao casamento homossexual são mera questão de poder, de medo de perder poder. Nada além! As mulheres  e os negros conquistaram seus direitos básicos, e nem a família nem o mundo se acabou. Nos países onde as pessoas homossexuais já se unem oficialmente há tempos, as famílias heterossexuais continuam existindo da mesmíssima forma que antes porque obviamente alhos não têm a ver com bugalhos. Os direitos conquistados de uns não tiram direitos consagrados de outros. O que soma não pode dividir.

Por isso, dedico a música E o mundo não se acabou, do homossexual Assis Valente, na voz da homossexual Adriana Calcanhoto, para "essa gente careta e covarde", como diria o bissexual Cazuza. A letra da música, cheia de ironia e bom humor, tira um belo sarro dos apocalípticos de todos os tempos e dos que creem neles.  Combina também com 2012, previsto, segundo antigas profecias, como o ano do fim dos tempos. Metade dele já passou e, até agora, a única coisa em vias de extinção é a minha paciência com tantos malucos de pedra.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

É um circo ou não é? Ferreira Gular

Um de nossos grandes poetas, Ferreira Gullar traduz na crônica abaixo o sentimento de muitos de nós em relação ao Brasil, do grande esforço que temos que fazer para não perder a esperança desse país encontrar um mínimo patamar de civilidade. A coisa está feia demais.

Ultimamente, faço um esforço enorme para não perder a esperança em nosso país, em nossa capacidade de nos comportarmos com um mínimo de respeito pelo interesse público, pelos valores éticos, enfim, por construirmos uma nação digna deste nome.

É que, a cada dia, como você, fico sabendo de coisas que me desanimam. Parece que a corrupção tomou conta do Estado brasileiro, que não há mais em quem confiar. O que desanima não são apenas as falcatruas praticadas por parlamentares, ministros, governadores, prefeitos, juízes... O pior é que esses dados refletem uma espécie de norma generalizada que dita o comportamento das pessoas e o próprio funcionamento da máquina pública.

Um pequeno exemplo: o precatório. Se ganhas na Justiça uma ação que obriga o governo a te indenizar, ele está obrigado a te pagar, não? Só que ele não paga, não cumpre a decisão judicial, e fica por isso mesmo. A Justiça sabe que sua decisão não foi obedecida e nada faz.

Pior, às vezes esse dinheiro é apropriado por altos funcionários da própria Justiça. Enquanto isso, as pessoas que deveriam ser indenizadas esperam 20, 30 anos, sem nada receber. É como um assalto em via pública. Este é um fato corriqueiro num país dominado por uma casta corrupta.

E eu, burro velho, embora sabendo disso tudo, não paro de me surpreender. Acontece de tudo, até CPI criada pelo governo. Nunca se viu isto, já que CPI é um recurso da oposição; quer dizer, era, porque a de Cachoeira foi invenção do Lula e seu partido, e conta com o apoio da presidente Dilma. Isso porque, no primeiro momento, os implicados pareciam ser apenas adversários deles, a turma do mensalão.

Eis, porém, que novas revelações envolveram gente do PT e aliados do governo, sem falar numa empresa corrupta que é responsável por grande parte das obras do PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento do governo federal.

Mas o que fazer, agora, se a CPI já estava criada? Voltar atrás seria impossível, e nem era preciso, uma vez que, dos 30 membros da CPI, apenas sete são da oposição, quer dizer, não decidirão nada.

Mas essas revelações punham em risco um dos principais objetivos de Lula, que era usar a CPI para desqualificar o processo do mensalão, prestes a ser julgado pelo STF. Essa intenção foi favorecida por um fato que envolve o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a quem caberá fazer a denúncia da quadrilha chefiada por José Dirceu.

O PT tentou desqualificá-lo, apresentando-o como ligado a Demóstenes Torres e, portanto, a Cachoeira. A jogada não deu certo e, além do mais, está aí a maldita imprensa, que insiste em criar problemas, por levar à opinião pública informações inconvenientes.

De qualquer modo, a CPI teria que ouvir Carlinhos Cachoeira, e só Deus sabe o que ele poderia revelar. Deus e nós também: nada, como se viu.

É que ele se valeu do direito, que a Constituição lhe concede, de permanecer calado para não produzir provas contra si mesmo. Quem quer que tenha inventado isso -sempre em defesa dos inocentes, claro- com frequência favorece aos culpados, uma vez que o inocente, por nada temer, faz questão de contar toda a verdade. Calar, portanto, é confissão de culpa.

De qualquer modo, Carlos Cachoeira, a conselho de seu advogado, não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe foram feitas, deixando os parlamentares, que inutilmente o interrogavam, em situação constrangedora. Aquela sessão da CPI, em Brasília, só pode ser comparada a um espetáculo circense.
E quem é o advogado de Cachoeira? Nada menos que o ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, que, sentado a seu lado, como um segurança jurídico, ouvia os deputados e senadores se referirem a seu constituinte como "bandido, chefe de uma quadrilha de ladrões". Estava ali por vontade própria ou por imposição do cliente? Não se sabe, mantinha-se indiferente, como se nada ouvisse.

Foi por saber Cachoeira culpado de todas aquelas falcatruas que o aconselhou a nada responder. Resta à CPI recorrer às provas documentais. Por isso mesmo, Thomaz Bastos já pediu a anulação delas. Cachoeira pode não ter razão, mas dinheiro não lhe falta. E o espetáculo continua...

Folha de São Paulo, 03 de junho de 2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Clipping legal: Vamos e venhamos outra vez

João Ubaldo Ribeiro
A crônica abaixo já tem mais de um mês, contudo achei que valia o registro. Toca em um ponto que considero fundamental: a necessidade de os brasileiros reconhecerem que os políticos corruPTos não vieram de Marte mas sim daqui mesmo, da sociedade brasileira que todos construímos. E se hoje a corrupção adquiriu proporções pandêmicas é porque deixamos um terreno fértil para que se desenvolvesse. Em jardim bem cuidado, as ervas daninhas não se espalham. Para refletir onde cada um(a) de nós vem errando e como pode parar de contribuir com o mal que nos aflige. 

João Ubaldo Ribeiro 

Volta e meia, toco no assunto de hoje, sempre com as mesmas opiniões. Não adianta nada, mas sei que há muita gente que pensa parecido e gosta de ver estas observações expostas novamente, com outras palavras. Não há de ser em minha geração, mas virá o dia em que nos tocaremos de vez. Morrerei cético, mas na torcida e com o fio de esperança que todos precisam carregar. Refiro-me a nós mesmos, o tão falado povo brasileiro.

Quando eu era um jovem metido a várias coisas (aliás, tão metido que, se hoje encontrasse um fedelho opinioso como eu era aos 20, desapareceria do recinto assim que ele falasse e me manteria à distância, no mínimo em outro município), os brasileiros não tinham culpa pelo atraso do País, mais tarde adornado com a designação, então em uso chique, de "subdesenvolvimento". A culpa era do imperialismo norte-americano, tudo o que de ruim nos acontecia era culpa do imperialismo norte-americano. Até quando a moça não queria nada com a gente, a culpa era do imperialismo, que impunha padrões de beleza masculina humilhantes e ainda obrigava a gente a usar blusão James Dean no calor de Salvador, afetar ares entediados e besuntar o cabelo com as banhas e cremes fedentinosos que inventavam para nossos penteados serem iguais, por exemplo, ao do Farley Granger. Elas, as coroas do meu tempo, hoje ficam com vergonha e fingem que esqueceram, mas caíam até em sussurrinhos indecorosos, quando esse tal Farley Granger e seu famoso penteado apareciam na tela. Legiões de compatriotas foram assim ultrajados pelo imperialismo.

Para vencer esse poderoso inimigo, mobilizaríamos as massas e faríamos a Revolução. Mas, como já assinalava o bom juízo dos antigos, ser revoltado é fácil, difícil é ser revoltoso. A maior parte dos revolucionários era mais para a revoltada e debatia temas palpitantes, tais como a existência de uma burguesia nacional ou a vigência de regimes feudalistas no Nordeste, e só dois ou três gatos-pingados eram revoltosos e tentavam ir além do debate, geralmente com resultados péssimos para a saúde. A Revolução se foi, o negócio passou a ser as grandiosas Reformas de Base, que ninguém nunca soube direito de que se trataria e que agora todo mundo esqueceu de vez.

Poupando-nos um retrospecto que não traria nenhuma novidade, o que temos é o que está aí. Todo mundo sabe como é ruim a situação do Brasil em carga tributária, em saúde, em educação, em transportes, em segurança pública, em trânsito urbano, em aplicação da justiça, em saneamento básico e, enfim, em praticamente todas as categorias concebíveis. Não lembro um só dia, nos anos recentes, em que uma grande tramoia, um desvio de dinheiro espetacular ou um roubo sem precedentes não seja matéria dos noticiários. Ninguém mais presta atenção direito, confunde tudo e o resultado final é uma espécie de monturo na cabeça da gente, que se amontoa espantosamente a cada dia.

Os partidos políticos não são nada, nem em matéria de crenças e princípios, nem de qualquer outra coisa; não há ideais, há interesses. Não são partidos, são bandos ou, sem esticar demais a metáfora, quadrilhas rapineiras, que não pensam nos interesses do País, mas na aquisição de poder e influência geradora de riqueza. Os homens públicos, dentro ou fora dos parlamentos, em todos os níveis, parecem não conseguir escapar à malha corruptora que abafa o Estado em todas as esferas. E, de qualquer forma, injustiça ou não, a palavra "político" é hoje quase sinônima de ladrão.

Mesmo quando não há ilegalidade, há indecência, há recursos a eufemismos cínicos e trapaças engenhosamente maquiladas de manobras legítimas e o fato é que o Estado, sustentado pelos impostos mais altos do mundo, continua a ser sugado de todas as maneiras, fraudado de todas as formas. Roubam parlamentares, roubam administradores, roubam funcionários, roubam todos. Para lembrar somente um exemplo mais recente, a verba liberada para a reconstrução de Teresópolis, não deve ter sido suficiente, já que nada se fez. Aliás, li que instalaram algumas sirenes. Mas deviam ser de qualidade inferior, porque várias falharam. Isso é o que dá, quando se libera verba sem prever a taxa de corrupção aplicável por praxe.

É pensando nessas coisas que vem uma saudadezinha do imperialismo, era bem melhor, pensem aí. Agora a gente matuta, matuta, e chega à desagradável conclusão de que sempre quisemos botar a culpa do nosso atraso, do subdesenvolvimento ou que outros males nossos citemos, em alguém diferente de nós. A mania vem diminuindo um pouco, mas até hoje é comum um cidadão indignado discursar no boteco, espinafrando o brasileiro - o brasileiro não obedece à lei, o brasileiro é malandro, o brasileiro não tem educação, o brasileiro isso e aquilo. Brasileiro, quem? Ele não, e os outros sim?

Parece sempre necessário lembrar que somos todos brasileiros e envolvidos na vida brasileira. Há quase 200 anos, somos donos exclusivos disto aqui e nunca fizemos por onde honrar a imensa riqueza que herdamos, mas, ao contrário, instauramos desigualdades monstruosas, assaltamos a fazenda pública e fomentamos o atraso à custa do prejuízo geral e do ganho dos privilegiados. Somos nós os responsáveis pelo que está aí, nada disso se fez, ou se faz, por geração espontânea, fomos nós. Cabe repetir a verdade, já cediça, de que os corruptos não são marcianos, são também brasileiros como nós, aqui paridos e criados. Portanto, vamos e venhamos, pode ser chato, mas a evidência se impõe, não é possível fugir dela. Toda árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má produz frutos maus. Uma árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma árvore má dar frutos bons. O autor destes dois últimos pensamentos foi até um pouco lembrado nesta Páscoa, embora bem menos que o coelho.

terça-feira, 15 de março de 2011

Prece pelo Japão!

Há pouco mais de um mês, no dia 10 de fevereiro, havia feito uma postagem sobre os japoneses intitulada Até em Comercial de Cerveja os Japoneses fazem bonito (clique aqui para ver), onde deixo bem clara minha admiração por esse povo incrível, capaz de feitos impressionantes.

Na sexta-feira à tarde (aproximadamente 3 horas da manhã  para nós), o Japão foi atingido por um terremoto de quase 9 pontos na escala Richter, seguido de uma devastadora tsunami. Só me dei conta do assunto no sábado e desde então, como a maioria das pessoas no mundo, estou sob o impacto das imagens aterradoras do desastre que se abateu sobre a nação dos samurais. Fora que a catástrofe também afetou a usina nuclear de Fukushima, impedindo a refrigeração de seus reatores, o que vem causando explosões e vazamento de radiação para o meio-ambiente. Desgraça pouca é bobagem.

Cidades inteiras na costa nordeste do país foram varridas do mapa, e os sobreviventes estão padecendo com falta de comida, abrigo, eletricidade, combustível. Não se sabe ainda o número de mortos, mas devem passar facilmente dos 10.000. Em algumas cidades, metade da população está desaparecida. Apesar de todo o preparo e a organização que os japoneses têm para lidar com esses dramas, já que o país se situa numa região de atrito entre duas placas tectônicas e já se viram às voltas com terremotos, tsunamis, vulcões e tufões várias vezes, uma catástrofe dessa magnitude não estava prevista. Enfim, nem os japoneses podem com tanto.

O mundo está se mobilizando para ajudar esse grande país nesse momento de necessidade e profunda tristeza. Para os que buscam o paradeiro de parentes no Japão (em São Paulo temos uma grande colônia japonesa) entrar no site da Cruz Vermelha é uma boa estratégia (clique aqui). Quem quer ajudar, pode fazer doações através da comunidade nipo-brasileira (clique aqui). A Cruz Vermelha brasileira também está recebendo doações (clique aqui).

Nessas horas, sempre tem alguém para dizer que é melhor ajudar o Paraná, afetado por enchentes, que o Japão é rico, etecetera. Mas não há como comparar as enchentes do Paraná, onde morreram duas pessoas, mesmo que existam milhares de desabrigados, com a devastação ocorrida no Japão, onde até agora o número de mortos está em 1800 e seguramente passará dos 10.000. E não são só as perdas humanas. Várias cidades foram devastadas. Nem se tem ideia quando e se algum dia voltarão a ser reerguidas. Então, quem puder doar para ambos que o faça. Quem não puder, use a tag #prayforjapan no twitter e faça uma prece com todo o coração para que os japoneses consigam se superar mais uma vez.

Abaixo, vídeos que dão a dimensão da tragédia. Parece cena do filme 2012, aquele em que o mundo termina. Minha prece pelo Japão. Que Kannon, a bodisativa da compaixão, no zen-budismo japonês, apiede-se de seu povo e acalme a natureza pelo menos.


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A violência do preconceito precisa ter um basta!

Rapaz agredido com lâmpada fluorescente na Paulista
Sequência impressionante de ataques a jovens homossexuais chama a atenção para o absurdo do preconceito e a necessidade de se dar um fim a ideia de que é possível agredir e até matar alguém porque esse alguém não se encaixa nos padrões ditos normais da sociedade. E, para se dar um fim a essa ideia,  faz-se sim necessária a aprovação da lei contra a homofobia que, em sua versão atual, não amordaça religiosos nem ninguém, ou seja, não impede ninguém de dizer o que pensa sobre a homossexualidade dentro de seus templos e paróquias. O que os religiosos  não podem é querer que a sociedade secular seja regida por princípios de uma fé determinada, seja ela qual for, ainda mais com base numa visão a-histórica de trechos da Bíblia.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Caça às bruxas: o caso Mayara Petruso!

No domingo após às eleições, dia 31 de outubro, uma estudante de direito, de 21 anos, Mayara Petruso, revoltada com a vitória da fraudulenta Dilma Roussef, deu vazão aos maus-bofes e a ignorância e postou, em suas páginas do twitter e do facebook, as seguintes declarações:

"Nordestisto não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!"

"Afunda Brasil. Dêem direito de voto pros nordestinos e afundem o país de quem trabalha pra sustentar os vagabundos que fazem filhos pra ganhar o bolsa 171”.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O fim de agosto - Yanni e a violinista Karen Briggs


E lá se vai agosto, mês difícil. Confesso que incorporei as superstições contra o mês, considerado aziago, azarado, de maus augúrios. Aziagosto, costumo dizer. Ainda mais porque no sudeste costuma fazer um frio danado em agosto.

E a má fama de agosto vem do misticismo, do folclore e do coincidente rol de acontecimentos tristes e inclusive catastófricos associados ao mês. Houve o massacre de São Bartolomeu em agosto, daí que, no folclore cristão, o dia 24 de agosto é quando o diabo sai das profundas e vem à superfície aprontar das dele.

Jogaram as duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki em agosto, matando milhares de pessoas, naquele que é o maior crime contra a humanidade de que se tem notícia. Vulcões deram o ar de sua (des)graça em agosto, sepultando, em diferentes épocas, Pompéia e Krakatoa e matando nem sei quantos.

No Brasil, o mês é considerado ruim para política (como se pudesse haver algum que não fosse), pois Getúlio Vargas se suicidou em agosto. Fora isso, muitas declarações de guerra foram feitas em agosto, mergulhando o mundo dos homens em mais um mar de sangue. Por essas e mais outras, agosto também é considerado o mês do cachorro louco e, em sua homenagem, o Play Center realiza as noites de terror.

Apesar dos pesares, dessa carga dramática toda, agosto também é um mês em que se celebra por exemplo a vitória dos aliados contra o eixo nazi-fascista durante a segunda guerra mundial e a assinatura da lei de anistia que trouxe de volta ao Brasil inúmeros exilados políticos no fim da ditadura militar. Agosto também presenciou, em 1994, o fim do totalitarismo comunista da URSS, com sua saída militar da Alemanha Oriental e dos países bálticos após meio século. E, se em agosto, muita gente da melhor cepa se foi, muita gente da melhor cepa também nasceu.

Para nós, lésbicas brasileiras, agosto acabou mostrando suas duas faces. Em 10 de agosto, a primeira lésbica a ter sua biografia publicada em livro, Sandra Mara Herzer, se suicidou em São Paulo, atirando-se de um viaduto. Em 28 de agosto, a pioneira na política de visibilidade lésbica, Rosely Roth (21/08/59- 28/08/1990), suicidou-se também no Rio, sucumbindo a uma doença devastadora. Em compensação, Rosely (foto) também nasceu em agosto e, em sua breve vida, marcou o mês, com sua coragem e idealismo, ao protagonizar a primeira manifestação lésbica contra o preconceito e a discriminação no dia 19 de agosto, em São Paulo, que posteriormente oficializamos como dia do orgulho das lésbicas brasileiras. E em agosto também se comemora a visibilidade das lésbicas.

Por isso, deixo os sentimentos um pouco sombrios que o mês me evoca, e me concentro no seu lado heróico mais do que no dramático, lembrando também que agosto antecede setembro, o mês glorioso da primavera. Daí que como uma homenagem ao lado heróico de agosto e à memória daquelas que marcaram seus dias com tanto brilho, posto o vídeo com a música "O fim de agosto", um dueto belíssimo de piano e violino com o músico Yanni e a violinista Karen Briggs.

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