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Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

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Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Bertha Lutz lutou 10 anos para instituir o voto feminino no Brasil

Bertha Lutz
Bertha Lutz seguiu carreira na política (foto US Library of Congress)

A bióloga e feminista Bertha Maria Júlia Lutz foi a responsável pela conquista da instituição do voto feminino no Brasil.

Nascida em 1894, em São Paulo, em uma família abastada, Bertha estudou Biologia na prestigiada Universidade Sorbonne, na França. Na Europa, conheceu o movimento sufragista das mulheres inglesas.

Em 1918, retornou ao Brasil e se tornou a segunda mulher a ingressar em concurso público no país, assumindo o cargo de bióloga no Museu Nacional. No ano seguinte, fundou, junto de outras mulheres, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, iniciando as campanhas pelo direito ao voto feminino.

Bertha lutou mais de dez anos até que, em 1932, por decreto-lei do presidente Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram o direito ao voto no Brasil. Ainda na década de 1930, organizou o primeiro congresso feminista e fundou a União Universitária Feminina, a Liga Eleitoral Independente, a União Profissional Feminina e a União das Funcionárias Públicas.

Em 1933, elegeu-se primeira suplente do deputado federal Cândido Pereira. Após a morte do deputado, assumiu a cadeira de deputada federal em 1936. Porém, a carreira política de Bertha se encerrou em 1937, quando Getúlio Vargas decretou o Estado Novo.

A passagem de Bertha pela Câmara Federal foi marcada pela luta por mudança na legislação referente ao trabalho da mulher e do menor, igualdade salarial, redução da jornada de trabalho - então de 13 horas diárias - e pela proposta de licença maternidade de três meses.

Com informações de As (outras) mulheres brasileiras sobre quem deveríamos aprender na escola, BBC Brasil, por Laís Modelli, 01/04/2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Ensinem as meninas a serem corajosas, não perfeitas, e a aprender programação



"Ensinem as meninas a serem corajosas, não perfeitas", por Reshma Saujani 

 A advogada americana Reshma Saujani aponta como meninos são ensinados a ser corajosos, enquanto meninas são ensinadas a buscarem a perfeição. Fundadora do Girls Who Code (Garotas que programam), Saujani assumiu a tarefa de socializar jovens a assumir riscos e aprender a programar, duas habilidades que elas necessitam para fazer a sociedade avançar. Para inovar realmente, não podemos deixar metade da população para trás, ela afirma. 
Preciso que cada um de vocês diga para as jovens que se pode conviver com a imperfeição.
O vídeo está legendado, ao que tudo indica, em português de Portugal, daí umas palavras um pouco estranhas para nós, mas bem acessível. A chave para o fim da desigualdade entre os sexos está na educação. Boa audiência!

segunda-feira, 17 de abril de 2017

ONU classifica 'Escola sem Partido' como 'censura'

Resultado de imagem para escola sem partido macartista
Relatores da ONU classificam 'Escola sem Partido' como 'censura'

Em protesto enviado ao governo, peritos das Nações Unidas alertam para as violações que os projetos podem representar e os impactos negativos na educação; coordenador do movimento diz que críticas são 'absurdas'
GENEBRA – Em documento enviado nesta quinta-feira, 13, ao governo brasileiro, relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciam as iniciativas legislativas no País com base no Programa “Escola sem Partido” e alertam que, se aprovadas, as leis podem representar uma violação ao direito de expressão nas salas de aulas e uma “censura significativa”. A manifestação foi enviada ao governo de Michel Temer pelos relatores da ONU para Liberdade de Expressão, David Kaye, pela relatora para a Educação, Boly Barry, e pelo relator de liberdade religiosa, Ahmed Shaheed.

O centro do alerta são dois projetos de lei que estão no Congresso e que, se forem aprovados, os relatores da ONU consideram que representarão uma “restrição indevida ao direito de liberdade de expressão de alunos e professores no Brasil”, com um impacto no ensino no País em diversos temas.

A ONU já acompanhava o assunto há meses. Mas decidiu agir depois que o vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM) passou a visitar escolas para "inspecioná-las", temendo que a iniciativa ganhasse força e impulsionasse os projetos de lei. ONGs brasileiras alertaram para o caso e os relatores decidiram enviar a carta ao governo, pedindo medidas e esclarecimentos. Na prática, o poder da ONU se limita ao de constranger um país. Se não ficar satisfeita com a resposta, a relatoria da ONU pode levar o caso ao Conselho de Direitos Humanos para criticar o País em público.

Para os relatores, se aplicadas, as leis serão ainda consideradas como uma “censura significativa”. Na avaliação deles, os projetos vão “restringir o direito do aluno de receber informação” e abrem brechas “arbitrárias” para que autoridades e os pais interfiram nas escolas. Os relatores pedem que os projetos sejam revistos para que atendam aos padrões internacionais de direitos humanos.

Os representantes da ONU ainda deram um prazo de 60 dias para que o governo responda se existe algum tipo de evidência empírica que sugira a necessidade da aplicação da lei da “Escola sem Partido” no Brasil. O grupo também deixa claro que, se aplicado, o programa representará uma "violação" dos compromissos assumidos pelo País em educação e liberdades.

O princípio do projeto é o de incluir os fundamentos do “Escola sem Partido” nas diretrizes e bases da educação nacional. O intuito é que as leis sejam estabelecidas para impedir que professores promovam suas crenças políticas ou religiosas em sala de aula e mesmo que incitem estudantes a participarem de protestos.

Orientação sexual. Outro fato que chamou a atenção da ONU foi a retirada, no dia 6 de abril, do termo “orientação sexual” dos textos dos currículos escolares que foram entregues ao Conselho Nacional de Educação.

Para os relatores ONU, os projetos de lei “geram preocupações com relação à interferência no direito à liberdade de expressão de professores e educadores”. Na avaliação dos relatores, o projeto não traz definições sobre o que seria “neutralidade religiosa e política” e apenas apresenta conceitos, sem qualquer tipo de esclarecimento.

De acordo com os peritos, os textos, portanto, podem impedir qualquer tipo de discussão sobre gênero e diversidade sexual, o que é “fundamental para prevenir estereótipos de gênero e atitudes homofobias por estudantes”.

No campo religioso, alguns dos projetos abrem a possibilidade para que os pais possam determinar como outras religiões que não as suas sejam ensinadas. Cerca de nove estados brasileiros tinham projetos sendo debatidos em suas câmaras legislativas, além dos dois textos também no Congresso em Brasília.

Outro alvo de críticas é a falta de definição sobre o que seria “doutrinação ideológica”, que deixa margem para interpretação e permite que “virtualmente qualquer prática educacional de um professor possa ser classificada como doutrinação e fará a escola uma continuação do ambiente doméstico, e não uma instituição de educação”.

O documento ressalta que, sem definição, a lei permite que “virtualmente qualquer prática pode ser condenada” e pode “prevenir o desenvolvimento de um pensamento crítico entre estudantes e a habilidade de refletir, concordar ou discordar com o que é exposto em aulas”.

Procurado pelo Estado, o coordenador do movimento Escola sem Partido, o procurador Miguel Nagib diz que as críticas são "absurdas". "Convidamos a ONU para expor seus pontos de vista na comissão especial do Escola sem Partido, mas não foram e não mandaram ninguém no lugar. E agora, aparecem esses relatores, que dão opiniões absolutamente desinformadas sobre o projeto?", disse.


Nagib destacou que "não faz sentido" dizer que o projeto vai contra os direitos humanos, já que parte do texto foi inspirada na Convenção Interamericana de Direitos Humanos que diz, em um dos artigos, que "os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja em acordo com suas próprias convicções". "O projeto repete isto com praticamente as mesmas palavras. Como podem dizer que ele (o projeto) viola direitos humanos? Acho muito estranho uma coisa dessas". Ele disse ainda que o documento da ONU "desinforma" a opinião pública ao dizer que o projeto censura o professor. "O texto ainda está sendo debatido na comissão especial e sendo aprimorado. Na versão atual do nosso anteprojeto, a expressão doutrinação nem aparece mais, porque chegamos à conclusão de que era uma expressão ampla demais, para o bem da clareza e segurança jurídica. Tudo está sendo debatido ainda. Não é correto atacarem o parlamento dessa maneira sendo que tiveram a oportunidade de participar do debate".

No campo religioso, alguns dos projetos abrem a possibilidade para que os pais possam determinar como outras religiões que não as suas sejam ensinadas. Cerca de nove estados brasileiros tinham projetos sendo debatidos em suas câmaras legislativas, além dos dois textos também no Congresso em Brasília.

Os relatores também criticam os artigos que tratam de “propaganda política-partidária” e a responsabilidade dos professores. Segundo eles, sem uma definição, o texto poderia levar a uma “restrição aos direitos de liberdade de expressão dos professores”. “Um professor poderia estar violando a lei apenas por conta de consideração subjetiva de pais e autoridades sobre a prática de propaganda política”. Isso pode impedir, segundo a ONU, o debate de temas como diversidade e direito de minorias.

Os peritos denunciam ainda o fato de que o projeto de lei prevê punições, uma vez mais apontando para os riscos para liberdade de expressão. Ao não trazer definições sobre seus conceitos, os projetos de lei podem criar uma “arbitrariedade” em sua aplicação.

“Educadores podem ser punidos por ensinar assuntos que sejam controversos, incluindo política, ciência, história, religões e educação sexual”, alertou a carta dos relatores ao governo.

Os relatores defendem que crianças sejam de fato protegidas de uma indoutrinação. Mas as opções políticas sugeridas pelo projeto limitariam a informação a qual as crianças nas escolas estão expostas e, de fato, podem “restringir direito a liberdade de expressão”.

Na avaliação dos relatores, a aprovação da lei pode impedir que estudantes brasileiros tenham uma educação ampla e apontam que, numa sociedade livre, a educação precisa apresentar “diversos fatos e perspectivas”. Para eles, se aprovadas, portanto, as leis “violariam” as regras internacionais e “limitariam informação e ideias que educadores podem trazer aos estudantes sobre culturas, governos, políticas, religião, normas sociais, evolução e educação sexual”.

Reações. A carta da ONU ao governo foi comemorada por entidades que faziam oposição aos projetos de lei. "O Escola Sem Partido, ao limitar a liberdade de cátedra e ao tentar submeter a educação escolar à moral dos pais, ofende o princípio da liberdade de expressão, alimenta preconceitos e torna as aulas medíocres, pois os professores não se sentem tranquilos para ensinar sob verdadeiros tribunais pedagógicos”, disse Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

“Um tribunal pedagógico tentou ser estabelecido pelo vereador Fernando Holiday em São Paulo e o mesmo fez o MEC recuar ao tirar da Base Curricular as questões de gênero e orientação sexual. E corremos o risco desses tribunais pedagógicos dominarem a educação brasileira. Por isso, é essencial e oportuna a manifestação da ONU", disse.

Fernanda Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), ao discursar na ONU na semana passada apontou para o fato de que “problemas éticos e jurídicos do Programa Escola sem Partido já foram inclusive reconhecidos pelo Ministério da Educação dizendo que viola diversos artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, assim como pelo próprio Supremo Tribunal Federal do Brasil que afirmou a inconstitucionalidade da lei (inspirada no Escola sem Partido) aprovada em Alagoas”.

“O ministro Barroso afirmou que o direito humano à educação visa ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à capacitação para a vida e cidadania, o que também está previsto em tratados internacionais que o Brasil é parte. Com isso fica evidente que esses projetos violam as nossas leis tanto no âmbito interno como no internacional”, disse Fernanda.

Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e vice-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), também destaca a importância do posicionamento dos relatores da ONU.

“Desde a emergência do projeto Escola sem Partido temos realizado as denúncias junto à ONU e OEA, mas os fatos anunciados na última sexta-feira no Brasil geraram grande repercussão em Genebra nas reuniões que realizei para a atualização de dados nesta semana junto às relatorias especiais da ONU e também diplomatas”, disse.

“O mais grave e impactante foi o anúncio da retirada pelo MEC das questões de gênero e orientação na base curricular, o que foi na contramão das recomendações feitas ao Brasil pela ONU por meio do Comitê sobre os Direitos da Criança - órgão máximo de monitoramento do direito da infância no mundo - que explicitamente recomenda ao Brasil decretar legislação para proibir a discriminação e a incitação de violência com base na orientação sexual e na identidade de gênero e dar sequência ao projeto “Escolas sem Homofobia”, justamente o oposto do Escola sem Partido”, afirmou.

Contatado pelo Estado, o MEC informou que tanto o ministro Mendonça Filho como a secretária executiva Maria Helena Guimarães já se manifestaram publicamente contrários o Escola Sem Partido. Sobre a retirada do termo orientação sexual, o MEC “lamenta que a ONU tenha confundido o documento da BNCC com textos dos currículos escolares”.

Ao Estado, o vereador Holiday rebateu as críticas, por meio de sua assessoria de imprensa. "'Tribunal pedagógico' é uma definição tola, mas muitos preferem falar antes de ouvir ou conhecer. Se o proposto não for o ideal, procuraremos aperfeiçoar o projeto, mesmo sabendo que a ONU não costuma valorizar a liberdade e a autoridade da família, ao contrário de mim".

Sobre suas ações em escolas paulistanas terem motivado o envio da carta, o vereador afirmou ainda que isso mostra que seu mandato "é influente e trabalha" e diz esperar, com isso, "chamar atenção da ONU para casos importantes, como o abuso de crianças e adolescentes".

Maioria de projetos baseados no ‘Escola sem Partido’ é de autoria de políticos ligados a igrejas

Escola Sem Partido: Macartismo renasce no Brasil

A doutrinação mais perigosa é a conservadora pois tenta se passar por algo natural

Fonte: O Estado de S.Paulo, por Jamil Chade e Luiz Fernando Toledo, 13/04/2017

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Como o "neurossexismo" está impedindo o progresso da igualdade de gênero - e da própria ciência

As mulheres são criativas e os homens são lógicos - um equívoco comum.
O comportamento diferenciado de mulheres e homens é obviamente resultante da educação radicalmente diferente que meninas e meninos recebem desde o berço. Entretanto, muitos querem tapar esse sol com a peneira furada do determinismo biológico, ou seja, os comportamentos de homens e mulheres seriam diferentes por razões de ordem inata, fruto de cérebros femininos e masculinos e diferenças químicas e hormonais.

Não é de hoje que religiosos e cientistas apelam para uma suposta natureza feminina a fim de tentar impedir as mulheres de desenvolverem seus potenciais individuais. No momento,  o instrumento da moda para tal finalidade é a neurociência e seus scanners cerebrais. Estes vêm sendo usados para tentar dar status de cientificidade aos velhos estereótipos de gênero e garantir "a crença de que, por mais inconveniente que seja a “verdade”, mulheres e homens são imutavelmente diferentes."

Para contestar essas crenças tão arraigadas, traduzi o texto abaixo da Gina Rippon que é professora de Neuroimagem Cognitiva da Aston University. Ela desconstrói os argumentos biologicistas, utilizados na área de neurociências, para assegurar que cientistas, a mídia e o público em geral se tornem conscientes das falácias que produzem. O link para o texto original se encontra ao final da tradução.

Míriam Martinho, 12/03/2017


Meninas e meninos são educados de forma radicalmente distinta, mas a pseudociência
vai procurar respostas para o comportamento diferenciado de mulheres e homens em
supostas químicas cerebrais e hormônios diferentes.


Gina Rippon
Como o "neurossexismo" está impedindo o progresso da igualdade de gênero - e da própria ciência

À procura de provas de que mulheres e homens aprendem, falam, resolvem problemas ou leem mapas de forma diferente, algumas pessoas pensam ter encontrado nos scanners cerebrais a resposta definitiva para sua busca. É fácil entender o porquê. Eles produzem mapas codificados, coloridos e brilhantes destacando diferenças entre os sexos em várias áreas cerebrais, o que potencializa o argumento de quem advoga escolas separadas para garotas e garotos ou treinamento diferenciado por sexo para militares das forças armadas.

Seu poder, aliás, está atrelado ao permanente debate sobre as diferenças comportamentais entre mulheres e homens. De marqueteiros e políticos a grupos de pressão, muitas pessoas fazem referências entusiásticas à "neurociência de ponta" em suas suposições a respeito de diferenças sexuais.

A ideia de que o cérebro é responsável por diferenças ou desequilíbrios de sexo/gênero nos acompanha há bastante tempo. No século dezoito, cientistas descobriram que os cérebros das mulheres pesam em média cerca de 142 gramas menos do que os dos homens - descoberta que foi imediatamente interpretada como sinal de inferioridade feminina. Desde então, os cérebros das mulheres têm sido pesados, medidos e considerados insuficientes. Tal perspectiva se deve à crença no "determinismo biológico": a ideia de que as diferenças biológicas refletem a ordem natural das coisas com a qual não devemos nos intrometer para não colocar a sociedade em risco.

Infelizmente, essa visão persiste ainda hoje sob o nome de neurossexismo. Neurossexismo é a prática de alegar a existência de diferenças fixas entre os cérebros femininos e masculinos, o que supostamente explicaria a inferioridade ou a inaptidão das mulheres para certos papéis. Ao apontar atividades sexo-dependentes em certas regiões do cérebro - como as associadas à empatia, ao aprendizado de idiomas ou ao processamento espacial - os estudos neurossexistas têm possibilitado o florescimento de uma lista especializada de diferenças comportamentais entre os sexos. Ela inclui coisas como "homens serem mais lógicos do que mulheres" e "mulheres serem melhores no aprendizado de idiomas e no cuidado dos outros em geral (criação de filhos, etc.)".


Um espectro de diferenças sexuais

Mulheres são de Vênus e homens de Marte,
uma crença de longa data a ser repensada 
Hoje as técnicas de imagem do cérebro oferecem um perfil cada vez mais detalhado da atividade cerebral, possibilitando o acesso dos pesquisadores a enormes conjuntos de dados.  Há pouco tempo também se descobriu que nossos cérebros podem realmente ser moldados por diferentes experiências, incluindo aquelas associadas com ser mulher ou homem. Esta descoberta inclusive ilustra bem o problema da abordagem determinista biológica. Igualmente mostra que, ao se comparar características cerebrais, é imprescindível contabilizar variáveis como educação e o status socioeconômico das pessoas.

Psicólogos também começaram a apontar recentemente que muitos dos traços psicológicos considerados como ou femininos ou masculinos existem de fato em um espectro. Um estudo atual revisitou um número desses traços comportamentais e revelou que eles não se enquadram em apenas duas categorias binárias não-coincidentes e ordenadas. Mesmo as supostas habilidades superiores dos homens em cognição espacial – uma convenção bem estabelecida – vêm diminuindo com o tempo, até mesmo desaparecendo. Em certas culturas, a situação é realmente oposta à que conhecemos.

E não para por aí. O próprio conceito de cérebro “feminino” e “masculino” se mostrou falho. Um estudo recente apontou que cada cérebro é realmente um mosaico de padrões diferentes, alguns mais comumente encontrados em cérebros de homens e outros nos de mulheres. Mas nenhum desses padrões pode ser realmente descrito como totalmente masculino ou feminino.

Apesar disso, os velhos e disparatados argumentos neurológicos persistem. As pessoas parecem amar histórias de diferenças sexuais, particularmente as que podem ser ilustradas com imagens cerebrais. Livros de autoajuda, comerciais, artigos de jornal e a mídia social se amarram nessas histórias – mesmo naquelas que são contestáveis à primeira vista.

Tal neurociência populista se baseia em geral numa ideia falsa do que a imagem dos cérebros de fato mostra. Ela tende a se apresentar como uma espécie de “cinema verdade”, oferecendo acesso instantâneo, em tempo real, a funções e estruturas do cérebro claramente definidas. Entretanto, os mapas cerebrais são de fato produtos finais de uma longa cadeia de manipulação de imagens e complexo processamento estatístico, especialmente projetado para destacar diferenças. Eles não nos dizem o que o cérebro de uma pessoa fará em qualquer situação.

Estereótipos de gênero
Lidando com o neurolixo

Embora seja fácil culpar a mídia ou a indústria do marketing por esse populismo pseudocientífico, o fato é que essa espécie de neurolixo é muitas vezes sustentada pela própria indústria das imagens cerebrais. Pesquisadores muitas vezes erram, por descuido, ao não reconhecer o papel de variáveis ​​mais amplas na concepção de um estudo ou na seleção de participantes. Termos como “fundamental” ou ‘”profundo” são comuns em resumos de estudos sobre diferenças sexuais, mesmo quando uma inspeção mais detalhada das tabelas de dados revela somente minúsculos efeitos diferentes ou resultados estatisticamente insignificantes.

Também há exemplos de pesquisadores interpretando achados em termos de obsoletas diferenças estereotípicas. Por exemplo, eles assumem a superioridade espacial masculina ou a maior proficiência linguística das mulheres antes mesmo da fase de escaneamento. Além disso ser uma prática científica questionável, tais estudos alimentam o neurolixo em circulação e mantém a crença de que, por mais inconveniente que seja a “verdade”, mulheres e homens são imutavelmente diferentes.

Desafiar o neurossexismo não é negar a existência de diferenças sexuais, embora não faltem acusações nesse sentido. Por exemplo, pesquisas em saúde mental apresentaram importantes diferenças entre os sexos na incidência de condições tais como depressão, déficit de atenção e autismo. Reconhecer tais diferenças possibilita a descoberta de tratamentos apropriados para essas doenças.

Por outro lado, como conhecemos agora o quanto é falho o conceito de cérebro “feminino” e “masculino” e inadequada aquela lista especializada de diferenças psicológicas baseadas em sexo, nós precisamos parar de enfatizar a categoria binária do sexo biológico como fonte de nossas investigações. Pode levar tempo desconstruir crenças tão arraigadas, mas já é um bom começo assegurar que cientistas, a mídia e o público em geral se tornem conscientes do problema.


segunda-feira, 10 de abril de 2017

Leni Riefenstahl, a cineasta genial que revolucionou a arte cinematográfica documentando o nazismo

Leni Riefenstahl, a genial cineasta que documentou o nazismo
Há tempos, em uma lista de discussão, criticava-se o autor de novelas Aguinaldo Silva por seu personagem Crô, o estereótipo do gay com seus tiques e trejeitos femininos. Criticava-se Aguinaldo porque o personagem Crô, da novela Fina Estampa, prestaria um desserviço à causa homossexual encarnando uma caricatura dos homens gays e, além de tudo, um capacho. Segundo os críticos de Aguinaldo, principalmente por este ser também homossexual e ter editado o Lampião da Esquina (primeira publicação LGBT de distribuição nacional), seus personagens deveriam representar uma imagem positiva dos homens homossexuais, de acordo com os parâmetros de positividade da militância. Agora, o personagem virou filme, e as críticas continuam bem ácidas.

A discussão levou ao recorrente debate sobre a necessidade ou não do engajamento da arte em lutas políticas, debate que desde fins do séc. XVIII não sai de pauta. Fazendo um aparte, pessoalmente, rejeito  a obrigação de qualquer finalidade moral ou social para a arte, considerando-a válida apenas como expressão estética. Sou da turma da arte pela arte.

Por outro lado, meio imbrincada ao debate sobre arte engajada ou não geralmente surge a discussão sobre o quanto a obra de um artista pode ser avaliada por sua vida pessoal e suas posições políticas. De fato, ética e estética nem sempre andam juntas, a História registrando a obra de artistas que foram inovadores em estética mas bem discutíveis em ética. Muitos artistas geniais mostraram triste apreço por ideias e práticas autoritárias, sexistas, racistas, antissemitas além de por comportamentos delinquentes. 

Então, distinguir a obra de seu autor, embora imprescindível, nem sempre é tarefa fácil. Principalmente para nós, simples distinto público, é dureza mesmo separar o joio do trigo. Penso na objeção emocional que passei a ter quanto à obra de Chico Buarque de Holanda depois de saber de seu apreço pela ditadura cubana. Logo ele que, no período da ditadura militar, posava de paladino da democracia com suas musiquinhas de protesto!? Hoje, sem grandes problemas digestivos, só consigo escutar sua obra lírica.

De qualquer forma, Chico Buarque nunca foi um artista excepcional. Pelo contrário, sua obra sempre foi convencional em termos de estética, sem nada de muito inovador, apesar de ter composições realmente bonitas. Mas e quando se trata de um artista, no caso de uma artista genial, inovadora em sua arte como poucos, mas cuja obra retratou exatamente um dos fenômenos políticos mais lastimáveis da história humana?

Refiro-me a cineasta alemã Leni Riefenstahl que revolucionou a arte cinematográfica tendo como tema nada menos do que o nazismo. Em suas obra-primas, O Triunfo da Vontade e Olympia, Leni filmou respectivamente um encontro do partido nazista, em 1934, e as Olimpíadas, na Alemanha de Hitler, em 1936. Inovou tanto que, segundo Vicente Amorim, cineasta brasileiro (de Um Homem Bom, 2008), falando sobre Olympia:
É a glorificação da perfeição física que até hoje se irradia na propaganda, no design moderno, nos editoriais de moda. Se retirarmos a influência de Leni, provavelmente ainda estaríamos no século 19, do ponto de vista visual.
Verdade. O que salta aos olhos ao ver os dois documentários de Leni é sua atualidade. Parece que estamos assistindo a peças produzidas por algum artista de hoje. Tantos anos passados e as imagens ainda impactam e emocionam por sua beleza. Se a cineasta teve ou não um maior engajamento com o nazismo ou se simplesmente se aproveitou do culto nazista à beleza para produzir uma verdadeira elegia à forma humana, ao corpo humano, continua uma questão em aberto. Uma coisa, contudo, é certa: ela foi uma artista excepcional, uma mulher polêmica e notável.

Seguem texto de 2009 da revista Aventuras na História, sobre a Leni Riefenstahl, dois vídeos com suas obras O Triunfo da Vontade e Olympia. Seguem ainda odocumentário sobre ela: The Wonderful Horrible Life of Leni Riefenstahl (A maravilhosa vida horrível de Leni Riefenstahl). À parte a questão estética, são todos documentos históricos imperdíveis. 


A cineasta de Hitler
Leni Riefenstahl inventou técnicas cinematográficas e produziu imagens com efeitos espetaculares. Além de talentosa, era linda. Nada disso bastou para libertá-la da sombra nazista

No dia 1º de agosto de 1936, eram abertos na Alemanha os XI Jogos Olímpicos da história moderna. Pela primeira vez, a recém-inaugurada televisão transmitia para aparelhos instalados em prédios públicos de Berlim a espetacular cerimônia. Fascinado, o povo alemão viu e ouviu, ao vivo, um orgulhoso Adolf Hitler recebendo do grego Sypiridon Louis (campeão da maratona de Atenas, em 1896) um ramo de oliveira colhido nos montes de Olímpia, ao som de 100 mil vozes bradando "Heil, Hitler! Heil, Fuerher!" Todas as cenas da cerimônia foram registradas em 400 quilômetros de filme pela cineasta alemã Leni Riefenstahl.

A cobertura do evento foi uma encomenda do Comitê Olímpico Internacional, mas teve, claro, a mão de Adolf Hitler, presidente do país-sede dos jogos. Foi dele a palavra final sobre quem seria a responsável pelas imagens que terminaram se tornando um poderoso instrumento de propaganda a favor do regime nazista. Numa época de tecnologias cinematográficas incipientes, Leni soube tirar proveito da megaestrutura colocada à sua disposição. Ela inventou novas formas de olhar pela câmera, revolucionando as imagens de um jeito  que até hoje marcam o que assistimos na televisão ou no fotojornalismo esportivo.

Os contornos épicos dados ao evento não se limitaram à abertura dos jogos. Seis meses antes, Leni já estava dirigindo os técnicos que cobririam as provas realizadas na piscina. Como a tecnologia ainda não permitia captar imagens ao nível da água, Leni teve a ideia de construir plataformas especiais nas bordas para os operadores de câmera, que também eram posicionados com o atleta nos saltos de trampolim e dentro da água.

Nas provas de corrida, ela também inovou ao mandar cavar buracos e instalar trilhos para poder captar imagens à altura do chão. E equipou de câmeras corredores que acompanharam os atletas. Os planos ousados - focados no esforço e tensão dos competidores - e a fotografia única de Leni geraram imagens consideradas por especialistas uma aula de estética e de hipervalorização do corpo, com efeitos obtidos a partir de closes muito próximos ou de enquadramentos de baixo para cima, que davam aos atletas aspecto de estátuas gregas.
"É a glorificação da perfeição física que até hoje se irradia na propaganda, no design moderno, nos editoriais de moda. Se retirarmos a influência de Leni, provavelmente ainda estaríamos no século 19, do ponto de vista visual", diz Vicente Amorim, cineasta brasileiro que, em 2008, dirigiu o longa-metragem Um Homem Bom.
Triunfo da propaganda

A aproximação de Leni com Hitler aconteceu em 1932, quando ela dirigiu seu primeiro filme, A Luz Azul, juntamente com o húngaro Bela Balázs, um dos críticos mais influentes nos anos 30 e 40. Abordava a história de uma jovem montanhesa, representada pela própria diretora, em busca de uma pedra que projetava luminosidade singular. Antes disso, ela havia atuado como atriz em seis películas do alemão Arnold Fanck, especialista em filmes de montanha, que impressionaram muito a artista. Rodados em penhascos e em meio a avalanches, há quem diga que veio daí "o culto à monumentalidade" de Leni.

Mas foi Balázs quem apresentou a ela O Couraçado Potemkin, obra-prima do russo Sergei Eisenstein, famoso por suas teses sobre a montagem dialética, que dizem que as sensações de um filme podem ser construídas. Conversando sobre essas teorias com Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, Leni caiu rapidamente no gosto do chanceler da Alemanha, que, dizem as más línguas, sempre teve uma quedinha por ela - questionada, a diretora afirmou que, para Hitler, fez apenas documentários.

E que documentários. Depois do inexpressivo Vitória da Fé, de 1933, sobre o quinto congresso do partido nazista, ela foi convencida por Hitler a produzir um longa-metragem sobre o sexto congresso. Foi sua obra-prima e sua condenação. O encontro partidário, marcado para setembro de 1934, em Nuremberg, transformou-se no filme O Triunfo da Vontade, extraordinária peça de propaganda. A logística de produção foi apoteótica para a época: mais de 100 técnicos e 30 câmeras. Segundo a própria Leni, no documentário The Wonderful Horrible Life of Leni Riefenstahl ("A maravilhosa vida horrível de Leni Riefenstahl"), de Ray Müller, feito em 1993, Hitler queria "um filme feito por um artista, e não por um diretor de partido".

Para sua realização, ela desenvolveu truques e artifícios até então inéditos. Por exemplo, um elevador construído e encaixado entre os mastros das enormes bandeiras do partido permitiu mover a câmera da esquerda para a direita e de cima para baixo, e fazer longos travellings (quando a câmera se desloca de forma contínua). Outro recurso, diz André Piero Gatti, pesquisador do Centro Cultural São Paulo e professor de História do Cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), foram "câmeras muito próximas (close-ups) que tornaram agigantados objetos simples e contribuíram para a distorção da escala, para a captação em imagens de uma espécie de místico poder absoluto, escondendo atrás de uma beleza plástica a podridão de um regime".

Para o filósofo Paul Virilio, no livro Guerra e Cinema, "o evento foi organizado de maneira espetacular, não somente do ponto de vista de uma reunião popular, mas de modo a fornecer material para um filme de propaganda". Tudo foi determinado em função da câmera: os rostos voltados para o mesmo lugar, os braços levantados em cumprimento nazista, as ruas apinhadas de gente, que se fundem em um grande corpo, o conceito-chave da unidade alemã.


Dois anos depois é que veio o documentário Olympia, que fez dos jogos uma celebração do corpo e do Terceiro Reich. Leni era linda, talentosa e mulher, numa área dominada por homens. Mas foi a cineasta de Hitler. E a vinculação ao nazismo a perseguiu para sempre. Até a morte, aos 101 anos, em 2003, ela afirmou desconhecer os crimes cometidos por seus patrocinadores.

No fim da Segunda Guerra, a cineasta foi presa por quatro anos. Solta, tentou filmar, mas foi hostilizada pela opinião pública. Trabalhou então como fotógrafa. Nos anos 70, lançou dois livros sobre os nubas, tribo do Sudão com quem passou seis meses nos anos 60, fotografando obsessivamente. Esse material forma o que os críticos consideram seu mais importante ensaio. Cobriu os Jogos Olímpicos de Munique (1972) para a revista Time e fotografou celebridades, como Mick Jagger. Nos anos 80, mergulhou no silêncio da fotografia submarina, que resultou no filme Impressões Subaquáticas (2002).


Receita para fazer voar
Muitas câmeras para seguir o mergulho

Em 1932, houve uma tentativa de filmar os Jogos Olímpicos de Los Angeles. Mas eram poucas câmeras e para poucas modalidades. Em 1936, nos jogos de Berlim, Leni Riefenstahl produz um documentário com uma superestrutura de produção. A imagem dos mergulhadores no ar virou um marco para a foto esportiva. Operadores trocavam lentes embaixo da água para acompanhar a parte final dos saltos, criando uma sequência sem pausas, do início ao fim das provas. Hans Ertl, fotógrafo-chefe, criou uma câmera subaquática e uma plataforma de apoio para filmar ao nível da superfície. Leni subverteu o ponto de vista clássico "de plateia", em troca de ângulos inesperados.

Do trampolim

Saltos filmados em plongée (de cima para baixo) e de baixo para cima, do trampolim, dão impressão de voo. De uma plataforma ao nível da água, a câmera pega a hora do mergulho.

Do céu

Um dirigível levava uma câmera automática, com objetivas de até 600 mm, o limite máximo da época. O resultado eram panorâmicas aéreas do evento e do mergulho.

Dentro d'água

Equipamentos à prova d'água filmam o fim do mergulho. Diferentes lentes captam detalhes do músculo, da respiração e da expressão dos atletas.

Saiba mais

LIVRO

Leni - The Life and Work of Leni Riefensthal, Steven Bach, Knopf, 2007

Biografia que explora as fronteiras éticas entre arte, beleza e verdade, muito crítica às escolhas feitas pela cineasta.

SITES
Fotos, informações sobre a artista, críticas e dados técnicos.

Fonte: Aventuras na História, Bruno Vieira Feijó | 20/07/2009


Publicado originalmente em 11/12/13

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Universidade de Cambridge lança "Write and Improve", corretor online gratuito de textos em inglês

Cambridge lança ferramenta online e gratuita que corrige seus textos em inglês na hora

Que tal escrever um texto em inglês e contar com a equipe da Universidade de Cambridge para corrigi-lo? Agora isso é possível, já que o departamento sem fins lucrativos da instituição, Cambridge English Language Assessment, criou a ferramenta Write and Improve, que corrige em tempo real e de forma gratuita as redações de seus usuários.

Através da ferramenta, que está dividida por níveis (iniciante, intermediário e avançado), pode-se escrever emails sobre a vida cotidiana, textos de apresentação, redações direcionadas para solucionar problemas como extravio de bagagem e até cartas de apresentação para empregos.

Funciona assim: você envia a redação e em segundos o Write and Improve a analisa e a devolve em uma tela ao lado, com comentários sobre gramática, vocabulário e feedbacks do que pode ser melhorado. Pode-se então refazer o texto, levando em conta as considerações da equipe do Cambridge para submetê-lo novamente a correção.

O Write&Improve conta ainda com um gráfico que mostra o progresso do usuário e o seu nível de evolução, levando em conta quantas vezes a redação foi re-escrita. Quando ele sobe de nível, é presenteado com selos comemorativos, que podem ser partilhados com outros usuários da plataforma.

Fonte:  Nômades Digitais,  02/04/17, Foto: Wiki Commons

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Em quadrinhos, a vida de Olympe de Gouges, uma das pioneiras na luta pelos direitos das mulheres

Abaixo texto sobre o lançamento da versão, em quadrinhos, de Olympe de Gouges, uma das pioneiras na luta pelos direitos das mulheres já na época da Revolução Francesa. Para se ver como aquela história de que o feminismo é fruto do marxismo cultural da Escola de Frankfurt é pura vigarice de conservador.

Apesar do inacreditável preço de R$88,00 (acho que foi para combinar com as 488 páginas do livro), sobrando alguma grana, vale comprar a HQ. Sabidamente, as HQ são bem mais acessíveis do que os textos corridos.

Vida de Pioneira Feminista lançada em quadrinhos no Brasil

Fiquei sabendo hoje que a editora Record lançou no Brasil uma biografia em quadrinhos da (proto)feminista Olympe de Gouges. Para quem não a conhece, trata-se de uma jornalista e autora de peças de teatro francesa que militou na Revolução e, com o passar do tempo, sentiu-se decepcionada com os rumos da mesma, especialmente em relação aos direitos das mulheres. Assim como Abgail Adams, que pleiteou direitos iguais para as mulheres e acesso ao voto durante a Revolução Americana, Gouges o fez na França. Só que a futura primeira-dama norte americana usou cartas privadas ao marido, enquanto Gouges publicou, em 1791, um manifesto “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã” como reação a nova constituição que negava direitos iguais às mulheres. Lembro de ter lido parte do texto anos atrás e um dos argumentos da autora era particularmente agudo, se as mulheres podem ser condenadas a todas as penas, prisão ou morte, da mesma forma que os homens, deveriam poder gozar dos direitos que seus compatriotas tinham.

O (bom) governo revolucionário, especialmente quando caiu nas mãos dos jacobinos, começou a cercear a participação política feminina, algo muito presente no início da Revolução. Além disso, houve a perseguição sistemática dos inimigos da Revolução e, conseqüência direta de um governo autoritário, do partido. No auge do chamado Terror, era muito fácil ir parar na guilhotina, Gouges, que se tornará crítica aguda dos rumos da revolução, iria ser condenada mais cedo, ou mais tarde. Denunciada, guiou os sujeitos que foram prendê-la até seus escritos. Presa e acusada, acabou assumindo sua própria defesa e, algo muito comum, terminou condenada e executada em 3 de novembro de 1793. 


Enfim, o quadrinho publicado aqui no Brasil é francês, uma bande-desinée, portanto, é de autoria de José-Louis Bocquet e Catel Muller e foi publicada em 2012 (*a nota da Record diz que a BD foi premiada em Angoulême em 2008, mas nos sites franceses a data de lançamento é 2012, não sei se procede*). A edição da Record tem 488 páginas e um preço que eu até agora não consegui compreender, R$88. Não fosse isso, eu compraria sem piscar. De qualquer forma, é mais um material importante, porque mostra aquilo que muitos livros de História e professores da disciplina omitem ou não tem conhecimento, a participação ativa das mulheres nas grandes revoluções, sua ação política e produção intelectual. Espero poder comprar este volume em breve.

Ah, sim! Para uma visão mais acadêmica da ação de Olympe de Gouges recomendo o livro de Joan W. Scott, uma das maiores teóricas e historiadoras feministas, A cidadã paradoxal: as feministas francesas e os direitos do homem. Acredito que esteja esgotado, mas deve ter para baixar por aí.

Fonte: Blog Shoujo Café, 25/04/2014

Publicado originalmente em 06/05/2014

terça-feira, 4 de abril de 2017

A Presença das Mulheres na Filosofia

"Quantas filósofas conhecemos? Quantas filósofas brasileiras conhecemos?
Não adianta falarmos que não existe mais machismo na filosofia,  nem conservadorismo,
se não encontramos, na prática, a presença das mulheres nestes setores"
Procurando sobre o tema "mulher e filosofia'", encontrei a entrevista abaixo com a professora e pesquisadora Juliana Pacheco, feita pela escritora Monica Marques para o site da revista Capitu, bem como o texto "As Mulheres entram na filosofia" (clique no link para baixar) da professora de filosofia Maria Luísa Ribeiro Ferreira da Universidade de Lisboa. Assim como nas ciências, em particular nas exatas, a contribuição das mulheres na filosofia sempre foi subestimada e invibilizada. Resgatar essa contribuição é, portanto, também de grande importância. E, falando nisso, retifico a declaração da Juliana Pacheco de que a mundialmente famosa filósofa Martha Nussbaum tem um único livro traduzido para o português. De fato, já são 4 os livros: Sem fins Lucrativos, Fronteiras da Justiça, A fragilidade da bondade e Educação e Justiça Social. Seguem as capas.





Também é possível baixar os dois livros da Juliana Pacheco, clicando nos seguintes links:  Filósofas: A Presença das Mulheres na Filosofia e Mulher e Filosofia: As Relações de Gênero no Pensamento Filosófico. Boa leitura!

Filósofas — Invisibilidade e Luta

Falar de mulher e filosofia ainda é algo que gera uma estranheza, pouca aceitabilidade e credibilidade. O que existe é a falta de reconhecimento dos trabalhos produzidos pelas mulheres

Quando pensamos em filosofia, quase espontaneamente vem à mente a clássica imagem de homens velhos e sábios. Também é assim na política. Muito dificilmente a imagem de uma mulher se refere a ela enquanto agente político ou intelectual. Da mesma forma como se apagou a resistência dos negros frente ao racismo, apagou-se da história a maioria das mulheres que, contrariando as privações a que eram (e ainda são) submetidas, produziram conhecimento e agiram politicamente.

O que devemos perguntar é: mas será que não existiram mesmo? Quem são e a quem interessa esse apagamento e ocultação?

A professora e pesquisadora Juliana Pacheco organizou dois livros a fim de desmistificar o pensamento filosófico como atividade essencialmente masculina. O mais recente, lançado no fim de 2016, Filósofas: A Presença das Mulheres na Filosofia, e um de 2015, Mulher e Filosofia: As Relações de Gênero no Pensamento Filosófico, com prefácio da filósofa Marcia Tiburi, ambos disponíveis em pdf no site da Editora Fi. Conversamos com ela sobre o legado das mulheres para história da filosofia, a apropriação do conhecimento produzido por mulheres (sem creditá-las, obviamente), a percepção da mulher na filosofia ontem e hoje, e mais!

Juliana nasceu em 1986, no Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre, onde leciona Filosofia, na rede privada, para o ensino médio, Educação para Jovens e Adultos (EJA) e educação infantil. Realiza pesquisas sobre as mulheres na história da filosofia, desde 2009, buscando resgatar a presença e importância das mesmas no campo filosófico. Em 2015 organizou o primeiro evento da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul (RS) sobre as mulheres na filosofia, o qual resultou no Mulher e Filosofia. Em 2017 seus dois principais projetos são a organização de um terceiro livro, Filósofas Latino-Americanas, e um trabalho ligado à filosofia para crianças.

Como nasceu o Filósofas e o que a motivou a organizá-lo?

A ideia deste livro nasceu na época em que eu ainda cursava a graduação em filosofia, na PUC/RS, no ano de 2009. Logo que entrei no curso foi notória a presença predominante da figura masculina, tanto em relação aos colegas como aos professores, e principalmente aos conteúdos aplicados em aula. Ou seja, eram mencionados e trabalhados apenas conceitos e teorias de filósofos homens.

Devido a essa “ausência” feminina, comecei a pesquisar sobre as mulheres dentro da filosofia e descobri a existência de muitas filósofas; e que, por vários fatores, elas foram ocultadas da história da filosofia. Era impressionante ver o espanto e surpresa de colegas quando eu comentava sobre a existência de filósofas desde a Antiguidade, pois acreditavam no que sempre ouviram falar: que a filosofia foi “construída” pelos homens. Foi percebendo a importância e emergência desta questão que surgiu a motivação para a criação e organização do livro, o qual, além de trazer a presença dessas mulheres filósofas, busca de certa forma reparar e até mesmo fazer justiça com as pensadoras que contribuíram para a história do pensamento filosófico. Dessa forma, procura-se evidenciar a presença de filósofas mulheres, mostrando que a filosofia não é apenas tecida por mãos masculinas, e que a “faculdade do pensar” não se restringe aos homens.

Qual o legado das filósofas para a história da filosofia?

As filósofas contribuíram bastante para a história da filosofia, principalmente em relação ao aspecto existencial, mostrando que qualquer ser humano é capaz de filosofar e que sua condição não está determinada por aspectos biológicos e/ou naturais. Digo isso no sentido de que as mulheres precisaram questionar, refletir e romper com a condição existencial imposta a elas. Elas tiveram um trabalho dobrado e difícil, de se autoanalisar e lutar pelo direito de “pensar”. Partindo das filósofas mais antigas, podemos mencionar Aspásia de Mileto, que possuía a arte do bem falar, tendo sido ela a ensinar retórica a Sócrates — como consta no diálogo Menêxeno, escrito por Platão. Isso muda toda aquela tradição em que a oratória era algo desenvolvido e aperfeiçoado pelos homens.

Já na Idade Média, podemos mencionar Christine de Pizan, uma filósofa e poetisa que tratou de diversos assuntos, tendo como marca principal a defesa das mulheres. Enfatizou a questão do acesso à educação para as mulheres, dizendo que se fosse dado a elas o mesmo ensinamento que os homens recebiam, não haveria essa diferença entre os sexos. Isso mostra uma visão social e política a frente de seu tempo. Na modernidade, a filósofa Olímpia de Gouges também se dedicou às questões dos direitos das mulheres e dos desfavorecidos. Ela criou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã para rebater a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, buscando promover uma sociedade igualitária.

Quando a mulher se destaca em alguma descoberta ou estudo, há sempre uma justificativa, de modo a afirmar que a sua capacidade se deve ao ensinamento, orientação e/ou parceria com algum homem

Na contemporaneidade, a filósofa Simone de Beauvoir também contribuiu bastante com as questões sobre a emancipação e os direitos das mulheres. Sua famosa frase “não se nasce mulher, torna-se” ganhou muita repercussão, principalmente entre as feministas, pois mostra a raiz do problema da existência feminina, que é a questão da condição estabelecida pela sociedade. Ou seja, na medida em que se nasce “mulher”, a criança já começa a ser moldada conforme as regras femininas de comportamento, vestimenta, gostos, hábitos etc.

Poderia mencionar inúmeras filósofas e seus conceitos e contribuições, mas, de modo geral, percebemos que o maior legado das filósofas para a história da filosofia está centrado na área da filosofia política, pois elas tiveram que se libertar do privado e conquistar o público para serem notadas e ouvidas. Se essas questões e ações políticas não tivessem acontecidos, as mulheres ainda estariam presas no campo doméstico sem ter a chance de pensar sua existência, ou seja, sem tem a chance de fazer filosofia. Além dessa contribuição geral, há as contribuições mais específicas, como o conceito de “banalidade do mal”, da filósofa Hannah Arendt; o objetivismo de Ayn Rand; a junção de ativismo político com teoria filosófica da filósofa Iris Young; o “marxismo” de Rosa Luxemburgo, entre tantas outras.

Uma das questões levantadas no livro que mais me fascinaram é a apropriação de conhecimentos e ideias de mulheres pelos homens sem que, contudo, haja reconhecimento quanto a autoria. Gostaria que comentasse alguns exemplos dessas apropriações indevidas e falasse um pouco sobre isso.

As questões de apropriações indevidas decorrem da dificuldade em reconhecer a capacidade cognitiva das mulheres. Quando a mulher se destaca em alguma descoberta ou estudo, há sempre uma justificativa. Geralmente essas justificativas são feitas de modo a colocar a figura masculina sobre a feminina, no sentido de que a capacidade e habilidade de determinada mulher se deva ao ensinamento, orientação e/ou parceria com algum homem. Podemos pensar no caso da Simone de Beauvoir, a qual é colocada sempre como a parceira de Sartre, sem ser vista como produtora intelectual autônoma, inclusive muitos dizem que seus escritos estão embasados nos conceitos deste filósofo. Mas por que não pode ter sido o contrário? Por que muito da teoria existencialista de Sartre não pode estar embasada nas concepções de Simone? Afinal, eles eram parceiros intelectuais também, trocavam ideias, conhecimentos, faziam debates, dialogavam entre eles, e isso gerava influência — seja direta ou indireta — no momento de construírem seus conceitos e teorias.
A visão de que a mulher é naturalmente um ser medíocre, incapaz, submisso e inferior ao homem, percorre tanto os filósofos antigos como os contemporâneos, o que muda é a maneira como cada um deles aborda essa visão

Podemos pensar também o caso da filósofa Diotima de Mantinea, a professora de Sócrates. A presença de Diotima é encontrada no livro de Platão O Banquete. Nesta obra, Sócrates anuncia que todo seu conhecimento sobre a teoria do amor foi ensinado pela sua mestra Diotima de Mantinea. Contudo, ainda há muita resistência em se considerar que a grande figura da filosofia, Sócrates, tenha sido pupilo de uma mulher. Essa resistência é percebida no momento em que se coloca a existência desta filósofa em dúvida, pois a única informação que temos a respeito dela está nessa obra de Platão; dizem que ela pode ter sido somente uma personagem. Porém, não vemos com tanta insistência ou relevância a existência de Sócrates sendo colocada em dúvida, já que igualmente só sabemos da existência dele pelas obras de Platão. Sócrates continua sendo trabalhado e mencionado nos cursos, filmes são feitos sobre sua vida como filósofo; em relação a Diotima nada é feito, nem ao menos reconhecê-la como figura responsável pela genealogia do amor.

Outro exemplo importante a ser mencionado aqui é o filósofo René Descartes. Ninguém sequer imagina que esse influente filósofo obteve ajuda, estímulo, informações de mulheres no momento de aperfeiçoar seus conceitos e teorias. Para o fechamento do sistema cartesiano, as indagações e provocações dessas mulheres foram essenciais, pois fizeram com que Descartes se autoquestionasse, ou melhor, que problematizasse suas próprias afirmações e teses. Uma dessas mulheres a contribuir para a teoria cartesiana foi a Elisabeth de Boêmia, que trocou diversas cartas com esse filósofo, abordando medicina, metafísica, psicologia, entre outros temas.

No entanto, esses mesmos filósofos, segundo mostra o livro, têm opiniões bastante “interessantes” sobre as mulheres. Gostaria que você comentasse um pouco sobre a percepção dos filósofos acerca das mulheres ao longo do tempo.

Podemos dizer que, ao longo da história, os filósofos reforçaram e estabeleceram o papel das mulheres dentro da sociedade, colocando-as sempre numa posição de inferioridade e subordinação. A visão de que a mulher é naturalmente um ser medíocre, incapaz, submisso e inferior ao homem, percorre tanto os filósofos antigos como os contemporâneos, o que muda é a maneira como cada um deles aborda essa visão. Alguns foram mais diretos, outros mais sutis. Platão, quando utiliza no Timeu o mito da criação do homem, só reforça a ideia de que a mulher é um ser pecaminoso e indigno. Aristóteles ao constatar masculino e feminino como contrários, colocando o feminino como a privação do masculino, está reforçando a ideia de que a mulher deve se privar e se submeter a vontade de seu contrário, o homem. Kant, ao tratar da questão da menoridade intelectual, vai afirmar que, apesar de alguns homens pensarem de modo autônomo, as mulheres não possuem essa capacidade, ou seja, todas elas são menores intelectualmente, dependendo do pensamento e orientação de outros. Spinoza, ao falar da democracia em seu Tratado Político, exclui a participação das mulheres, apelando para questões biológicas e naturais. Rousseau atribui às mulheres apenas a função doméstica (mãe e esposa), justificando isso pela questão física, de que a mulher é menos forte que o homem, e pela questão da maternidade, que limita sua independência.
As mulheres na filosofia estão aí, querendo entrar, porém, pouquíssimas portas se abrem, causando a impressão de que apenas os homens gostam e podem fazer filosofia

São muitos os filósofos que descreveram negativamente as mulheres, mas gostaria de referenciar uma visão positiva, a de John Stuart Mill, um dos poucos filósofos não misóginos, que reconheceu a mulher como um ser capacitado intelectualmente. Em seu livro A Sujeição das Mulheres, esse filósofo tenta mostrar o equívoco de se considerar a mulher como portadora de uma natureza subalterna. Ele vai dizer que não se pode conhecer a capacidade das mulheres porque nunca houve a chance delas mostrarem. Assim, não há como afirmar que as funções exercidas por cada sexo em nossa sociedade estão adaptadas a sua natureza.

Gostaria de saber ainda se essas opiniões são presentes em certa medida em nossa sociedade e se afetam a autocompreensão das mulheres e a sua entrada no campo filosófico.

Infelizmente, essa visão misógina e machista permeia nossos dias atuais, sendo difícil, para nós mulheres, o reconhecimento não só no campo filosófico como nos demais setores da sociedade. A figura feminina ainda está ligada apenas ao emocional, sendo distanciada da racionalidade. Assim, falar de mulher e filosofia ainda é algo que gera uma estranheza e consequentemente pouca aceitabilidade e credibilidade. Não existem poucas mulheres interessadas por filosofia ou uma ausência de filósofas atualmente, o que existe é a falta de reconhecimento dos trabalhos dessas mulheres.

E por que isso ocorre em pleno século XXI? Porque ainda vivemos — por incrível que pareça — numa sociedade patriarcal, que influencia e interfere no próprio desenvolvimento de quem faz filosofia, levando a acreditar na falsa ideia de que a capacidade racional é exclusividade masculina. Isto é um problema gravíssimo, pois leva ao conservadorismo e “aniquila” com um dos principais pontos da filosofia: a busca pelo conhecimento verdadeiro. Por isso, o que precisa ficar claro é que, mesmo as mulheres sendo relegadas, existiram e existem um número significativo de mulheres produzindo filosofia, e que as mesmas não são incapacitadas filosoficamente, mas rejeitadas e excluídas deste campo, sem haver o devido espaço e reconhecimento para suas produções e trabalhos.
Um colega verbalizou: A Tiburi é uma mulher inteligente, ela não sabe só sobre feminismo e mulheres”. Muitas coisas podemos tirar desta afirmação, principalmente o machismo e preconceito, tanto em relação a Tiburi quanto em relação ao que deve ser considerado filosófico ou não

Até pouco tempo se acreditava que na Idade Antiga não existiram filósofas, mas agora sabemos que elas foram ocultadas. Dessa forma, podemos pensar da mesma maneira a “entrada” hoje das mulheres na filosofia: elas estão aí, querendo entrar, porém, pouquíssimas portas se abrem, causando a impressão de que apenas os homens gostam e podem fazer filosofia.

Como é hoje a percepção sobre as mulheres na filosofia? Desde a entrada na faculdade, o tratamento dispensado por professores e colegas, até o respeito e interesse pela produção feminina etc.

Ainda encontramos muito preconceito e discriminação hoje no que diz respeito a percepção sobre as mulheres na filosofia. Não é fácil romper com anos de discursos machistas revestidos com falsas verdades. Porém, há uma pequena diferença, a qual costumo chamar de “era da sutileza”, pois, atualmente, a maioria dos acontecimentos preconceituosos e discriminatórios estão camuflados, ocorrendo de forma sutil, deixando dúvida se de fato é algo machista e/ou misógino.

Se antigamente a maioria dos filósofos buscou naturalizar a condição das mulheres, hoje em dia, ainda se carrega muito disso, e se busca naturalizar algumas atitudes machistas com um discurso não-intencional, que distorce os acontecimentos e argumentos. Para comprovar que isso ainda é algo presente, é só pensarmos e analisarmos os fatos, como o número de mulheres nos cursos de filosofia. É menor o número de professoras de filosofia lecionando nas escolas e nas universidades, assim como o número de alunas nos cursos de graduação. A ausência de professoras de filosofia, não se dá por haver poucas mulheres, mas por causa das instituições de educação, que acabam, de certa forma, dando preferência para os homens. Em relação as alunas, muitas mulheres se interessam por filosofia e outras áreas consideradas de “cunho masculino”, porém, a discriminação e desvalorização que elas sofrem conduzem-nas ao distanciamento, fazendo-as acreditar que essa é uma área em que a atuação masculina é mais válida.

Quando cursei filosofia na PUC/RS, tinha apenas uma professora mulher, sendo que ela só lecionava a disciplina de didática e estágio. Na pós-graduação, o corpo docente era formado somente por homens (e continua sendo). Por que esta professora mulher não ministrava disciplinas como filosofia moderna, metafísica ou tantas outras? Pensemos também na pergunta: Quantas filósofas conhecemos? Reduzindo a pergunta: Quantas filósofas brasileiras conhecemos? Isso só mostra que não adianta falarmos que não existe mais machismo na filosofia, nem conservadorismo, se não encontramos, na prática, a presença das mulheres nestes setores, se não vemos o reconhecimento de suas produções, se não trabalhamos suas teorias e conceitos nas salas de aula.

Destaco um episódio que aconteceu comigo na época da graduação, quando conversava com um colega sobre a filósofa Marcia Tiburi. Em certo momento esse colega verbalizou: “A Tiburi é uma mulher inteligente, assisti a um vídeo dela falando sobre Adorno e outros filósofos, ela conhece mesmo, não sabe só sobre feminismo e mulheres”. Muitas coisas podemos tirar desta afirmação, principalmente o machismo e preconceito, tanto em relação a Tiburi, quanto em relação ao que deve ser considerado filosófico ou não. Outro episódio que ajuda a elucidar essas sutilezas foi quando estava apresentando em um evento acadêmico uma comunicação sobre as mulheres na filosofia. Ao mencionar a visão positiva do filósofo John Stuart Mill sobre as mulheres, um dos estudantes de doutorado em filosofia comentou: “Stuart Mill só escreveu esse livro para ‘pegar’ mulher”. Esse comentário gerou muitos risos, mostrando o quanto, nós mulheres, ainda temos que enfrentar dentro deste espaço.

Quais filósofas atualmente se destacam no Brasil e no Mundo e quais suas principais contribuições?

Muitas mulheres, mesmo com as barreiras, estão aos poucos conquistando espaço e visibilidade. Posso sublinhar algumas, escondidas por esse Brasil. Uma delas é Marcia Tiburi, que vem ganhando destaque e sendo considerada a “filósofa pop”. Ela já escreveu diversos livros e seu trabalho está bastante voltado para a área da filosofia política e feminismo. Um dos seus livros que mais apareceram no ano passado e que considero de extrema importância para a atual situação política do Brasil é o Como Conversar com um Fascista. Neste livro ela trata de analfabetismo político, discurso de ódio, alienação, pensamento heterônomo, entre outros problemas. O que particularmente gosto no trabalho de Tiburi, é a forma como ela desenvolve suas ideias e conceitos com uma linguagem acessível, possibilitando que o conhecimento chegue para todas as pessoas.

Outra filósofa brasileira a se destacar é Marilena Chauí, que já tem mais de vinte livros publicados e que também é bastante envolvida com a filosofia política, adotando claramente a posição de esquerda, tendo fortes influências marxistas, envolvendo-se com a luta de classes e defendendo os direitos das minorias. Chauí, como Tiburi, é uma filósofa que expõe suas ideias e ideologias sem medo, com uma coragem que conduz à reflexão crítica, deixando enxergar além da obviedade.

Não posso deixar de mencionar a filósofa Djamila Ribeiro, que vem ganhando espaço ao desenvolver trabalhos sobre gênero, feminismo e racismo. Em 2015 escreveu o prefácio do livro Mulheres, Raça e Classe, da filósofa Angela Davis, que foi o primeiro a ser traduzido para o português.

Agora, falando das filósofas que se destacam no mundo, começo citando Judith Butler, uma pensadora que veio para romper com os paradigmas sociais, desconstruindo a visão binária de gênero, procurando mostrar que os seres humanos devem ser livres na construção de sua identidade. Outra filósofa é Angela Davis, que continua em evidência até hoje. As obras dessa filósofa refletem e questionam como o racismo, o sexismo e o capitalismo criam uma sociedade opressora. Suas últimas produções têm se voltado ao sistema carcerário americano. Em seu livro As Prisões são Obsoletas?, mostra que o verdadeiro propósito das prisões não está em solucionar os problemas sociais, mas apenas em deslocá-los, fazendo com que as pessoas não pensem sobre os problemas da sociedade, principalmente os produzidos pelo racismo e pelo capitalismo. Outra filósofa conhecida mundialmente e que ainda tem apenas um livro traduzido para o português é Martha Nussbaum (N.E. não confere. Ela já tem 4 livros traduzidos no Brasil) Ela está entre os principais intelectuais que mais tem pensado e falado sobre a questão das humanidades. Seus trabalhos estão voltados à filosofia política, à educação, à economia, à ética, entre outros assuntos.

Fonte: Revista Capitu, por Monica Marques

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Embora maioria no mundo dos videogames, mulheres sofrem com o machismo do mundo virtual


Maioria nos jogos, mulheres sofrem com machismo e assédio nos games
Abusos recorrentes na vida real também assombram as jogadoras no mundo virtual. Atualmente, elas representam 52,6% do mercado brasileiro

As mulheres já são maioria no mundo dos videogames. Apesar dessa presença maciça — segundo a consultoria Game Brasil, as jogadoras representam 52,6% desse universo —, elas ainda sofrem com o machismo, preconceito e assédio durante as partidas.

Jogadora assídua de “GTA V”, “COD Ghosts”, “Destiny” e “Overwatch”, a estudante Giulia Chermont, de 18 anos, já foi assediada durante uma partida on-line. Acostumada a jogar com amigas, justamente para evitar esse tipo de abuso, ela se aventurou na modalidade aberta (na qual os times são formados aleatoriamente com usuários conectados) e deu muito errado.
Um dia jogando com umas amigas, precisávamos de mais pessoas no time e um homem caiu em nossa partida. Ele ficou do início ao fim dando em cima de nós e dizendo: ‘Quando você vai me chamar pra ir na sua casa? Faremos coisas legais’; ‘Quer que eu vá aí matar essa aranha pra você?’; ‘Vocês têm namorado? Podiam ter, não sou ciumento’; ‘Passem o número do celular de vocês, eu não mordo’”, relata Giulia.



Para se proteger desse tipo de situação, a estudante prefere não utilizar os microfones para conversar com os participantes (para não descobrirem que se trata de uma mulher) e usar um apelido neutro.
Meu nickname é YUMECPO_13. Evito usar meu nome verdadeiro sempre”.
Durante o jogo, o assédio rola solto e sem punição. Além disso, para evoluir na carreira de gamer, as mulheres sofrem muito mais. Os e-sports ainda são predominantemente masculinos e as guerreiras virtuais enfrentam vários abusos.
Já fui recusada em vários times por ser mulher. Geralmente eles ficavam dando em cima de mim e me julgavam. Já fui zombada no meio de um campeonato e também somos rebaixadas no e-sport porque temos a famosa TPM”, diz a estudante de medicina veterinária Barbara Gayde, de 19 anos.
Atualmente, a jovem integra o time Project Harp, composto apenas por mulheres, que disputa campeonatos pelo Brasil.

No mundo amador, Barbara também sofreu com o preconceito, principalmente ao ouvir frases sexistas dos próprios colegas. 
São comentários como: ‘mulher não tem o mesmo nível de habilidade’, ‘certamente deve ser uma obesa ferrada na vida’, ‘devia estar me chupando’ e o clássico ‘seu lugar é na cozinha'”, relata.
Fonte: Metrópoles, por Thais Rodrigues, 30/03/2017

Ver também: Semana da Mulher: sexismo até contra garotas que jogam games 

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