quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Racialistas avançam seu projeto de dividir os brasileiros na base do preto ou branco

Racialistas querem separar essas mãos pra sempre
No mundo maniqueísta do esquerdireitismo, os fatos não são analisados em si mesmos mas sim pela moldura onde foram enquadrados. Parece aquela história dos pacotes de TV a cabo, onde a gente adquire à revelia um monte de canais pelos quais não tem interesse para poder ter acesso aos que interessam.

Nos pacotes do esquerdireitismo, se você é favorável, por exemplo, ao casamento de pessoas de mesmo sexo tem que ser compulsoriamente a favor de cotas raciais, embora sejam questões diametralmente opostas. No caso da primeira, o pleito do casamento LGBT vai ao encontro do artigo quinto de nossa constituição onde se lê que somos todos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Trata-se apenas de um direito que se estende a um segmento da população sem alterar em nada a vida dos que já o usufruíam. A oposição ao casamento entre pessoas de mesmo sexo é de fundo religioso e antidemocrática. 

No caso da segunda, as cotas raciais vão contra esse mesmo artigo, passando a distinguir pessoas pelo critério anticientífico e socialmente danoso de "raça" e a tratar seres humanos de forma diferenciada com base em cor de pele e "autodeclarações raciais". Neste caso, a oposição às cotas é democrática e, ao contrário do que pregam, antirracista, independente da posição do STF sobre o assunto (opinião, aliás, profundamente equivocada).

Neste mundo esquerdireitista, contudo, quem analisa os fatos pelo que são e não partir das molduras onde foram enquadrados sofre um bocado. O sociólogo Demétrio Magnoli, considerado de direita pela esquerdosa e de esquerda pela direitosa, tem sido uma das vítimas preferenciais da ala vermelha do esquerdireitismo. Como sempre se opôs - e com boa fundamentação - às nefastas cotas raciais é rotulado de reacionário racista. Em evento na Bahia, no dia 26 de outubro último, inclusive teve uma de suas palestras interrompida por estudantes racialistas que o acusaram de racista por não acreditar em "raças".

Num aparte pessoal, também perdi a conta das vezes que fui chamada de direitista reacionária, por integrantes dos movimentos esquerdiotizados da atualidade (esta semana já me xingaram mais uma vez), e de esquerdista, comunista (é mole?), feminazi, gayzista e tantas outras insânias que a conservalha evacua pela boca latrinária. Tá muito difícil a coisa!

Retornando, porém, ao tema dessa postagem, o tempo costuma dar a César o que é de César. As análises de Magnoli, sobre as nefastas cotas racistas, estão sendo confirmadas pelo andar da carruagem. Das cotas racistas para ingresso em faculdades passaram-se às cotas para pós-graduação (mas pra quê, se o aluno já está na universidade?). Agora, na terça (dia 05/11),  Dilma, fazendo média com os racialistas, validou projeto de cotas para o serviço público. Dias antes, em 30/10, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece cotas raciais na representação parlamentar do povo (sic).  Como bem aponta Magnoli (ver texto na íntegra abaixo), 
...as políticas de raça não são motivadas por um desejo de corrigir distorções derivadas da renda. O racialismo exibe-se, agora, como ele realmente é: um programa de divisão dos brasileiros segundo o critério envenenado da raça.
O Brasil e a ‘nação diaspórica’

Demétrio Magnoli
A gloriosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma viola-se diretamente o princípio fundamental da liberdade de voto. Por isso, a PEC de autoria dos petistas João Paulo Cunha (SP) e Luiz Alberto (BA) provavelmente dormirá o longo sono dos disparates nos escaninhos da Câmara. Mas ela cumpre uma função útil: evidencia o verdadeiro programa do racialismo, rasgando a fantasia com que se adorna no debate público.
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece cotas raciais na representação parlamentar do povo. Ignorando tanto a Constituição quanto a Justiça, a CCJ aprova qualquer coisa que emane de um grupo de interesse organizado, o que é um sintoma clamoroso da desmoralização do Congresso. Nesse caso,

O argumento ilusionista para a introdução de cotas raciais no ingresso às universidades residia na suposta desvantagem escolar prévia dos “negros” — algo que, de fato, é uma desvantagem prévia dos pobres de todas as cores de pele. A fantasia da compensação social começou a esgarçar-se com a extensão das cotas raciais para cursos de pós-graduação, cujas vagas são disputadas por detentores de diplomas universitários. A PEC aprovada na CCJ comprova que as políticas de raça não são motivadas por um desejo de corrigir distorções derivadas da renda. O racialismo exibe-se, agora, como ele realmente é: um programa de divisão dos brasileiros segundo o critério envenenado da raça.

De acordo com a PEC, na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas estaduais, será reservada uma parcela de cadeiras para parlamentares “negros” equivalente a dois terços do percentual de pessoas que se declaram pretas ou pardas no mais recente censo demográfico. As bancadas “negras” não serão inferiores a um quinto ou superiores à metade do total de cadeiras. Os deputados proponentes operam como despachantes de ONGs racialistas e expressam, na PEC, a convicção política que as anima: o Brasil não é uma nação, mas um espaço geopolítico no qual, sob a hegemonia dos “brancos”, pulsa uma “nação africana” diaspórica. A presença parlamentar de bancadas “negras” representaria o reconhecimento tácito tanto da inexistência de uma nação brasileira quanto da existência dessa nação na diáspora.

Os eleitores, reza a PEC, darão dois votos: o primeiro, para um candidato de uma lista geral; o segundo, para um candidato de uma lista de “negros”. A proposta desvia-se, nesse ponto, de uma férrea lógica racialista. Segundo tal lógica, os eleitores deveriam ser, eles também, bipartidos pela fronteira da raça: os “negros” votariam apenas na lista de candidatos “negros” e os demais, apenas na lista geral. A hipótese coerente não violaria o princípio da liberdade de voto, pois estaria ancorada num contrato constitucional de reconhecimento da nação diaspórica. Como inexiste esse contrato, os racialistas optaram por um atalho esdrúxulo, que escarnece da liberdade de voto com a finalidade de, disfarçadamente, inscrever a nação diaspórica no ordenamento político e jurídico do país.

Nações não são montanhas, rios ou vales: não existem como componentes do mundo natural. Na expressão certeira de Benedict Anderson, nações são “comunidades imaginadas”: elas podem ser fabricadas na esfera da política, por meio das ferramentas do nacionalismo. A PEC não caiu do céu. A “nação africana” na diáspora surgiu no nacionalismo negro do início do século XX com o americano W. E. B. Du Bois e o jamaicano Marcus Garvey. No Brasil, aportou cerca de três décadas atrás, pela nau do Movimento Negro Unificado, entre cujos fundadores estava Luiz Alberto. No início, a versão brasileira do nacionalismo negro tingia-se com as cores do anticapitalismo. Depois, a partir da preparação da Conferência de Durban, da ONU, em 2001, adaptou-se à ordem vigente, aninhando-se no colo bilionário da Fundação Ford. “Afro-americanos”, nos EUA, e “afrodescendentes”, no Brasil, são produtos identitários paralelos dessa vertente narrativa.

O acento americano do discurso racialista brasileiro é tão óbvio quanto problemático. Nos EUA, o projeto político de uma identidade negra separada tem alicerces sólidos, fincados nas leis de segregação que, depois da Guerra de Secessão, traçaram uma linha oficial entre “brancos” e “negros”, suprimindo no nascedouro a possibilidade de construção de identidades intermediárias. No Brasil, em contraste, esse projeto choca-se com a noção de mestiçagem, que funciona como poderoso obstáculo no caminho da fabricação política de raças. A solução dos porta-bandeiras do nacionalismo negro é impor, de cima para baixo, a divisão dos brasileiros em “brancos” e “negros”. As leis de cotas raciais servem para isso, exclusivamente.

As diferenças históricas entre EUA e Brasil têm implicação direta na gramática do discurso político. Lá, o nacionalismo negro é uma proposição clara, que provoca um debate público informado — e, quando Barack Obama se define como mestiço, emerge uma resposta desconcertante no cenário conhecido da polaridade racial. Aqui, os arautos do nacionalismo negro operam por meio de subterfúgios, escondendo-se atrás do pretexto fácil da desigualdade social — e encontram políticos oportunistas, juízes populistas e intelectuais preguiçosos o suficiente para conceder-lhes o privilégio da prestidigitação.

“Tirem a máscara!” — eis a exigência que deve ser dirigida aos nossos racialistas, na hora em que apresentam a PEC do Parlamento Racial. Saiam à luz do dia e conclamem o Brasil a escrever uma nova Constituição, redefinindo-se como um Estado binacional. Digam aos brasileiros que vocês não querem direitos iguais e oportunidades para todos numa república democrática, mas almejam apenas a condição de líderes políticos de um movimento racial. Vocês não têm vergonha de ocultar seu programa retrógrado à sombra da persistente ruína de nossas escolas públicas?

Fonte: O Globo, 07/11/2013

3 comentários:

Cota em representação parlamentar? Se a corrupção já come solta no governo... Onde mais vão querer implantar cotas? Em todos os órgãos públicos? No ensino básico? Nas empresas privadas? Nas igrejas? Nunca fui racista, mas não ando podendo ver certas cores sem ficar com raiva. Deve ser isso que querem mesmo, deixar todo mundo com ódio.

Seu texto é bom, mas pegou pesado contra os conservadores. Esqueceu que também somos contra cotas raciais. Portanto. não são só insânias que saem da boca "latrinária" da "conservalha", não é mesmo?

As insânias da conservalha estão bem definidas: xingar todo o mundo que não concorde com ela de esquerdista, comunista, gayzista, feminazi. Vai me dizer que esse tipo de terminologia não tem morada cativa na boca dos conservas? Qualquer pessoa pode constatar o que digo dando uma passeadinha em blogs, sites, e páginas em redes sociais da turminha da "tradição".

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