8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

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quinta-feira, 4 de abril de 2019

Documentários sobre guerras brasileiras: Questão indígena, Palmares, Paraguai, Revolução de 30, Crime Organizado

No Canal Curtas, você pode conferir a série documental, Guerras do Brasil, de cinco episódios de 26 minutos, sobre os fatos e as diferentes versões dos principais conflitos armados da história do país, como as guerras da conquista, Palmares, Guerra do Paraguai, Revolução de 30 e a guerra do tráfico. A narrativa será costurada pelos depoimentos dos principais conhecedores dos fatos. Clips de imagens com trilha utilizando imagens de arquivo e ilustrações darão um ritmo ágil aos programas, permitindo ao espectador visualizar os acontecimentos e compreender a história do país a partir do seu cerne: o conflito.

Segue abaixo os horários e dias das exibições em abril e maio. Clique nos títulos para ir ao site de exibição.

Trecho disponível
As Guerras da Conquista 
De Luiz Bolognesi
Com Ailton Krenak, Carlos Fausto, João Pacheco de
 Oliveira
, Pedro Luis Puntoni, Sônia Guajajara
A guerra da conquista ainda não acabou.Veja como,
ao longo da história, a população indígena foi dizimada e segue sua
luta, até os dias de hoje, pela demarcação de terras.
Próxima Exibição: Sexta-feira, 19/04/2019 às 23:30 [daqui a 16 dias]
Trecho disponível
As Guerras de Palmares 
Com Jean Marcel Carvalho França, Laura Perazza
 Mendes
, Luiz Felipe de Alencastro, Marcelo Salete,
  Zezito de Araújo
"A guerra dos Palmares" escancara um período que deixa marcas no
país até hoje, desenvolvendo uma  sociedade racista e preconceituosa.
Próxima Exibição: Sexta-feira, 26/04/2019 às 23:30 [daqui a 23 dias]
Trecho disponível
A Guerra do Paraguai 
De Luiz Bolognesi
Com Francisco Doratioto, Guido Rodrí­guez Alcalá,
Júlio Chiavenato, Mary Del Priore, Rodrigo Goyena
Soares

Entenda o maior conflito armado da América do sul, a "Guerra do
Paraguai".
Próxima Exibição: Sexta-feira, 3/05/2019 às 23:30 [daqui a 30 dias]
Trecho disponível
A Revolução de 1930 
De Luiz Bolognesi
Com Andréa Casa Nova, Angela de Castro Gomes,
Boris Fausto, Cláudia Viscardi, Mauricio Puls
Os acontecimentos que puseram fim a velha república. Entenda a
disputa eleitoral que levaria ao poder, no voto, o Paulista Júlio Prestes e
a ascensão do Gaúcho Getúlio Vargas.
Próxima Exibição: Sexta-feira, 10/05/2019 às 23:30 [daqui a 37 dias]
Trecho disponível
Universidade do Crime 
De Luiz Bolognesi
Com
Bruno Paes Manso, Camila Nunes Dias, Carlos
Amorim
, Hélio Luz, José Beltrame
“A Guerra do Tráfico" Relata a falência do sistema prisional Brasileiro
 e apresenta um pouco da estrutura do crime organizado no país.
Próxima Exibição: Sexta-feira, 17/05/2019 às 23:35 [daqui a 44 dias]

Fonte: Canal Curta, Guerras Brasileiras.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Tereza de Benguela, a líder quilombola contra a escravidão

Tereza de Benguela
Com a ampliação da colonização portuguesa, foi criada a capitania de Mato Grosso, em 1748, e a povoação de Vila Bela, em 1752, às margens do rio Guaporé. Para lá foram levados escravos negros que atuavam em todos os níveis da vida econômica local: como mineradores, na criação de gado bovino, em pequenas iniciativas agrícolas, na caça e na pesca, e até como forças militares contra os vizinhos castelhanos, que também disputavam os territórios de fronteira. Como forma de resistência à escravidão, escravos que conseguiam fugir mergulhavam no interior das matas e dos rios e formavam quilombos, contra os quais a Coroa Portuguesa enviava bandeiras e expedições punitivas.

Um desses quilombos, de nome Quilombo de Quariterê (ou do Piolho), localizado próximo ao rio Piolho, ou Quariterê, no vale do Gauporé, foi liderado por uma mulher, após a morte de seu companheiro José Piolho. Tereza de Benguela (conhecida como Rainha Tereza) era seu nome. Ela criou um sistema político como uma espécie de parlamento, situado numa casa específica do local, onde deputados se reuniam em dias específicos, todas as semanas, para tomadas de decisões. Enquanto vivo, José Piolho, seu companheiro, foi o deputado de maior autoridade na casa, sendo seu conselheiro nas sessões que ela presidia.

Segundo documentos da época, o lugar abrigava mais de 100 pessoas, com aproximadamente 79 negros e 30 índios. Ali, era cultivado o algodão, que servia posteriormente para a produção de tecidos. Havia também plantações de milho, feijão, mandioca, banana, entre outros. Igualmente roupas e ferramentas eram fabricadas no local.

O quilombo resistiu da década de 1730 ao final do século. Tereza morreu, após ser capturada por soldados em 1770, não se sabe ao certo se por suicídio, execução ou doença. Depois de morta, teve a cabeça cortada e posta no meio da praça do quilombo que liderara, em um alto poste, como aviso aos outros quilombolas fugitivos. Os que conseguiram fugir ao ataque, contudo, reconstruíram o quilombo que sofreu outra carga, em 1791, até ser finalmente extinto em 1795.

Em homenagem à líder quilombola, o dia 25 de julho foi instituído como o Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra.

Com informações de Geledés e “Negros do Guaporé: o sistema escravista e as territorialidades específicas” (de Emmanuel de Almeida de Frias Júnior)

sábado, 13 de maio de 2017

13 de Maio: Dia da Vitória do Movimento Abolicionista no Brasil

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, primeira senadora brasileira e primeira mulher a assumir uma chefia de Estado no continente americano, exercendo por três vezes a Regência no Brasil, sancionou a chamada Lei Áurea que aboliu a escravatura em todo o território nacional. Antes disso, a princesa Isabel já demonstrara sua posição como abolicionista convicta, financiando tanto a alforria de escravos quanto até quilombos (Quilombo do Leblon, onde se cultivavam camélias brancas, flor-símbolo da abolição). Seu empenho na abolição da escravidão lhe custou caro inclusive, já que os donos de escravos, sobretudo dos grandes cafezais paulistas, deixaram de apoiar a monarquia em represália à luta dos nobres pela abolição, bandeando-se para o lado dos republicanos, o que, segundo alguns estudiosos, teria apressado a instituição do regime republicano.

Luís Gama
O papel da princesa Isabel na efetivação da abolição da escravatura no Brasil não deve, portanto, ser subestimado, mas não foi ela, na qualidade de branca sensível de bom coração que botou fim a uma das páginas mais infames de nossa história. Seu gesto foi de fato fruto não só de suas crenças pessoais mas também da pressão de um movimento social de grande abrangência, comparado por alguns com as Diretas Já!, que uniu gente de várias classes sociais e várias etnias na luta contra a escravidão, juntando desde políticos e intelectuais brancos como Joaquim Nabuco, o teatrólogo Artur Azevedo e o poeta Castro Alves até negros como o advogado Luís Gama e o engenheiro André Rebouças e ainda mestiços como o jornalista José do Patrocínio. Também estudantes universitários, que começavam a se evidenciar no período, se engajaram na luta em prol da abolição bem como o exército brasileiro, formado à época por bom número de ex-escravos que haviam lutado na guerra do Paraguai. Isso para ficar em alguns exemplos, embora existam outros, pois o movimento abolicionista foi um dos maiores movimentos populares da história brasileira.

Não obstante esse histórico glorioso, movimentos negros confusos – para dizer o mínimo – passaram, a partir da década de 70, a rejeitar a data do 13 de maio sob a desculpa de que ela representaria uma efeméride das elites brancas brasileiras, pois teria sido um gesto de generosidade (sic) dos brancos, tendo a princesa Isabel como principal protagonista – o que não é verdade como vimos acima – e, além disso, uma abolição para inglês ver, já que os cerca de 700 mil escravos libertos na ocasião não foram de fato integrados à sociedade brasileira, como devido, acabando livres dos grilhões de ferro mas prisioneiros das senzalas da pobreza. Em substituição ao 13 de maio, inventaram o dia da consciência negra, em 20 de novembro, como homenagem a data da morte de Zumbi dos Palmares, líder negro que teria lutado contra a escravidão, o que simbolizaria a resistência e a bravura dos negros contra o cativeiro.

Joaquim Nabuco
Curti essa história do Zumbi por um bom tempo, pois, me amarro num herói ou heroína, como todo mundo aliás, haja vista a quantidade enorme deles e delas nas revistas em quadrinhos e nos cinemas. Curti até conhecer a verdade histórica sobre esse personagem mitologizado. Zumbi foi de fato um negro foragido que formou um quilombo, como estrutura de resistência a seu cativeiro pelos brancos, mas não era nenhum herói da luta contra a escravidão. Em Palmares, assim como em outros quilombos, havia escravos também e escravos negros. Sim, o herói da luta contra a escravidão era um escravocrata também. Simplesmente não queria ser escravo, mas não se incomodava de escravizar outros homens, pior, outros homens negros. É que, de fato, o sistema escravagista era onipresente na África, na época do tráfico negreiro, encontrando-se presente também em outros continentes. Na África, os vencidos das eternas guerras tribais, entre as diversas etnias existentes, eram escravizados pelos vencedores que por sua vez os vendiam para árabes e europeus. Então, a escravidão era um sistema comum no período, que a maioria das pessoas aceitava como natural, e que os vencedores em qualquer tipo de batalha aplicavam aos vencidos. Em Palmares, Zumbi era vencedor e, portanto, escravizava outros negros, geralmente negros que não queriam ter saído das fazendas dos brancos. De repente, as senzalas dos brancos ofereciam melhores condições de vida do que as galés dos quilombos.

Pois, é! Então, a maioria dos ativistas do movimento negro rejeita uma data fruto de um movimento social popular, multiétnico, multiclassicista e, portanto, pra lá de democrático, para afirmar uma outra data que celebra a existência de um personagem supostamente heroico contra a escravidão mas que também escravizava?!!! Arrisco uma explicação para esse paradoxo. O atual movimento negro – em sua maioria – tem um viés nitidamente racista, tanto que todo o seu programa de atuação é calcado na afirmação do conceito de raça (uma ideia já sepultada pela ciência), onde a raça negra teria sido subjugada e oprimida pela raça branca que lhe deveria consequentemente uma reparação pelos maus-tratos oriundos da escravidão. Toda a estrutura desse programa de ação é assentada no antagonismo racial que, por sua vez, é alimentado pelo vitimismo. É preciso descrever os negros como vítimas dos brancos, os negros como vítimas e os brancos como algozes, assim tudo na base do preto ou branco, sem nuances.

André Rebouças
Para alimentar essa ideologia, inclusive brutais distorções históricas têm sido feitas. Na historinha da carochinha dos racialistas negros, os negros viviam numa África paradisíaca, correndo apenas dos leões, quando os europeus, brancos e malvados, chegaram e os levaram escravizados para seu continente e para outros, submetendo-os a exploração e a brutais agressões físicas. Como já disse acima, a verdade é outra. Os africanos viviam às voltas com suas guerras tribais (até hoje, aliás) e vendiam seus cativos para quem os comprasse, no caso, os europeus que, por acaso, eram brancos. No Brasil, com o passar dos anos, mesmo antes da Abolição, muitos negros começaram a ser alforriados e, por sua vez, passaram a ter terras também e a comprar escravos, seus irmãos de “raça”. Nos próprios quilombos, os negros fugidos das senzalas brancas também escravizavam outros negros, portanto, não existem bandidos e mocinhos nessa história como, aliás, raramente existem em qualquer período da sombria história humana. A escravidão foi um sistema nefasto – que até hoje existe embora proscrito – de que todos os povos e etnias participaram.

Mas a política do movimento negro atual, em sua grande maioria, rejeita a verdade histórica por uma leitura altamente ideologizada dos fatos, maniqueísta e perigosa, baseada no antagonismo racial. O 13 de maio, como descrevi acima, foi um movimento onde brancos, negros e mestiços, de diferentes classes, lutaram juntos contra a escravidão e venceram a batalha juntos. A Abolição foi uma conquista de pessoas de bem, e pessoas de bem não têm cor. O fato de a inserção dos negros libertos na sociedade brasileira, pós-Abolição, não ter sido realizada como deveria ter sido não invalida a conquista do movimento abolicionista. O que aconteceu após a Abolição é uma outra história, uma história que passa de um regime monárquico para um regime republicano, igualmente negligentes quanto à situação social dos ex-escravos negros. As conseqüências dessa negligência jogaram a população negra na pobreza, mas nunca impediram a miscigenação, nunca promoveram o apartheid racial no Brasil, tanto que somos essencialmente um país de mestiços, sendo a população negra -propriamente dita – minoritária. Mesmo a pobreza não é só desprivilegio de negros e pardos, havendo também um razoável número de brancos pobres. Deveriam estar todos, como nos tempos dos abolicionistas, lutando juntos para tirar a todos da pobreza através de uma revolução educacional, através do resgate da sucateada educação brasileira e de sua melhoria e universalização, pois é ela que permite democraticamente a ascensão social de qualquer um(a). Mas, ao contrário, o movimento negro, em sua maioria, tem preferido o caminho das cotas e do malfadado Estatuto da “Igualdade” racial, em análise pelo Senado no momento, que promovem coisas inacreditáveis como a divisão da população em negra ou branca, tribunais raciais em universidades, para julgar quem é de fato negro ou não (inspiração nazista), e a destruição do critério de mérito, um dos pilares da democracia. A picaretagem chegou a ponto de estarem propondo 60% de vagas para cotistas em universidades, o que, na realidade, praticamente acaba com o vestibular.

José do Patrocínio
O 13 de maio mostra brancos, negros e mestiços lutando juntos contra um sistema absurdo e não se encaixa na visão do atual movimento negro porque este quer brancos e negros separados, brancos e negros antagônicos, o mulato inzoneiro Brasil se definindo como negro ou branco, embora sempre tenha sido mestiço e continue sendo mestiço. Por isso, prefere o dia que homenageia Zumbi e os quilombos, pois representariam uma luta só de negros, protagonizada por um negro herói, mesmo tendo sido esse "herói" um escravista. Por isso, hoje, o 13 de maio, não apenas por ter entrado no calendário das datas oficiais do país, merece ser lembrado como um dia de celebração da união de todos, independente da cor da pele, contra sistemas injustos e crenças equivocadas.

Fotos na sequência: Princesa Isabel, Luis Gama, Joaquim Nabuco, André Rebouças e José do Patrocínio, brancos, negros e mestiços pela Abolição.

Fontes: Divisões Raciais: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Editora Civilização Brasileira; Dossiê Abolicionismo; Monstros Tristonhos (excelente texto de Demétrio Magnoli sobre os tribunais raciais que vêm sendo instalados nas universidades brasileiras);

Ver também Zumbi: Símbolo da Consciência Negra?
Francisco Félix de Souza, ex-escravo, foi um dos maiores traficantes de escravos africanos 


P.S. A propósito, sou mestiça e bisneta de um abolicionista, Martinho Rodrigues de Souza, que como advogado, deputado e jornalista, lutou, em sua terra natal, Fortaleza (CE), pela abolição da escravidão no Brasil.

Atualização 13/05/2013
: O racialismo continuou avançando no Brasil, desde a publicação deste artigo, com mais cotas em universidades (até em nível de pós-graduação) e agora também cotas no funcionalismo público.

Publicado originalmente em 13/05/09

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A princesa Isabel foi ovacionada por brasileiros de todas as cores e classes pela assinatura da Lei Áurea

Princesa Isabel: Abolição que lhe custou o trono

Destaque:
Na Corte, esperavam o casal de príncipes, mais de dez mil pessoas. Delírio na praça em frente ao paço imperial. Uma explosão de alegria sacudiu a multidão quando a princesa recebeu a legação para a assinatura. Vestida de branco pérola e rendas valencianas, ela assinou a lei com uma caneta cravejada de brilhantes. José do Patrocínio, ajoelhado, beijou-lhe as mãos e foi seguido por outros membros da Confederação Abolicionista. Nabuco discursou, enquanto parte do público dançava. “Tão bom como tão bom” era o grito de guerra dos emancipados, embriagados de liberdade. Isabel ganhou um buquê de camélias e violetas. Depois, foi para o balcão apoiada pelo antigo ministro Cotegipe. Ao perguntar-lhe o que achava do gesto, o velho político respondeu: “Redimiste, sim, Alteza, uma raça; mas perdeste vosso trono…”. Eram cerca de 15 horas.
O troco foi uma ovação. Eram as vozes dos zungús, dos quilombos, das senzalas, dos cafés e redações de jornais da Rua do Ouvidor, da boemia literária. De velhos e jovens, homens e mulheres de todas as classes e condições. A popularidade da família imperial bateu todas as expectativas. Anos mais tarde, o escritor Lima Barreto que tinha sete anos, lembraria das palmas, dos acenos com lenços e vivas. Em todo o império, comoção. “Aclamações populares”, no Maranhão. “Delírio”, no Recife. “Estrondosas manifestações de regozijo popular” em Fortaleza.

A princesa Isabel e a Lei Áurea

A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, se deu durante a regência da princesa Isabel, enquanto seu pai, D. Pedro II, estava ausente do país para cuidar da saúde na Europa. A princesa tinha razões políticas e religiosas que a aproximaram do movimento abolicionista. Passado o entusiasmo inicial, entretanto, a resistência a um terceiro reinado, com Isabel como imperatriz, voltou. O império cairia pouco tempo depois, perdendo os seus últimos apoiadores – o senhores de escravos. Acompanhe a narrativa dos acontecimentos de Mary del Priore, em “O Castelo de Papel”.

Junto com a opinião pública, Isabel já estava convencida: “Deus me ajude e que a questão da emancipação dê breve o último passo que tanto desejo ver chegar! Há muito a fazer. Mas isto antes de tudo”, escreveu ao pai. Como de praxe, o Barão de Cotegipe (presidente do Conselho de Ministros) perguntou a Regente a quem devia chamar para substituí-lo. Tinha esperanças de indicar um sucessor. Mas ela não lhe deu tempo. Pediu que João Alfredo, conservador e senador por Pernambuco, que apoiava a causa abolicionista, tomasse seu lugar. A escolha foi interpretada como um sinal verde para a causa. Cauteloso, antes de aceitar o cargo, João Alfredo foi pedir a benção a Cotegipe que lhe prometeu: “conte com os meus amigos”.

11 de Março de 1888: o novo gabinete foi acolhido com manifestações de alegria em toda a parte. Do Conselho dos Ministros fazia parte Antônio Prado, na pasta dos negócios Estrangeiros. Até a província do Rio de Janeiro, reduto dos mais influentes de senhores de escravos, dobrou-se. Alguns senhores alforriavam os seus, seguindo o exemplo dos paulistas. Em Minas Gerais, libertações voluntárias se juntaram à iniciativa dos cativos que deixavam pacificamente as fazendas.

A 17 do mesmo mês, Gastão (o conde D’Eu) escrevia à França comentando que a principal tarefa do novo gabinete seria “de votar, ao longo do ano, a abolição definitiva”. Afinal, os escravos por si sós ou por alforrias, iam abandonando senzalas. Faltando apenas três semanas para a assinatura da Lei Áurea, ele escreveu à tia Francisca, externando sentimentos contraditórios em relação ao assunto:

“Conta-se que, brevemente, será votada a abolição completa da escravidão, o que já é uma necessidade, pois quase ninguém a quer mais. E é de se esperar que a maior parte dos negros, apesar de libertos, continuem a trabalhar nas fazendas”.

Mas, abolição já? Segundo Gastão “só com medidas rigorosas e destinadas a satisfazer a lavoura, obrigando os libertos à residência fixa e a procurar ocupação”. Mas ele sabia também que isso seria difícil. Melhor “confiar na Providência que até hoje tem protegido o Brasil e na boa índole da gente”. Ninguém sabia o que ia acontecer menos ainda o novo ministro: haveria ou não indenização pelos libertos? A libertação seria imediata ou haveria um prazo, talvez dois anos? Afinal a colheita de café estava para começar no vale do Paraíba… E não faltava quem prognosticasse: “O que é a emancipação para o Brasil? É a Revolução!”.

Na Fala do Trono, proferida no dia 3 de maio, Isabel mencionou a “extinção do elemento servil pelo influxo do sentimento nacional [...] aspiração aclamada por todas as classes [...] para que o Brasil se desfaça da infeliz herança”. Aplausos e simpatia. Mas, não se falava em data. Porém magistratura, classes armadas, funcionalismo público, imprensa, mocidade das escolas, agricultores, todos se agitavam e cabalavam pela sorte dos cativos.

Em resposta à crescente pressão, almoçaram no palácio imperial, quatorze africanos fugidos de fazendas vizinhas em Petrópolis – anotou o abolicionista André Rebouças. E no mesmo diário, a 12 de maio, acrescentou: “Excedem a mais de mil os escravizados acolhidos a Petrópolis, hospedados pela Comissão Libertadora sob os auspícios de Isabel, a Redentora”. A comissão devia ter alguma relação com a Confederação Abolicionista. Quem a compunha? Pouco se sabe. Rebouças não esclarece e Gastão não a menciona nenhuma vez na abundante correspondência que mantém com a França.

Mal assumiu o governo, João Alfredo recebeu uma representação dos deputados de São Paulo: queriam abolição imediata, incondicional e sem cláusula de serviço. Nada de gradualismos para manter a quietação no país. Na abertura da nova sessão legislativa, o ministro da agricultura, Rodrigo Antonio da Silva, premido pelos paulistas apresentou um projeto de abolição incondicional. Nabuco exortou os parlamentares a esquecer as disputas partidárias diante da importância da questão. Importava conciliar liberais e conservadores contra o escravismo. Uma aliança, ainda que efêmera. Palmas dentro e fora da Câmara, cercada por cerca de cinco mil pessoas. O regime de urgência para a votação foi adotado. Os membros da casa votaram: 83 contra 9. Uma onda de entusiasmo garantiu sua assinatura em sete dias.

Isabel contribuiu. Veio de Petrópolis num domingo, 13 de maio, a fim de transformar, com sua assinatura, o projeto em lei. Exultava: seria aquele um dos mais belos dias de sua vida, se não fosse saber estar o pai doente. Mas, Deus permitiria que D. Pedro voltasse “para tornar-se, como sempre, tão útil à nossa pátria”. A ele, escreveu dizendo-lhe da alegria de “ter trabalhado para ideia tão humanitária e grandiosa”, apesar das noites curtas e excitações de todo o gênero. Estava cansada – rezingava.

Na Corte, esperavam o casal de príncipes, mais de dez mil pessoas. Delírio na praça em frente ao paço imperial. Uma explosão de alegria sacudiu a multidão quando a princesa recebeu a legação para a assinatura. Vestida de branco pérola e rendas valencianas, ela assinou a lei com uma caneta cravejada de brilhantes. José do Patrocínio, ajoelhado, beijou-lhe as mãos e foi seguido por outros membros da Confederação Abolicionista. Nabuco discursou, enquanto parte do público dançava. “Tão bom como tão bom” era o grito de guerra dos emancipados, embriagados de liberdade. Isabel ganhou um buquê de camélias e violetas. Depois, foi para o balcão apoiada pelo antigo ministro Cotegipe. Ao perguntar-lhe o que achava do gesto, o velho político respondeu: “Redimiste, sim, Alteza, uma raça; mas perdeste vosso trono…”. Eram cerca de 15 horas.

O troco foi uma ovação. Eram as vozes dos zungús, dos quilombos, das senzalas, dos cafés e redações de jornais da Rua do Ouvidor, da boemia literária. De velhos e jovens, homens e mulheres de todas as classes e condições. A popularidade da família imperial bateu todas as expectativas. Anos mais tarde, o escritor Lima Barreto que tinha sete anos, lembraria das palmas, dos acenos com lenços e vivas. Em todo o império, comoção. “Aclamações populares”, no Maranhão. “Delírio”, no Recife. “Estrondosas manifestações de regozijo popular” em Fortaleza.

Poetas declamavam em público versos que exaltavam o momento. Panfletos eram distribuídos entre a população: “Arcanjo da liberdade. Da pátria loura esperança. Mimosa flor de Bragança. Celeste núncio de amor [...] vê que os corações humanos, têm todos a mesma cor”, cantava Artur Azevedo. Nos versos de um, Isabel era “uma grande e santa mulher”. Outro celebrava “a era luminosa”. Outro ainda: “rasgou-se a folha negra”. E não faltava quem comemorasse, pedindo em rimas: “Deem-me ai um copo de cerveja”, bebida na moda que substituiu a cachaça. Vez por outra, ouviam-se gritos de “Viva a República”!

Sobre a data, Gastão diria que “o momento psicológico tinha chegado”. Que “a natureza impressionável das raças deste país dava lugar a um entusiasmo sem limites e tocante”. Segundo ele, o sucesso para a monarquia era colossal. Nela se reconhecia “o agente principal de transformação tão ardentemente reclamado”. Voltaram para casa por ruas atapetadas de flores. Em Petrópolis foram recebidos com lanternas chinesas, música, foguetes, um séquito de trinta ex-escravos e chuva. Todos direto para a igreja “rezar o mês de Maria”. Segundo um poético Rebouças, Deus teria visto tudo, “iluminando a cena com relâmpagos e derramando lágrimas de infinito júbilo”. No dia seguinte, “um dia tranquilo”, receberam apenas mais “visitas do que de costume”. Para Gastão, tudo ia bem, “salvo as espoliações tão inevitavelmente impostas aos proprietários retardatários”.

Nos dias subsequentes, houve missa na igreja do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e o secretário da irmandade, um maçom, expressou sua vontade: “que ao lado de santa Isabel de Portugal, figurasse santa Isabel, a brasileira”.

Fonte: História Hoje, 13/05/2015, por Márcia Pinna Raspanti

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: La Quenelle: enquanto a América Latina sofre com a extrema-esquerda, a Europa vê renascer a extrema-direita

Atacante francês Anelka faz a quenelle em jogo na Inglaterra (21/01/2014)
Enquanto a América Latina sofre com as viúvas do Muro de Berlim, determinadas a recriar localmente uma espécie de união das repúblicas socialistas latino-americanas, ironicamente em conluio com grandes capitalistas, a Europa vê renascer a extrema-direita no contexto da crise econômica que afeta o continente. Racismo, sexismo, xenofobia, homofobia aparecem camuflados por uma suposta defesa da família tradicional, mantra que os conservadores entoam através dos tempos como desculpa esfarrapada para justificar sua incapacidade de aceitar a igualdade de oportunidades e direitos entre os seres humanos. 

Na França, inventaram até uma versão estilizada do famigerado gesto nazista chamada La Quenelle (ver fotos e vídeo abaixo sobre essa inovação nada elegante dos franceses). Tentam passar ao público a versão de que se trata apenas de um gesto contra o sistema, o governo, os políticos, uma espécie de "vai tomar no cu" ou "foda-se" generalizado. Entretanto, seu inventor, o comediante Dieudonné M’bala M’bala é conhecido por suas piadas contra judeus e discípulo de Alain Soral, um autoproclamado nacional-socialista, “teórico” dos grupos fascistas franceses, há anos insultando gays, feministas e judeus.

Dieudonné e Anelka (negros nazis!?)
Impressionante como a humanidade não aprende e de como a mentalidade autoritária, diga-se de esquerda ou direita, volta e meia retorna ao centro do palco. Filha da estupidez e do medo, ela não é desprivilégio de nenhum grupo em particular. Basta ver que o comediante que inventou o lastimável gesto é negro bem como o jogador de futebol, atacante francês Nicolas Anelka, que o reproduziu em partida contra um time inglês (sendo inclusive processado por isso).

De fato, a história da humanidade às vezes me parece  uma longa noite tempestuosa iluminada vez ou outra somente pelo clarão de algum raio. Para não terminar de forma pessimista, cumpre bradar um "libertários uni-vos" porque a corja autoritária está de novo a toda. 

Intolerância
Uma França usualmente silenciosa está há três semanas nas ruas, gritando sua raiva. A guerra cultural causa mais estragos em tempos de crise, momento favorável a extremismos 


“Fora judeu.” Este grito pavoroso ecoou pelas ruas de Paris e Lyon domingo, pela primeira vez desde a época da França ocupada pelos nazistas na II Guerra Mundial. Foi ouvido durante manifestações em que se misturavam católicos ortodoxos, muçulmanos radicais, extrema-direita, grupos racistas e respeitáveis partidos de direita, todos unidos na suposta defesa da “família tradicional” que degenerou numa demonstração de racismo, xenofobia e homofobia. E, pior, o governo socialista cedeu às pressões desta versão francesa do Tea Party americano e adiou o debate sobre a nova lei da família para 2015.
É lamentável a débil reação dos partidos republicanos e a degeneração do debate político”, disse, escandalizado, o filósofo Roberto Badinter, ex-ministro da Justiça do governo Mitterrand.
Uma França tradicionalmente silenciosa está há três semanas nas ruas, gritando sua raiva. É bem diferente da França que a gente gosta e admira pela defesa da liberdade, a diversidade do pensamento e o elegante savoir vivre. Herdeira da direita antissemita, esta fatia da sociedade francesa radicaliza-se a cada domingo e acrescenta novas reivindicações em sua agenda centrada na defesa de valores ultraconservadores e no repúdio aos não iguais. Pede a revogação da lei do casamento gay, é contra a reafirmação da lei do aborto - prevista neste novo código da família - e agora organiza um boicote às escolas sob o argumento de que uma tal de “teoria de gênero” ensinaria as crianças a serem transsexuais e homossexuais. Acusam o governo de ser fobicamente contra a família e de se inclinar diante do lobby LGBT.

Delírios, claro. O mais recente alvo da ira deste grupo ultra conservador é o ABCD da Igualdade, uma inovação acrescentada experimentalmente ao currículo de 600 escolas. O ministro da Educação exaustivamente explicou que se tratava de promover os valores da República e da igualdade entre homens e mulheres, mas foi considerada pelos ultras como “uma maneira de diluir a ligação entre pai, mãe e filho” e contra a alteridade “homem e mulher”. Com a complacência da UMP - partido de oposição - a campanha para boicotar as escolas no dia do ABCD da Igualdade cresceu e chegou a deixar fora das salas de aula 40% das crianças em várias cidades francesas.
O contexto é favorável ao crescimento da extrema-direita, os meios populares são receptivos aos slogans da Frente Nacional”, diz Bruno Cautrés, da Sciences-Po.
Para onde vai a França? Um vento torto está levando o país para a radicalização. O sentimento de pessimismo domina os franceses diante da constatação de que empregos, poder e ideias estão migrando para lugares mais acolhedores e dinâmicos. Nesta França que procura seu novo papel no século XXI, cada tentativa de mudar os contornos da vida em sociedade é vista como uma agressão por uma parte dos cidadãos, especialmente os religiosos, sejam eles muçulmanos radicais ou católicos ortodoxos. A guerra cultural americana, que há décadas divide o país, trava-se também há anos na Europa, mas causa mais estragos num momento favorável a extremismos, estimulados pela crise econômica e por líderes políticos fracos, como François Hollande na França e Mariano Rajoy na Espanha.

Personagens nefastos contam com inesperada popularidade, como o cômico Dieudonné com seus insultos aos judeus e a popularização da quenelle, um gesto de saudação nazista estilizado. Seus espetáculos estão proibidos na França e esta semana ele foi impedido de entrar no Reino Unido, mas tirou das sombras seu inspirador: Alain Soral, que se autoproclama nacional-socialista, “teórico” dos grupos fascistas franceses, há anos insultando gays, feministas e judeus mas devidamente colocado no ostracismo. Aproveitou a mobilização contra o casamento gay para se relançar e reativar seu blog odioso em que faz publicidade da literatura nazista.
Esta França que repudia o outro - seja o imigrante europeu pobre, o judeu ou árabe - sempre existiu, mas era minoritária e agora acha mais canais de expressão”, diz o jornalista Jean Marie Colombani em artigo no “El País”.
Este mês tem eleições municipais na França, em maio para o Parlamento Europeu, e os prognósticos são de que a extrema-direita vai crescer nas cidades francesas e também pode formar uma bancada em Bruxelas. A direita tradicional, que deixou o poder há apenas dois anos e pretende voltar, está estimulando a radicalização dos movimentos de direita, fazendo das questões de família uma arma política. Esta estratégia, nós brasileiros, conhecemos, e não queremos ver esse filme de novo: há 50 anos, a Marcha da Família pela Liberdade antecedeu o golpe de 64.

Na Europa, a intolerância já causou duas guerras.. 


Fonte:
O Globo, Helena Celestino, 05/02/2014

Publicado originalmente em 12/02/2014

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Racialistas avançam seu projeto de dividir os brasileiros na base do preto ou branco

Racialistas querem separar essas mãos pra sempre
No mundo maniqueísta do esquerdireitismo, os fatos não são analisados em si mesmos mas sim pela moldura onde foram enquadrados. Parece aquela história dos pacotes de TV a cabo, onde a gente adquire à revelia um monte de canais pelos quais não tem interesse para poder ter acesso aos que interessam.

Nos pacotes do esquerdireitismo, se você é favorável, por exemplo, ao casamento de pessoas de mesmo sexo tem que ser compulsoriamente a favor de cotas raciais, embora sejam questões diametralmente opostas. No caso da primeira, o pleito do casamento LGBT vai ao encontro do artigo quinto de nossa constituição onde se lê que somos todos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Trata-se apenas de um direito que se estende a um segmento da população sem alterar em nada a vida dos que já o usufruíam. A oposição ao casamento entre pessoas de mesmo sexo é de fundo religioso e antidemocrática. 

No caso da segunda, as cotas raciais vão contra esse mesmo artigo, passando a distinguir pessoas pelo critério anticientífico e socialmente danoso de "raça" e a tratar seres humanos de forma diferenciada com base em cor de pele e "autodeclarações raciais". Neste caso, a oposição às cotas é democrática e, ao contrário do que pregam, antirracista, independente da posição do STF sobre o assunto (opinião, aliás, profundamente equivocada).

Neste mundo esquerdireitista, contudo, quem analisa os fatos pelo que são e não partir das molduras onde foram enquadrados sofre um bocado. O sociólogo Demétrio Magnoli, considerado de direita pela esquerdosa e de esquerda pela direitosa, tem sido uma das vítimas preferenciais da ala vermelha do esquerdireitismo. Como sempre se opôs - e com boa fundamentação - às nefastas cotas raciais é rotulado de reacionário racista. Em evento na Bahia, no dia 26 de outubro último, inclusive teve uma de suas palestras interrompida por estudantes racialistas que o acusaram de racista por não acreditar em "raças".

Num aparte pessoal, também perdi a conta das vezes que fui chamada de direitista reacionária, por integrantes dos movimentos esquerdiotizados da atualidade (esta semana já me xingaram mais uma vez), e de esquerdista, comunista (é mole?), feminazi, gayzista e tantas outras insânias que a conservalha evacua pela boca latrinária. Tá muito difícil a coisa!

Retornando, porém, ao tema dessa postagem, o tempo costuma dar a César o que é de César. As análises de Magnoli, sobre as nefastas cotas racistas, estão sendo confirmadas pelo andar da carruagem. Das cotas racistas para ingresso em faculdades passaram-se às cotas para pós-graduação (mas pra quê, se o aluno já está na universidade?). Agora, na terça (dia 05/11),  Dilma, fazendo média com os racialistas, validou projeto de cotas para o serviço público. Dias antes, em 30/10, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece cotas raciais na representação parlamentar do povo (sic).  Como bem aponta Magnoli (ver texto na íntegra abaixo), 
...as políticas de raça não são motivadas por um desejo de corrigir distorções derivadas da renda. O racialismo exibe-se, agora, como ele realmente é: um programa de divisão dos brasileiros segundo o critério envenenado da raça.
O Brasil e a ‘nação diaspórica’

Demétrio Magnoli
A gloriosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma viola-se diretamente o princípio fundamental da liberdade de voto. Por isso, a PEC de autoria dos petistas João Paulo Cunha (SP) e Luiz Alberto (BA) provavelmente dormirá o longo sono dos disparates nos escaninhos da Câmara. Mas ela cumpre uma função útil: evidencia o verdadeiro programa do racialismo, rasgando a fantasia com que se adorna no debate público.
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece cotas raciais na representação parlamentar do povo. Ignorando tanto a Constituição quanto a Justiça, a CCJ aprova qualquer coisa que emane de um grupo de interesse organizado, o que é um sintoma clamoroso da desmoralização do Congresso. Nesse caso,

O argumento ilusionista para a introdução de cotas raciais no ingresso às universidades residia na suposta desvantagem escolar prévia dos “negros” — algo que, de fato, é uma desvantagem prévia dos pobres de todas as cores de pele. A fantasia da compensação social começou a esgarçar-se com a extensão das cotas raciais para cursos de pós-graduação, cujas vagas são disputadas por detentores de diplomas universitários. A PEC aprovada na CCJ comprova que as políticas de raça não são motivadas por um desejo de corrigir distorções derivadas da renda. O racialismo exibe-se, agora, como ele realmente é: um programa de divisão dos brasileiros segundo o critério envenenado da raça.

De acordo com a PEC, na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas estaduais, será reservada uma parcela de cadeiras para parlamentares “negros” equivalente a dois terços do percentual de pessoas que se declaram pretas ou pardas no mais recente censo demográfico. As bancadas “negras” não serão inferiores a um quinto ou superiores à metade do total de cadeiras. Os deputados proponentes operam como despachantes de ONGs racialistas e expressam, na PEC, a convicção política que as anima: o Brasil não é uma nação, mas um espaço geopolítico no qual, sob a hegemonia dos “brancos”, pulsa uma “nação africana” diaspórica. A presença parlamentar de bancadas “negras” representaria o reconhecimento tácito tanto da inexistência de uma nação brasileira quanto da existência dessa nação na diáspora.

Os eleitores, reza a PEC, darão dois votos: o primeiro, para um candidato de uma lista geral; o segundo, para um candidato de uma lista de “negros”. A proposta desvia-se, nesse ponto, de uma férrea lógica racialista. Segundo tal lógica, os eleitores deveriam ser, eles também, bipartidos pela fronteira da raça: os “negros” votariam apenas na lista de candidatos “negros” e os demais, apenas na lista geral. A hipótese coerente não violaria o princípio da liberdade de voto, pois estaria ancorada num contrato constitucional de reconhecimento da nação diaspórica. Como inexiste esse contrato, os racialistas optaram por um atalho esdrúxulo, que escarnece da liberdade de voto com a finalidade de, disfarçadamente, inscrever a nação diaspórica no ordenamento político e jurídico do país.

Nações não são montanhas, rios ou vales: não existem como componentes do mundo natural. Na expressão certeira de Benedict Anderson, nações são “comunidades imaginadas”: elas podem ser fabricadas na esfera da política, por meio das ferramentas do nacionalismo. A PEC não caiu do céu. A “nação africana” na diáspora surgiu no nacionalismo negro do início do século XX com o americano W. E. B. Du Bois e o jamaicano Marcus Garvey. No Brasil, aportou cerca de três décadas atrás, pela nau do Movimento Negro Unificado, entre cujos fundadores estava Luiz Alberto. No início, a versão brasileira do nacionalismo negro tingia-se com as cores do anticapitalismo. Depois, a partir da preparação da Conferência de Durban, da ONU, em 2001, adaptou-se à ordem vigente, aninhando-se no colo bilionário da Fundação Ford. “Afro-americanos”, nos EUA, e “afrodescendentes”, no Brasil, são produtos identitários paralelos dessa vertente narrativa.

O acento americano do discurso racialista brasileiro é tão óbvio quanto problemático. Nos EUA, o projeto político de uma identidade negra separada tem alicerces sólidos, fincados nas leis de segregação que, depois da Guerra de Secessão, traçaram uma linha oficial entre “brancos” e “negros”, suprimindo no nascedouro a possibilidade de construção de identidades intermediárias. No Brasil, em contraste, esse projeto choca-se com a noção de mestiçagem, que funciona como poderoso obstáculo no caminho da fabricação política de raças. A solução dos porta-bandeiras do nacionalismo negro é impor, de cima para baixo, a divisão dos brasileiros em “brancos” e “negros”. As leis de cotas raciais servem para isso, exclusivamente.

As diferenças históricas entre EUA e Brasil têm implicação direta na gramática do discurso político. Lá, o nacionalismo negro é uma proposição clara, que provoca um debate público informado — e, quando Barack Obama se define como mestiço, emerge uma resposta desconcertante no cenário conhecido da polaridade racial. Aqui, os arautos do nacionalismo negro operam por meio de subterfúgios, escondendo-se atrás do pretexto fácil da desigualdade social — e encontram políticos oportunistas, juízes populistas e intelectuais preguiçosos o suficiente para conceder-lhes o privilégio da prestidigitação.

“Tirem a máscara!” — eis a exigência que deve ser dirigida aos nossos racialistas, na hora em que apresentam a PEC do Parlamento Racial. Saiam à luz do dia e conclamem o Brasil a escrever uma nova Constituição, redefinindo-se como um Estado binacional. Digam aos brasileiros que vocês não querem direitos iguais e oportunidades para todos numa república democrática, mas almejam apenas a condição de líderes políticos de um movimento racial. Vocês não têm vergonha de ocultar seu programa retrógrado à sombra da persistente ruína de nossas escolas públicas?

Fonte: O Globo, 07/11/2013

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Há 50 anos Martin Luther King fazia o discurso "I Have a Dream" (Eu tenho um sonho)


Há 50 anos Martin Luther King fazia o discurso "I Have a Dream" (Eu tenho um sonho) que entrou para a História como o corolário do movimento pelos direitos civis dos negros americanos e um verdadeiro mote para todas as pessoas que lutam por igualdade de direitos e oportunidades para todos os seres humanos.

Todo o discurso que transcrevo abaixo, traduzido e em versão original, acompanhado de vídeo com o pronunciamento do reverendo, em 28 de agosto de 1963, no Lincoln Memorial, em Washington, é uma grande peça de oratória cívica e democrática que propõe, a partir dos próprios princípios democráticos, que se passasse do discurso à prática, ou seja, que se efetivasse a igualdade entre negros e brancos perante a lei, igualdade sempre negada aos negros na história americana. 

Em um pronunciamento emocionante, em tom mítico-religioso, pleno de significado e bastante acessível a públicos variados, Martin Luther King propunha simplesmente transformar sonho em realidade. E sua proposta continua a ecoar até hoje, tendo no trecho abaixo o cerne de sua mensagem que deveria ser a bandeira de todos os movimentos sociais, bandeira, contudo, que anda meio rasgada hoje em dia. 

Pode-se trocar o "não julgada pela cor da pele" por qualquer outra particularidade que leve a preconceitos e discriminações que dá na mesma. O sonho de que detalhes que diferenciam as pessoas deixem de ser obstáculos a sua realização como indivíduos nas sociedades permanece tão válido hoje quanto há 50 anos.
Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!
Nesta quarta-feira, a passagem dos 50 anos do discurso de Luther King será lembrada, no mesmo local onde o reverendo o proferiu, pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o que, por razões óbvias, trará mais emoção ainda a essa data já tão marcante.


Eu tenho um sonho

"Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.

Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham murchados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros.

Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre.

Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação.

Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontram exilados em sua própria terra. Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição.

De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade. Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com "fundos insuficientes".

Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação. Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça.

Nós também viemos para recordar à América dessa cruel urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo.

Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia.

Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial.

Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora estará contente, terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre. 

Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos de nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje, vieram entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles vieram perceber que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só.

E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, "Quando vocês estarão satisfeitos?"

Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza.

Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero.

Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.

Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.

Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado.

"Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.

Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,

De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!"

E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro.

E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire.

Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York.

Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania.

Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado.

Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia.

Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia.

Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee.

Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi.

Em todas as montanhas, ouviu o sino da liberdade.

E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro:

"Livre afinal, livre afinal.

Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal."

Fonte: DHNET
Martin Luther King's "I Have a Dream" speech, August 28, 1963 
I am happy to join with you today in what will go down in history as the greatest demonstration for freedom in the history of our nation.

Five score years ago, a great American, in whose symbolic shadow we stand today, signed the Emancipation Proclamation. This momentous decree came as a great beacon of hope to millions of slaves, who had been seared in the flames of withering injustice. It came as a joyous daybreak to end the long night of their captivity. But one hundred years later, the colored America is still not free. One hundred years later, the life of the colored American is still sadly crippled by the manacle of segregation and the chains of discrimination.

One hundred years later, the colored American lives on a lonely island of poverty in the midst of a vast ocean of material prosperity. One hundred years later, the colored American is still languishing in the corners of American society and finds himself an exile in his own land So we have come here today to dramatize a shameful condition.

In a sense we have come to our Nation's Capital to cash a check. When the architects of our great republic wrote the magnificent words of the Constitution and the Declaration of Independence, they were signing a promissory note to which every American was to fall heir.

This note was a promise that all men, yes, black men as well as white men, would be guaranteed to the inalienable rights of life liberty and the pursuit of happiness.

It is obvious today that America has defaulted on this promissory note insofar as her citizens of color are concerned. Instead of honoring this sacred obligation, America has given its colored people a bad check, a check that has come back marked "insufficient funds."

But we refuse to believe that the bank of justice is bankrupt. We refuse to believe that there are insufficient funds in the great vaults of opportunity of this nation. So we have come to cash this check, a check that will give us upon demand the riches of freedom and security of justice.

We have also come to his hallowed spot to remind America of the fierce urgency of Now. This is not time to engage in the luxury of cooling off or to take the tranquilizing drug of gradualism.

Now is the time to make real the promise of democracy.

Now it the time to rise from the dark and desolate valley of segregation to the sunlit path of racial justice.

Now it the time to lift our nation from the quicksands of racial injustice to the solid rock of brotherhood.

Now is the time to make justice a reality to all of God's children.

It would be fatal for the nation to overlook the urgency of the moment and to underestimate the determination of its colored citizens. This sweltering summer of the colored people's legitimate discontent will not pass until there is an invigorating autumn of freedom and equality. Nineteen sixty-three is not an end but a beginning. Those who hope that the colored Americans needed to blow off steam and will now be content will have a rude awakening if the nation returns to business as usual.

There will be neither rest nor tranquility in America until the colored citizen is granted his citizenship rights. The whirlwinds of revolt will continue to shake the foundations of our nation until the bright day of justice emerges.

We can never be satisfied as long as our bodies, heavy with the fatigue of travel, cannot gain lodging in the motels of the highways and the hotels of the cities.

We cannot be satisfied as long as the colored person's basic mobility is from a smaller ghetto to a larger one.

We can never be satisfied as long as our children are stripped of their selfhood and robbed of their dignity by signs stating "for white only."

We cannot be satisfied as long as a colored person in Mississippi cannot vote and a colored person in New York believes he has nothing for which to vote.

No, we are not satisfied and we will not be satisfied until justice rolls down like waters and righteousness like a mighty stream.

I am not unmindful that some of you have come here out of your trials and tribulations. Some of you have come from areas where your quest for freedom left you battered by storms of persecutions and staggered by the winds of police brutality.

You have been the veterans of creative suffering. Continue to work with the faith that unearned suffering is redemptive.

Go back to Mississippi, go back to Alabama, go back to South Carolina go back to Georgia, go back to Louisiana, go back to the slums and ghettos of our modern cities, knowing that somehow this situation can and will be changed.

Let us not wallow in the valley of despair. I say to you, my friends, we have the difficulties of today and tomorrow.

I still have a dream. It is a dream deeply rooted in the American dream.

I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed. We hold these truths to be self-evident that all men are created equal.

I have a dream that one day out in the red hills of Georgia the sons of former slaves and the sons of former slaveowners will be able to sit down together at the table of brotherhood.

I have a dream that one day even the state of Mississippi, a state sweltering with the heat of oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice.

I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by their character.

I have a dream today.

I have a dream that one day down in Alabama, with its vicious racists, with its governor having his lips dripping with the words of interpostion and nullification; that one day right down in Alabama little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls as sisters and brothers.

I have a dream today.

I have a dream that one day every valley shall be engulfed, every hill shall be exalted and every mountain shall be made low, the rough places will be made plains and the crooked places will be made straight and the glory of the Lord shall be revealed and all flesh shall see it together.

This is our hope. This is the faith that I will go back to the South with. With this faith we will be able to hew out of the mountain of despair a stone of hope.

With this faith we will be able to transform the jangling discords of our nation into a beautiful symphony of brotherhood.

With this faith we will be able to work together, to pray together, to struggle together, to go to jail together, to climb up for freedom together, knowing that we will be free one day.

This will be the day when all of God's children will be able to sing with new meaning "My country 'tis of thee, sweet land of liberty, of thee I sing. Land where my father's died, land of the Pilgrim's pride, from every mountainside, let freedom ring!"

And if America is to be a great nation, this must become true. So let freedom ring from the hilltops of New Hampshire. Let freedom ring from the mighty mountains of New York.

Let freedom ring from the heightening Alleghenies of Pennsylvania.

Let freedom ring from the snow-capped Rockies of Colorado.

Let freedom ring from the curvaceous slopes of California.

But not only that, let freedom ring from Stone Mountain of Georgia.

Let freedom ring from every hill and molehill of Mississippi and every mountainside.

When we let freedom ring, when we let it ring from every tenement and every hamlet, from every state and every city, we will be able to speed up that day when all of God's children, black men and white men, Jews and Gentiles, Protestants and Catholics, will be able to join hands and sing in the words of the old spiritual, "Free at last, free at last. Thank God Almighty, we are free at last."

Prepared by Gerald Murphy (The Cleveland Free-Net - aa300) Distributed by the Cybercasting Services Division of the National Public Telecomputing Network (NPTN).

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