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Quando Deus era mulher:

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Aserá,

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terça-feira, 3 de junho de 2014

Democracia participativa de Dilma é reunião dela com compadres e comadres do PT


Pelo visto temendo perder a eleição, Dilma apelou para um decreto onde institucionaliza de vez a simbiose do governo com os chamados movimentos sociais a fim de se manter no poder de um jeito ou de outro. Digo que institucionaliza de vez porque esse processo de institucionalização já vem ocorrendo faz tempo. A formação de conselhos disso e daquilo em órgãos governamentais não é de hoje. 

Em retrospectiva, alguns movimentos sociais sempre estiveram estreitamente ligados à esquerda ortodoxa. Outros, porém, como os chamados modernos movimentos sociais (negro, feminista, LGBT, ambientalista), mantiveram sua independência em relação à esquerda tradicional durante a década de oitenta do século passado (aqui no Brasil). O contexto político da época ajudou muito na manutenção dessa posição de autonomia. A esquerda ortodoxa de então considerava apenas a luta de classes e contra a ditadura como as grandes lutas (a luta maior). As outras eram lutas menores, divisionistas da grande cruzada. Assim os partidários da luta menor deveriam esquecer suas demandas particulares para se engajar na luta maior. A proposta não colou.

O tempo passou, o Muro de Berlim ruiu (1989), gerando o efeito dominó que derrubou os regimes comunistas do Leste Europeu. Na América Latina, as viúvas do Muro mal enxugaram as lágrimas, pela morte do comunismo, e já passaram a se rearticular, no famigerado Foro de São Paulo (1990) a fim de reconstruir na região a perdida Cortina de Ferro. Nesse processo, voltaram à carga contra os movimentos sociais autônomos, desta feita, contudo, incorporando suas demandas e atrelando-as à sua  nova luta maior.

A estratégia se acentuou e se consolidou com a chegada de Lula e sua turma ao poder. O processo de cooptação e aparelhamento dos movimentos foi total. Seus encontros originais foram substituídos por conferências petistas. Os fundadores dos movimentos, ostracizados, sua verdadeira história, distorcida e usurpada. Os movimentos sociais, com raras exceções, tornaram-se correias de transmissão do petismo e do bolivarianismo latino-americano. Pra se ter uma ideia, a última conferência regional LGBT foi realizada em Varadero, Cuba (6-9/05/14), sob os auspícios da ditadura comunista dos Castro que perseguiu e enjaulou homossexuais em tempos idos.

Entre os inúmeros efeitos colaterais negativos dessa situação, destaca-se o de validar a paranoia conservadora que vê, nas demandas específicas dos movimentos, uma relevante contribuição para um golpe comunista. Na verdade não têm, mas, nas atuais condições, anda difícil separar o joio do trigo. Sem falar também que, como Dilma fez acordo com deus e o diabo, ou talvez fosse melhor dizer, com o diabo azul e o diabo vermelho, volta e meia as demandas específicas dos movimentos são rifadas para agradar àqueles que pagam mais.

O fato é que, cooptados e institucionalizados, esses movimentos não representam mais de fato os segmentos que dizem representar. As bandeiras dos movimentos se tornaram pretexto para uns e outras alcançarem cargos em instâncias governamentais cada vez mais numerosas a fim de alimentar tantas boquinhas. E a população a quem dizem representar nunca sequer viu os membros desses movimentos mais gordos ou mais magros, com raras exceções.

Daí que, concluindo, o decreto de Dilma institucionaliza de vez instâncias de poder paralelas ao poder parlamentar que nada mais são do que o PT conversando com seus compadres e comadres dos movimentos sociais amestrados. De participativa, portanto, a Política Nacional de Participação Social (PNPS) não tem nada.

Há críticas à democracia representativa vindas de todos os cantos do espectro político, mas, até prova em contrário, ela tem mostrado ser o regime mais adequado para as sociedades se gerenciarem. Quando ela fraqueja, a barbárie autoritária, diga-se de esquerda ou de direita, costuma tomar o seu lugar. Preservá-la e, no caso brasileiro, aprimorá-la para que de fato represente a população brasileira é um dever de todos. Da mesma forma, é imperioso resgatar os movimentos sociais (que não existem para substituir a democracia parlamentar) das garras dos bolivarianos e oportunistas de todo o tipo. São duas instâncias de política igualmente válidas, mas cada uma no seu devido lugar.

Mudança de regime por decreto

A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas. Na realidade é o mais puro oportunismo, aproveitando os ventos do momento para impor velhas pretensões do PT, sempre rejeitadas pela Nação, a respeito do que membros desse partido entendem que deva ser uma democracia.

A fórmula não é muito original. O decreto cria um sistema para que a "sociedade civil" participe diretamente em "todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta", e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc. Tudo isso tem, segundo o decreto, o objetivo de "consolidar a participação social como método de governo". Ora, a participação social numa democracia representativa se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. O que se vê é que a companheira Dilma não concorda com o sistema representativo brasileiro, definido pela Assembleia Constituinte de 1988, e quer, por decreto, instituir outra fonte de poder: a "participação direta".

Não se trata de um ato ingênuo, como se a Presidência da República tivesse descoberto uma nova forma de fazer democracia, mais aberta e menos "burocrática". O Decreto 8.243, apesar das suas palavras de efeito, tem - isso sim - um efeito profundamente antidemocrático. Ele fere o princípio básico da igualdade democrática ("uma pessoa, um voto") ao propiciar que alguns determinados cidadãos, aqueles que são politicamente alinhados a uma ideia, sejam mais ouvidos.

A participação em movimentos sociais, em si legítima, não pode significar um aumento do poder político institucional, que é o que em outras palavras estabelece o tal decreto. Institucionaliza-se assim a desigualdade, especialmente quando o Partido (leia-se, o Governo) subvenciona e controla esses "movimentos sociais".

O grande desafio da democracia - e, ao mesmo tempo, o grande mérito da democracia representativa - é dar voz a todos os cidadãos, com independência da sua atuação e do seu grau de conscientização. Não há cidadãos de primeira e de segunda categoria, discriminação que por decreto a presidente Dilma Rousseff pretende instituir, ao criar canais específicos para que uns sejam mais ouvidos do que outros. Ou ela acha que a maioria dos brasileiros, que trabalha a semana inteira, terá tempo para participar de todas essas audiências, comissões, conselhos e mesas de diálogo?

Ao longo do decreto fica explícito o sofisma que o sustenta: a ideia de que os "movimentos sociais" são a mais pura manifestação da democracia. A História mostra o contrário. Onde não há a institucionalização do poder, há a institucionalização da lei do mais forte. Por isso, o Estado Democrático de Direito significou um enorme passo civilizatório, ao institucionalizar no voto individual e secreto a origem do poder estatal. Quando se criam canais paralelos de poder, não legitimados pelas urnas, inverte-se a lógica do sistema. No mínimo, a companheira Dilma e os seus amigos precisariam para esse novo arranjo de uma nova Constituição, que já não seria democrática. No entanto, tiveram o descaramento de fazê-lo por decreto.

Querem reprisar o engodo totalitário, vendendo um mundo romântico, mas entregando o mais frio e cinzento dos mundos, onde uns poucos pretendem dominar muitos. Em resumo: é mais um ato inconstitucional da presidente Dilma. Que o Congresso esteja atento - não apenas o STF, para declarar a inconstitucionalidade do decreto -, já que a mensagem subliminar em toda essa história é a de que o Poder Legislativo é dispensável.

Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2014

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Quem disse que o termo libertário tem patente?

O primeiro a definir o termo "libertário" politicamente
O Instituto Ludwig von Mises - Brasil publicou ontem (20/05) um texto, de diversos autores, intitulado Eu sou um genuíno libertário. O texto parece ter um caráter provocativo de tão discutível. E de fato me provocou uma resposta que posto abaixo.

Quem disse que existe apenas uma definição exclusiva para o termo libertário?

Palavras não tem dono, e um mesmo termo pode comportar  várias acepções. Em política, uma mesma designação costuma abranger de fato inúmeras correntes de pensamento que têm - não raro  - apenas um único denominador comum. Portanto, alguém afirmar que ser libertário é respeitar o princípio da não-agressão (PNA) procede. Outros libertários de vertente pacifista haverão de concordar pelo menos em termos. 

Agora, o que não cabe, por uma questão de honestidade intelectual inclusive, é querer reduzir o vocábulo “libertário” somente a defensor do tal PNA. Pior dizer que essa é a versão “genuína e exclusiva” da palavra e até mesmo chamar de sequestradores a seus verdadeiros pais. Pra quem não lembra – ou não sabe – o termo libertário foi cunhado pelo anarquista francês Joseph Déjacques, primeiramente em uma sua carta de 1857, intitulada O Ser Humano, ao também anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Nela, Déjacques critica Proudhon veementemente por sua posição contrária aos direitos das mulheres.  Aliás, para quem considera não haver qualquer relação entre o termo libertário e o feminismo, forçoso resgatar onde ele aparece, dentro da carta de Déjacques. Aparece exatamente no parágrafo no qual o autor afirma  que, por sua posição sexista, Proudhon podia ser anarquista moderado, liberal, mas não libertário.
Flogger of woman and absolute serf of man, Proudhon Magnan, you use your words for a lash. Like a slave-driver you seem delighted to disrobe your beautiful victims (on paper) and flagellate them with invectives. Moderate anarchist, liberal, but not libertarian, you want free exchange of cotton and candles and you seek to protect man against woman in the exchange of affectional human passion. You cry against the great barons of capital, and you would rebuild a proud barony of man on vassal-woman. Logician with misfit eyeglasses, you are unable to read the lessons of the present or the past; you can discern nothing that is elevated or at a distance or in the perspective of the future. 


Posteriormente, Déjacques reafirmará a paternidade do termo ao publicar o jornal "Le Libertaire, Journal du Mouvement social" (O Libertário, Jornal do Movimento Social, de 1858 a 1861), em Nova York, onde havia se exilado após a revolução de Paris de 1848. Nesse jornal, ele publicou também, originalmente, sua utopia anarquista chamada Humanisfério (L'Humanisphère, Utopie anarchique). Mais tarde, outro teórico francês do anarquismo, Sébastian Faure (Dor Universal, Doze Provas da Inexistência de Deus), retoma o jornal O Libertário (1895-1914) e os termos “libertário”, “libertarismo” como alternativa aos equivalentes  anarquista/anarquismo, já muito estigmatizados como sinônimos de “desordem”, “desordeiros” (devido a ações terroristas de alguns que se autodenominavam anarquistas).1.

Portanto, desde o berço e por sua longa trajetória a partir de então, a palavra “libertário”, além das lutas sindicalistas, esteve associada também à luta das mulheres, dos negros (Déjacques foi igualmente abolicionista), à liberdade sexual, à liberdade individual, à ecologia (Walden, Life in the Woods, Henry David Thoreau) e à educação para a liberdade. Após os embates sangrentos com os autoritários dos pós-guerras, ela ressurge, nos anos 60 do século passado, por meio dos movimentos da contracultura, da revolução sexual, da política do corpo, do anti-estatismo, do anti-militarismo. A contracultura é filha dileta do anarquismo pacifista (ver, como referência, Do underground brotam flores do mal. Anarquismo e contracultura na imprensa alternativa brasileira).

Assim sendo, não é possível afirmar à luz dos fatos e, aliás, dos dicionários e inclusive do bom senso, que uma pessoa racista, sexista, homofóbica possa, ao mesmo tempo, ser libertária. Não é possível alguém se dizer libertário apenas porque proclama o Estado como inimigo enquanto não se preocupa com as outras instâncias de concentração de poder e de opressão dos indivíduos, como a religião, a família tradicional, a escola, as corporações, etc. Libertários são radicais defensores da liberdade em geral e não apenas da liberdade econômica, ademais tratada como panaceia para todos os males do autoritarismo. É certo que todos os libertários são anti-estatistas e acham que a humanidade ganharia um bocado em aprender a se autogerir sem essa entidade chamada Estado que, como a História nos mostra fartamente, tem sido muito mais fonte de problemas do que de soluções. Mas daí a achar que, numa utópica extinção do Estado, todas as outras formas de opressão individual cairiam, como num efeito dominó, é muita ingenuidade (para ser delicada).

Por fim, embora não goste de tratar quaisquer temas na base da dicotomia esquerda-direita, pois só alimenta o fla-flu das sinapses relapsas, a bem da verdade histórica, sinto-me obrigada a lembrar que o significado de libertário está umbilicalmente associado à esquerda (o pai da criança era um anarco-comunista). Bem como a trajetória do termo ao longo dos séculos. Então, trata-se de uma atroz inversão dos fatos afirmar que “a esquerda vem tentando sequestrar o movimento libertário acrescentando ao Princípio da Não-Agressão sua típica agenda progressista”. Oras, quem está tentando descaradamente sequestrar o movimento libertário e usurpando sua história e protagonistas, pelo visto, é a direita conservadora (apesar de não se assumir como tal). Daí o anti-historicismo de considerar como bizarrice aquilo que sempre foi inerente à trajetória libertária.

Por último, pessoalmente, acho que o posicionamento sobre o princípio da não-agressão, em relação a pessoas e mesmo à propriedade privada (apesar de polêmica), e, naturalmente, a não-intervenção estatal na vida dos indivíduos e seus negócios pessoais e comerciais cabem na perspectiva de quem se denomina libertário. O que definitivamente não cabe é a soberba de considerar a fidelidade ao princípio da não-agressão como exclusiva definição de libertário, numa redução brutal do termo e à revelia de sua história tão rica exatamente por ser múltipla.

1. Guérin, Daniel. O Anarquismo, Da doutrina à ação. Editora Germinal, setembro de 1968. Tradução de Manuel Pedroso. p. 11.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Juventude Hitlerista e do MST: qualquer semelhança não é mera coincidência

Qualquer semelhança não é mera coincidência
Entre os aspectos odiosos das odiosas ideologias autoritárias, um dos que mais se destaca é o proselitismo junto a crianças e jovens, pois estes não têm nenhuma defesa, nenhuma capacidade de reflexão sobre o que lhes empurram pela garganta. Trata-se literalmente de uma lavagem cerebral.

Os gêmeos heterozigotos nazismo (nacional-socialista) e comunismo (internacional-socialista) sempre fizeram uso covarde dos pequenos para seus projetos hediondos de poder (fundamentalistas religiosos também fazem). Mas o nazismo ao menos encontrou o julgamento da História enquanto seu irmão vermelho (em suas várias vertentes) continua nos assombrando até hoje.

Neste final de semana, circulou pelas redes sociais, um vídeo sobre a doutrinação de crianças pelo MST. Todas de vermelho, de punho erguido e gritando palavras de ordem (pátria livre!!??), lá vão elas "ocupando" escolas sem saber o que fazem. São meros bonecos de ventríloquo de adultos cheios de ideias que a sensatez e a justiça humanas ainda não conseguiram varrer da Terra.

À guisa de comparação, coloquei alguns vídeos sobre a juventude hitlerista. As semelhanças entre as imagens de um vídeo e de outro não são mera coincidência. A diferença entre elas reside apenas no fato de que a doutrinação de crianças pelo MST está acontecendo hoje em nosso país enquanto o nazismo é apenas uma lembrança  macabra (e abundantemente documentada) de até onde a loucura humana pode chegar. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Quem coletivizou os discriminados foram os conservas enlatados e não a esquerda ou os próprios discriminados


O economista Rodrigo Constantino descobriu, no conservadorismo, um veio inesgotável de clichês e uma escada para vencer na vida (virou colunista da Veja agora). Embora continue se dizendo liberal (em detrimento dessa corrente de pensamento), cada vez mais escreve como conservador, com um pensamento crescentemente simplista e maniqueísta, não perdendo a chance de atacar os movimentos sociais e defender tradições (inclusive religiosas, embora se diga ateu). Sob o pretexto de criticar uma suposta coletivização que os movimentos sociais fariam dos indivíduos, neoconstantino, como agora é conhecido, atacou, em duas postagens da última semana, o movimento feminista, o negro e o LGBT.   

Constantino não gosta dos movimentos sociais em geral porque eles contestam as ideias mofadas que ele tem na cabeça e não porque coletivizam seja quem for. Para começo de conversa, é sempre bom lembrar que quem coletivizou vários segmentos da população, em categorias estanques negativadas e despidas de direitos, não foi nenhuma esquerda, ou os próprios discriminados, e sim a direita, sobretudo a conservadora. 

Não foram as vítimas das coletivizações que se colocaram numa situação de perda da individualidade só para contrariar os neoconstantinos e congêneres. Não foram os negros que se colocaram grilhões e amargaram voluntariamente séculos de escravidão e apartheid por gosto, por espírito masoquista.

Não foram as mulheres que se reduziram ao papel de empregadas de cama e mesa e incubadeiras e se privaram dos mais elementares direitos de cidadania só para se fazer de vítimas e reivindicar privilégios. 

Não foram os homossexuais que se patologizaram num suposto terceiro sexo, de supostas características comuns a todos os LGBT, vivendo à margem e sujeitos a todo tipo de violência por gosto e para igualmente reivindicar privilégios. 

Não, quem criou todas essas coletivizações foi a turma de conservas enlatados de tipos como Constantino. A esquerda, no máximo, pode ser responsabilizada por instrumentalizar essas categorias - que a turma de Constantino criou - e reafirmá-las para seus fins pouco democráticos. Mas ela não é geradora dessas coletivizações não. A César o que é de César, pois não? 

Então, esse discurso que busca atribuir aos movimentos sociais uma suposta coletivização dos discriminados, alijando-os de sua individualidade, é de fato mero ressentimento dos conservas enlatados por sua perda do poder de categorizar e marginalizar as pessoas como sempre fizeram. Os coletivizados, pelos conservas enlatados, pegaram os estigmas que lhes foram impostos e os transformaram em bandeiras de luta por igualdade de direitos, bandeiras estas que certos liberaizinhos de araque, como Constantino, só defendem da boca pra fora. Passaram a se autodefinir como bem entendem e a sonhar seus próprios sonhos. E os conservas enlatados não se conformam com isso, embora sejam os paladinos do conformismo em suas frequentes prédicas aos outros. Como se sabe, pimenta nos olhos alheios é refresco.

De fato, quem quer que as pessoas venham a ser medidas por sua individualidade e não por detalhes como sexo, etnia ou orientação sexual (para ficar nos exemplos citados), não pode ser contra movimentos que há séculos lutam para que isso exatamente venha a acontecer. Se, nas últimas décadas, a "esquerda" se apropriou desses movimentos e os adequou aos seus propósitos de lutas de classes várias é porque outras forças políticas e ideológicas não souberam fazer frente a essa cooptação. O discurso simplista e distorcido de Constantino & Cia neocon  é um exemplo contundente do que digo.  

quinta-feira, 28 de março de 2013

Tradição e Liberdade combinam tanto quanto gaiola e passarinho


Não existe tal coisa chamada casamento "tradicional". Essa instituição, como todas as outras, evoluiu em compasso com a mudança de outros fatores sociais. A concepção de casamento de uns 50 e poucos anos atrás não mais existe. 

Por mais que os conservadores não queiram, por sua índole covarde e mesquinha, tudo muda o tempo todo no mundo, na sociedade, nas pessoas. É inevitável! Querer impedir as mudanças é como querer controlar o vento. Melhor navegar, voar a favor do vento. Deixá-lo girar as pás dos moinhos, as hélices dos geradores eólicos. Deixar que ele nos indique as direções e nos divirta com os cataventos.

Conservadores não querem somente preservar a memória do passado cultural, religioso, sócio-político, ideológico, patrimonial, arqueológico, etc. Esse tipo de preservação é mais do que saudável, é imprescindível. Precisamos conhecer o passado para aprimorar o presente. 

Não, o que eles querem é manter o passado vivo, querem que as sociedades vivam numa espécie de pretérito presente. Por isso, historicamente, conservadores sempre se opuseram e continuam se opondo às mudanças, sobretudo, aquelas que lhes tiram privilégios, mesmo que sejam privilégios meramente formais, como o de não mais monopolizar o conceito de família e de casamento. 

A tirinha acima sintetiza - como toda a boa imagem - todas as tradições que os conservadores defenderam pelos tempos e pelos países ocidentais afora, tradições que, de fato, simplesmente revelam a incapacidade dessa gente de aceitar a igualdade entre todos os seres humanos. Foram contra a abolição da escravatura e, posteriormente, contra o fim da segregação racial. Foram e continuam sendo contra todas as duras conquistas que as mulheres obtiveram nos últimos dois séculos e meio. E agora são contra a igualdade entre pessoas hétero e homossexuais.

Quando falam de liberdade (alguns deles ao menos), referem-se apenas à liberdade de mercado, liberdade importante também mas bem menor do que a liberdade humana em seus múltiplos sentidos. De fato, quem realmente ama a liberdade a deseja para todos os seres vivos. Tradição e liberdade não combinam. A tradição é uma gaiola; a liberdade, um passarinho.

Mas para desopilar nossos fígados de todas as toxicinas produzidas por essa gente de mente e alma estreitas, vamos cantar uma antiga canção que lhes serve de antídoto. (Escrevo sob o impacto da PEC que deu a conservadores religiosos poder de obstar (ainda não definitivo) decisões tomados pelo STF. Dá para imaginar a Idade das Trevas que virá se esse troço passar em plenário).

Atualização: Outro antídoto (vamos assinar contra o avanço fundamentalista no Brasil): Abaixo-assinado | Irmãos na Discordância: Rejeitem a PEC99 em nome da Laicidade Constitucional | Change.org http://chn.ge/10n5y63

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Heterrorismo avança na Rússia

Duas mulheres se beijam em frente ao parlamento russo
 em protesto contra a nova lei

A vida das pessoas homossexuais nunca foi fácil na Rússia. Na época da URSS, durante o período stalinista, artigos contra a homossexualidade foram introduzidos em todos os códigos penais das Repúblicas Soviéticas. Como justificativa para a perseguição, o comissário do povo para a "Justiça", Nikolai Krylenko, afirmava que o "homossexualismo" era  produto da decadência das classes exploradoras ociosas e que não havia lugar para tais pessoas em uma sociedade democrática fundada sobre princípios sadios (sic).

Na Rússia atual, o ex-agente da KGB, Vladimir Putin, não esqueceu os tempos totalitários e vem, desta feita com a ajuda da Igreja Ortodoxa (quando digo que essa gente ironicamente tem muito em comum...), não só investindo na destruição da democracia local, a fim de perpetuar-se no poder, como também reproduzindo, como nos velhos tempos, a criminalização da homossexualidade.

Num crescendo de ataques aos direitos humanos dos LGBT, agora o parlamento russo também aprovou um projeto que proíbe a chamada "propaganda da homossexualidade". Em nosso país, a conservalha brasileira gostaria de fazer o mesmo, porque os direitos homossexuais fariam parte de uma conspiração comunista (sic) para acabar com a sagrada família cristã.

Abaixo, notícia da Folha de São Paulo sobre o assunto e, ao fim da postagem, vídeo do Globo News, de antes da aprovação da lei, que deixa claro que Putin está usando os homossexuais como bodes expiatórios por supostamente contribuírem para destruição dos valores tradicionais russos que fomentam as críticas ao seu governo autoritário. Depois vídeo do The Huffington Post com imagens da repressão aos ativistas que protestavam contra a lei em frente ao parlamento.

Parlamento da Rússia aprova lei contra 'propaganda homossexual'


O Parlamento da Rússia aprovou ontem (dia 25/01), em primeira leitura, o projeto de lei que proíbe a chamada "propaganda da homossexualidade", que limita atos públicos e manifestações dos gays.

A medida faz parte de uma série de leis criadas pelo governo do presidente Vladimir Putin diminuindo os direitos dos homossexuais na Rússia, um dos países mais preconceituosos em relação à orientação sexual da Europa.

A proposta foi aprovada com 388 votos a favor, um contra e uma abstenção. O projeto de lei ainda passará pela Câmara alta do Parlamento antes de ser enviado à sanção de Putin.

Caso aprovada, permitirá a cobrança de multas de até 50 mil rublos (R$ 3.379) por manifestações, atos de campanha e ativismo pelo fim da discriminação de homossexuais.

Durante o debate no Parlamento, o deputado do governista Rússia Unida Serguei Dorofeyev disse que era preciso proteger crianças e adolescentes do que chamou de "consequências da homossexualidade".

A deputada Elena Mizulina, do Rússia Justa, considerou que a exposição das crianças demonstrações afetivas com pessoas do mesmo sexo "limitam o direito dos menores a se desenvolverem livremente".

Os homossexuais sofrem forte discriminação na Rússia, um dos países mais homofóbicos da Europa. Até 1993, ter relações com pessoas do mesmo sexo era crime e até 1999 era considerado uma doença mental.

PROTESTOS

Enquanto acontecia a sessão no Parlamento, ativistas gays e cristãos ortodoxos entraram em confronto pela segunda vez nesta semana. O estopim das agressões foi o beijo dado por duas mulheres na porta da casa legislativa.

Em seguida, os simpatizantes da lei começaram a jogar ovos, tinta, e tentaram atacar o grupo, mas foram impedidos pela presença policial. Os agentes prenderam os manifestantes mais exaltados e os militantes foram dispersados.

A Igreja Ortodoxa Russa pediu para que a nova lei seja estendida por toda a Rússia, ela que já vigora em outras cidades, como São Petesburgo, a segunda maior do país.




quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Milhares de reacionários foram às ruas de Paris para protestar contra a igualdade de todos perante a lei

Milhares de reacionários em ação contra a igualdade de direitos para todos

Organizada pela Igreja Católica, com apoio de evangélicos e muçulmanos, uma marcha de cerca de 350 mil conservadores franceses, segundo a polícia local, percorreu as ruas de Paris, no último domingo, dia 13, para protestar contra o projeto de lei do governo do presidente François Hollande que autoriza o casamento gay e a adoção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo.

Quando a gente pensa que já viu de tudo, ainda sobram coisas para nos surpreender. Manifestações em geral se dão por reivindicação de direitos ou para protestar contra a perda de direitos ou, por exemplo, contra a corrupção que lesa o erário público construído com dinheiro tirado de nossos impostos. Agora, marcha para protestar contra a igualdade de todos perante a lei, contra os direitos dos outros, é mesmo difícil de racionalizar. 

Não que seja exatamente uma novidade. Os ancestrais desses conservadores reacionários que foram às ruas francesas combater a igualdade entre héteros e homos já faziam passeatas contra a igualdade entre brancos e negros, nos EUA das décadas de 50 e 60 do século passado, à época do movimento pelos direitos civis dos negros americanos. As desculpas eram um pouco diferentes das que usam hoje para não aceitar a igualdade entre héteros e homos perante a lei (ao menos), mas Deus também era convocado a dar seu selo de autoridade à visão de mundo distorcida dessa gente abjeta. À guisa de exemplo, posto um vídeo sobre o período onde aparece brevemente, aos 00:25, uma manifestação em que uma conservadora segura um cartaz com os dizeres: "God demands segregation (Deus exige a segregação)." Vale lembrar ainda que, nesse período, proibiam também, por lei, nos EUA, os casamentos interraciais. Não era permitido que negros e brancos se casassem. E com certeza invocavam Deus para chancelar essa infâmia.

Hoje são os casamentos entre pessoas de mesmo sexo que eles querem impedir como antes quiseram impedir o de negros com brancos. E, claro, invocam novamente esse tal Deus para dizer que casamento é só entre homem e mulher com fins reprodutivos. (De passagem, vale destacar que, se assim for, há de se revogar o casamento dos heterossexuais que não tem filhos, pois não?) A desculpa esfarrapada para a objeção dos "cons" ao casamento homossexual é que ele representaria uma ameaça à família tradicional por razões que a própria razão desconhece. Qualquer pessoa provida de suas faculdades mentais intactas sabe que o ato de duas pessoas homossexuais irem a um cartório registrar seu relacionamento não afeta a vida de ninguém a não ser a delas mesmas. 

E no fundo esses conservadores sabem bem disso. Seu protesto é de fato pelo que veem  como perda de um privilégio, perda do monopólio heterossexual do casamento civil, embora se tratando de casamento civil e não religioso, ele deva ser acessível a todos os membros da sociedade civil, a qual também pertencem, naturalmente, os homossexuais. Seu protesto é contra um dos pilares das sociedades democráticas modernas que é a igualdade de todos perante a lei SEM DISTINÇÃO DE QUALQUER NATUREZA (artigo 5 de nossa constituição). Seu protesto é fascista até a medula dos ossos.

Os conservadores daqui exultaram com a marcha fascista, lamentando não serem capazes de promover, em solo pátrio, algo semelhante que vá além da Marcha para Jesus. Vale lembrar que esses conservadores são os mesmos que mais se opõem ao petismo e aos esquerdismos por sua real ou imaginária falta de democracia. Obviamente não deveriam atirar pedras no telhado alheio quando o próprio é de vidro, mas - como se sabe - os rotos sempre se acham superiores aos rasgados. Nenhum dos dois tem espelho.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Egalia: construindo a igualdade entre os sexos desde a creche

Crianças brincam na creche sueca Egalia
O que se convencionou chamar de masculino e feminino são características humanas arbitrariamente separadas entre homens e mulheres pela educação diferenciada. Crianças são adestradas a caber na forma, ou camisa de força, desses papéis sexuais, independente de suas características individuais de temperamento, caráter, propensões, habilidades. A função da educação diferenciada é conformar as crianças à seguinte fórmula: masculino + heterossexual = homem; feminino + heterossexual = mulher. O objetivo geral sempre foi o condicionamento “natural” da mulher à submissão, a dominância masculina e a restrição da sexualidade humana ao papel reprodutivo.

E os conservadores, religiosos ou não, sabem bem disso, basta ver sua histeria quanto à inserção da educação sexual nas escolas onde a homossexualidade possa ser tratada como natural. A homossexualidade é a prova de que a formulinha acima citada é fundamentalmente cultural e não natural como dizem. Se fosse natural, não ficariam tão preocupados com a possibilidade de “ensinarem homossexualismo” para seus filhos. Ao afirmarem que é possível “ensinar homossexualismo” para seus filhos, reconhecem que o “heterossexualismo” dos mesmos foi ensinado. Seu receio, portanto, é de que seu ensino para o “heterossexualismo” sofra a concorrência de outra perspectiva de educação. Naturalmente, isso na cabeça deles, porque o combate da homofobia nas escolas brasileiras visa apenas amenizar ao menos o bullying homofóbico para que os estudantes homossexuais possam se formar em paz.

Mas há outras experiências educacionais mundo a fora que podem deixar os conservadores mais ainda de cabelos em pé. São as experiências educacionais que visam educar as crianças sem papéis de gênero (gender free), de forma neutra. Em 20 de junho de 2011, em Estocolmo, na Suécia (bairro de Sodermalm) foi inaugurada uma creche pública, a Egalia, onde as crianças são educadas sem educação diferenciada, ou seja, de forma neutra quanto ao gênero. 

A creche para crianças na faixa de 1 a 6 anos é um dos exemplos mais radicais dos esforços suecos para garantir igualdade entre os sexos desde quase o berço. Lá, além das crianças brincarem com todo o tipo de brinquedo, sem a tradicional divisão de brinquedo de menina e de menino, até os pronomes de tratamento “ele” ou “ela” foram abolidos. As crianças chamam umas as outras simplesmente de “vän” (amigo ou amiga). 

Em outras situações, por exemplo, quando um(a) profissional (doutor/a, policial, electricista, etc.) está para visitar a creche a trabalho, anuncia-se sua chegada usando o neologismo “hen”, outro neutro. Segundo os funcionários da creche, isso dá às crianças a possibilidade de imaginar que pode aparecer um homem ou uma mulher, independente da profissão informada, o que lhes amplia a visão de mundo. Para a equipe da Egalia, o fundamental é que a creche possibilite que as crianças venham a ser o que desejarem em vez de preencherem as expectativas da sociedade que quer meninas boazinhas e bonitinhas e meninos durões e assertivos. E que lhes permita também encarar a sexualidade, em todas as suas variantes, como natural, a se acostumar igualmente com a ideia de casais homossexuais, com duas mães, dois pais. 

De fato, desconstruir os papéis de gênero, na Suécia, não é exclusividade da Egalia. Ocupa hoje papel central nos currículos nacionais para as pré-escolas, com base na visão de que, mesmo numa sociedade igualitária como a sueca, os garotos ainda são criados com vantagens injustas. A diferença é que, enquanto outras pré-escolas já não provocam polêmica, não falta gente para dizer que a pedagogia da Egalia é muito radical. 

Concordo em parte com essa colocação. Sou totalmente favorável à educação indiferenciada (livre de gênero) porque a tradicional só serve mesmo para mutilar o potencial das crianças ao forçá-las a se encaixar em papéis muitas vezes contrários à sua índole. As maiores prejudicadas com a educação tradicional são as meninas, em vários sentidos, mas os meninos também perdem muito com ela, entre outros fatores porque não desenvolvem a capacidade para a afetividade e a empatia. 

No entanto, não vejo sentido em se abolir os pronomes de tratamento “ele – ela”. Primeiro, porque as diferenças anatômicas e fisiológicas entre os sexos, por si só, justificam sua existência. Segundo, pelas dificuldades linguísticas que sua abolição cria, de difícil execução em muitas línguas (nas neolatinas, como a nossa, por exemplo). Terceiro, porque a sociedade ainda é majoritariamente assentada na divisão de gênero, e uma ruptura radical com ela pode levar ao oposto do que se pretende, ou seja, em vez de incluir com mais igualdade de oportunidades pode virar um fator de inadaptação. Devagar também se chega longe. 

No mais, espero morrer velhinha para poder ver a expansão das escolas livres de educação diferenciada, livres da camisa de força dos estereótipos de masculino e feminino que tanto mal nos têm feito. A educação diferenciada me lembra a deformação promovida pelo enfaixamento dos pés das chinesas em tempos idos sob a desculpa esfarrapada de que o aleijão resultante era feminino.

Fonte: site CBS News

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Branca de Neve não come mais as maçãs envenenadas dos manés Pondés

Sócrates não era politicamente incorreto
No final de semana, terminei de ler o tal Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, do Luiz Felipe Pondé, e me senti lesada. Primeiro, metade das páginas do livro (literalmente) está em preto, com alguns desenhos ou sem nada. Depois, a outra metade escrita, com raras exceções, é um amontoado de falácias, generalizações, mofados clichês machistas, exemplos de ignorância pura e simples, entre outras pérolas, tudo isso alinhavado para referendar a tese desse loser conservador de que a natureza humana é uma merda, o ser humano é uma merda, a vida é uma merda e quem nega essa "realidade" é  mentiroso, hipócrita e mau-caráter. Inclusive atente-se para o detalhe de que, ao xingar, de antemão, os possíveis contestadores de sua visão de mundo (uma espécie de falácia ad hominem a priori), Pondé visa intimidar a consciência crítica do leitor a fim de tentar evitar o reconhecimento de sua embromação intelectual. O menininho da fábula diria: "O rei está nu!"  Se o politicamente correto é chato e vigarista, Pondé não fica atrás.

Por coincidência, na segunda-feira, lendo minha página inicial do facebook, estava lá alguém comentando um artigo do dito na FSP, chamado Branca de Neve Azeda, na mesma linha dos maravilhosos textos do tal guia. Fiz um comentário genérico sobre o artigo, mas alguém insinuou que eu estava passando ao largo do texto em si e só criticando o autor. Comecei a dar uma resposta, mas o comentário foi ficando longo demais e acabou virando esta postagem.

Na verdade, primeiro, fica difícil esmiuçar o artigo do Pondé porque ele não dá referências de suas afirmativas, com exceção do tal "opression studies" que teria sido cunhado pelo cara da Fox News (ver o texto ao fim da postagem).

"'Oppression studies' é uma expressão usada pelo jornalista americano Billy O'Reilly, da Fox News, para se referir às "ciências humanas engajadas no controle das mentes".

Aqui, já temos um problema porque o termo parece ser de fato de autoria de um professor do departamento de História da Universidade da Pensilvânia, chamado Alan Kors. Depois, Pondé parte para um monte de generalizações (como de costume), misturando alhos com bugalhos e culminando por dizer que o pessoal do "opression studies" quer impedir propagandas que apresentem "homens como sendo homens e mulheres sendo mulheres" e que seria também responsável pela versão atual da Branca de Neve onde a dita não termina com um homem, o que resultaria numa velhice solitária e azeda porque mulheres sem homem - esse artigo de "primeira" necessidade - acabam inevitavelmente nesse estado.

Embora diga que os "oppression studies", via um comitê de gênero, desses países  em que o "mundo é perfeito" (e se são de países como poucos?), sonham em fazer leis, depois indaga por que razão esses "cem car@s (não são muito mais do que isso)" "querem se meter na vida, na família e na escola dos outros, com o direito de dizer o  que meus filhos ou os seus devem ver na TV?" Quem é o tal comitê de gênero, de onde é, de onde Pondé tirou essa informação? Onde está a referência que demonstra a ligação dos "opression studies" com a versão da Branca de Neve da Kristen Stewart? No próprio corpo do artigo, pode-se colocar referências que respaldem o que dizemos, né mesmo? Será que ele dá aulas de filosofia (ai, ai!) sem indicar bibliografia?

E quando ele se mete a exemplificar como seria a tal propaganda que visa impedir a apresentação de "homens como sendo homens e mulheres sendo mulheres", manda os leitores imaginarem que seria, como querem os "opression studies", o comercial de uma família não heterossexual para que os não heterossexuais não se sentissem oprimidos. Também não se sabe de onde ele tirou mais essa, porém fica difícil imaginar que agências de propaganda, considerando ser a maioria das famílias heterossexual, fossem deixar de tentar vender produtos para elas, em detrimento dos lucros dos anunciantes e delas próprias, para agradar aos especialistas dos "oppression studies".

Politicamente correto versus Politicamente incorreto

O politicamente correto é uma traição às raízes libertárias dos movimentos sociais.

A verdade é que as pessoas parecem estar com a paciência tão esgotada, ou com o saco tão cheio (para agradar gregas e troianos), das extrapolações do politicamente correto que estão engolindo acriticamente a falação de qualquer um que as questione mesmo de maneira suspeita. Pondé é um dos que está capitalizando em cima desse saco cheio, como se observa no artigo citado quando enumera as várias situações em que alguém pode ser rotulado de opressor pelo politicamente correto, situações  que vão do delito de andar de carro a não concordar com o sistema de cotas raciais.

De fato, o politicamente correto é uma degeneração das justas lutas de amplos setores da população (de fato a maioria da população, considerando apenas mulheres, negros e homossexuais) por igualdade de direitos e inclusão social. Nas últimas quatro décadas, uma parte do ativismo estendeu o conceito de opressão de tal forma que acabou tornando-o uma espécie de patrulhamento da sociedade, de falas, piadas, anúncios comerciais, obras literárias e até dicionários por supostamente ofender grupos historicamente discriminados. Um dos exemplos mais absurdos do PC é a tentativa de retirar, dos dicionários, contrariando a função dos mesmos, as acepções pejorativas de certos vocábulos por serem "ofensivos" a negros, ciganos, mulheres, etc.. Não custa repetir que dicionários são meros inventários das palavras usadas por uma determinada comunidade linguística.

O politicamente correto tem dois erros fundamentais. Primeiro, renaturaliza os coletivos e as dicotomias, criados pela sociedade conservadora, além da necessidade de se assumir um sujeito político a partir do qual reivindicar direitos. Só que agora divide a sociedade esquematicamente em oprimidos e opressores, ofendidos e ofensores, como se houvesse algum ser humano sem preconceitos. Conquistados os direitos básicos de cidadania, deveria-se partir para a desconstrução dos coletivos que aprisionam as pessoas as mais distintas em currais específicos,  buscando criar um mundo onde todos sejam de fato julgados como indivíduos - por que isso é o que corresponde à realidade - e não por sua cor de pele, seu sexo ou orientação sexual. O PC vai na direção oposta.

Segundo erro, ao reduzir grupos discriminados à categoria de meras vítimas a serem protegidas pelo Estado, o PC ironicamente os desempodera. Atribuir todos os problemas dos indivíduos somente a condições sociais adversas é irresponsabilizar as pessoas pelos rumos da própria vida. De fato, o politicamente correto é uma traição às raízes libertárias dos movimentos sociais.

O Politicamente incorreto (PI) vem se transformando apenas no reduto dos conformistas e reacionários

Então, razões para se questionar o politicamente correto não faltam, mas é preciso sempre levar em consideração a consistência dos questionamentos apresentados e a partir de que lugar eles provêm para não se comprar gato por lebre. O politicamente incorreto, a princípio uma aparente reação saudável aos exageros e desmandos do politicamente correto,  vem cada vez mais se revelando apenas o reduto dos conformistas e reacionários ressentidos com as mudanças sociais que escaparam de seu controle.

Capitalizando o saco cheio das pessoas pelas extrapolações do PC, gente como Pondé e outros do gênero vêm tentando revitalizar ideias de uns 60 anos atrás. Se o PC reduz toda a trajetória dos indivíduos às condições sociais adversas que enfrentam (então, fulano é bandido apenas porque vítima da pobreza), o PI quer negar que as condições sociais e culturais tenham papel importante na vida das pessoas, como se vivêssemos num vácuo social, bastando aos indivíduos força de vontade para superar os obstáculos que a sociedade lhes interpõe. O politicamente correto não mente quando aponta o papel da cultura em nossas vidas. O problema é a "solução" que ele dá para essa realidade.

Então a historinha das "imagens de mulher sendo mulher e homem sendo homem", como fala Pondé no citado artigo, só existem ideologicamente. Pondé de fato se refere às imagens tradicionais de homens e mulheres, mas esconde o "tradicionais" porque quer renaturalizar essas imagens, reafirmar os papéis tradicionais de homem e mulher.

Entretanto, ninguém com honestidade moral e intelectual pode afirmar categoricamente no que, em termos de comportamento, as diferenças anatômico-fisiológicas entre homens e mulheres implicam de fato.  Nem sequer as diferenças de conformação física podemos dizer que são simplesmente naturais porque até há muito pouco tempo as mulheres eram restritas ao lar e tinham seus movimentos também restritos por todo o tipo de cerceamento físico, desde os espartilhos até o enfaixamento dos pés das chinesas que as impedia de andar. 

Ainda, até o início do século XX, as mulheres eram proibidas de fazer esportes, para não ficarem masculinizadas. E todo mundo sabe muito bem que o que não se usa atrofia. Livres das restrições de outrora, hoje as mulheres exibem corpos com músculos monumentais, como os das fisiculturistas, corpos bombados, como as das periguetes da vida, e corpos malhados como, aliás, até se exige atualmente como padrão feminino de beleza. Mulheres a la Botero estão fora de moda.

Pondé parece a Carolina da música do Chico: o tempo passou na janela, e só ele não viu.  

Então, ser homem e mulher hoje é diferente de um século atrás, o que demonstra a preponderância da cultura na conformação da vida dos indivíduos e das sociedades humanas. Mas Pondé não se conforma. Parece a Carolina da música do Chico: o tempo passou na janela, e só Carolina não viu.  Ele se ressente do novo papel da mulher, que não tem mais o homem como centro de sua vida, e apela para os mais surrados clichês machistas, repetidos ad nauseam na maior parte de seus artigos, para tentar reconduzí-la ao seu devido lugar (de objeto e serviçal). Até a versão cinematográfica atual da Branca de Neve, com a insossa da Kristen Stewart (o que salva o filme para mim é a Charlize Teron de Rainha Má) entra na dança desse conservador angustiado com a obsolência de homens como ele:

"A coitada tem que terminar sozinha para sustentar sua posição de rainha "empoderada", apesar de amar o caçador (passo essencial para libertar nossa heroína da opressão de amar alguém da nobreza, o que seria ainda mais opressor).


Os "oppression studies", na sua face feminista, revelam aqui o ridículo de sua intenção: fazer de toda mulher uma mulher sem homem porque ela mesma é o homem. Todo mundo sabe que isto é a prova mais banal da chamada inveja do falo da qual falam os freudianos. Fizeram da pobre Branca de Neve uma futura rainha velha e sem homem. Ficará azeda como todas que envelhecem assim."

Vejam lá se o roteirista e o diretor do filme, dois homens, ressaltemos, estão lá sabendo dos "oppression studies" (como perguntei no começo da postagem, onde está a ligação entre eles?) e fizeram, para se adequar aos ditos,  a Branca de Neve da Kristen Stewart como uma futura rainha velha e sem homem (como se "homem" fosse um valor em si mesmo). Ao contrário de Pondé, os criadores do filme estão no século XXI e quiseram simplesmente apresentar uma versão da fábula adequada aos dias de hoje, para as jovens de hoje, que não são mais certinhas e boboquinhas, que querem ser protagonistas e não coadjuvantes e que, portanto, têm objetivos muito mais variados e interessantes do que arrumar homem. Felizmente, aliás. Suas mães (algumas ainda), avós e bisavós eram obrigadas a arrumar um homem para sustentá-las, pois não podiam se autossustentar e, geralmente, depois do casório, descobriam que o príncipe encantado era um sapo dado a bater nelas. E sozinhas e azedas ficavam exatamente por terem feito suas vidas girarem em torno de um homem, sem outro tipo de realização pessoal, e acabarem trocadas, depois de velhas, por outra de vinte anos, restando-lhes a humilhação de um casamento de fachada (tendo que engolir a outra) ou o abandono simplesmente  Quem não conhece inúmeras histórias assim? Até hoje acontecem.

Pondé é um fóssil do qual um cientista "cons" tirou o DNA para trazer dinossauros de volta à vida e exibir num parque, mas falhou na segurança do lugar. Então alguns espécimes escaparam para a civilização e acham que podem voltar a dominar o planeta e recompor os tempos do Jurássico e Cretáceo.  Não está obviamente preocupado com a solidão feminina que supostamente só seria sanada por um homem. Dá até vergonha alheia de escutar esse tipo de coisa em 2012. Está preocupado é em condenar a independência feminina que vem deixando na solidão os manés como ele que sentem saudades dos tempos da Amélia e querem ressuscitá-la a qualquer preço. E olhe que, apesar de tantas mudanças, ainda não se conseguiu que os vagaus  dividam sequer o serviço doméstico, sobrecarregando as mulheres que, além da carreira, ainda bancam as empregadas de marmanjos caras-de-pau. Também porque elas aceitam, né?

Entretanto, realmente, hoje mulheres não precisam de homens para nada pois podem sobreviver sem eles. Se querem ter filhos, podem se valer de uma ficada ou de um banco de esperma. Para algumas mulheres, homens não servem sequer para momentos de lazer (sei que me entendem). E os homens que pensam com a cabeça que têm cérebro deveriam é agradecer ao feminismo por essas mulheres independentes, pois assim podem ter certeza de que, quando as mulheres decidem criar uma família com eles, é porque de fato os amam e não porque não tem outra escolha senão aturá-los. O machismo empobrece às relações humanas. É uma doença de manés, de pondés.

Para além dos PC e  PI 

Concluindo, a crítica aos excessos do politicamente correto é necessária e saudável, mas não pode ser usada para tentar jogar fora o bebê junto com a água suja da bacia. Os politicamente incorretos estão negando a importância história, social e política dos movimentos sociais por causa dos desmandos de uma corrente que se encontra em evidência há apenas uns 40 e poucos anos, o que historicamente não é nada. Falando só do feminismo, mais corretamente dos feminismos, eles estão aí desde a Revolução Francesa (1789-1799), quando as primeiras mulheres começaram a reivindicar igualdade de direitos com os homens. São mais de dois séculos. Muita água rolou embaixo dessa ponte, água que não pode ser reduzida àquela lenga-lenga conservadora que credita a origem dos movimentos sociais a um - mais mítico do que real - "marxismo cultural" da Escola de Frankfurt. 

Então, de fato, considerando a crítica anistórica e as generalizações, os PI criticam o movimento LGBT, a quem chamam escrotamente de gayzista, não por seus erros mas porque são contrários a igualdade das pessoas homossexuais com as heterossexuais. Criticam o movimento ambientalista, a quem chamam de ecochato, não por seus excessos mas sim porque são antropocêntricos e acham que a natureza está aí para nos servir. Criticam o movimento feminista, a quem chamam escrotamente de feminazista, não por seus exageros mas sim porque querem as mulheres de volta à submissão do papel feminino tradicional, onde, só mesmo na cabeça dos machões, elas encontrariam a felicidade.

O mané do Pondé diz isso de forma mais oblíqua, porque posa de muderninho (para disfarçar as ideias da idade da pedra), porém há outros mais explícitos: eles querem "mulheres submissas, tradicionais, recatadas, reservadas, voltadas para a família, femininas, conservadoras (tirado de um blog chamado esquerdopatia). Eles querem a Amélia de volta, minha gente! Melhor esperarem sentados para não cansar!

Felizmente as Brancas de Neve de hoje não aceitam mais maças envenenadas de ninguém nem ficam esperando que príncipes venham salvá-las. Quem espera nunca alcança. Vão à luta sozinhas ou só bem acompanhadas.

P.S. Reproduzo também trecho de texto do filósofo Paulo Ghiraldelli Jr sobre o tema do politicamente correto/incorreto (de seu blog tirei igualmente a charge do Sócrates que ilustra esta postagem): "Espero que essa modinha conservadora anti-liberal e anti-direitos, que está melando tudo com essa conversa defasada sobre o “politicamente correto”, passe de vez. Pois ela está beirando justamente aquilo que denuncia: a falta de inteligência. Do modo que está, atingindo até Sócrates, passou da conta." (leia todo o artigo)




Branca de Neve Azeda

por  Mané Pondé

Fazer a cabeça das crianças sempre foi um dos pratos prediletos do fascismo. Agora, nem a Branca de Neve escapa, coitada, do ódio dos fascistas. O conjunto de "estudos" que se dedica a fazer a cabeça das crianças é parte do que podemos chamar de "oppression studies".

Você não sabe o que é?

"Oppression studies" é uma expressão usada pelo jornalista americano Billy O'Reilly, da Fox News, para se referir às "ciências humanas engajadas no controle das mentes". Explico.

Reprovou um aluno? Opressão. É preguiçoso? Não, a sociedade te oprimiu e fez você ficar assim. Um ladrão te assaltou? Ele é o oprimido, você o opressor. Aliás, sobre isso, vale dizer que, com a violência em São Paulo, devemos reescrever a famosa frase do Che: "Hay que enfiar la faca en la cavera, pero sin perder la ternura jamás".

A frase dele, assinatura de camisetas revolucionárias, é: "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". Essa camiseta é a verdadeira arma contra gente como ele. Os americanos deveriam afogar o Irã em Coca-Colas, Big Macs e pílulas anticoncepcionais para as iranianas transarem adoidado com seus amantes.

Convidou uma colega de trabalho para jantar? Opressão! Você é um opressor por excelência, deveria ter vergonha disso. Não é um amante espiritual do Obama? Opressor! Come picanha? Opressor! Não acha que a África é pobre por culpa sua? Opressor! Suspeita de que o sistema de cotas vai destruir a universidade pública criando um novo espaço de corrupção via reserva tribal de mercado e compra de diplomas de escolas públicas? Se você suspeita disso, é um opressor! Acha que uma pessoa deve ser julgada pelos seus méritos e não pelo que o tataravô do vizinho fez? Opressor! Anda de carro? Opressor! Ganhou dinheiro porque trabalha mais do que os outros? Opressor!

Os "oppression studies" sonham em fazer leis. Por exemplo, recentemente, um comitê de gênero (isto é, o povo que diz que sexo não existe e que tudo é uma "construção social", claro, opressora) desses países em que o "mundo é perfeito" teve uma nova ideia.

Esses caras (ou seriam car@s?) querem proibir qualquer propaganda ou programação infantil que reproduza imagens de mulher sendo mulher e homem sendo homem. Não entendeu? É meio confuso mesmo. Vamos lá.

Imagine uma propaganda na qual existe uma família. Segundo os especialistas em "oppression studies", para a marca não ser opressora, a família não pode ser heterossexual, porque se assim o for, o "espelho social" (a imagem que a mídia reproduz de algo) fará os não heterossexuais se sentirem oprimidos.

O problema aqui não é que as pessoas devem ser isso ou aquilo (melhor esclarecer, se não eu viro objeto de estudo dos "oppression studies"), mas sim por qual razão esses cem car@s (não são muito mais do que isso), que não têm o que fazer na vida a não ser se meter na vida, na família e na escola dos outros, têm o direito de dizer o que meus filhos ou os seus devem ver na TV? Até quando vamos aturar essa invasão da vida alheia em nome dos "oppression studies"?

Contos de fadas como Branca de Neve, Cinderela e Gata Borralheira são grandes objetos de atenção dos "oppression studies". Claro, as três são oprimidas, por isso gostam dos príncipes. Se fossem livres, a Branca de Neve pegaria a Cinderela. Humm... não seria uma má ideia....

Veja o lixo que ficou a releitura da Branca de Neve no filme que tem a atriz da série "Crepúsculo", a bela Kristen Stewart, como a Branca de Neve. Coitada...

A coitada tem que terminar sozinha para sustentar sua posição de rainha "empoderada", apesar de amar o caçador (passo essencial para libertar nossa heroína da opressão de amar alguém da nobreza, o que seria ainda mais opressor).

Os "oppression studies", na sua face feminista, revelam aqui o ridículo de sua intenção: fazer de toda mulher uma mulher sem homem porque ela mesma é o homem. Todo mundo sabe que isto é a prova mais banal da chamada inveja do falo da qual falam os freudianos. Fizeram da pobre Branca de Neve uma futura rainha velha e sem homem. Ficará azeda como todas que envelhecem assim.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Os conservadores brasileiros não são o Tea Party e o PSDB não é o Partido Republicano - Capítulo final da saga “O desastrado kit gay”

Esta imagem é mera montagem para ilustrar o tema do post
Eu já havia falado sobre o desastrado discurso de Serra a respeito do apelidado “kit gay” antes de grão-tucanos, como FHC, manifestarem seu desacordo com o que chamaram de flerte de Serra com setores conservadores e antes do próprio núcleo político da campanha do tucano ter dito que ele "demorou demais" para minimizar o debate sobre o kit anti-homofobia, no qual sequer deveria ter entrado. (Falo hoje pela última vez sobre esse tema).

Aliás, escrevi três textos sobre o assunto, sendo dois podcasts: A encruzilhada de Serra ou os Conservadores precisam de um partido para chamar de seu; No meio do caminho tinha um kit gay. Tinha um kit gay no meio do caminho!; Cartilha de Serra também pode ser considerada “doutrinação para o homossexualismo. Lamentei muito ter que fazer essas considerações de público porque sabia que seriam utilizadas por petistas contra o tucano, mas não dava para ficar de boca fechada diante da gritante contradição em que entrou o candidato em prejuízo de projetos importantes de combate a preconceitos em ambiente escolar.

José Serra é um dos políticos com maior histórico em prol da população LGBT no Brasil, incluindo aí um projeto de combate a diversos tipos de discriminação para ser usado em escolas. Entre essas discriminações se inclui o trabalho contra a homofobia, com abordagem conceitual semelhante à do Escola sem Homofobia (grotescamente chamado de kit gay) que o candidato decidiu criticar para fazer média com conservadores e atingir seu rival Fernando Haddad. 

Ao fazê-lo, Serra se mostrou incoerente com sua própria trajetória política e afastou muitos de seus eleitores tradicionais que obviamente nunca foram conservadores. Eu mesma só votei nele porque não poderia em sã consciência deixar de tentar impedir o PT de chegar à prefeitura de São Paulo. Meu voto foi pela cidadania, contra a tirania. Entretanto, praticamente não divulguei sua candidatura. Me limitei a questionar a competência e a probidade de Haddad, já bem conhecidas por sua passagem pelo Ministério da Educação e por fazer parte do partido do mensalão. Sua “gestão” será – salvo milagre - um desastre para a cidade, sem falar em outras possíveis consequências futuras. 

O argumento contrário ao “kit gay” é ilógico até da perspectiva conservadora

Até hoje, contudo, não me conformo com a estupidez do tucano de ter-se metido a criticar o tal kit gay para fazer média com conservadores. Se ele ao menos tivesse criticado o formato do projeto, o cabide de emprego para a militância LGBT petista que o projeto se tornaria, mas não, o parvo saiu a criticar logo o conceito do mesmo ao dizer que o Escola sem Homofobia “não ensinava e sim doutrinava para o homossexualismo”, ecoando o discurso retrógrado de gente como o pastor-vigarista Silas Malafaia, o troglodita deputado Jair Bolsonaro, o colunista de Veja, Reinaldo Azevedo, e outros anônimos de igual teor. Isso quando ele próprio, Serra - repetindo - já aprovara projeto de igual conteúdo.

Esse discurso de que se pode “ensinar homossexualismo” é ilógico até do ponto de vista conservador. Os conservadores costumam apregoar que a única sexualidade normal, natural, é a heterossexualidade. Então, como seria possível “ensinar homossexualismo”, considerando que o que é dado pela natureza não é passível de alteração por aprendizagem? Só se pode ensinar algo a um ser (humano ou animal) se este tiver (potencialmente) a capacidade para o aprendizado dado. Pode-se ensinar muitas coisas a um cachorro, dependendo de suas potencialidades, mas não se pode ensinar um cão a miar porque isto contraria a natureza do bicho. Ele não tem capacidade para tal. Não há como ter êxito nessa insana empreitada.

Assim, contraditoriamente, quando os conservadores afirmam que é possível se “ensinar o homossexualismo” em escolas, eles reconhecem que a homossexualidade faz tão parte da natureza humana quanto à heterossexualidade, que todos somos potencialmente bissexuais, tanto que temem que a simples visão de materiais, escritos ou audiovisuais, sobre homossexualidade, possa despertar esse lado reprimido de seus filhos (vão virar bichas, sapatões). Em suma, não é lógico afirmar que a (hetero)sexualidade é a única normal e natural e, ao mesmo tempo, que é possível se “ensinar homossexualismo”. Uma afirmação nega a outra. Na verdade, incoerências como essa surgem sempre quando o que dizemos se baseia em preconceitos e não na razão.

De qualquer modo, obviamente, esses projetos de combate à homofobia na escola visam de fato apenas trabalhar os preconceitos inculcados na cabeça dos jovens por seus pais e evitar que esses jovens se tornem molestadores de outros garotos e garotas diferentes por qualquer razão, impedindo estes útimos de terem a educação necessária para ascender na vida. Essa conversa de “ensinar homossexualismo” é viagem de gente de boca grande, mau hálito e papo furado. 

Os conservadores brasileiros não são o Tea Party e o PSDB não é o Partido Republicano dos EUA 

Agora falando do aspecto político-partidário da questão, como eu disse em meus outros artigos sobre o assunto, me impressionou e me impressiona muito a arrogância e a prepotência desses conservadores. Botaram na cabeça que são o Tea Party brasileiro e o PSDB, o Partido Republicano, e acham que podem transformar a sigla dos tucanos num partido para chamar de seu. 

Entretanto, para começo de conversa, o PSDB é, de fato, análogo ao Partido Democrata americano, ambos social-democratas, não tendo nada a ver com a atual conjuntura do Partido Republicano dos EUA. Aqui no Brasil, talvez o partido que mais se aproximaria dos conservadores fosse o DEM. Digo talvez porque, embora conheça alguns parlamentares do partido que comunguem de ideias conservadoras, não sei se o partido em geral, principalmente sua geração mais jovem, encamparia certas coisas cheias de teias de aranha. 

Na ausência de partido próprio, natural que os conservadores votem no PSDB para fazer frente ao PT, mas aí o certo é eles se adaptarem à realidade do partido e não querer que o partido se adapte à realidade deles. Mas não, frustrados por Serra não ter dado continuidade ao discurso conservador, pelo tiro no pé que foi, continuam afirmando (como eu havia previsto, aliás), finda a eleição, que o tucano e seu partido foram covardes por não terem levado a questão do “kit gay” para a televisão. 

Enquanto o próprio PSDB e qualquer pessoa não-conservadora que analise a candidatura do Serra, reconhece, inclusive por não viver restrita ao ambiente conservador, que o tema do “kit gay” foi um erro para o tucano, a hora da virada negativa para ele, os “cons”’ continuam afirmando que o candidato perdeu porque não fez o que eles – conservadores – queriam, levando a palhaçada do “ensinar homossexualismo” nas escolas para o horário eleitoral gratuito. É mole!?

Reestruturar o PSDB não passa por emular discurso conservador

É certo que ninguém entende a apatia do PSDB diante dos desmandos do lulopetismo nestes últimos 10 anos, sobretudo, a não defesa de seu maior patrimônio que foi o Real e o governo FHC. É certo que ninguém entende sua incapacidade de fazer uma oposição concreta ao petismo que inclusive ameaça sua existência bem como a da democracia brasileira. 

De qualquer forma, porém, a recuperação, a renovação e a reorganização do partido não passa por uma mudança de cunho ideológico, indo da centro-esquerda para a ponta direita. (No máximo, para meu gosto, talvez pudesse ser um pouco mais social-liberal). Esse papo conservador de que o campo da esquerda é monopólio do PT e de que, para voltar a vencer, o PSDB teria que emular um discurso conservador é conversa mole para boi dormir. (Querem um partido pronto para ocuparem em vez de se dar ao trabalho de construir um). 

Pelo contrário, o Brasil está carente de partidos fortes de centro, democráticos, moderados, respeitosos da laicidade do Estado, inclusivos, modernos, que possam apresentar uma alternativa para quem tem consciência de que esse atual flaflu entre socialistas (da boca para dentro ou para fora) de um lado e conservadores do outro, ambos autoritários, não interessa ao país, não interessa a quem quer um mundo melhor para todos. Já vimos um confronto parecido no passado, e o fim do filme é bem conhecido. 

Os conservadores que se organizem em partido próprio e tragam a público uma candidatura legitimamente conservadora que diga o que querem ver discutido em eleição. (Ajudarão inclusive a democracia dessa forma). E que passem suas ideias pelo escrutínio da opinião pública, pois inventar que o Brasil é conservador sem testar tal afirmação na prática é muito fácil, né mesmo? O que não pode voltar a acontecer é esse aluguel do PSDB por conservadores que, já pela segunda eleição, tem se mostrado francamente contraproducente.

Nesta eleição, digo, sem papas na língua, que os conservadores – e a obtusidade de Serra que resolveu ecoar o discurso deles – colaboraram decididamente para a vitória do PT! Óbvio que não foi apenas a fala desastrada de Serra sobre o “kit gay” a razão para sua derrota (vários fatores contribuíram para tal), mas foi ela sim seu calcanhar de Aquiles, aquele ponto X que ele não deveria ter descoberto. Então, parabéns aos “cons” pela contribuição à vitória do PT em Sampa!

E fico por aqui, para não me repetir mais. Como disse, no início do texto, já desenvolvi esse tema dos conservadores e seu “kit gay”, na eleição do Serra, por vários ângulos, em dois artigos (também em podcast), além de ter transcrito o material contra a homofobia que Serra aprovou quando governador e um dos vídeos que o acompanhava. Repito abaixo os links desses artigos, para quem quiser lê-los também. E termino me citando: “Para nós, demais paulistanos que não nos incluímos nem entre as viúvas do Muro de Berlim nem entre os cruzados medievais, só nos resta orar para que a Fortuna não nos abandone e que o Mal não deite raízes fundas demais que nos impossibilite tirá-las posteriormente.” 



terça-feira, 23 de outubro de 2012

Baixaria do "kit gay" prejudicou Serra: Marketing e núcleo político divergiram da ofensiva tucana

Ao ecoar a ignorância e o preconceito conservador contra "kit gay",
Serra prejudicou a própria candidatura
Do marketing ao núcleo político da campanha de José Serra (PSDB), a avaliação é de que o tucano "demorou demais" para minimizar o debate sobre o kit anti-homofobia, no qual sequer deveria ter entrado.
O candidato já havia sido avisado por interlocutores, às vésperas do primeiro turno, que o assunto poderia vir à tona e lhe era perigoso. Na campanha presidencial de 2010, Serra ficou negativamente marcado pela discussão de temas como religião e legalização do aborto, que lhe grudaram uma pecha conservadora que, segundo os mais próximos, nada tem a ver com as reais convicções do tucano.
Para estes grupos da campanha tucana, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus e que ofertou seu apoio a Serra, é "incontrolável". Mas Serra teria errado ao comentar a diferença do material distribuído nas escolas estaduais em 2009, quando governador, daquele que estava sendo feito no Ministério da Educação à época de Haddad como ministro. Dizem que ali o candidato "deu corda" a um assunto ingrato, impossível de abordar na propaganda televisiva e desgastante do ponto de vista político. Avaliam que o candidato fora influenciado a falar por pessoas alheias à campanha, de seu círculo pessoal.
Sobre a estratégia para a última semana da disputa, tucanos alegam que não há o que mudar. Mostram-se atônitos com os resultados mostrados por pesquisas como Ibope e Datafolha, que dão ao adversário petista uma dianteira de 20 pontos percentuais. A campanha faz pesquisas diárias por telefone com amostras de 1000 entrevistados. Todas indicam situação de empate técnico e um número de indecisos de quase um terço do eleitorado - bem maior do que aparece nas sondagens dos institutos.
Um tucano envolvido na estratégia de campanha alega que um mesmo grupo faz pesquisa para o PSDB desde 1994 e "nunca errou". Portanto, seria descabido duvidar dos resultados e mudar o discurso por causa das diferenças em relação ao Datafolha e Ibope. As pesquisas qualitativas do grupo mostram que o eleitor indeciso tende a fazer uma aposta "segura" na última hora. Isso norteou as inserções televisivas que vendem o candidato do PSDB como experiente e realizador, em contraponto a um adversário que "não está preparado", segundo a peça.

Fonte: Valor Econômico - 23/10/2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

No meio do caminho tinha um kit gay. Tinha um kit gay no meio do caminho!

No meio do caminho tinha um kit gay. Tinha um kit gay no meio do caminho
Em novo podcast, comento outra vez as eleições de São Paulo e as razões para a situação adversa que enfrenta o candidato tucano José Serra. Na minha opinião, entre outros fatores para esse resultado, sem dúvida, pesou a crise de identidade ideológica de Serra que, a fim de fazer média com conservadores, meteu-se a ecoar a visão destes no caso do famigerado "kit gay".  Cometeu o erro fatal de criticar o tal "kit gay", projeto com a mesma perspectiva educacional de luta contra a discriminação que ele próprio já endossara quando governador. A contradição indiscutível abalou sua credibilidade e, não por coincidência, infelizmente marcou sua queda nas pesquisas.

Ouça o podcast e deixe sua opinião sobre o mesmo. Agradeço a audição!


Atualização (29/10): Transcrição do podcast

Hoje vou voltar a comentar as eleições para a prefeitura de São Paulo e os problemas da candidatura do tucano José Serra. Os institutos de pesquisa têm errado sobremaneira, em todo o país, mas não se pode relevar o que indicam a respeito da vantagem de Haddad sobre o candidato do PSDB.

Vários fatores podem ter contribuído para essa situação, tais como a avaliação negativa da gestão do atual prefeito Kassab, considerado herdeiro de Serra, a própria rejeição à Serra que já estava alta no primeiro turno, a campanha milionária do rival e sua máquina de mistificações e difamações, etc. Tudo isso, contudo, já existia no primeiro turno, mas não impediu Serra de chegar ao segundo, inclusive liderando o pleito, embora não se possa desconsiderar que, na primeira etapa da eleição, a máquina de destruição de reputações do PT tenha mirado principalmente Russomano e não o tucano.

Qual o fator então que pesou decididamente para o atual resultado adverso? Na minha opinião, sem dúvida a crise de identidade ideológica de Serra que, para fazer média com conservadores, meteu-se a ecoar a visão destes no caso do famigerado kit gay. (Abordei este tema, aliás, no podcast anterior A Encruzilhada de Serra ou Os conservadores precisam de um partido para chamar de seu). Quando da eleição de 2010, Serra já havia flertado com conversadores ao abordar o tema do aborto, mas, naquela ocasião, não chegou a público nenhuma contradição concreta sobre a posição do candidato relativa ao assunto antes do pleito e durante o mesmo. Só rolou uma história de que sua mulher havia feito um aborto, mas a nota ficou com cara de fofoca baixaria de imprensa sensacionalista. 

Desta vez, contudo, ao criticar o tal kit gay de Haddad, por supostamente “não ensinar mas sim doutrinar”, Serra foi confrontado com o fato de que ele próprio já tinha aprovado um projeto também dirigido a escolas onde a questão da homossexualidade é abordada a partir da mesma perspectiva da do projeto Escola sem Homofobia. Na postagem Cartilha deSerra também pode ser considerada “doutrinação para o homossexualismo, reproduzi o texto do projeto e um dos vídeos que o acompanha para quem quiser verificar a abordagem. E o fiz, porque, mesmo sendo eleitora do tucano, não gosto de mentiras e, sobretudo, não gosto  de mentiras que podem prejudicar os projetos de combate a discriminações nas escolas.

Além do que, seja na boca da Dilma/Haddad ou do Serra, essa história de que o apelidado kit gay não “ensinava mas sim fazia doutrinação do homo ou bisssexualismo ou fazia proselitismo homossexual ou ainda propaganda de opções sexuais” é simplesmente ridícula. Na verdade, esse tipo de “argumento” visa apenas impedir que se desconstrua o preconceito que leva à discriminação que atinge estudantes homossexuais em salas de aula, na contramão do posicionamento dos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos sobre a questão da homofobia.

Também existe tanto proselitismo da bissexualidade em afirmar que bissexuais são afortunados, por terem toda a humanidade entre a qual encontrar um parceiro ou parceira, quanto dizer que depois da noite vem o dia e vice-versa. Aliás, diga-se de passagem, se não fosse toda a repressão promovida pelo kit hétero (essa camisa de força que já vem malhada antes da gente nascer), provavelmente a maioria das pessoas seria bissexual. No fundo, esses conservadores morrem de medo é de que as pessoas de repente se deem conta de que o rei sempre esteve nu. De qualquer forma, pode-se fazer a prova dos nove com eles e perguntar qual a proposta que teriam de combate à homofobia que não faça “proselitismo homossexual”. Gostaria de saber como  combater a homofobia sem tratar a homo e a bissexualidade como naturais.  

Mas voltando aos percalços da candidatura do Serra, alguém pode contestar que seja a ligação com conservadores o grande problema do tucano, já que o PT também tem feito alianças com todo o tipo de reacionários (Collor, Sarney, Maluf, Bispo Macedo, Garotinho) mas continua vencendo eleições com ajuda destes. Entretanto, como já havia comentado no podcast anterior, a única coisa que o PT sabe fazer bem é mentir. Tem uma muito azeitada máquina de mistificação e difamações cujos tentáculos se espalham pela imprensa, blogs, movimentos sociais, etc. O PSDB não tem. Tucanos são ruins até em propagandear suas realizações quanto mais em sustentar mentiras. O PT, ao contrário, acusa os outros de fazer aquilo que ele mesmo faz, e a mentira cola. 

Por isso, Serra devia ter aprendido a se esquivar de certas polêmcias a partir da experiência com a campanha anterior, para a presidência da República, onde já fora rotulado de promotor do conservadorismo pelo fato de o tema do aborto ter permeado as eleições. Ele não tem a rede de proteção dos caras-de-pau que os candidatos petistas têm. Basta lembrar que Dilma Roussef se dizia  favorável à legalização do aborto antes das eleições de 2010, depois durante as mesmas negou tudo, indo fingir devoção religiosa em igrejas da cidade de Aparecida, mas foi Serra quem ficou com a fama de reacionário do pleito. Dilma também disse, como comentei anteriormente, que o tal “kit gay” fazia propaganda de opções sexuais, ao vetá-lo com anuência de Haddad, mas só Serra é quem está levando a fama de vendido ao atraso por suas declarações sobre o Escola sem Homofobia.

Mas Serra não aprendeu com a eleição de 2010 e cometeu o erro fatal de criticar o tal kit gay, projeto com a mesma perspectiva educacional de luta contra a discriminação que ele próprio já endossara quando governador. A contradição indiscutível abalou sua credibilidade e, não por coincidência, marcou sua queda nas pesquisas. Sob críticas inclusive de membros de seu próprio partido, por flertar com o conservadorismo, o tucano decidiu não mais tocar no assunto, porém, o estrago à sua candidatura parece ter sido irremediável. Para tentar vencer os petralhas, Serra teria que ter buscado se diferenciar deles, mantendo-se coerente com sua trajetória social-democrata e não ter-se permitido virar porta-voz de um grupo ao qual nunca pertenceu.

Por outro lado, os conservadores, a quem andou paparicando, insistem em dizer, ao contrário  das evidências, que a queda de Serra nas pesquisas é por conta da campanha do mesmo ser covarde, por ele não ter mostrado aos eleitores o que Haddad pretendia levar às escolas, a seus filhos, irmãos, sobrinhos, netos, pelo candidato ter amarelado enfim ao desistir do seu postiço discurso conservador. Se assim fosse, só para citar um exemplo, resta explicar porque os votos de Russomano não migraram para Serra e sim para Haddad no segundo turno.

Impressiona aliás a arrogância e a prepotência desses que se dizem conservadores e se encarapitaram na candidatura do Serra. Embora não consigam organizar um partido próprio, para defender sua visão de mundo, acham que são muito bons de votos por ter blogs com milhões de acessos. Milhões de acessos em blogs que até agora não se traduziram nas cerca de apenas 500 mil assinaturas necessárias para se registrar um partido nem nos milhões de votos para eleger um candidato mesmo numa cidade considerada conservadora como São Paulo? De fato, segundo o Data Folha, em pesquisa publicada ontem, dia 21/10, a maioria do eleitorado paulistano é mais liberal do que conservadora, se juntarmos os muito liberais, os liberais e os mais ou menos liberais em oposição aos conservadores e muito conservadores. De fato, sempre achei esse papo de que Sampa é conservadora uma tremenda bobagem. Isso é muito relativo.

De qualquer forma, pode-se argumentar que não tendo candidato próprio, os conservadores encamparam quem lhes pareceu em condições de bater o PT. Mas aí pelo menos deveriam ter respeitado o histórico do candidato e não tentar descaracterizá-lo para atender a seus anseios. Querer que um candidato não-conservador encampe a agenda conservadora, em flagrante contradição com sua própria trajetória, e ainda sair pregando a ética e a honestidade contra a quadrilha do PT?  Conservador pode fazer a realpolitk, mas o PT não? O resultado desse oportunismo é simplesmente o nivelamento de todos ao mesmo patamar do petralhismo, o que só o beneficia.

Entretanto, a arrogância e a prepotência desses conservadores são de tal tamanho que não aceitam o fato do candidato e seus assessores simplesmente terem se tocado que a candidatura ficou bem mal na foto, pelas contradições cometidas, e decidido tentar reverter o desastre recolocando o tucano em seu trilho natural. Fora que unsoutros “cons“, diante do possível naufrágio da candidatura tucana, já estão tirando o seuzinho conservador da reta, com uma conversa mole de que não tem preconceito de espécie alguma, mas que insistiram para o candidato tucano bater o bumbo do kit gay porque os pais têm o direito de escolher como querem que se ensine seus filhos.

Preconceitos todos temos – e quem diz que não tem mente – mas precisamos cuidar para que nossos preconceitos não se transformem em discriminação. E é a isso que os projetos de combate à homofobia nas escolas, entre outras discriminações, se propõem: trabalhar parar que os preconceitos trazidos do berço pelos alunos os tornem perseguidores de outros alunos, diferentes da maioria por qualquer razão, impedindo estes últimos de estudar e ter a correspondente ascensão social a qual todos têm direito. Há algo de bem errado na cabeça de pessoas que não aceitam essa proposta.

Finalizando, infelizmente, ao que tudo indica, Serra dificilmente será prefeito de São Paulo, embora seja de longe o mais capaz dos candidatos em disputa. Pior, ele sai dessa eleição com a imagem de reacionário que nunca foi, e nós, paulistanos, é que vamos pagar o pato de ter na prefeitura de nossa cidade uma quadrilha fascistóide que vai usá-la para se reerguer das acusações do mensalão e aprofundar a corrosão da democracia brasileira.

E, desta vez, se confirmada a eleição de Haddad, pode-se dizer que os petistas contaram, para a vitória, com a ajuda inestimável dos ditos conservadores que tanto os detestam. Obviamente estes últimos deveriam fazer alguma autocrítica, mas duvido que o façam. Sofrem da mesma ojeriza pelo espelho que os petistas. Continuarão apenas postando comentários irados e preconceituosos, em redes sociais e na caixa de comentários de seus blogs com milhões de acessos, sem tirar a bunda e a cabeça quadradas da frente do computador a fim de tentar ao menos um partido que os represente para que não precisem mais ser tão oportunistas e tão contraproducentes numa próxima eleição. 

Para nós, demais paulistanos que não nos incluímos nem entre as viúvas do Muro de Berlim nem entre os cruzados medievais, só nos resta orar para que a Fortuna não nos abandone e que o Mal não deite raízes fundas demais que nos impossibilite tirá-las posteriormente. 

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