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No
meio do caminho tinha um kit gay. Tinha um kit gay no meio do caminho
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Ouça o podcast e deixe sua opinião sobre o mesmo. Agradeço a audição!
Atualização (29/10): Transcrição do podcast
Hoje
vou voltar a comentar as eleições para a prefeitura de São Paulo e os problemas
da candidatura do tucano José Serra. Os institutos de pesquisa têm errado
sobremaneira, em todo o país, mas não se pode relevar o que indicam a respeito
da vantagem de Haddad sobre o candidato do PSDB.
Vários
fatores podem ter contribuído para essa situação, tais como a avaliação
negativa da gestão do atual prefeito Kassab, considerado herdeiro de Serra, a
própria rejeição à Serra que já estava alta no primeiro turno, a campanha
milionária do rival e sua máquina de mistificações e difamações, etc. Tudo
isso, contudo, já existia no primeiro turno, mas não impediu Serra de chegar ao
segundo, inclusive liderando o pleito, embora não se possa desconsiderar que, na
primeira etapa da eleição, a máquina de destruição de reputações do PT tenha mirado
principalmente Russomano e não o tucano.
Qual o fator então que pesou decididamente para o atual resultado adverso? Na
minha opinião, sem dúvida a crise de identidade ideológica de Serra que, para
fazer média com conservadores, meteu-se a ecoar a visão destes no caso do
famigerado kit gay. (Abordei este tema, aliás, no podcast anterior A Encruzilhada de Serra ou Os conservadores precisam de um partido para chamar de seu). Quando da eleição de 2010,
Serra já havia flertado com conversadores ao abordar o tema do aborto, mas,
naquela ocasião, não chegou a público nenhuma contradição concreta sobre a
posição do candidato relativa ao assunto antes do pleito e durante o mesmo. Só
rolou uma história de que sua mulher havia feito um aborto, mas a nota ficou com
cara de fofoca baixaria de imprensa sensacionalista.
Desta vez, contudo, ao criticar o tal kit gay de Haddad, por supostamente “não
ensinar mas sim doutrinar”, Serra foi confrontado com o fato de que ele próprio
já tinha aprovado um projeto também dirigido a escolas onde a questão da
homossexualidade é abordada a partir da mesma perspectiva da do projeto Escola
sem Homofobia. Na postagem Cartilha deSerra também pode ser considerada “doutrinação para o homossexualismo, reproduzi
o texto do projeto e um dos vídeos que o acompanha para quem quiser verificar a
abordagem. E o fiz, porque, mesmo sendo eleitora do tucano, não gosto de
mentiras e, sobretudo, não gosto de
mentiras que podem prejudicar os projetos de combate a discriminações nas
escolas.
Além
do que, seja na boca da Dilma/Haddad ou do Serra, essa história de que o
apelidado kit gay não “ensinava mas sim fazia doutrinação do homo ou
bisssexualismo ou fazia proselitismo homossexual ou ainda propaganda de opções
sexuais” é simplesmente ridícula. Na verdade, esse tipo de “argumento” visa
apenas impedir que se desconstrua o preconceito que leva à discriminação que
atinge estudantes homossexuais em salas de aula, na contramão do posicionamento
dos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos sobre a questão da
homofobia.
Também existe tanto proselitismo da bissexualidade em afirmar que bissexuais
são afortunados, por terem toda a humanidade entre a qual encontrar um parceiro
ou parceira, quanto dizer que depois da noite vem o dia e vice-versa. Aliás,
diga-se de passagem, se não fosse toda a repressão promovida pelo kit hétero
(essa camisa de força que já vem malhada antes da gente nascer), provavelmente
a maioria das pessoas seria bissexual. No fundo, esses conservadores morrem de
medo é de que as pessoas de repente se deem conta de que o rei sempre esteve
nu. De qualquer forma, pode-se fazer a prova dos nove com eles e perguntar qual
a proposta que teriam de combate à homofobia que não faça “proselitismo
homossexual”. Gostaria de saber como combater
a homofobia sem tratar a homo e a bissexualidade como naturais.
Mas
voltando aos percalços da candidatura do Serra, alguém pode contestar que seja
a ligação com conservadores o grande problema do tucano, já que o PT também tem
feito alianças com todo o tipo de reacionários (Collor, Sarney, Maluf, Bispo
Macedo, Garotinho) mas continua vencendo eleições com ajuda destes. Entretanto,
como já havia comentado no podcast anterior, a única coisa que o PT sabe fazer
bem é mentir. Tem uma muito azeitada máquina de mistificação e difamações cujos
tentáculos se espalham pela imprensa, blogs, movimentos sociais, etc. O PSDB
não tem. Tucanos são ruins até em propagandear suas realizações quanto mais em
sustentar mentiras. O PT, ao contrário, acusa os outros de fazer aquilo que ele
mesmo faz, e a mentira cola.
Por isso, Serra devia ter aprendido a se esquivar de certas polêmcias a partir
da experiência com a campanha anterior, para a presidência da República, onde
já fora rotulado de promotor do conservadorismo pelo fato de o tema do aborto
ter permeado as eleições. Ele não tem a rede de proteção dos caras-de-pau que
os candidatos petistas têm. Basta lembrar que Dilma Roussef se dizia favorável à legalização do aborto antes das
eleições de 2010, depois durante as mesmas negou tudo, indo fingir devoção
religiosa em igrejas da cidade de Aparecida, mas foi Serra quem ficou com a
fama de reacionário do pleito. Dilma também disse, como comentei anteriormente,
que o tal “kit gay” fazia propaganda de opções sexuais, ao vetá-lo com anuência
de Haddad, mas só Serra é quem está levando a fama de vendido ao atraso por
suas declarações sobre o Escola sem Homofobia.
Mas
Serra não aprendeu com a eleição de 2010 e cometeu o erro fatal de criticar o
tal kit gay, projeto com a mesma perspectiva educacional de luta contra a
discriminação que ele próprio já endossara quando governador. A contradição
indiscutível abalou sua credibilidade e, não por coincidência, marcou sua queda
nas pesquisas. Sob críticas inclusive de membros de seu próprio partido, por
flertar com o conservadorismo, o tucano decidiu não mais tocar no assunto,
porém, o estrago à sua candidatura parece ter sido irremediável. Para tentar vencer
os petralhas, Serra teria que ter buscado se diferenciar deles, mantendo-se
coerente com sua trajetória social-democrata e não ter-se permitido virar
porta-voz de um grupo ao qual nunca pertenceu.
Por
outro lado, os conservadores, a quem andou paparicando, insistem em dizer, ao
contrário das evidências, que a queda de
Serra nas pesquisas é por conta da campanha do mesmo ser covarde, por ele não
ter mostrado aos eleitores o que Haddad pretendia levar às escolas, a seus
filhos, irmãos, sobrinhos, netos, pelo candidato ter amarelado enfim ao
desistir do seu postiço discurso conservador. Se assim fosse, só para citar um
exemplo, resta explicar porque os votos de Russomano não migraram para Serra e sim
para Haddad no segundo turno.
Impressiona
aliás a arrogância e a prepotência desses que se dizem conservadores e se
encarapitaram na candidatura do Serra. Embora não consigam organizar um partido
próprio, para defender sua visão de mundo, acham que são muito bons de votos
por ter blogs com milhões de acessos. Milhões de acessos em blogs que até agora
não se traduziram nas cerca de apenas 500 mil assinaturas necessárias para se
registrar um partido nem nos milhões de votos para eleger um candidato mesmo
numa cidade considerada conservadora como São Paulo? De fato, segundo o Data
Folha, em pesquisa publicada ontem, dia 21/10, a maioria do eleitorado
paulistano é mais liberal do que conservadora, se juntarmos os muito liberais,
os liberais e os mais ou menos liberais em oposição aos conservadores e muito
conservadores. De fato, sempre achei esse papo de que Sampa é conservadora uma
tremenda bobagem. Isso é muito relativo.
De
qualquer forma, pode-se argumentar que não tendo candidato próprio, os
conservadores encamparam quem lhes pareceu em condições de bater o PT. Mas aí
pelo menos deveriam ter respeitado o histórico do candidato e não tentar
descaracterizá-lo para atender a seus anseios. Querer que um candidato
não-conservador encampe a agenda conservadora, em flagrante contradição com sua
própria trajetória, e ainda sair pregando a ética e a honestidade contra a
quadrilha do PT? Conservador pode fazer
a realpolitk, mas o PT não? O resultado desse oportunismo é simplesmente o
nivelamento de todos ao mesmo patamar do petralhismo, o que só o beneficia.
Entretanto, a arrogância e a prepotência desses conservadores são de tal
tamanho que não aceitam o fato do candidato e seus assessores simplesmente terem
se tocado que a candidatura ficou bem mal na foto, pelas contradições
cometidas, e decidido tentar reverter o desastre recolocando o tucano em seu
trilho natural. Fora que unsoutros “cons“, diante do possível naufrágio da
candidatura tucana, já estão tirando o seuzinho conservador da reta, com uma conversa
mole de que não tem preconceito de espécie alguma, mas que insistiram para o
candidato tucano bater o bumbo do kit gay porque os pais têm o direito de
escolher como querem que se ensine seus filhos.
Preconceitos
todos temos – e quem diz que não tem mente – mas precisamos cuidar para que
nossos preconceitos não se transformem em discriminação. E é a isso que os
projetos de combate à homofobia nas escolas, entre outras discriminações, se
propõem: trabalhar parar que os preconceitos trazidos do berço pelos alunos os
tornem perseguidores de outros alunos, diferentes da maioria por qualquer razão,
impedindo estes últimos de estudar e ter a correspondente ascensão social a
qual todos têm direito. Há algo de bem errado na cabeça de pessoas que não
aceitam essa proposta.
Finalizando,
infelizmente, ao que tudo indica, Serra dificilmente será prefeito de São
Paulo, embora seja de longe o mais capaz dos candidatos em disputa. Pior, ele
sai dessa eleição com a imagem de reacionário que nunca foi, e nós,
paulistanos, é que vamos pagar o pato de ter na prefeitura de nossa cidade uma
quadrilha fascistóide que vai usá-la para se reerguer das acusações do mensalão
e aprofundar a corrosão da democracia brasileira.
E,
desta vez, se confirmada a eleição de Haddad, pode-se dizer que os petistas
contaram, para a vitória, com a ajuda inestimável dos ditos conservadores que
tanto os detestam. Obviamente estes últimos deveriam fazer alguma autocrítica,
mas duvido que o façam. Sofrem da mesma ojeriza pelo espelho que os petistas. Continuarão
apenas postando comentários irados e preconceituosos, em redes sociais e na
caixa de comentários de seus blogs com milhões de acessos, sem tirar a bunda e
a cabeça quadradas da frente do computador a fim de tentar ao menos um partido
que os represente para que não precisem mais ser tão oportunistas e tão
contraproducentes numa próxima eleição.
Para nós, demais paulistanos que não nos incluímos nem entre as viúvas do Muro
de Berlim nem entre os cruzados medievais, só nos resta orar para que a Fortuna
não nos abandone e que o Mal não deite raízes fundas demais que nos
impossibilite tirá-las posteriormente.
5 comentários:
Concordo plenamente com tua aguçada análise, Miriam! Serra deixou muita gente perplexa com essa estúpida adesão ao discurso conservador-fundamentalista na questão do kit anti-homofobia. Até FHC deu declaração dizendo que estava assustado com o discurso cada vez mais conservador de Serra.
Honestamente, não morro de amores pelo Haddad e não fico impressionado com ele segurando bandeirinha colorida... Estou cansado da p-taria do PT no poder e na manutenção do mesmo. Entretanto, não posso consentir com a ideia de que pastores fundamentalistas pareçam 'fatores determinantes' de vitórias em eleições. Isso só fortaleceria o projeto teocrático deles.
Sinto-me, muitas vezes, vivendo o dilema da amputação por gangrena: corto o braço ou deixo a morte atingir a cabeça? Para mim, nessas eleições, Haddad está, em relação a Serra-Malafaia, como o braço amputado está para o óbito. Não fosse essa aliança estúpida de Serra, eu seria o primeiro a dizer não ao covarde do Haddad e sua chefe homofóbica Dilmá (como diz o Mott).
Parabéns pela análise mais uma vez. Divulgarei agora mesmo.
Beijo,
Sergio Viula
Sérgio,também acho que Serra cometeu um erro fatal ao ecoar o discurso ignorante e preconceituoso dos conservadores, mas esse discurso já foi derrotado recebendo a reprovação até de gente do próprio PSDB e de eleitores do tucano, como eu mesma.
Agora estou preocupada é com minha cidade. Não posso entregar, com minha omissão ou conivência, um orçamento de mais de 400 bilhões a um partido cuja cúpula acaba de ser condenada por formação de quadrilha. Trata-se de uma máfia fascista, e eu não sou canalha.
Se Serra ganhasse, sem ter que se valer mais da vergonhosa apelação a baixarias conservadoras, seria uma dupla vitória: contra o uso da ignorância e do preconceito em eleições e contra a corrupção como forma de fazer política. Sem falar na ameaça à democracia. Voto 45 contra o PT! Embora constrangida, como já disse de outra vez, pelo que Serra aprontou!
Triste demais com tudo isso... se @s anarquistas brasileir@s não fossem, na verdade, tão comunistas quanto qualquer outr@, são sedent@s de poder quanto, eu me entregaria de vez ao anarquismo. Temo muito pelo que nos espera... Bom, eu amei a ideia do podcast aqui, suas inflexões dão o sentido amplo ao texto, mais que mera leitura.
Gracias,
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br
Não sou mais de São Paulo capital, mas suas ações políticas ainda me afetam. Não posso votar, mas não fico tão chateada por isso, pois esse ano os candidatos estão realmente lamentáveis. Competem sobre quem pode ser o mais conservador com relação aos LGBTs! Isso é no mínimo triste. Claro que a cidade precisa de políticas de moraria, transporte, trânsito, saúde, educação, limpeza urbana etc. e não só discutir a causa LGBT, mas os LGBTs usam todos os serviços municipais e certamente precisam ser tratados com respeito em todos eles. O eleitor fica totalmente vendido! Não sou de partido - uma graça divina - por isso não tenho o compromisso nauseante de aceitar violar meus direitos e convicções em razão de um "bem maior". Em SP, provavelmente votaria com dor no coração.
Também não sou de partido algum, por isso só tenho compromisso com minha consciência moral e política. Voto como cidadã contra um projeto que visa saquear e destruir a democracia brasileira usando a cidade onde vivo para isso. Deixo trecho de texto do professor Marco Antonio Villa que reproduzi na íntegra agora mesmo, definindo o que é o PT: http://bit.ly/VAjtbb
"O único projeto da aristocracia petista — conservadora, oportunista e reacionária — é de se perpetuar no poder. Para isso precisa contar com uma sociedade civil amorfa, invertebrada. Não é acidental que passaram a falar em controle social da imprensa e... do Judiciário. Sabem que a imprensa e o Judiciário acabaram se tornando, mesmo sem o querer, nos maiores obstáculos à ditadura de novo tipo que almejam criar, dada ausência de uma oposição político-partidária.
A estratégia petista conta com o apoio do que há de pior no Brasil. É uma associação entre políticos corruptos, empresários inescrupulosos e oportunistas de todos os tipos. O que os une é o desejo de saquear o Estado. O PT acabou virando o instrumento de uma burguesia predatória, que sobrevive graças às benesses do Estado. De uma burguesia corrupta que, no fundo, odeia o capitalismo e a concorrência. E que encontrou no partido — depois de um século de desencontros, namorando os militares e setores políticos ultraconservadores — o melhor instrumento para a manutenção e expansão dos seus interesses. Não deram nenhum passo atrás na defesa dos seus interesses de classe. Ficaram onde sempre estiveram. Quem se movimentou em direção a eles foi o PT."
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