segunda-feira, 22 de outubro de 2012

No meio do caminho tinha um kit gay. Tinha um kit gay no meio do caminho!

No meio do caminho tinha um kit gay. Tinha um kit gay no meio do caminho
Em novo podcast, comento outra vez as eleições de São Paulo e as razões para a situação adversa que enfrenta o candidato tucano José Serra. Na minha opinião, entre outros fatores para esse resultado, sem dúvida, pesou a crise de identidade ideológica de Serra que, a fim de fazer média com conservadores, meteu-se a ecoar a visão destes no caso do famigerado "kit gay".  Cometeu o erro fatal de criticar o tal "kit gay", projeto com a mesma perspectiva educacional de luta contra a discriminação que ele próprio já endossara quando governador. A contradição indiscutível abalou sua credibilidade e, não por coincidência, infelizmente marcou sua queda nas pesquisas.

Ouça o podcast e deixe sua opinião sobre o mesmo. Agradeço a audição!


Atualização (29/10): Transcrição do podcast

Hoje vou voltar a comentar as eleições para a prefeitura de São Paulo e os problemas da candidatura do tucano José Serra. Os institutos de pesquisa têm errado sobremaneira, em todo o país, mas não se pode relevar o que indicam a respeito da vantagem de Haddad sobre o candidato do PSDB.

Vários fatores podem ter contribuído para essa situação, tais como a avaliação negativa da gestão do atual prefeito Kassab, considerado herdeiro de Serra, a própria rejeição à Serra que já estava alta no primeiro turno, a campanha milionária do rival e sua máquina de mistificações e difamações, etc. Tudo isso, contudo, já existia no primeiro turno, mas não impediu Serra de chegar ao segundo, inclusive liderando o pleito, embora não se possa desconsiderar que, na primeira etapa da eleição, a máquina de destruição de reputações do PT tenha mirado principalmente Russomano e não o tucano.

Qual o fator então que pesou decididamente para o atual resultado adverso? Na minha opinião, sem dúvida a crise de identidade ideológica de Serra que, para fazer média com conservadores, meteu-se a ecoar a visão destes no caso do famigerado kit gay. (Abordei este tema, aliás, no podcast anterior A Encruzilhada de Serra ou Os conservadores precisam de um partido para chamar de seu). Quando da eleição de 2010, Serra já havia flertado com conversadores ao abordar o tema do aborto, mas, naquela ocasião, não chegou a público nenhuma contradição concreta sobre a posição do candidato relativa ao assunto antes do pleito e durante o mesmo. Só rolou uma história de que sua mulher havia feito um aborto, mas a nota ficou com cara de fofoca baixaria de imprensa sensacionalista. 

Desta vez, contudo, ao criticar o tal kit gay de Haddad, por supostamente “não ensinar mas sim doutrinar”, Serra foi confrontado com o fato de que ele próprio já tinha aprovado um projeto também dirigido a escolas onde a questão da homossexualidade é abordada a partir da mesma perspectiva da do projeto Escola sem Homofobia. Na postagem Cartilha deSerra também pode ser considerada “doutrinação para o homossexualismo, reproduzi o texto do projeto e um dos vídeos que o acompanha para quem quiser verificar a abordagem. E o fiz, porque, mesmo sendo eleitora do tucano, não gosto de mentiras e, sobretudo, não gosto  de mentiras que podem prejudicar os projetos de combate a discriminações nas escolas.

Além do que, seja na boca da Dilma/Haddad ou do Serra, essa história de que o apelidado kit gay não “ensinava mas sim fazia doutrinação do homo ou bisssexualismo ou fazia proselitismo homossexual ou ainda propaganda de opções sexuais” é simplesmente ridícula. Na verdade, esse tipo de “argumento” visa apenas impedir que se desconstrua o preconceito que leva à discriminação que atinge estudantes homossexuais em salas de aula, na contramão do posicionamento dos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos sobre a questão da homofobia.

Também existe tanto proselitismo da bissexualidade em afirmar que bissexuais são afortunados, por terem toda a humanidade entre a qual encontrar um parceiro ou parceira, quanto dizer que depois da noite vem o dia e vice-versa. Aliás, diga-se de passagem, se não fosse toda a repressão promovida pelo kit hétero (essa camisa de força que já vem malhada antes da gente nascer), provavelmente a maioria das pessoas seria bissexual. No fundo, esses conservadores morrem de medo é de que as pessoas de repente se deem conta de que o rei sempre esteve nu. De qualquer forma, pode-se fazer a prova dos nove com eles e perguntar qual a proposta que teriam de combate à homofobia que não faça “proselitismo homossexual”. Gostaria de saber como  combater a homofobia sem tratar a homo e a bissexualidade como naturais.  

Mas voltando aos percalços da candidatura do Serra, alguém pode contestar que seja a ligação com conservadores o grande problema do tucano, já que o PT também tem feito alianças com todo o tipo de reacionários (Collor, Sarney, Maluf, Bispo Macedo, Garotinho) mas continua vencendo eleições com ajuda destes. Entretanto, como já havia comentado no podcast anterior, a única coisa que o PT sabe fazer bem é mentir. Tem uma muito azeitada máquina de mistificação e difamações cujos tentáculos se espalham pela imprensa, blogs, movimentos sociais, etc. O PSDB não tem. Tucanos são ruins até em propagandear suas realizações quanto mais em sustentar mentiras. O PT, ao contrário, acusa os outros de fazer aquilo que ele mesmo faz, e a mentira cola. 

Por isso, Serra devia ter aprendido a se esquivar de certas polêmcias a partir da experiência com a campanha anterior, para a presidência da República, onde já fora rotulado de promotor do conservadorismo pelo fato de o tema do aborto ter permeado as eleições. Ele não tem a rede de proteção dos caras-de-pau que os candidatos petistas têm. Basta lembrar que Dilma Roussef se dizia  favorável à legalização do aborto antes das eleições de 2010, depois durante as mesmas negou tudo, indo fingir devoção religiosa em igrejas da cidade de Aparecida, mas foi Serra quem ficou com a fama de reacionário do pleito. Dilma também disse, como comentei anteriormente, que o tal “kit gay” fazia propaganda de opções sexuais, ao vetá-lo com anuência de Haddad, mas só Serra é quem está levando a fama de vendido ao atraso por suas declarações sobre o Escola sem Homofobia.

Mas Serra não aprendeu com a eleição de 2010 e cometeu o erro fatal de criticar o tal kit gay, projeto com a mesma perspectiva educacional de luta contra a discriminação que ele próprio já endossara quando governador. A contradição indiscutível abalou sua credibilidade e, não por coincidência, marcou sua queda nas pesquisas. Sob críticas inclusive de membros de seu próprio partido, por flertar com o conservadorismo, o tucano decidiu não mais tocar no assunto, porém, o estrago à sua candidatura parece ter sido irremediável. Para tentar vencer os petralhas, Serra teria que ter buscado se diferenciar deles, mantendo-se coerente com sua trajetória social-democrata e não ter-se permitido virar porta-voz de um grupo ao qual nunca pertenceu.

Por outro lado, os conservadores, a quem andou paparicando, insistem em dizer, ao contrário  das evidências, que a queda de Serra nas pesquisas é por conta da campanha do mesmo ser covarde, por ele não ter mostrado aos eleitores o que Haddad pretendia levar às escolas, a seus filhos, irmãos, sobrinhos, netos, pelo candidato ter amarelado enfim ao desistir do seu postiço discurso conservador. Se assim fosse, só para citar um exemplo, resta explicar porque os votos de Russomano não migraram para Serra e sim para Haddad no segundo turno.

Impressiona aliás a arrogância e a prepotência desses que se dizem conservadores e se encarapitaram na candidatura do Serra. Embora não consigam organizar um partido próprio, para defender sua visão de mundo, acham que são muito bons de votos por ter blogs com milhões de acessos. Milhões de acessos em blogs que até agora não se traduziram nas cerca de apenas 500 mil assinaturas necessárias para se registrar um partido nem nos milhões de votos para eleger um candidato mesmo numa cidade considerada conservadora como São Paulo? De fato, segundo o Data Folha, em pesquisa publicada ontem, dia 21/10, a maioria do eleitorado paulistano é mais liberal do que conservadora, se juntarmos os muito liberais, os liberais e os mais ou menos liberais em oposição aos conservadores e muito conservadores. De fato, sempre achei esse papo de que Sampa é conservadora uma tremenda bobagem. Isso é muito relativo.

De qualquer forma, pode-se argumentar que não tendo candidato próprio, os conservadores encamparam quem lhes pareceu em condições de bater o PT. Mas aí pelo menos deveriam ter respeitado o histórico do candidato e não tentar descaracterizá-lo para atender a seus anseios. Querer que um candidato não-conservador encampe a agenda conservadora, em flagrante contradição com sua própria trajetória, e ainda sair pregando a ética e a honestidade contra a quadrilha do PT?  Conservador pode fazer a realpolitk, mas o PT não? O resultado desse oportunismo é simplesmente o nivelamento de todos ao mesmo patamar do petralhismo, o que só o beneficia.

Entretanto, a arrogância e a prepotência desses conservadores são de tal tamanho que não aceitam o fato do candidato e seus assessores simplesmente terem se tocado que a candidatura ficou bem mal na foto, pelas contradições cometidas, e decidido tentar reverter o desastre recolocando o tucano em seu trilho natural. Fora que unsoutros “cons“, diante do possível naufrágio da candidatura tucana, já estão tirando o seuzinho conservador da reta, com uma conversa mole de que não tem preconceito de espécie alguma, mas que insistiram para o candidato tucano bater o bumbo do kit gay porque os pais têm o direito de escolher como querem que se ensine seus filhos.

Preconceitos todos temos – e quem diz que não tem mente – mas precisamos cuidar para que nossos preconceitos não se transformem em discriminação. E é a isso que os projetos de combate à homofobia nas escolas, entre outras discriminações, se propõem: trabalhar parar que os preconceitos trazidos do berço pelos alunos os tornem perseguidores de outros alunos, diferentes da maioria por qualquer razão, impedindo estes últimos de estudar e ter a correspondente ascensão social a qual todos têm direito. Há algo de bem errado na cabeça de pessoas que não aceitam essa proposta.

Finalizando, infelizmente, ao que tudo indica, Serra dificilmente será prefeito de São Paulo, embora seja de longe o mais capaz dos candidatos em disputa. Pior, ele sai dessa eleição com a imagem de reacionário que nunca foi, e nós, paulistanos, é que vamos pagar o pato de ter na prefeitura de nossa cidade uma quadrilha fascistóide que vai usá-la para se reerguer das acusações do mensalão e aprofundar a corrosão da democracia brasileira.

E, desta vez, se confirmada a eleição de Haddad, pode-se dizer que os petistas contaram, para a vitória, com a ajuda inestimável dos ditos conservadores que tanto os detestam. Obviamente estes últimos deveriam fazer alguma autocrítica, mas duvido que o façam. Sofrem da mesma ojeriza pelo espelho que os petistas. Continuarão apenas postando comentários irados e preconceituosos, em redes sociais e na caixa de comentários de seus blogs com milhões de acessos, sem tirar a bunda e a cabeça quadradas da frente do computador a fim de tentar ao menos um partido que os represente para que não precisem mais ser tão oportunistas e tão contraproducentes numa próxima eleição. 

Para nós, demais paulistanos que não nos incluímos nem entre as viúvas do Muro de Berlim nem entre os cruzados medievais, só nos resta orar para que a Fortuna não nos abandone e que o Mal não deite raízes fundas demais que nos impossibilite tirá-las posteriormente. 

5 comentários:

Concordo plenamente com tua aguçada análise, Miriam! Serra deixou muita gente perplexa com essa estúpida adesão ao discurso conservador-fundamentalista na questão do kit anti-homofobia. Até FHC deu declaração dizendo que estava assustado com o discurso cada vez mais conservador de Serra.

Honestamente, não morro de amores pelo Haddad e não fico impressionado com ele segurando bandeirinha colorida... Estou cansado da p-taria do PT no poder e na manutenção do mesmo. Entretanto, não posso consentir com a ideia de que pastores fundamentalistas pareçam 'fatores determinantes' de vitórias em eleições. Isso só fortaleceria o projeto teocrático deles.

Sinto-me, muitas vezes, vivendo o dilema da amputação por gangrena: corto o braço ou deixo a morte atingir a cabeça? Para mim, nessas eleições, Haddad está, em relação a Serra-Malafaia, como o braço amputado está para o óbito. Não fosse essa aliança estúpida de Serra, eu seria o primeiro a dizer não ao covarde do Haddad e sua chefe homofóbica Dilmá (como diz o Mott).

Parabéns pela análise mais uma vez. Divulgarei agora mesmo.

Beijo,
Sergio Viula

Sérgio,também acho que Serra cometeu um erro fatal ao ecoar o discurso ignorante e preconceituoso dos conservadores, mas esse discurso já foi derrotado recebendo a reprovação até de gente do próprio PSDB e de eleitores do tucano, como eu mesma.

Agora estou preocupada é com minha cidade. Não posso entregar, com minha omissão ou conivência, um orçamento de mais de 400 bilhões a um partido cuja cúpula acaba de ser condenada por formação de quadrilha. Trata-se de uma máfia fascista, e eu não sou canalha.

Se Serra ganhasse, sem ter que se valer mais da vergonhosa apelação a baixarias conservadoras, seria uma dupla vitória: contra o uso da ignorância e do preconceito em eleições e contra a corrupção como forma de fazer política. Sem falar na ameaça à democracia. Voto 45 contra o PT! Embora constrangida, como já disse de outra vez, pelo que Serra aprontou!

Triste demais com tudo isso... se @s anarquistas brasileir@s não fossem, na verdade, tão comunistas quanto qualquer outr@, são sedent@s de poder quanto, eu me entregaria de vez ao anarquismo. Temo muito pelo que nos espera... Bom, eu amei a ideia do podcast aqui, suas inflexões dão o sentido amplo ao texto, mais que mera leitura.
Gracias,
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br

Não sou mais de São Paulo capital, mas suas ações políticas ainda me afetam. Não posso votar, mas não fico tão chateada por isso, pois esse ano os candidatos estão realmente lamentáveis. Competem sobre quem pode ser o mais conservador com relação aos LGBTs! Isso é no mínimo triste. Claro que a cidade precisa de políticas de moraria, transporte, trânsito, saúde, educação, limpeza urbana etc. e não só discutir a causa LGBT, mas os LGBTs usam todos os serviços municipais e certamente precisam ser tratados com respeito em todos eles. O eleitor fica totalmente vendido! Não sou de partido - uma graça divina - por isso não tenho o compromisso nauseante de aceitar violar meus direitos e convicções em razão de um "bem maior". Em SP, provavelmente votaria com dor no coração.

Também não sou de partido algum, por isso só tenho compromisso com minha consciência moral e política. Voto como cidadã contra um projeto que visa saquear e destruir a democracia brasileira usando a cidade onde vivo para isso. Deixo trecho de texto do professor Marco Antonio Villa que reproduzi na íntegra agora mesmo, definindo o que é o PT: http://bit.ly/VAjtbb

"O único projeto da aristocracia petista — conservadora, oportunista e reacionária — é de se perpetuar no poder. Para isso precisa contar com uma sociedade civil amorfa, invertebrada. Não é acidental que passaram a falar em controle social da imprensa e... do Judiciário. Sabem que a imprensa e o Judiciário acabaram se tornando, mesmo sem o querer, nos maiores obstáculos à ditadura de novo tipo que almejam criar, dada ausência de uma oposição político-partidária.

A estratégia petista conta com o apoio do que há de pior no Brasil. É uma associação entre políticos corruptos, empresários inescrupulosos e oportunistas de todos os tipos. O que os une é o desejo de saquear o Estado. O PT acabou virando o instrumento de uma burguesia predatória, que sobrevive graças às benesses do Estado. De uma burguesia corrupta que, no fundo, odeia o capitalismo e a concorrência. E que encontrou no partido — depois de um século de desencontros, namorando os militares e setores políticos ultraconservadores — o melhor instrumento para a manutenção e expansão dos seus interesses. Não deram nenhum passo atrás na defesa dos seus interesses de classe. Ficaram onde sempre estiveram. Quem se movimentou em direção a eles foi o PT."

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