segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Últimas palavras sobre Mandela e os judeuzinhos comunistas e conspiratórios

Findas as homenagens a Nelson Mandela e a cerimônia de seu sepultamento,cumpre resumir o que escrevi sobre ele. Em Nelson Mandela, admirável mesmo! falei do fla-flu esquerdireitista em torno do grande líder, com os esquerdistas enaltecendo seus tempos de luta armada e os direitistas tentando desmerecê-lo pela mesma razão, acusando-o de comunista e terrorista.

Para provar que era comunista, postaram imagem de Mandela abraçado a Fidel Castro e descontextualizaram historicamente sua luta contra o apartheid, retirando suas ações de sabotagem contra a tirania racista do contexto de terrorismo de Estado mantido pelos afrikaners. Como se fosse possível esquecer que a polícia racista respondia aos atos de desobediência civil pacífica  dos negros metralhando centenas de civis em praça pública (incluindo crianças).

Entretanto, qualquer pessoa minimamente honesta sabe que ter simpatia pelo socialismo ou comunismo, antes da década do muro de Berlim e do colapso dos regimes comunistas no início da década de 90, tem uma conotação totalmente distinta de se dizer simpatizante desta ideologia nos dias de hoje. Pra ficar só em termos de Brasil, muitos dos neocons tupiniquins, alguns que inclusive tentaram desmerecer Mandela por suas tendências marxistas, foram, no mesmo período histórico, também partidários das vertentes vermelhas. O hoje ultraconservador Olavo de Carvalho foi militante comunista. Reinaldo Azevedo foi trotskista, membro do Liberdade e Luta (Libelu), embora sobre a figura de Mandela tenha feito um artigo respeitoso, ainda que realista. E não seria difícil achar outros que passaram do extremismo de esquerda para o de direita.

Em outras palavras, tentar desconstruir Mandela por seu passado de luta armada e sua ligação com o partido comunista africano, postando fotozinhas dele com líderes comunistas, é desonestidade intelectual da grossa. Para apontá-la, fiz a montagem acima onde posiciono, ao lado da foto de Mandela com Fidel, usada para "incriminá-lo como comunista", foto do líder conservador Winston Churchill ao lado de, nada mais nada menos, Joseph Stálin, um dos maiores genocidas que o comunismo produziu. Durante a Segunda Guerra Mundial, para derrotar Hitler, Churchill teria feito aliança com o líder da então União Soviética por ser brilhante estrategista e não ter outra saída.

Essa história, contudo, parece ser mais uma daquelas mal contadas. Segundo artigo postado no Instituto Mises, Rethinking Churchill, o primeiro-ministro britânico via Stálin como mais do que simplesmente um grande sapo a engolir. Nutriu por ele simpatia e o abraçou como amigo, chamava-o de Tio Joe, dizia publicamente que o apreciava e chegou a presenteá-lo com uma espada de cruzado durante a Conferência de Teerã (1943). Lendo esse artigo sobre Churchill, de um insuspeito site de direita, pode-se concluir que, embora Churchill tenha tido papel importante no combate ao nazismo, sua trajetória política foi bem mais controversa do que a de Mandela.

Mandela foi um homem pragmático que buscou vencer o apartheid pelas vias possíveis, nos diferentes momentos de sua vida, muitas vezes de forma aparentemente contraditória. Foi um nacionalista negro e um não-racialista, um adepto das ações não-violentas e um integrante da luta armada, às vezes cabeça quente, às vezes o mais calmo dos homens, simpatizante de ideias marxistas e admirador das democracias ocidentais, parceiro íntimo dos comunistas e, durante sua presidência, igualmente parceiro íntimo dos mais poderosos capitalistas da África do Sul.

Dessa forma, Bill Keller, do New York Times, definiu Mandela, em seu artigo Nelson Mandela, Communist. Disse também que, durante um de seus inúmeros julgamentos, perguntado se era comunista, Mandela respondeu de forma a um tempo elusiva e perfeitamente clara:
Se, por comunista, você quer dizer um membro do Partido Comunista, uma pessoa que acredita na teoria de Marx, Engels, Lênin e Stálin e aderiu estritamente à disciplina  do partido, eu não me tornei comunista.
Obviamente, repetindo meu primeiro artigo sobre o líder sul-africano, as homenagens que o mundo prestou a Mandela não foram baseadas em sua trajetória de adepto da luta armada e por suas inclinações esquerdistas. O mundo o homenageou exatamente pela superação de tudo isso em prol da democratização e da integração racial da África do Sul. Após 27 anos de cadeia, o homem saiu da prisão disposto a transcender sua tragédia pessoal em benefício de seu povo e de seu país. Todas as pessoas de bom senso e sensibilidade política reconheceram nisso sua grandeza, exemplo raro de político no mundo inteiro, sem contudo deixar de apontar seus humanos erros e contradições. Apenas os neocons, em seu fanatismo e cegueira ideológica, procuraram defenestrá-lo e a todos que o homenagearam por sua trajetória excepcional.

Nesse sentido inclusive, registro até que ponto chegaram os adeptos dessa seita, pois o evento muito me impressionou. Tratou-se de caso envolvendo o jornalista Caio Blinder, do Manhattan Connection, que foi agredido, por uma conservadora histérica, em sua coluna da Veja, com a seguinte frase: "Você é um judeuzinho muito asqueroso, mesmo! Assim como os outros da sua laia, todos comunistas e conspiratórios!" Reproduzo o original abaixo.
Érica Medeiros-08/12/2013 às 23:01 
Você é um judeuzinho muito asqueroso, mesmo! Assim como os outros da sua laia, todos comunistas e conspiratórios!
Publicado com fins educacionais, CaioPS- lição encerrada e fracassada. Eu pediria aos leitores que não contestassem esta pessoa, pois não publicarei os comentários a respeito. Tampouco, os comentários dela doravante, abs, Caio
Ele a citou, em uma de suas postagens sobre Mandela, e, após identificar a pérola antissemita, deu-lhe o devido bloqueio. Repassou também o link do artigo que citei sobre o "comunismo" de Mandela, declarando:
Foi uma luta (a de Mandela) complexa e com contradições, algo que funde a cabeça de absolutistas que preferem simplificar ou rotular. Uma leitora da coluna criou celeuma com alguns comentários esbaforidos e infelizes. Disse, entre outras coisas, que sou mancomunado com a aristocracia esquerdista de Nova York. Para ser coerente, ofereço a todos um texto de um príncipe do New York Times, Bill Keller, ex-editor-chefe do jornal e ex-correspondente em Moscou e Johanesburgo. O artigo é sofisticado e não permite avaliações simplórias sobre o prontuário de Mandela, os motivos e nos brinda com um final de história intrigante. Boa leitura.

Exatamente: a  luta de Mandela foi complexa e com contradições, algo que funde a cabeça de absolutistas que preferem simplificar ou rotular. E como os absolutistas andam em voga no Brasil de hoje! Antes tínhamos só os socialistas bolivarianos patrulhando e demonizando todo o mundo que simplesmente não concorda com eles. Agora temos também os neocons fazendo a mesmíssima coisa, mostrando como todos os autoritários são no fundo farinha do mesmo saco. 

Mais uma razão, portanto, para celebrar pessoas como Mandela que se caracterizou por construir pontes sobre o impossível em vez de levantar ou reforçar muros intransponíveis ao futuro. Que seu exemplo sirva para o Brasil de hoje tão povoado de estúpidos antagonismos. Descanse em paz, Madiba! Mesmo! 

0 comentários:

Postar um comentário

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites