quarta-feira, 1 de junho de 2011

União estável, homofobia e igualdade de direitos

No Brasil, pelo que observo, temos mais conservadores e liberais-conservadores do que liberais propriamente ditos. Daí que se encontram poucos textos de apoio aos direitos homossexuais vindos de gente que não se considera esquerdista. Pelo contrário, sobressaem-se textos eivados de pré-conceitos ultrapassados sobre a sexualidade humana, de origem religiosa, incompatíveis com o mundo atual.
Por isso, publico, nesta semana, textos sob as uniões homossexuais vindos de dois autores liberais. Um deles, intitulado União homoafetiva: uma pequena vitória para a liberdade, de Magno Karl, originalmente publicado no site do OrdemLivre.org, postei na segunda-feira. O outro, que segue abaixo, União estável, homofobia e igualdade de direitos é da Monica Magalhães, também publicado originalmente no OrdemLivre.org

União estável, homofobia e igualdade de direitos
Com a decisão do STF de reconhecer a união estável entre casais homossexuais, o Brasil progrediu. O progresso em direção a uma sociedade mais liberal e de igualdade perante a lei ocorre quando distinções arbitrárias que limitam os direitos de alguns são reconhecidas como tais, e abandonadas. Uma vez que se reconhece que um negro é tão humano quanto um branco, tem os mesmos direitos naturais e a mesma capacidade de escolher como viver sua vida, deixa de ser coerente reconhecer os direitos e liberdades dos brancos mas manter os negros na escravidão. Uma vez que se reconhece que uma mulher é tão capaz quanto um homem de compreender e participar da vida pública, deixa de ser coerente reconhecer os direitos políticos dos homens mas recusá-los às mulheres. Da mesma forma, uma vez que se reconhece que um casal homossexual constrói uma vida em comum com o mesmo compromisso emocional e interdependência material que se estabelece entre um casal heterossexual, deixa de ser coerente negar-lhes os mesmos direitos e obrigações que são atribuídos a um casal heterossexual a partir do momento em que a união estável se constitui.

A decisão do Supremo é certamente um passo importante na direção do tratamento igual de homossexuais e heterossexuais pelo estado, mas ainda não atinge a igualdade total. Ainda é preciso que o poder legislativo faça mudanças à lei para adequá-la à nova decisão. Ademais, ainda é verdade que um casal heterossexual pode escolher entre oficializar a união estável ou fazer o casamento civil, duas formas de união que permitem que o casal escolha entre diferentes regras de convivência e diferentes consequencias patrimoniais. Já um casal homossexual terá apenas a primeira opção. Portanto, ainda não estará sendo tratado em total igualdade com o casal heterossexual, mesmo se a decisão atual do STF for inteiramente registrada em leis sem que regras diferentes sejam estabelecidas para as uniões estáveis heterossexuais e homossexuais. Os próximos passos em direção ao tratamento isonômico dos cidadãos parecem ser, portanto, equiparar os casais homossexuais aos heterossexuais na lei sobre a união estável, e depois no direito ao casamento civil.

No entanto, segundo alguns dos principais meios de comunicação do país, o próximo passo é a aprovação de um projeto de lei que criminaliza a homofobia. Segundo O Estado de São Paulo, a lei proíbe “condutas discriminatórias a homossexuais, como impedir o acesso a bares e restaurantes ou recusar o atendimento a essas pessoas. Pune, também, tentativas de impedir ou reprimir trocas de afeto, como beijos”.

No entanto, a aprovação desse projeto não seria uma continuação do movimento em direção à igualdade perante a lei. A decisão do Supremo remove uma distinção arbitrária, que dizia que o acesso ao contrato de união estável dependia da orientação sexual do cidadão, e diz que o estado deve tratar heterossexuais e homossexuais igualmente. Já a lei contra a homofobia introduziria uma distinção arbitrária.

Proibir a recusa de atendimento viola o direito de propriedade e é uma intervenção injustificada do estado no funcionamento de empresas privadas. Se for proibido recusar atendimento a um casal homossexual por conta de sua homossexualidade, deve ser proibido recusar serviço a qualquer pessoa por qualquer motivo, exceto talvez por motivo de comportamento violento. Não faz sentido tratar a homossexualidade de modo diferente. Similarmente, a lei permitiria que um estabelecimento proibisse demonstrações de afeto por qualquer casal, homossexual ou heterossexual? Tal proibição não seria discriminatória, pois uma regra só valeria para todos.

Por mais nobres que sejam as intenções do projeto de lei, ele me parece pouco útil, pois uma lei não vai eliminar o preconceito. Se os proprietários ou administradores de um estabelecimento são preconceituosos, e escolhem expressar seu preconceito na esfera dos negócios, é melhor que sintam as consequencias dessa opção.

Para tomar um exemplo que aconteceu na Inglaterra no ano passado, imaginemos que os proprietários de um hotel não querem que um casal gay se hospede em seu estabelecimento por fazerem objeções religiosas à homossexualidade. Do ponto de vista dos proprietários, eles devem ter o direito de fazer respeitar suas prefêrencias em sua propriedade privada. Do ponto de vista dos potenciais clientes, dos homossexuais e de todos aqueles que apoiam a igualdade de direitos, é melhor que a opinião dos donos do hotel seja conhecida publicamente. Assim, aqueles que consideram essa opinião repugnante podem ficar longe do estabelecimento. A lei, portanto, é intrusiva e contraproducente, pois mascara atitudes que, se reveladas, seriam punidas pelo mercado, o que poderia acelerar o desaparecimento do estabelecimento.

Igualdade perante a lei existe quando os direitos e obrigações dos cidadãos são independentes de circunstâncias como sua orientação sexual. O reconhecimento das uniões estáveis homafetivas são um importante passo inicial nessa direção. A proposta da lei contra a homofobia parece andar justamente na direção contrária.

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