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Luís Gama |
Não obstante esse histórico glorioso, movimentos negros confusos – para dizer o mínimo – passaram, a partir da década de 70, a rejeitar a data do 13 de maio sob a desculpa de que ela representaria uma efeméride das elites brancas brasileiras, pois teria sido um gesto de generosidade (sic) dos brancos, tendo a princesa Isabel como principal protagonista – o que não é verdade como vimos acima – e, além disso, uma abolição para inglês ver, já que os cerca de 700 mil escravos libertos na ocasião não foram de fato integrados à sociedade brasileira, como devido, acabando livres dos grilhões de ferro mas prisioneiros das senzalas da pobreza. Em substituição ao 13 de maio, inventaram o dia da consciência negra, em 20 de novembro, como homenagem a data da morte de Zumbi dos Palmares, líder negro que teria lutado contra a escravidão, o que simbolizaria a resistência e a bravura dos negros contra o cativeiro.
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Joaquim Nabuco |
Pois, é! Então, a maioria dos ativistas do movimento negro rejeita uma data fruto de um movimento social popular, multiétnico, multiclassicista e, portanto, pra lá de democrático, para afirmar uma outra data que celebra a existência de um personagem supostamente heroico contra a escravidão mas que também escravizava?!!! Arrisco uma explicação para esse paradoxo. O atual movimento negro – em sua maioria – tem um viés nitidamente racista, tanto que todo o seu programa de atuação é calcado na afirmação do conceito de raça (uma ideia já sepultada pela ciência), onde a raça negra teria sido subjugada e oprimida pela raça branca que lhe deveria consequentemente uma reparação pelos maus-tratos oriundos da escravidão. Toda a estrutura desse programa de ação é assentada no antagonismo racial que, por sua vez, é alimentado pelo vitimismo. É preciso descrever os negros como vítimas dos brancos, os negros como vítimas e os brancos como algozes, assim tudo na base do preto ou branco, sem nuances.
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André Rebouças |
Mas a política do movimento negro atual, em sua grande maioria, rejeita a verdade histórica por uma leitura altamente ideologizada dos fatos, maniqueísta e perigosa, baseada no antagonismo racial. O 13 de maio, como descrevi acima, foi um movimento onde brancos, negros e mestiços, de diferentes classes, lutaram juntos contra a escravidão e venceram a batalha juntos. A Abolição foi uma conquista de pessoas de bem, e pessoas de bem não têm cor. O fato de a inserção dos negros libertos na sociedade brasileira, pós-Abolição, não ter sido realizada como deveria ter sido não invalida a conquista do movimento abolicionista. O que aconteceu após a Abolição é uma outra história, uma história que passa de um regime monárquico para um regime republicano, igualmente negligentes quanto à situação social dos ex-escravos negros. As conseqüências dessa negligência jogaram a população negra na pobreza, mas nunca impediram a miscigenação, nunca promoveram o apartheid racial no Brasil, tanto que somos essencialmente um país de mestiços, sendo a população negra -propriamente dita – minoritária. Mesmo a pobreza não é só desprivilegio de negros e pardos, havendo também um razoável número de brancos pobres. Deveriam estar todos, como nos tempos dos abolicionistas, lutando juntos para tirar a todos da pobreza através de uma revolução educacional, através do resgate da sucateada educação brasileira e de sua melhoria e universalização, pois é ela que permite democraticamente a ascensão social de qualquer um(a). Mas, ao contrário, o movimento negro, em sua maioria, tem preferido o caminho das cotas e do malfadado Estatuto da “Igualdade” racial, em análise pelo Senado no momento, que promovem coisas inacreditáveis como a divisão da população em negra ou branca, tribunais raciais em universidades, para julgar quem é de fato negro ou não (inspiração nazista), e a destruição do critério de mérito, um dos pilares da democracia. A picaretagem chegou a ponto de estarem propondo 60% de vagas para cotistas em universidades, o que, na realidade, praticamente acaba com o vestibular.
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José do Patrocínio |
Fotos na sequência: Princesa Isabel, Luis Gama, Joaquim Nabuco, André Rebouças e José do Patrocínio, brancos, negros e mestiços pela Abolição.
Fontes: Divisões Raciais: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Editora Civilização Brasileira; Dossiê Abolicionismo; Monstros Tristonhos (excelente texto de Demétrio Magnoli sobre os tribunais raciais que vêm sendo instalados nas universidades brasileiras);
Ver também Zumbi: Símbolo da Consciência Negra?
Francisco Félix de Souza, ex-escravo, foi um dos maiores traficantes de escravos africanos
P.S. A propósito, sou mestiça e bisneta de um abolicionista, Martinho Rodrigues de Souza, que como advogado, deputado e jornalista, lutou, em sua terra natal, Fortaleza (CE), pela abolição da escravidão no Brasil.
Ver também Zumbi: Símbolo da Consciência Negra?
Francisco Félix de Souza, ex-escravo, foi um dos maiores traficantes de escravos africanos
P.S. A propósito, sou mestiça e bisneta de um abolicionista, Martinho Rodrigues de Souza, que como advogado, deputado e jornalista, lutou, em sua terra natal, Fortaleza (CE), pela abolição da escravidão no Brasil.
Atualização 13/05/2013: O racialismo continuou avançando no Brasil, desde a publicação deste artigo, com mais cotas em universidades (até em nível de pós-graduação) e agora também cotas no funcionalismo público.
Publicado originalmente em 13/05/09
4 comentários:
Mudo de opinião sobre essas tais cotas, cada vez que leio alguma coisa interessante sobre o assunto. Na verdade essa foi a segunda coisa interessante, no meio de um turbilhão de informação sem conteúdo. Primeiro eu achava que 'Naõ!!!! Cota pra negro? Estão rebaixando as pessoas, julgando-as pela sua pele, blablabla, somos todos capazes..etcetc.' Depois acabei mudando de opinião de novo: 'nosso passado escravista nos condena, cota neles.' Agora já nem sei mais o que pensar. De fato daqui algumas décadas, quicá, teremos uma miscigenação integral ( eu queria muito isso) onde não haverá negros e brancos, seremos todos mestiços.Será que vai ter cotas pra todo mundo?
Mas também não acho lá muito justo tratar todos como iguais, não somos. Não temos a mesma educação de base, as mesmas oportunidades e isso é de certa forma reflexo de uma escravidão que mal e mal está ali do outro lado da rua nos espreitando. As políticas públicas de educação as vezes acabam se baseando em modelos internacionais, que não nos servem obviamente. Ao ponto que muitas vezes nosso racismo é 'velado', vemos coisas em outros países que é inexplicável, segregações, violência, onde as cotas seriam a saída pra inclusão 'na marra'. Ainda há muito e muito o que se discutir..eu adoro teu blog, não há vez que eu venha aqui e não fique pensando muito sobre o que eu leio. Bom domingo pra ti.
Prezada MIriam Martinho
Concordo em grande parte com seu texto, mas gostaria de colocar uma questão: Quais são as evidências reais de que em Palmares haviam escravos? Faço essa pergunto por saber que há coisas que são supostas por historiadores e, ao serem citadas por outros autores, são passadas como verdades históricas, como se houvesse evidência direta (muitas vezes por desleixo ou preguiça de verificar as fontes originais, visto que muitas vezes os autores citam outras citações). Por mais lógica e bem fundada em boas premissas que seja uma proposição sobre um acontecimento histórico, não se pode confundir a tese baseada em suposição daquela baseada em evidência.
Por esse motivo pergunto: Há evidência real (testemunhos, evidência arqueológica) da existência de escravos em Palmares? E quais as evidências de que Zumbi teria escravos? Penso que isso faz diferença na compreensão que temos a respeito dele.
Não é sobre o assunto, não sei se você vai deletar, mas deixo aqui para informação:
http://ecotretas.blogspot.com/2009/11/rolo-compressor-de-verdades.html
Sou negro e sou absolutamente contra cotas,ao invés disso defendo o sistema de "patrocínio".
A implantação das cotas raciais foi apenas uma manobra populista, que, ao invés de oferecer melhorias para a educação, implementou um sistema "injusto", visando a ascensão negra, mesmo que a tal ascensão dos negros esteja mais ligado à liberdade de mercado do que às cotas, vide os E.U.A.
O problema das cotas é que elas punem C, em nome de D, porque A fez mal ao B. Isto é, punem os atuais brancos, porque alguns brancos de outrora escravizaram os negros de outrora. Seria mais producente o sistema de patrocínio, aonde uma instituição privada paga os estudos de determinadas pessoas, que podem ser negros, indígenas, italianos ou qualquer grupo que ela escolher.
Abraços
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