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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Francisco Félix de Souza, ex-escravo, foi um dos maiores traficantes de escravos africanos

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Vida de Francisco Félix de Souza revela como negros negociavam negros
No mundo em preto e branco do atual movimento negro, somente brancos podem ser racistas porque o racismo contra negros é estrutural, tem desdobramentos sócio-políticos, econômicos e culturais que não afetam brancos por serem brancos. Com essa perspectiva, o juiz João Moreira Pessoa de Azambuja, da 11.ª Vara de Goiânia, absolveu um jovem negro da acusação, feita pelo Ministério Público Federal, de ter ‘praticado e incitado a discriminação de raça ou cor’ ao fazer ‘reiteradas declarações pregando, com incitação ao ódio, a separação de raças, inclusive citando mulheres negras que se relacionam com homens brancos (como nojentas)’. Claro que se trata de uma falácia tal ponto de vista, porque, no mínimo, negros podem ser sim racistas contra brancos em nível de discurso, em nível de injúria racial, como nesse caso. Negar essa realidade dá carta branca (sem ironia) para que negros possam cometer injúria racial impunemente.

O fato é que, na triste história da escravização africana ocorrida no Brasil, a divisão mocinho ou bandido que rege a mentalidade de ativistas do atual movimento negro vai encontrar sérias contestações provindas do passado. Uma dessas contestações reside na presença de traficantes de escravos que eram  ex-escravos. Aliás, um dos maiores traficantes de escravos foi Francisco Félix de Souza, ex-escravo baiano mercador de escravos, como relata o diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva em seu livro Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (Nova Fronteira/Ed. Unerj, 208 páginas). Na resenha de Carlos Haag que segue abaixo, o livro é tido como "um painel, cruel, de como negros africanos lucravam, e muito, traficando escravos para viver como reis e comprar armas."

Quando ativistas racialistas virem falar de reparação aos negros pela escravidão africana, bom  perguntar para qual descendente do Francisco Félix de Souza se deve entregar a fatura.
Francisco Félix de Souza, mercador de escravos por [Silva, Alberto da Costa e]
Francisco Félix de Souza se tornou um dos homens
mais ricos do mundo traficando seus irmãos de cor.
Os escravos do escravo
Vida de Francisco Félix de Souza revela como negros negociavam negros

Em Quincas Borba, Machado de Assis conta a história de Prudêncio, o escravo vítima de maus-tratos que, tão logo se vê liberto, compra seu próprio escravo para, ato contínuo, surrá-lo. Em tempos politicamente corretos, de idealização das vítimas, esse parece mais um exemplo do eterno niilismo do Bruxo. Infelizmente, a história mostra que a arte copiava a vida, como revela Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (Nova Fronteira/Ed. Unerj, 208 páginas), do diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva, a biografia do ex-escravo baiano mercador de escravos. Mais: o livro é um painel, cruel, de como negros africanos lucravam, e muito, traficando escravos para viver como reis e comprar armas.

A vida de Félix virou filme, Cobra verde, nas mãos de Werner Herzog, e um romance, O vice-rei de Udá, de Bruce Chatwin. Mas, graças a Costa e Silva, pela primeira vez o tema é tratado com apuro historiográfico. Sem deixar de lado o fascínio rocambolesco da sua vida: o pobre de Salvador que, na África, conseguiu poder, nobreza e uma fortuna calculada em US$ 120 milhões, que fez dele um dos três homens mais ricos do globo. Ao morrer, com 94 anos, ele deixou 53 mulheres, 80 filhos e 12 mil escravos.

Nascido provavelmente em 1768, Félix chegou à África em 1788 para ser comandante da fortaleza de São João Batista de Ajudá, que, no século 18, era o epicentro do mercado exportador de escravos do golfo do Benim (40% dos cativos que cruzaram o Atlântico vieram daquela região), o que lhe rendeu o epíteto de Costa dos Escravos. O tom trágico disso era que os responsáveis pela manutenção desse comércio eram outros negros que vendiam prisioneiros de guerra e condenados pela Justiça para mercadores europeus e brasileiros.

Da elite africana a ex-escravos com espírito de aventura, é inegável a participação efetiva de irmãos de cor na comercialização de seres humanos em condições desumanas para trabalhos forçados.
O rei Guezo, por exemplo, recusou-se a assinar com os ingleses um tratado de abolição de escravos em Daomé, alegando que ‘fazê-lo seria mudar a maneira de sentir do seu povo, acostumado desde a meninice a considerar aquele comércio justo e correto’. Ele acrescentou que havia mesmo canções de ninar sobre a redução dos adversários ao cativeiro”, conta Costa e Silva.
Apesar da carência de recursos, Félix beneficiava-se de um esquema comercial comum a outros atravessadores de escravos: recebia-se o pagamento em negros adiantado dos africanos para entregar, no futuro, armas e outros artigos. O tempo dava a chance para o giro de capital com o agenciamento de cativos.
A correspondência dos traficantes quase não nos deixa perceber que a mercadoria de que trata são seres humanos”, explica o historiador. Diante de um mercado organizado como aquele, o brasileiro prosperou em Ajudá como intermediário e armazenador de negros, prática que agilizou a compra de escravos, pois esses eram embarcados no maior número possível e no menor tempo possível. Lucros certos e fartos.
Félix contou ainda com a sorte: se a proibição do tráfico para as colônias britânicas e os Estados Unidos reduziu o preço dos cativos, a liberalidade dos portos brasileiros permitia cobrar valores cada vez maiores por escravos. E o baiano era o fornecedor principal para o Brasil.
Em pouco tempo o brasileiro percebeu que poderia ganhar ainda mais se aventurando no transporte de negros: comprou vários navios (inclusive os negreiros que eram leiloados pelos britânicos após terem sido apresados) e chegou a encomendar fragatas aos EUA. Envolvido numa disputa dinástica entre dois irmãos pelo poder do reino de Abomé, Félix escolheu o lado do meio-irmão do rei, Guezo, que não apenas o livrou da prisão (o rei Adandozan decidira perseguir os mercadores estrangeiros) como, após assumir o trono, concedeu-lhe o título honorífico de Chachá (ainda hoje concedido aos descendentes do brasileiro), vice-rei de Ajudá e o monopólio na exportação de escravos. Félix era nobre e rico.

Em Ajudá construiu sua casa-grande assobradada num bairro que, pouco depois, passou a ser conhecido como Quartier Brésil. Quando saía pelas ruas, tinha direito a um escravo que o protegia do sol com um pára-sol, guarda armada, tamborete e uma escolta de músicos. Esperto, construiu uma rede de alianças com os microestados que povoavam a costa africana e chamou outros mercadores brasileiros de escravos em operação para sócios. Dessa forma, conseguiu vencer em tempos difíceis, com os ingleses policiando a costa em busca de depósito de negros.

Os europeus passaram a ver nele um interlocutor de prestígio e importância. Mesmo o vice-cônsul britânico no Daomé, John Duncan, ainda que lamentando o fato de Félix se dedicar ao comércio de escravos, chamava-o de “o homem mais generoso e mais humano das costas da África”. O Chachá queria se europeizar e mandou o filho caçula estudar em Portugal, anos após ter enviado o primogênito para o Brasil. Em sua casa reinava o luxo: a mesa era adornada com talheres de prata e louças monogramadas.

Ao receber o príncipe de Joinville para um almoço, saudou o nobre com salvas de 21 tiros de canhão. Certos costumes, porém, não perdia: adorava servir feijoada, feijão de leite de coco, sarapatel, moqueca de peixe e cozidos. Em 1846 foi condecorado por Portugal com a Ordem de Cristo como “benemérito patriota”. Félix foi o mercador negro mais bem-sucedido, mas não foi um caso isolado. Há muitos exemplos de brasileiros, vários negros, que, na esteira do Chachá e aprendizes do seu método de trabalho, se deram bem como escravagistas, como Domingos José Martins, rei do tráfico em Lagos, ou João José de Lima, comandante do mercado em Lomé, entre tantos outros.

Mas Félix era ainda o mestre.
Quando assinava uma letra, esta era aceita sem hesitação em Liverpool, Nova York, Marselha e outras praças. Dele dizia-se que a palavra bastava, não sendo necessário documento escrito para firmar um compromisso”, conta Costa e Silva.
Apenas a velhice corroeu o seu poder. Em 1844, aos 90 anos, com reumatismo, ele parecia, ao rei Guezo, ter perdido a antiga força mercantil e, aos poucos, foi deixado de lado no comércio de escravos. Mas teve tempo ainda de ser quase um dos pioneiros na substituição lucrativa do tráfico de negros pela exportação do óleo de palma ou azeite-de-dendê, que cada vez mais era usado como lubrificante e também como matéria-prima da incipiente mania européia de usar sabonetes para higiene pessoal.

O dendê sempre esteve associado aos negreiros, pois era um dos alimentos dados aos cativos durante a travessia do Atlântico.
Vendia-se azeite aos britânicos e franceses e, muitas vezes, era com mercadorias apuradas nesse comércio que se adquiriam escravos no interior para embarque nos navios negreiros”, explica o historiador.
Félix logo percebeu o alcance dessa hipocrisia e o potencial da mudança de um pólo de comércio, que em breve seria ilegal (sem falar nos riscos crescentes inerentes ao tráfico como doenças, perda de escravos, apreensão de navios etc.) para outro, ligado e inócuo.
Os mesmos grandes portos negreiros e as mesmas empresas dedicadas ao comércio de gente continuaram a comandar as transações com a África. Os navios negreiros foram readaptados para receber os barris de óleo e os seus capitães eram os mesmos que antes negociavam com escravos”, observa o autor.
Félix deixa de ser símbolo do “comércio odioso” para se transformar em capitalista empreendedor e criativo. A raiz dos dois homens é, infelizmente, a mesma.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Para as esquerdas sobreviverem


Tinha visto o vídeo abaixo após a vitória do Trump, mas serve como uma luva para nossa situação atual. Se você quer que a extrema-direita dê as caras, que as múmias saiam de seus sarcófagos, não apoie a extrema-esquerda, mesmo quando ela vem travestida com seu usual (hipócrita da porra) bom mocismo.

A esquerda que hoje nós chamamos jocosamente de bolivariana bananeira, por causa da versão venezuelana do autoritarismo castrista, sempre foi autoritária, viúva eternamente chorosa do fim do comunismo do leste europeu. Mas a esquerda dos movimentos sociais nasceu libertária, uma grande esperança de mudança social a partir da própria sociedade e não de algum partidão. Entretanto, de seu surgimento na década de 60 do século passado até hoje, esses movimentos foram se degenerando e se tornando tão autoritários quanto seus primos da velha guarda. Primos com quem, pelo menos aqui no Brasil, se alinharam inclusive, a tal ponto de atualmente não passarem de correias de transmissão dos partidos mais retrógrados e anacrônicos da esquerda.

Hoje, com base no tal ofendidismo por qualquer coisa, os floquinhos de neve (como dizem os americanos) ou teteias de cristal (como digo eu) estão tentando criminalizar qualquer divergência que não caiba em sua agenda falsamente hipersensível. Chegamos ao ponto de ter que engolir a conversa surreal de que existem mulheres do sexo masculino e homens do sexo feminino sob risco, caso discordemos, de ir parar até na prisão (como já ocorre em alguns países). Sob a desculpa de que todo discurso divergente é discurso de ódio, quando discurso de ódio de fato é só aquele que incita diretamente à violência, de fato investem contra a liberdade de consciência, de pensamento, de expressão, de associação e de reunião, pilares da democracia.

Foram essas esquerdas que pariram o Trump nos EUA e o Bolsonaro aqui. Essa esquerda dos tais justiceiros sociais, que se alinhou à esquerda bolivariana bananeira, torrou o saco de todo o mundo, inclusive de quem não é de direita, mas não aguenta mais tanta arrogância e estupidez de gente que nunca mais se olhou no espelho.

A maior parte das pessoas que votou e deve votar no Bolsonaro não tem nada de fascista. É simplesmente gente que não suporta a ideia de ver o PT de volta ao poder (e tem toda a razão) e quer mudanças porque o país degringolou depois dos anos do petismo no poder. É gente que também está saturada de não poder falar nada sem ser acusada de um monte de coisa que não é. Por falta de alternativa, acabaram apoiando o truculento e autoritário Bolsonaro, apesar de, apesar de, apesar de.... porque quer alguma mudança nem que seja por vias tortas. Porque está com um sapo na garganta que precisa expelir.

As esquerdas precisam entender que não têm a verdade e a luz, precisam abdicar de sua visão autolaudatória e procurar convencer as pessoas de suas ideias em vez de atacá-las com todo tipo de injúria. Se quiserem sobreviver.


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Zumbi: Símbolo da Consciência Negra?

Hoje é feriado em algumas cidades brasileiras devido ao dia da Consciência Negra que tem o personagem Zumbi dos Palmares como referência heroica contra a escravidão dos negros. Entretanto, essa versão é aquela mistificada pelo atual movimento negro, como já abordei aqui em 13 de Maio: Dia da Vitória do Movimento Abolicionista no Brasil  Zumbi foi um resistente contra sua própria escravidão, mas não contra a escravidão em geral, sequer a de seus irmãos de cor. Pelo contrário, mantinha, em Palmares, escravos NEGROS. No texto abaixo, a historiadora Márcia Pinna Raspanti, do site História Hoje, desmistifica Zumbi porque "idealizar o passado só dificulta que compreendamos o presente."

ZUMBI: SÍMBOLO DA CONSCIÊNCIA NEGRA?

por Márcia Pinna Raspanti

Afinal, quem foi Zumbi dos Palmares? Na verdade, sabemos pouquíssimo sobre o líder do mais famoso quilombo do Brasil. Em novembro de 1695, Zumbi foi assassinado em uma emboscada, cerca de um ano após a destruição de Palmares pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. Ao longo da História, criaram-se diferentes “biografias” a respeito desse homem, que passou de elemento perigoso a herói nacional.
É impossível escrever uma biografia de Zumbi, pois são muito poucos os traços que os coetâneos deixaram sobre o suposto homem que liderou bravamente o maior quilombo criado nas Américas durante a vigência da escravidão, o quilombo de Palmares”.
Assim começa o livro “Três vezes Zumbi“, de Jean Marcel de Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira. Os autores nos mostram as diferentes versões do personagem que foram construídas ao longo da história: no período colonial, Palmares era visto como foco de instabilidade ao sistema vigente e Zumbi tinha pouca importância neste contexto; no século XIX, passou-se a enxergar o quilombo como um empecilho à civilização, e Zumbi era retratado como um bravo guerreiro, mas o verdadeiro “herói” era o bandeirante Domingos Jorge Velho, que teria libertado a sociedade deste mal.

No século XX, Zumbi passou a ser considerado o pioneiro nas lutas contra a desigualdade e a opressão, um mártir das minorias. O antropólogo Luis Mott chegou a levantar a hipótese de um Zumbi homossexual, fazendo dele um símbolo de todos aqueles que quebram as regras vigentes. Os autores mostram que nenhuma destas versões é mais ou menos verdadeira, ou seja, todas são fantasiosas, mas refletem um contexto histórico mais amplo.

Como pouco se sabe sobre ele, Zumbi é perfeito para encarnar nossos ideais e medos. Ontem, li uma artigo que falava sobre a suposta desconstrução da historiografia “de direita” da imagem de Zumbi dos Palmares. O fato de alguns historiadores destacarem que havia escravidão no quilombo – como era prática comum também na África – seria uma forma de manchar a imagem do herói da resistência negra e tornar a escravidão, aos nossos olhos, menos cruel. Sempre digo: cuidado com os anacronismos, mesmo os bem intencionados… É inegável, contudo, que alguns autores descobriram o nicho das versões politicamente “incorretas” e, infelizmente, vendem muitos livros ridicularizando a nossa História e seus personagens, distorcendo os fatos e criando sensacionalismo.

Ora, Zumbi não era e não poderia ter sido um líder em busca da libertação do negro. Mesmo porque não havia o conceito de um “negro”, uma identidade cultural que unisse todos os africanos. Eles vinham de etnias e regiões diferentes, muitos eram inimigos e trouxeram suas diferenças para as terras coloniais. É como falar do “europeu” ou do “branco”, como se isso bastasse para criar uma cultura homogênea. Ingleses, franceses, portugueses, espanhóis, holandeses e outros travavam lutas violentas entre si e não se viam como um “povo”. O mesmo se dava com os africanos.

Zumbi não queria acabar com a escravidão e nem libertar o “povo negro” da opressão do branco. Ele apenas lutava pela sua liberdade e do grupo que formou o quilombo. Havia, inclusive, laços de amizade entre os quilombolas e os comerciantes ou outros “brancos” com quem eles conviviam. Havia escravidão dentro do quilombo, havia regras de comportamento e castigos físicos para quem não as cumprisse.

Não podemos esperar de Zumbi atitudes de um homem do século XXI. Nos tempos coloniais, muitos ex-escravos juntavam uma determinada quantia em dinheiro e compravam…escravos! Chica da Silva é outra figura histórica que já sofreu muitos ataques por se comportar como uma mulher de seu tempo. Ela queria apenas ser aceita pela sociedade, livrar-se do preconceito e da miséria. É interessante notar que certas pessoas ficam “decepcionadas” com este comportamento.

Por outro lado, acho que é muito importante que paremos para refletir sobre a escravidão e os seus efeitos na sociedade brasileira. Escolher Zumbi dos Palmares como símbolo deste “Dia da Consciência Negra” não faz dele um herói contemporâneo, mas a sua história é um exemplo de como os escravos resistiram à opressão, cada um à sua maneira. Havia muitas formas de lidar com o cativeiro, nem todas heroicas, mas acredito que sempre sofridas. Também discordo da ideia de que desmistificar personagens históricos seja uma prática negativa: idealizar o passado só dificulta que compreendamos o presente.

Fonte:  História Hoje, 20/11/2014

terça-feira, 21 de março de 2017

Libertem as meninas do estereótipo feminino e elas serão grandes cientistas, matemáticas, engenheiras

Vencedora do Prêmio Diáspora Brasil em ciências, Duilia de Mello trabalha há 11
anos na Nasa, como especialista em análise de imagens do Hubble - Tommy Wiklind/Nasa



À parte conhecer o mérito individual da astrofísica brasileira Duília de Mello, o artigo abaixo é interessante porque mostra ser a malfadada educação diferenciada o grande obstáculo para a realização das potencialidades das mulheres. Destaco trechos da notícia abaixo, da própria astrofísica, de colegas dela e de uma economista que atesta essa realidade, realidade  óbvia que muitos, contudo, insistem em não aceitar, preferindo ir buscar chifres em cabeças de cavalos para responder o porquê de certas diferenças profissionais entre mulheres e homens. (Ver também, sobre o tema, Que conservadores e "progressistas" me desculpem, mas não existe criança "trans")
Diz a economista Hildete Pereira de Mello:
A despeito das dificuldades, ela (Duília) teve o que muitas meninas não têm: a liberdade de sonhar poder ser qualquer coisa, de não ser levada a reproduzir estereótipos de gênero.
— Os brinquedos que ainda hoje damos às crianças são uma forma de manter a organização da família da mesma forma como ela está construída há séculos — explica Hildete. — A princesa remete à ideia do príncipe encantado, do casamento como o grande upgrade da vida. A boneca é a forma de domesticar a mulher para o cuidado. Para os meninos, damos canhões, automóveis, aviões. Ou seja, são formas de socializar os bebês para os papéis sociais referidos que eles deverão cumprir.
Além disso, há a questão da maternidade e da criação dos filhos.
— Os homens não dividem os encargos da maternidade até hoje — constata Hildete. — E, ainda que elas possam pagar por creches, socialmente têm uma dificuldade muito grande. O reconhecimento social da mulher passa pela maternidade. E isso não é só no Brasil, é um problema recorrente no mundo todo.

 Diz física Márcia Cristina Bernardes Barbosa:
— O problema é comum às mais diferentes culturas — diz. — E tem a ver com algumas características da carreira. Por exemplo, há uma demanda grande por viajar, e as mulheres são as responsáveis por cuidar dos filhos, dos idosos, da casa. Outra característica importante é que é preciso ser agressivo. Por último, são carreiras que demandam avaliação constante, exigem um número de publicações. É óbvio que quando elas têm filhos não conseguem a mesma produtividade.
Diz o astrofísico Neil deGrasse Tyson (ver fala no vídeo abaixo), respondendo a supostas explicações genéticas para uma suposta “aversão” das mulheres a área de exatas:
 “Eu queria ser astrofísico desde os 9 anos. E via como o mundo ao redor reagia quando eu expressava essa ambição. Os professores retrucavam: mas você não quer ser atleta, não quer ser outra coisa? Eu queria algo que estava fora do paradigma das expectativas daqueles que estavam no poder. As forças da sociedade agem. Então, se não temos muitos negros na ciência, sei que é porque essas forças são reais e tive que superá-las para estar aqui. Portanto, antes de começarmos a falar sobre diferenças genéticas entre homens e mulheres, temos de encontrar um sistema de oportunidades iguais. Aí, sim, poderemos ter essa conversa.”

Astrofísica brasileira ganha prêmio e reabre discussão sobre mulheres na ciência
Duília de Mello trabalha há 11 anos na Nasa como analista de imagens do telescópio Hubble

RIO - Astrofísica da Nasa, pesquisadora do Goddard Space Flight Center e especialista na análise de imagens do telescópio Hubble. Duília de Mello, de 50 anos, foi a grande vencedora do prêmio Diáspora Brasil, concedido aos cientistas que se destacam no exterior. A vitória de Duília numa área quase que inteiramente dominada por homens reabre o debate sobre a participação das mulheres na ciência e a exploração dos estereótipos de gênero desde a mais tenra infância. Afinal, depois de tantos avanços, por que a área de exatas continua sendo a última fronteira das conquistas femininas?

— Ainda são poucas as mulheres na ciência, e ainda há preconceito — resume Duília. — A tendência é diminuir, espero.

Metade das bolsas já é dada a elas

Economista das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e Fluminense (UFF), dedicada a questões de gênero, Hildete Pereira de Mello (que não é parente de Duília) está fazendo um levantamento sobre o tema, com base nas bolsas de iniciação científica concedidas pelo CNPq. De fato, a participação das mulheres está aumentando, mas a passos muito lentos. Atualmente, metade das bolsas está nas mãos de mulheres — contra 30% no fim dos anos 90. Entretanto, entre os detentores das bolsas sêniores, apenas 23,5% são do sexo feminino (eram 17% em 1999).

Ainda assim, Duília conseguiu se tornar uma “astrofísica extragaláctica”, como está assinalado no prêmio, e trabalhar na Nasa. Nada mal para uma mulher nascida nos anos 60 em Jundiaí, no interior de São Paulo, que passou a infância no subúrbio carioca de Brás de Pina.

— Sempre fui apaixonada pelo Universo e, desde pequena, queria entender como ele funcionava tão bem sendo tão complexo — contou numa entrevista. — No fim dos anos 1970 eu vivia vidrada nas descobertas das naves espaciais da Nasa, Pioneer 10 e 11, que estavam visitando Júpiter e Saturno. Naquela época não tínhamos internet, e o acesso à informação era bem restrito, principalmente para quem era de classe média baixa, como nós.

No entanto, Duília trabalha há onze anos na Nasa, foi responsável pela descoberta da supernova SN 1997D e participou também da descoberta das chamadas bolhas azuis — as estrelas órfãs, sem galáxias.

— Em 2008, detectamos umas bolhas azuis, estrelas solitárias que vivem entre as galáxias, formadas fora das galáxias. Tanto podem ser pequenos aglomerados de estrelas como galáxias anãs, que podem acabar engolidas pelas galáxias vizinhas. Enfim, é um mecanismo interessante de pensar a evolução das galáxias — Duília explica.

A despeito das dificuldades, ela teve o que muitas meninas não têm: a liberdade de sonhar poder ser qualquer coisa, de não ser levada a reproduzir estereótipos de gênero. Não é simples como parece.

— Os brinquedos que ainda hoje damos às crianças são uma forma de manter a organização da família da mesma forma como ela está construída há séculos — explica Hildete. — A princesa remete à ideia do príncipe encantado, do casamento como o grande upgrade da vida. A boneca é a forma de domesticar a mulher para o cuidado. Para os meninos, damos canhões, automóveis, aviões. Ou seja, são formas de socializar os bebês para os papéis sociais referidos que eles deverão cumprir.

Além disso, há a questão da maternidade e da criação dos filhos.

— Os homens não dividem os encargos da maternidade até hoje — constata Hildete. — E, ainda que elas possam pagar por creches, socialmente têm uma dificuldade muito grande. O reconhecimento social da mulher passa pela maternidade. E isso não é só no Brasil, é um problema recorrente no mundo todo.

Diretora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vencedora do Prêmio Loreal/Unesco ano passado, Márcia Cristina Bernardes Barbosa, de 54 anos, constatou isso ao participar de um projeto sobre a questão de gênero organizado pela União Internacional de Ciências, que contou com grupos de trabalho em 75 países.

— O problema é comum às mais diferentes culturas — diz. — E tem a ver com algumas características da carreira. Por exemplo, há uma demanda grande por viajar, e as mulheres são as responsáveis por cuidar dos filhos, dos idosos, da casa. Outra característica importante é que é preciso ser agressivo. Por último, são carreiras que demandam avaliação constante, exigem um número de publicações. É óbvio que quando elas têm filhos não conseguem a mesma produtividade.

A genética em questão

A questão é tão recorrente que se chegou a cogitar se haveria alguma explicação genética para a uma suposta “aversão” das mulheres a área de exatas.

A melhor resposta para isso veio de um homem, o astrofísico Neil deGrasse Tyson, num vídeo que faz sucesso nas redes sociais: “Eu nunca fui mulher, mas fui negro a minha vida toda”, disse ele. “Mas há similaridades na questão do acesso a oportunidades para negros e mulheres numa sociedade dominada por homens brancos.”

“Eu queria ser astrofísico desde os 9 anos. E via como o mundo ao redor reagia quando eu expressava essa ambição. Os professores retrucavam: mas você não quer ser atleta, não quer ser outra coisa? Eu queria algo que estava fora do paradigma das expectativas daqueles que estavam no poder. As forças da sociedade agem. Então, se não temos muitos negros na ciência, sei que é porque essas forças são reais e tive que superá-las para estar aqui. Portanto, antes de começarmos a falar sobre diferenças genéticas entre homens e mulheres, temos de encontrar um sistema de oportunidades iguais. Aí, sim, poderemos ter essa conversa.”

Fonte: O Globo, 13/06/2014, por Roberta Jansen
 


Publicado originalmente em julho de 2014 neste blog

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Fernando Holiday, de token black a ponta de lança do reacionarismo

Eleito vereador no último pleito, Fernando Holiday, do Movimento Brasil "Livre" (MBL), um dos grupos que organizou as manifestações pelo impeachment de Dilma afirmou, em sua página do facebook: 
Meu primeiro pronunciamento feito aqui na minha página pós-eleição, além de divulgar os gastos finais de campanha, foi apoiar a medida do prefeito eleito João Doria de EXTINGUIR a secretaria de Igualdade Racial e LGBT. Precisamos diminuir o tamanho da máquina da prefeitura! Sou e serei a favor de qualquer redução de gastos ou estruturas burocráticas." 
Bem, Doria voltou atrás em sua fala sobre extinguir secretarias (não sei como ficará a situação agora) e, no caso da LGBT, nem poderia extingui-la porque sequer existe. Ao que tudo indica, Holiday não está a par desses detalhes, mais preocupado em jogar para sua plateia de reaças empedernidos.

Entretanto sua fala provocou engulhos em muitos, inclusive em mim. Me fez lembrar direto o personagem do filme Django Livre (de Quentin Tarantino), Stephen, interpretado magistralmente por Samuel Lee Jackson, o negro liberto que trabalha para o escravocrata Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), em sua plantation, e é mais vil com os outros negros do que o próprio patrão. Claro que vão dizer que estou exagerando na analogia, pois não há como comparar as imbecilidades ditas por Holiday, num regime democrata, com as falas e ações escrotas de um agente do sistema escravagista. No entanto, o desprezo que o personagem de Jackson provoca nos espectadores do filme, em mim também naturalmente, não é muito diferente do que senti ao ler a fala de Holiday. Guardadas às devidas proporções, a motivação de ambos é sim a mesma. Adiante.


Naturalmente,  a performance de Holiday vem rendendo assunto nas redes sociais e já virou tema de postagens em blogs e sites tanto ditos de direita quanto de esquerda. No site Diário do Centro do Mundo, de esquerda, Marcos Sacramento escreveu texto intitulado Quantos mandatos Fernando Holiday do MBL cumprirá até tornar-se negro?, criticando Holiday, entre outras coisas, por ser contra cotas e por querer extinguir a secretaria de promoção da igualdade racial de São Paulo. O título e o texto são bem equivocados pois querem fazer crer que se uma pessoa negra não for favorável a cotas raciais ela não seria negra de fato. Ser negro então deixa de ser uma condição inata para se tornar um modelo específico de militância!? Eu, hein!

Do outro lado, blogueiros e colunistas de direita saíram em defesa do Stephen tupiniquim afirmando coisas do tipo: "A esquerda não consegue entender a existência de Holiday porque acredita ter o monopólio da defesa dos negros, pobres e “oprimidos” em geral. (Leandro Narloch)."  Ou "O negro, o gay, a mulher, nada disso importa. Não como indivíduo, ao menos. Só começam a importar quando servem de mascote para a esquerda, para sua agenda totalitária estatizante. E isso só acontece quando aceitam o papel de vítimas, de coitadinhos, clamando por intervenção estatal(Rodrigo Constantino)." Festival de clichezinhos direitosos repetidos ad nauseum.

Mas quem disse que o problema de Holiday  é não se encaixar nos parâmetros de esquerda que a militância seja negra ou LGBT define como corretos? Vamos lembrar que uma parcela do movimento negro sempre foi contra cotas raciais. Ativistas históricos do movimento foram contra a implementação das cotas. A autora deste texto foi e continua sendo contra cotas raciais. Acho um grande equívoco. Agora, porque sou contra a ala racialista que tem preponderado no Movimento Negro nos últimos anos, eu vou atacar o movimento negro em si mesmo, sair por aí dizendo que a luta contra o racismo é desnecessária, coisa de vitimistas, porque somos todos apenas "indivíduos"!!?? Querer extinguir secretarias que lidam com essa questão específica sob a desculpa esfarrapada de reduzir gastos ou estruturas burocráticas? Até parece que não existem outras instâncias governamentais bem mais supérfluas onde promover cortes, não é verdade? Essa gente subestima tanto assim a inteligência alheia?

O mesmo em relação ao movimento LGBT, feminista, qualquer outro. Minhas críticas ao movimento LGBT, do qual sou uma das fundadoras, são inúmeras, sobretudo pelo aparelhamento petista que sofreu nos últimos anos. Daí eu atacar o movimento em si mesmo, desqualificando toda uma história de lutas, na base da enorme falácia de que somos apenas "indivíduos" e não tem sentido a gente lutar em coletivos!!?? Esse papo furadésimo de contra "coletivismos" pra lá e pra cá que se ouve frequentemente no meio liberaleco-conservador!? Vale destacar que as únicas pessoas realmente julgadas como indivíduos neste mundo são os donos do poder, ou seja, os homens brancos, héteros, burgueses e cristãos (com algumas variações aí), os estereótipos do privilégio. O restante da humanidade é julgada por fazer parte de algum coletivo em primeiro lugar e não como indivíduo. E obviamente não foram as esquerdas que coletivizaram as pessoas e sim os próprios conservadores com seus preconceitos, discriminações e seu mundo de excludências. As esquerdas, quando muito, manipulam os coletivizados para seus propósitos.

Enfim, repetindo, o problema do Holiday não é ele não se encaixar nos parâmetros que a militância de esquerda criou para lidar com as questões relativas aos direitos humanos. O problema com Holiday é ele se encaixar nos parâmetros que a direita criou para combater os direitos humanos. Holiday poderia ser crítico dos movimentos sociais e buscar inclusive trazer novas propostas para os mesmos de uma perspectiva diferente da atual. Poderia promover até quem sabe uma benéfica renovação dessas expressões políticas através do diálogo crítico.  Mas o que ele quer é jogar para a plateia conservadora que o elegeu e que, como todo mundo sabe, é contrária aos direitos humanos. Holiday é mais do que um token black.* É um ponta de lança do reacionarismo que usa de sua negritude e suposta homossexualidade como fator divisionista das lutas por direitos humanos a fim de revertê-las e até mesmo impedi-las. Trata-se de um oportunista que surfou na onda antipetista e nas manifestações do impeachment de Dilma para se eleger encenando uma mistura de alborghetti, datena e ratinho com falsa indignação. Quer se dar bem na vida a qualquer preço. A História registra várias figuras como ele ao longo dos séculos. Os cristãos o celebram no sábado de Aleluia.


* Token Black é o nome que se dá ao membro de uma minoria historicamente discriminada inserido em qualquer ambiente adverso a sua especificidade apenas para que se crie a impressão de tolerância e ausência de preconceitos. 

Token Black é o nome do personagem da animação South Park exatamente por ser a única criança negra do desenho. 


quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O fato é que a direita não tem respostas a dar para as demandas da maioria da população

Social-democracia, inimiga da liberdade?

O artigo de Murray N. Rothbard, reproduzido abaixo e tirado do site do Instituto Ludwig von Mises - Brasil, explica o porquê da prevalência da social-democracia e de sua provável continuidade por um bom tempo, ao contrário do pretendido por seu autor. No texto, Rothbard aponta a social-democracia como a atual grande inimiga dos defensores da "liberdade", elenca seus apoiadores (as massas assistencializadas, empresários, políticos, intelectuais, a mídia) e sugere ações para derrotar esse vilão “traiçoeiro e liso". 

Na caracterização dos agentes de mudanças da esquerda social-democrata, criados em substituição ao proletariado dos comunistas, figurariam "todos os tipos de grupos vitimológicos (negros, feministas, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc) que [teriam aceitado] esse papel". Com essa caracterização, o autor reduz as demandas da maioria da humanidade (só considerando as mulheres temos a maioria dos seres humanos) a uma estratégia de grupos que se dizem perseguidos (mas não seriam) e que vivem lutando por supostos "direitos iguais", embora de fato visem privilégios. Em outras palavras, a maioria da humanidade realmente não enfrentaria agruras nem problemas. Suas reivindicações seriam na verdade embustes criados pelos intelectuais fabianos (antes eram os comunistas) como pretexto para avolumar o estado e atentar contra a tradição, a família e as liberdades individuais. Nesse ponto, a gente se faz de sonsa e pergunta: liberdades individuais de quem, cara pálida, se não leva em consideração os anseios da maioria da população? Naturalmente, a liberdade do autor (e de seus assemelhados) que escreveu o texto mirando-se no espelho como um Narciso apaixonado. 

O fato é que a direita, do autor do texto (quiçá a direita em geral), não tem respostas para dar aos problemas da maioria da população. Ou melhor, como resposta, nega que os problemas existam, relegando-os a uma estratégia social-democrata (ou comunista) de oposição à liberdade e à tradição (que oximoro esse par!) e a favor do estado interventor, regulador e controlador. Entretanto, vamos combinar, ao contrário dos clichêzinhos libero-conservadores, a esquerda não coletivizou os indivíduos coisa nenhuma. A esquerda não fabricou artificialmente os grupos sociais discriminados como forma insidiosa de solapar a liberdade dos pobrezinhos conservadores. Simplesmente existem grupos discriminados, marginalizados. Ponto. E, se a gente for buscar os reais responsáveis pela criação desses grupos, chegaremos sem dúvida aos próprios conservadores.

O máximo de que se pode acusar as esquerdas, com propriedade, é de instrumentalizar as demandas legítimas da população como apoio a sua estratégia de poder,  como forma de atrelar essas demandas a seu âmbito de ação. E elas fazem isso com tanta desenvoltura exatamente porque não encontram concorrência (pelo menos a considerar esse texto e outros congêneres que já li da dita direita). Não há quem reconheça as demandas legítimas da população e procure dar a elas uma solução que não passe pela via de um estado interventor, regulador e controlador. Enfim, continuamos necessitando de um outro caminho entre a esquerda retrógrada, cooptadora e estatista que nos assola e a direita cega, socialmente insensível e reacionária tão bem representada por esse texto. No momento, parece que estamos simplesmente num mato sem cachorro.

Adendo em 17/01/2016 - Coincidentemente, o economista liberal Paulo Guedes, em entrevista à ÉPOCA desta semana, falou a respeito do liberalismo na mesma perspectiva que abordei:
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa predominância do pensamento de esquerda no país?
Guedes - O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular, milenar e que assassinou politicamente as versões mais ingênuas do liberalismo? A solidariedade. Porque o Lula foi eleito quatro vezes? Porque ele entendeu que a solidariedade é importante. Então, os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter os dois. O liberalismo, criado no século XVIII e predominante no século XIX, foi assassinado, merecidamente, no século XX, porque não pensou na solidariedade. Aí vem o socialismo, absolutamente ignorante em matéria econômica. Desastroso. União Soviética, China, o capeta. Um fracasso do ponto de vista de liberdade política, aprisionando milhões de pessoas no mundo inteiro, guerra civil, Gulag, Revolução Cultural. Essa indignação da Dilma com os militares é muito merecida. Agora, se estivesse sido do lado de lá, ela não estaria como presidente hoje, porque o sistema varria os dissidentes muito mais rápido. Mas eles tinham uma coisa que sempre falaram e sempre falarão: “la solidariedad de los hermanos, la igualdad, el socialismo”. Quando os liberais se esqueceram disso, acreditando que isso é voluntário, a gente dá se quiser, dá o voucher saúde, o voucher educação, dá igualdade de oportunidade e, se tudo falhar, deixa ir para o saco, perderam o bonde. A solidariedade está além de direita e esquerda. É um traço humano.
O grande inimigo da atualidade - e como lutar contra ele
Murray N. Rothbard
Qual o principal inimigo da atualidade, contra o qual os defensores da liberdade devem lutar fervorosamente?

Qual foi o arranjo sócio-econômico que ascendeu vigorosamente com a derrocada do comunismo, que se estabeleceu praticamente sem rivais, que é protegido e defendido fervorosamente pela "mídia respeitável" e que representa uma ameaça tanto às liberdades individuais e econômicas quanto à família e à tradição?

A social-democracia.

Não apenas a social-democracia, em todos os seus formatos e disfarces, é onipresente e já demonstrou ser mais longeva que seu parente mais violento, o comunismo, como também os social-democratas — agora que Stalin e seus herdeiros estão fora do caminho — são implacáveis em sua avidez para a conquista do poder total. 

Os bolcheviques, comunistas, foram substituídos pelos seus primos mencheviques, social-democratas.

Por serem defendidos pela "Mídia Respeitável" e por adornarem seus reais objetivos de poder absoluto em uma linguagem polida e politicamente correta, os social-democratas são inimigos traiçoeiros e lisos. Exatamente por isso eles têm de ser combatidos vigorosamente.

Mas apenas apontar o dedo para a social-democracia não basta. Uma coisa é reconhecer o arranjo inimigo; outra coisa, tão essencial quanto, é reconhecer os integrantes deste arranjo.

E esta é uma questão que não pode de modo algum ser deixada para depois. Ao contrário, aliás: ela deve ser abordada antes de qualquer plano de ação. 

Como operam

Os marxistas, que sempre dedicaram uma enorme quantidade de tempo pensando em uma estratégia para seu movimento, sempre se fizeram a seguinte pergunta: quem é o agente da mudança social? O marxismo clássico encontrou uma resposta fácil: o proletariado. 

Porém, com o passar do tempo — e com a recusa do proletariado em ser este agente da mudança —, as coisas foram se tornando menos definidas, e o agente da mudança social passou por sucessivas alterações: camponeses, mulheres oprimidas, minorias, e todos os tipos de grupos vitimológicos (negros, feministas, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc) que aceitassem este papel.

Atualmente, a questão relevante está do outro lado da moeda: quem são os vilões que dão sustento à social-democracia? Quem são os agentes das mudanças sociais negativas? Mais ainda: quais grupos da sociedade representam as maiores ameaças para a liberdade? 

Basicamente, sempre foram apresentadas duas respostas: (1) as massas que vivem de assistencialismo e que, por isso, são apologistas do estado; e (2) as elites que controlam o poder (políticos e grandes empresários ligados a esses políticos).

Ainda em minha juventude, concluí que o maior perigo sempre foi a segunda opção — a elite dominante —, e pelos seguintes motivos.

Em primeiro lugar, mesmo que as massas dependentes do estado tenham o potencial para se rebelar de forma violenta e passar a agir como se seu sustento fosse um direito inalienável ("direito", no caso, nada mais é do que um dever impingido aos pagadores de impostos), o fato é que tais massas simplesmente não têm tempo para se dedicar à política e às peripécias e trapaças do jogo político. O cidadão pertencente a este grupo passa a maior parte do seu tempo cuidando de seus afazeres rotineiros, interagindo com seus amigos e se divertindo com a família. Apenas muito esporadicamente ele irá se interessar por política ou se engajar politicamente em uma causa.

As únicas pessoas que têm tempo para se dedicar à política são os profissionais: burocratas, políticos e grupos de interesse (lobistas e grandes empresários) que dependem diretamente das regras estipuladas por políticos e burocratas. Estes últimos (lobistas e grandes empresários), em particular, usufruem trânsito livre junto a políticos e burocratas do governo, os quais, em troca de propinas e doações de campanha, concedem a esses empresários uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um livre mercado. Os privilégios mais comuns são restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros

(E estamos aqui desconsiderando os privilégios ilegais, como as fraudes em licitações e o superfaturamento em prol de empreiteiras, cujas obras são pagas com dinheiro público).

Em troca desses privilégios (legais e ilegais), os grandes empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e burocratas com amplas doações de campanha e propinas.

Dado que tais pessoas ganham muito dinheiro com o jogo político, elas são intensamente interessadas no assunto, e dedicam vinte e quatro horas de seus dias pensando em novas maneiras de espoliar a população em benefício próprio. Sendo assim, estes grupos de interesse sempre representarão um perigo muito maior para a nossa liberdade e propriedade do que as massas desinteressadas.

Esta foi a constatação básica dos seguidores da Teoria da Escolha Pública. Os únicos outros grupos interessados em política em tempo integral são aqueles que se interessam em estudar o assunto, ideólogos como nós, um segmento nada volumoso da população. Portanto, o problema está tanto na elite que controla o aparato estatal quanto na elite cuja riqueza depende diretamente das políticas implantadas por este aparato estatal. 

Um segundo ponto crucial é que a social-democracia, com seu estado fiscalmente voraz e obeso, divide a sociedade em dois grupos: a elite dominante, que necessariamente é a minoria da população, e que é sustentada pelo segundo grupo — nós, o resto da população. Neste quesito, sempre recomendo um dos mais brilhantes ensaios já escritos sobre filosofia política: Disquisition on Government, de John C. Calhoun. Segundo Calhoun:
[O] inevitável resultado desta iníqua ação fiscal do governo será a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos — e, obviamente, arcam exclusivamente com o fardo de sustentar o governo —, e a outra formada por aqueles que recebem sua renda por meio do confisco da renda alheia, e que são, com efeito, sustentados pelo governo. Em poucas palavras, o resultado será a divisão da sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.
Porém, o efeito disso será que ambas as classes terão relações antagonistas no que diz respeito à ação fiscal do governo e a todas as políticas por ele criadas. Pois quanto maiores forem os impostos e os gastos governamentais, maiores serão os ganhos de um e maiores serão as perdas de outro, e vice versa. E, por conseguinte, quanto mais o governo se empenhar em uma política de aumentar impostos e gastos, mais ele será apoiado por um grupo e resistido pelo outro.

O efeito, portanto, de qualquer aumento de impostos será o de enriquecer e fortalecer um grupo [os consumidores líquidos de impostos] e empobrecer e enfraquecer o outro [os pagadores líquidos de impostos].

Logo, quanto mais inchado se torna o governo, maior e mais intenso passa a ser o conflito entre essas duas classes sociais.

No entanto, dado que uma elite minoritária é capaz de governar, tributar e explorar a maioria do público sem sofrer retaliações, isso nos leva ao principal problema da teoria política: o mistério da obediência civil. Afinal, por que a maioria do público aceita se submeter a essa gente, sem oferecer resistência? 

Esta indagação foi respondida por três grandes teóricos políticos: Étienne de la Boétie, teórico libertário francês de meados do século XVI, David Hume e Ludwig von Mises. Eles demonstraram que, exatamente pelo fato de a elite dominante estar em minoria, a coerção por si só não pode funcionar no longo prazo. Até mesmo na mais despótica das ditaduras, o governo irá se manter apenas se contar com o apoio da maioria da população. No longo prazo, o que é preponderante são as ideias, e não a força — e qualquer governo tem de ter legitimidade na mente do público.

Essa verdade foi perfeitamente demonstrada durante o colapso da União Soviética. Quando os tanques foram enviados para capturar Boris Yeltsin, eles foram persuadidos a apontar suas armas para o outro lado e a defender Yeltsin e o Parlamento russo. Em linhas gerais, estava claro que o governo soviético havia perdido toda a legitimidade e apoio entre a população. Para um libertário, foi particularmente fantástico assistir à morte de um estado, particularmente um estado monstruoso como a União Soviética. Até o final, Gorbachev continuou emitindo decretos, como sempre fez, mas a diferença é que ninguém mais prestava atenção e nem dava a mínima. O antes todo poderoso Supremo Soviético (a legislatura da URSS) continuava se reunindo frequentemente, mas ninguém se dava ao trabalho de comparecer. Glorioso!

Quem garante o consentimento dos espoliados

Mas ainda não resolvemos o mistério da obediência civil. Se a elite dominante está tributando, espoliando e explorando o público, por que o povo não se rebela? Por que ele tolera tudo isso? Por que ele simplesmente não retira seu consentimento?

Resposta: não se deve jamais ignorar o papel crucial dos intelectuais, a classe que molda as opiniões da sociedade. Se as massas soubessem como o estado realmente opera, elas imediatamente retirariam seu consentimento. Elas rapidamente perceberiam que o rei está nu, e que elas estão sendo espoliadas. É para evitar essa "tragédia" que os intelectuais entram em cena.

A elite dominante, seja ela os monarcas de antigamente, os comunistas de pouco tempo atrás ou os social-democratas da atualidade, necessita desesperadamente de exércitos de intelectuais que teçam apologias para o poder estatal. O estado governa por determinação divina; o estado assegura o bem comum e o bem-estar geral; o estado nos protege dos bandidos que estão sempre à espreita; o estado garante o pleno emprego; o estado ativa o multiplicador keynesiano; o estado garante a justiça social. Como demonstrou Karl Wittfogel em sua grande obra, Oriental Despotism, nos impérios asiáticos, os intelectuais lograram êxito com a teoria de que o imperador ou o faraó era uma entidade divina. Se o soberano é Deus, poucos se atreverão a desobedecer ou a questionar suas ordens.

Podemos ver como os regentes do estado se beneficiam dessa sua aliança com os intelectuais; mas o que os intelectuais ganham com esse arranjo? 

Intelectuais são pessoas que acreditam que, em um livre mercado, auferem uma renda muito aquém de sua sabedoria. Para se aproveitar disso, o estado, para favorecer estes egos tipicamente hiperinflados, está disposto a oferecer aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato estatal; e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígios. O estado está disposto a pagar a esta gente tanto para tecerem apologias ao poder estatal quanto para preencher a miríade de postos de trabalho nas universidades, na burocracia e no aparato regulatório do estado. Com efeito, o estado democrático moderno criou uma maciça superabundância de intelectuais.

Em séculos passados, as igrejas formavam a classe exclusiva de formadores de opinião da sociedade. Daí a importância para o estado e seus burocratas de formar uma aliança entre o estado e a igreja, e daí a importância para libertários da separação entre estado e igreja, o que na prática significa não permitir que o estado conceda a um grupo o monopólio da tarefa de moldar as opiniões da sociedade. 

No século XX, obviamente, a igreja foi substituída, e o papel de moldar opiniões — ou, naquela adorável frase, de "fabricar o consentimento" — foi entregue a um enxame de intelectuais, acadêmicos, cientistas sociais, tecnocratas, cientistas políticos, assistentes sociais, jornalistas e a toda a mídia em geral. 

Portanto, para resumir o problema: na social-democracia, as elites dominantes — políticos, burocratas e grandes empresários — se uniram aos intelectuais e à mídia, e, com o apoio e o trabalho destes, conseguiram iludir e confundir as massas, doutrinando-as com uma "falsa consciência", como diriam os marxistas, fazendo-as aceitar passiva e alegremente seu domínio. Aquilo que em arranjos mais honestos seria visto como espoliação e exploração, na social-democracia é visto como "bem comum", "desenvolvimentismo" e "justiça social".

O que fazer

Sendo assim, o que podemos fazer a respeito? 

Uma estratégia endêmica aos libertários e aos liberais clássicos é aquela que pode ser chamada de modelo hayekiano, em homenagem a F.A. Hayek. Eu chamo de "educacionismo". 

Ideias, segundo este modelo, são cruciais; e ideias perpassam toda uma hierarquia, começando com os filósofos do alto escalão, de onde descem para os filósofos menos proeminentes, depois para os acadêmicos, e finalmente chegam aos jornalistas e políticos, de onde então atingem as massas. Por essa estratégia, o que deve ser feito é converter os filósofos do alto escalão para as ideias corretas. Ato contínuo, eles irão converter os outros filósofos menos proeminentes, e daí por diante, em uma espécie de "efeito-goteira", até que as massas inevitavelmente serão convertidas e a liberdade será finalmente alcançada.

O problema com essa estratégia do gotejamento é que ela é muito suave e refinada, dependente de mediações e persuasões serenas nos austeros corredores da intelectualidade. Essa estratégia combina bem com a personalidade de Hayek, que nunca foi exatamente um combatente intelectual agressivo.

É claro que ideias e persuasão são importantes, mas há várias falhas cruciais nesta estratégia hayekiana. 

Em primeiro lugar, obviamente, essa estratégia irá, na melhor das hipóteses, levar várias centenas de anos para surgir algum efeito, e muitos de nós estamos um tanto impacientes para isso. Mas o tempo não é de modo algum o único problema. Várias pessoas já observaram os misteriosos bloqueios neste gotejamento feitos pela mídia. Por exemplo, vários cientistas sérios têm uma visão bem distinta a respeito das questões ambientalistas que hoje estão em voga; no entanto, são sempre os mesmos histéricos de esquerda que são exclusivamente citados nas reportagens da mídia. O mesmo ocorre às enfadonhas abordagens sobre racismo, homofobia e "direitos das minorias". Sendo assim, por que esperar que uma mídia que invariavelmente distorce as coisas para o lado politicamente correto irá repentinamente vir para o lado da razão? Já está cristalino que a mídia, principalmente a 'mídia respeitável e influenciável', possui e sempre terá uma forte inclinação progressista.

De modo geral, o modelo hayekiano do gotejamento ignora um ponto crucial: o fato de que — e eu espero não estar retirando seu prazer de viver — intelectuais, acadêmicos e a mídia não são exatamente motivados pela verdade. É verdade que as classes intelectuais podem fazer parte da solução, mas elas também são uma grande parte do problema. Como vimos, os intelectuais fazem parte da classe dominante, e seus interesses econômicos, bem como seus interesses em termos de prestígio, poder e admiração dependem inteiramente da continuidade do atual sistema social-democrata.

Outra estratégia é aquela comumente perseguida por vários institutos conservadores e liberais: a persuasão silenciosa feita diretamente nos corredores do poder, sem passar pela comunidade acadêmica. Tal estratégia é chamada de "estratégia fabiana", e os institutos saem divulgando relatórios pedindo uma redução de 5 pontos percentuais na alíquota de importação e de 2 pontos percentuais na alíquota do imposto de renda, além de uma pequena redução das regulamentações e da burocracia. Os defensores dessa estratégia apontam para o sucesso da sociedade fabiana, a qual, por meio de suas detalhadas pesquisas empíricas, suavemente submeteu o estado britânico a um gradual crescimento do poder socialista.

O defeito desta estratégia, no entanto, está no fato de que aquilo que funciona para aumentar o poder estatal não funciona para fazer o inverso. Afinal, os fabianos estavam estimulando as elites dominantes a aumentar seu poder, que era exatamente o que elas queriam. Por outro lado, tentar encolher o estado vai fortemente contra sua natureza, e o resultado mais provável é que o estado acabe cooptando e 'fabianizando' os institutos que tentem reduzir seu poder. 

Esse tipo de estratégia pode, é claro, ser pessoalmente muito agradável para os membros desses institutos, e pode acabar garantindo alguns contratos lucrativos ou até mesmo alguns confortáveis empregos na máquina pública para essas pessoas. E esse é exatamente o problema.

Portanto, além de se esforçar para converter os intelectuais para a nossa causa, a ação mais adequada a ser empreendida tem necessariamente de ser uma estratégia baseada na confrontação, na coragem e na ousadia. Uma estratégia que gere dinamismo e entusiasmo; uma estratégia que agite as massas, que as desperte de sua letargia e que exponha as elites arrogantes que estão nos subjugando, nos controlando, nos tributando e nos espoliando.

Logo, a estratégia adequada tem de se basear naquilo que chamo de "populismo liberal": um movimento intelectual empolgante, dinâmico, tenaz, obstinado e confrontador; um movimento que continuamente desafie e chame para o debate público os principais quadros da social-democracia, para expô-los pelo que realmente são; um movimento que desperte e inspire não apenas as massas exploradas, mas também todos os poucos quadros intelectuais da direita. 

Nesta era em que as elites intelectuais são todas social-democratas e hostis a idéias não-progressistas, é necessário um movimento carismático e dinâmico, cujos membros tenham a habilidade de contornar a mídia e saibam se comunicar diretamente com as massas exploradas que dão sustentação ao regime.

Conclusão

Em todas as questões cruciais, os social-democratas se opõem à liberdade e à tradição, posicionando-se sempre a favor do estado interventor, regulador e controlador. 

No longo prazo, social-democratas são mais perigosos do que comunistas, e não apenas porque eles são mais resistentes e protegidos, mas também porque seu programa e seu apelo retórico são muito mais insidiosos, dado que eles sabem combinar o charme das ideias socialistas com as atraentes "virtudes" da democracia, tudo cuidadosamente envolto em uma linguagem politicamente correta que promete liberdade de expressão e proteção aos "membros credenciados" de todos os tipos de grupos vitimológicos, aquela gente que se diz perseguida e que vive lutando por "direitos iguais" — sendo que o 'iguais' significa na verdade 'superiores'. 

Por muito tempo, os social-democratas obstinadamente se recusaram a aceitar a lição libertária de que liberdades civis e econômicas são indissociáveis; porém, agora, mais maduros e experientes, eles polidamente fingem defender a existência de algum tipo de "mercado", desde que este seja devidamente tributado, regulado e restringido por um maciço estado interventor e assistencialista. Em suma, há pouca distinção entre os atuais social-democratas e os antigos "socialistas de mercado" da década de 1930, que alegavam ter solucionado aquele defeito fatal do socialismo apontado por Ludwig von Mises: a impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo, que impedia que os planejadores socialistas calculassem preços e custos, impossibilitando-os de planejar uma economia moderna e funcional.

No arsenal coletivista que dominou o cenário mundial do século XX, havia vários programas estatistas concorrentes: dentre eles, o comunismo, o fascismo, o nazismo e a social-democracia. Os nazistas e os fascistas estão mortos e enterrados; o comunismo ainda existe apenas em alguns países sem nenhuma importância. Restou somente a mais insidiosa forma de estatismo: a social-democracia. 

Em meio a uma cultura capturada por ideias progressistas e programas sociais esquerdistas, é necessária uma estratégia ousada para frustrar os planos dos social-democratas de alcançarem uma completa e irreversível tomada do poder.

Fonte: O Instituto Ludwig von Mises - Brasil ("IMB"), 31/12/2015

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Quem disse que o termo libertário tem patente?

O primeiro a definir o termo "libertário" politicamente
O Instituto Ludwig von Mises - Brasil publicou ontem (20/05) um texto, de diversos autores, intitulado Eu sou um genuíno libertário. O texto parece ter um caráter provocativo de tão discutível. E de fato me provocou uma resposta que posto abaixo.

Quem disse que existe apenas uma definição exclusiva para o termo libertário?

Palavras não tem dono, e um mesmo termo pode comportar  várias acepções. Em política, uma mesma designação costuma abranger de fato inúmeras correntes de pensamento que têm - não raro  - apenas um único denominador comum. Portanto, alguém afirmar que ser libertário é respeitar o princípio da não-agressão (PNA) procede. Outros libertários de vertente pacifista haverão de concordar pelo menos em termos. 

Agora, o que não cabe, por uma questão de honestidade intelectual inclusive, é querer reduzir o vocábulo “libertário” somente a defensor do tal PNA. Pior dizer que essa é a versão “genuína e exclusiva” da palavra e até mesmo chamar de sequestradores a seus verdadeiros pais. Pra quem não lembra – ou não sabe – o termo libertário foi cunhado pelo anarquista francês Joseph Déjacques, primeiramente em uma sua carta de 1857, intitulada O Ser Humano, ao também anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Nela, Déjacques critica Proudhon veementemente por sua posição contrária aos direitos das mulheres.  Aliás, para quem considera não haver qualquer relação entre o termo libertário e o feminismo, forçoso resgatar onde ele aparece, dentro da carta de Déjacques. Aparece exatamente no parágrafo no qual o autor afirma  que, por sua posição sexista, Proudhon podia ser anarquista moderado, liberal, mas não libertário.
Flogger of woman and absolute serf of man, Proudhon Magnan, you use your words for a lash. Like a slave-driver you seem delighted to disrobe your beautiful victims (on paper) and flagellate them with invectives. Moderate anarchist, liberal, but not libertarian, you want free exchange of cotton and candles and you seek to protect man against woman in the exchange of affectional human passion. You cry against the great barons of capital, and you would rebuild a proud barony of man on vassal-woman. Logician with misfit eyeglasses, you are unable to read the lessons of the present or the past; you can discern nothing that is elevated or at a distance or in the perspective of the future. 


Posteriormente, Déjacques reafirmará a paternidade do termo ao publicar o jornal "Le Libertaire, Journal du Mouvement social" (O Libertário, Jornal do Movimento Social, de 1858 a 1861), em Nova York, onde havia se exilado após a revolução de Paris de 1848. Nesse jornal, ele publicou também, originalmente, sua utopia anarquista chamada Humanisfério (L'Humanisphère, Utopie anarchique). Mais tarde, outro teórico francês do anarquismo, Sébastian Faure (Dor Universal, Doze Provas da Inexistência de Deus), retoma o jornal O Libertário (1895-1914) e os termos “libertário”, “libertarismo” como alternativa aos equivalentes  anarquista/anarquismo, já muito estigmatizados como sinônimos de “desordem”, “desordeiros” (devido a ações terroristas de alguns que se autodenominavam anarquistas).1.

Portanto, desde o berço e por sua longa trajetória a partir de então, a palavra “libertário”, além das lutas sindicalistas, esteve associada também à luta das mulheres, dos negros (Déjacques foi igualmente abolicionista), à liberdade sexual, à liberdade individual, à ecologia (Walden, Life in the Woods, Henry David Thoreau) e à educação para a liberdade. Após os embates sangrentos com os autoritários dos pós-guerras, ela ressurge, nos anos 60 do século passado, por meio dos movimentos da contracultura, da revolução sexual, da política do corpo, do anti-estatismo, do anti-militarismo. A contracultura é filha dileta do anarquismo pacifista (ver, como referência, Do underground brotam flores do mal. Anarquismo e contracultura na imprensa alternativa brasileira).

Assim sendo, não é possível afirmar à luz dos fatos e, aliás, dos dicionários e inclusive do bom senso, que uma pessoa racista, sexista, homofóbica possa, ao mesmo tempo, ser libertária. Não é possível alguém se dizer libertário apenas porque proclama o Estado como inimigo enquanto não se preocupa com as outras instâncias de concentração de poder e de opressão dos indivíduos, como a religião, a família tradicional, a escola, as corporações, etc. Libertários são radicais defensores da liberdade em geral e não apenas da liberdade econômica, ademais tratada como panaceia para todos os males do autoritarismo. É certo que todos os libertários são anti-estatistas e acham que a humanidade ganharia um bocado em aprender a se autogerir sem essa entidade chamada Estado que, como a História nos mostra fartamente, tem sido muito mais fonte de problemas do que de soluções. Mas daí a achar que, numa utópica extinção do Estado, todas as outras formas de opressão individual cairiam, como num efeito dominó, é muita ingenuidade (para ser delicada).

Por fim, embora não goste de tratar quaisquer temas na base da dicotomia esquerda-direita, pois só alimenta o fla-flu das sinapses relapsas, a bem da verdade histórica, sinto-me obrigada a lembrar que o significado de libertário está umbilicalmente associado à esquerda (o pai da criança era um anarco-comunista). Bem como a trajetória do termo ao longo dos séculos. Então, trata-se de uma atroz inversão dos fatos afirmar que “a esquerda vem tentando sequestrar o movimento libertário acrescentando ao Princípio da Não-Agressão sua típica agenda progressista”. Oras, quem está tentando descaradamente sequestrar o movimento libertário e usurpando sua história e protagonistas, pelo visto, é a direita conservadora (apesar de não se assumir como tal). Daí o anti-historicismo de considerar como bizarrice aquilo que sempre foi inerente à trajetória libertária.

Por último, pessoalmente, acho que o posicionamento sobre o princípio da não-agressão, em relação a pessoas e mesmo à propriedade privada (apesar de polêmica), e, naturalmente, a não-intervenção estatal na vida dos indivíduos e seus negócios pessoais e comerciais cabem na perspectiva de quem se denomina libertário. O que definitivamente não cabe é a soberba de considerar a fidelidade ao princípio da não-agressão como exclusiva definição de libertário, numa redução brutal do termo e à revelia de sua história tão rica exatamente por ser múltipla.

1. Guérin, Daniel. O Anarquismo, Da doutrina à ação. Editora Germinal, setembro de 1968. Tradução de Manuel Pedroso. p. 11.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Num mundo em que, por qualquer coisinha, já se sai falando em racismo, modelo posa sentada em manequim negra

A fotografia de uma socialite russa publicada em um site de moda do país despertou a ira de usuários de internet ao redor do mundo nas últimas horas. Para ilustrar o texto de uma entrevista concedida ao blog Buro 24/7, Dasha Zhukova, nome conhecido no meio artístico internacional, aparece tranquliamente sentada sobre o manequim de uma mulher negra, disposto e contorcido de forma a simular uma cadeira.

Internautas de diversas redes sociais protestaram contra a publicação da foto, recheada de elementos racistas. Na imagem, o manequim da mulher negra aparece nu, com as pernas contorcidas sobre o tronco para servir de assento; calçando longas botas de salto e cano alto para servir de encosto. Nesse cenário, Zhukova, que é dona de uma galeria de arte, posa para a fotografia: sentada sobre o manequim, apoiando seu corpo contra as botas do manequim da moça negra.

Após a polêmica, o site Buro 24/7 disse ser "categoricamente" contra a noção de racismo, opressão e humilhação de pessoas em qualquer forma. "Vemos essa cadeira estritamente em um contexto artístico. Pedimos desculpas a todos os nosso leitores que ficaram ofendidos com a fotografia", afirmou um representante do site russo.

Contribuiu para aumentar o clamor contra a publicação o fato de que na última segunda-feira (20/01), os EUA celebravam o feriado anual em homenagem a Martin Luther King, símbolo da luta contra o racismo e pelos direitos civis no país.

A fotografia foi amplamente condenada por blogueiros de moda e tuiteiros, fazendo com que o site "cortasse" a imagem, de forma a omitir da cena o manequim da mulher negra. A foto também foi removida da conta no Instagram de Miroslava Duma, jornalista de moda e dona da revista que publicou a foto.

Fonte: Opera Mundi, 21/01/2014

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Depois da campanha machista contra as atrizes que posaram de luto contra o vergonhoso voto de Celso de Mellou, chegou a vez da campanha racista contra Joaquim Barbosa

Ministro Joaquim Barbosa, mais uma vez vítima do racismo petista
Depois da campanha escrota e machista contra as atrizes que posaram de luto contra o vergonhoso voto de Celso de Mellou (deixo dois exemplos abaixo e link para outras tantas montagens de mesmo nível), chegou a vez da máfia fascista do PT comparar o Ministro Joaquim Barbosa a um macaco, uma das mais conhecidas ofensas racistas sempre em circulação na praça dos acéfalos desta e de outras plagas. Aliás, no caso de Barbosa, não é sua primeira vez como vítima do racismo petista.

E tudo isso porque essa gente quis justiça para os mensaleiros que roubaram milhões dos cofres públicos, objetivando enriquecimento ilícito, e, como se não bastasse, com o intuito de detonar a democracia brasileira, projeto do qual não abrem mão.

Em nenhum dos casos de acintoso preconceito se ouviu um pio nem do movimento feminista nem do movimento negro, devidamente aparelhados pelo petralhismo e, por isso mesmo, verdadeiros mortos-vivos, sem qualquer autonomia. Lembrando que movimento tem causa e não partido, convido à (re)leitura de meu texto A condição natural dos movimentos sociais é o apartidarismo e deixo as tristes imagens de preconceito explícito produzidos por esses subprodutos da espécie humana que demonstram como "de fato" apoiam os grupos discriminados.

As mulheres têm o direito de envelhecer como quiserem
Desqualificar a opinião das mulheres depreciando sua aparência é uma
 das mais velhas táticas machistas usada tanto por conservadores quanto por petistas. E, claro, na foto em questão, as atrizes estão de LUTO"

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