sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Fernando Holiday, de token black a ponta de lança do reacionarismo

Eleito vereador no último pleito, Fernando Holiday, do Movimento Brasil "Livre" (MBL), um dos grupos que organizou as manifestações pelo impeachment de Dilma afirmou, em sua página do facebook: 
Meu primeiro pronunciamento feito aqui na minha página pós-eleição, além de divulgar os gastos finais de campanha, foi apoiar a medida do prefeito eleito João Doria de EXTINGUIR a secretaria de Igualdade Racial e LGBT. Precisamos diminuir o tamanho da máquina da prefeitura! Sou e serei a favor de qualquer redução de gastos ou estruturas burocráticas." 
Bem, Doria voltou atrás em sua fala sobre extinguir secretarias (não sei como ficará a situação agora) e, no caso da LGBT, nem poderia extingui-la porque sequer existe. Ao que tudo indica, Holiday não está a par desses detalhes, mais preocupado em jogar para sua plateia de reaças empedernidos.

Entretanto sua fala provocou engulhos em muitos, inclusive em mim. Me fez lembrar direto o personagem do filme Django Livre (de Quentin Tarantino), Stephen, interpretado magistralmente por Samuel Lee Jackson, o negro liberto que trabalha para o escravocrata Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), em sua plantation, e é mais vil com os outros negros do que o próprio patrão. Claro que vão dizer que estou exagerando na analogia, pois não há como comparar as imbecilidades ditas por Holiday, num regime democrata, com as falas e ações escrotas de um agente do sistema escravagista. No entanto, o desprezo que o personagem de Jackson provoca nos espectadores do filme, em mim também naturalmente, não é muito diferente do que senti ao ler a fala de Holiday. Guardadas às devidas proporções, a motivação de ambos é sim a mesma. Adiante.


Naturalmente,  a performance de Holiday vem rendendo assunto nas redes sociais e já virou tema de postagens em blogs e sites tanto ditos de direita quanto de esquerda. No site Diário do Centro do Mundo, de esquerda, Marcos Sacramento escreveu texto intitulado Quantos mandatos Fernando Holiday do MBL cumprirá até tornar-se negro?, criticando Holiday, entre outras coisas, por ser contra cotas e por querer extinguir a secretaria de promoção da igualdade racial de São Paulo. O título e o texto são bem equivocados pois querem fazer crer que se uma pessoa negra não for favorável a cotas raciais ela não seria negra de fato. Ser negro então deixa de ser uma condição inata para se tornar um modelo específico de militância!? Eu, hein!

Do outro lado, blogueiros e colunistas de direita saíram em defesa do Stephen tupiniquim afirmando coisas do tipo: "A esquerda não consegue entender a existência de Holiday porque acredita ter o monopólio da defesa dos negros, pobres e “oprimidos” em geral. (Leandro Narloch)."  Ou "O negro, o gay, a mulher, nada disso importa. Não como indivíduo, ao menos. Só começam a importar quando servem de mascote para a esquerda, para sua agenda totalitária estatizante. E isso só acontece quando aceitam o papel de vítimas, de coitadinhos, clamando por intervenção estatal(Rodrigo Constantino)." Festival de clichezinhos direitosos repetidos ad nauseum.

Mas quem disse que o problema de Holiday  é não se encaixar nos parâmetros de esquerda que a militância seja negra ou LGBT define como corretos? Vamos lembrar que uma parcela do movimento negro sempre foi contra cotas raciais. Ativistas históricos do movimento foram contra a implementação das cotas. A autora deste texto foi e continua sendo contra cotas raciais. Acho um grande equívoco. Agora, porque sou contra a ala racialista que tem preponderado no Movimento Negro nos últimos anos, eu vou atacar o movimento negro em si mesmo, sair por aí dizendo que a luta contra o racismo é desnecessária, coisa de vitimistas, porque somos todos apenas "indivíduos"!!?? Querer extinguir secretarias que lidam com essa questão específica sob a desculpa esfarrapada de reduzir gastos ou estruturas burocráticas? Até parece que não existem outras instâncias governamentais bem mais supérfluas onde promover cortes, não é verdade? Essa gente subestima tanto assim a inteligência alheia?

O mesmo em relação ao movimento LGBT, feminista, qualquer outro. Minhas críticas ao movimento LGBT, do qual sou uma das fundadoras, são inúmeras, sobretudo pelo aparelhamento petista que sofreu nos últimos anos. Daí eu atacar o movimento em si mesmo, desqualificando toda uma história de lutas, na base da enorme falácia de que somos apenas "indivíduos" e não tem sentido a gente lutar em coletivos!!?? Esse papo furadésimo de contra "coletivismos" pra lá e pra cá que se ouve frequentemente no meio liberaleco-conservador!? Vale destacar que as únicas pessoas realmente julgadas como indivíduos neste mundo são os donos do poder, ou seja, os homens brancos, héteros, burgueses e cristãos (com algumas variações aí), os estereótipos do privilégio. O restante da humanidade é julgada por fazer parte de algum coletivo em primeiro lugar e não como indivíduo. E obviamente não foram as esquerdas que coletivizaram as pessoas e sim os próprios conservadores com seus preconceitos, discriminações e seu mundo de excludências. As esquerdas, quando muito, manipulam os coletivizados para seus propósitos.

Enfim, repetindo, o problema do Holiday não é ele não se encaixar nos parâmetros que a militância de esquerda criou para lidar com as questões relativas aos direitos humanos. O problema com Holiday é ele se encaixar nos parâmetros que a direita criou para combater os direitos humanos. Holiday poderia ser crítico dos movimentos sociais e buscar inclusive trazer novas propostas para os mesmos de uma perspectiva diferente da atual. Poderia promover até quem sabe uma benéfica renovação dessas expressões políticas através do diálogo crítico.  Mas o que ele quer é jogar para a plateia conservadora que o elegeu e que, como todo mundo sabe, é contrária aos direitos humanos. Holiday é mais do que um token black.* É um ponta de lança do reacionarismo que usa de sua negritude e suposta homossexualidade como fator divisionista das lutas por direitos humanos a fim de revertê-las e até mesmo impedi-las. Trata-se de um oportunista que surfou na onda antipetista e nas manifestações do impeachment de Dilma para se eleger encenando uma mistura de alborghetti, datena e ratinho com falsa indignação. Quer se dar bem na vida a qualquer preço. A História registra várias figuras como ele ao longo dos séculos. Os cristãos o celebram no sábado de Aleluia.


* Token Black é o nome que se dá ao membro de uma minoria historicamente discriminada inserido em qualquer ambiente adverso a sua especificidade apenas para que se crie a impressão de tolerância e ausência de preconceitos. 

Token Black é o nome do personagem da animação South Park exatamente por ser a única criança negra do desenho. 


1 comentários:

As cotas abriram portas para os negros. Não são equivocadas mas sim uma maneira de democratizar a sociedade sem discriminaçoes raciais. Apenas uma forma de tentar corrigir erros do passado que se refletiram no futuro. Esse Holiday é uma vergonha para todos nós. Quer vencer na vida passando por cima da própria raça.

Postar um comentário

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites