terça-feira, 11 de outubro de 2016

Estudo descarta haver diferenças significativas entre os cérebros de mulheres e homens

A palavra gênero entrou para o vocabulário popular pela via torta da falácia da "ideologia de gênero", um espantalho conservador para assustar os pais das crianças contra a educação sexual nas escolas pois esta visaria transformar seus filhos em homossexuais. Se fosse para levar a sério essa mistificação, deveríamos apontar para os verdadeiros pais da ideologia de gênero, de fato, os próprios conservadores. Por que o que é gênero? Gênero é o padrão de comportamento inculcado na cabeça das pessoas, desde a tenra idade, pelo que se chama educação diferenciada, ou seja, o adestramento diferente que é dado a meninas e meninos para se encaixarem no que se convencionou chamar de feminino e masculino (papéis de gênero). De fato, masculino e feminino são apenas características humanas que foram arbitrariamente separadas entre os sexos para fins de dominação e exploração dos homens sobre as mulheres e/ou para garantir privilégios aos homens em detrimentos das mulheres.  E não adianta querer tapar o sol com a peneira, porque é sim para issoque serve a educação de gênero. Mesmo no Ocidente, com todos os avanços promovidos pelo feminismo, meninas continuam sendo adestradas para crescerem e virarem empregadas de cama e mesa de qualquer boçal da vida, e os meninos, adestrados para serem  parasitas que acham essa exploração algo natural.

A eficácia desse modelo de educação diferenciada (a verdadeira ideologia de gênero) repousa exatamente em sua capacidade de fazer aquilo que é cultural passar por natural. Na fórmula conservadora patriarcal (com perdão da redundância), o sexo biológico (fêmea, macho, intersexual), fruto da natureza, tem uma (falsa) relação intrínseca com o gênero (fruto da cultura porque produto de educação). Assim, define-se gênero como natural objetivando torná-lo inquestionável já que algo tido como natural, inerente ao ser, é considerado imutável, por isso, inquestionável. E, para garantir essa inquestionabilidade, vale tudo, desde falar em essência feminina, masculina, psiquê feminina, masculina, cérebros femininos e masculinos, apelar para deus, a ordem divina, qualquer coisa que garanta a fanfic do gênero natural. Somente a partir de meados do século passado,  a falácia do gênero natural passou a ser questionada por muitas e muitos educadores, psicólogos, cientistas sociais, feministas, antropólogos, estudiosos de gênero e inclusive neurocientistas.

Entretanto, a ideia do determinismo biológico como explicação para diferenças comportamentais permanece forte em corações e mentes, talvez porque dê sensação de segurança a  muitos. Recentemente, ao repassar o artigo  que transcrevo abaixo, em um grupo de discussão do Facebook, me apareceu um sujeito tentando desqualificar a notícia porque para ele todo o comportamento humano tem base biológica e, portanto, diferenças comportamentais entre os sexos também teriam explicação natural. Quando eu o refutei dizendo que os seres humanos são fundamentalmente seres culturais e que, portanto, o peso da cultura superava o das condições inatas, o cara veio me pedir fontes sobre essa declaração (sic). Talvez ele precise de fontes sobre essa declaração porque o número de orangotangos produzindo sinfonias, macacas realizando feitos científicos, cachorros erguendo prédios, gatos promovendo religiões é estonteante, não é mesmo?


Piadas à parte, acho que o cara nem sabe a definição de cultura. Lembrando, "cultura é o conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais, repassados de geração a geração através da vida em sociedade. Inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes. Cultura é o que forma os indivíduos." Obviamente, mulheres e homens são diferentes em termos anatômicos, fisiológicos e genéticos, mas o que essas diferenças implicam em termos de comportamento ninguém sabe de fato. E não se sabe porque o papel da cultura na formação das pessoas é imenso, sobretudo devido à educação diferenciada de meninas e menino, mulheres e homens. Na pesquisa comentada abaixo, com base em estudo do final do ano passado, neurologistas da Universidade de Tel Aviv afirmam que o diformismo sexual, ou seja, as diferenças entre a anatomia feminina e masculina, em especial nos genitais, não se repete no que diz respeito ao cérebro, sede da mente das pessoas. Por isso, entre outras coisas, o mais sensato é só procurar explicações naturalistas para as diferenças comportamentais entre mulheres e homens quando todas as outras tentativas de explicação pela via cultural falharem. Geralmente, elas não falham.

Não existe cérebro masculino ou feminino
Estudo descarta que haja diferenças anatômicas significativas por razão de sexo

Por Miguel Ángel Criado

Um estudo com centenas de imagens de cérebros de homens e mulheres não encontrou provas de que exista um cérebro masculino e outro feminino. Embora haja algumas diferenças anatômicas em determinadas áreas em função do sexo, estas não permitem dividir os humanos em duas categorias. Na verdade, o cérebro de cada um é um mosaico com elementos tanto femininos quanto masculinos.

Ideias como a da inteligência emocional e best-sellers recentes como O Cérebro Feminino ou, no século passado, a saga Os Homens São de Marte, as Mulheres São de Vênus, alimentaram a tese do dimorfismo sexual do cérebro. Se há diferenças entre homens e mulheres em outras partes da sua anatomia, em especial os genitais, por que não haveria no cérebro? E, se existe no que é físico, ou seja, no cérebro, também deve existir no que é essencial, a mente.

Entretanto, não há provas de que, do ponto de vista da matéria cinzenta, da matéria branca, das conexões neuronais e da espessura do córtex cerebral, o cérebro de uma mulher e de um homem sejam diferentes pelo simples fato de seu sexo ser distinto. As provas, aliás, apontam para o contrário. Em um dos maiores estudos já feitos, um grupo de pesquisadores israelenses, alemães e suíços comparou a anatomia de 1.400 cérebros de homens e mulheres para concluir que, mais do que duas categorias, o que existe é um mosaico cerebral.
Na genitália, há diferenças segundo o sexo que vão se somando até criar dois tipos, as genitálias masculinas e as genitálias femininas”, diz Daphna Joel, pesquisadora da Universidade de Tel Aviv e principal autora do estudo “Cerca de 99% das pessoas têm genitálias masculinas ou femininas, e só algumas poucas têm órgãos genitais cuja forma está entre as formas masculina e feminina, ou têm alguns órgãos com a forma masculina e outros com a feminina. São os que chamamos intersexuais”, acrescenta.


Entretanto, o hermafroditismo cerebral é a norma, e os cérebros 100% masculinos ou femininos são a exceção. 

Na verdade, o que existem são muitos tipos de cérebros”, afirma Joel. “Além disso, o tipo de cérebro que só apresenta características mais prevalentes nos homens do que nas mulheres é muito raro, tão raro como o tipo de cérebro com um perfil em que predomine entre as mulheres”, acrescenta.
Para sustentar essas afirmações, Joel e seus colegas recolheram imagens do cérebro de voluntários de vários projetos científicos. Além da heterogeneidade da amostra (um total de 1.400 pessoas), sua pesquisa recém-publicada na PNAS dispõe de uma força adicional. As imagens neurológicas foram obtidas com tecnologias e métodos diversificados, para evitar distorções. Enquanto algumas determinam melhor a espessura do córtex cerebral, outras registram a estrutura e dimensões das diferentes áreas do cérebro.

Um dos estudos, por exemplo, baseou-se em imagens do cérebro de quase 300 pessoas (169 mulheres e 112 homens). Usando a técnica conhecida como morfometria baseada no voxel (VBM, na sigla em inglês), foi possível determinar o volume de matéria cinzenta de 116 áreas do cérebro.
Não há nenhuma região em nossas amostras que revele uma clara distinção entre uma forma masculina e uma forma feminina, ou seja, que se apresente de forma evidente apenas nos homens ou apenas nas mulheres”, destaca Joel. “Na realidade, há um alto grau de superposição entre mulheres e homens em todas as regiões estudadas”, acrescenta. Ainda assim, apontaram as 10 zonas que apresentaram maior contraste em função do gênero. Foi o caso dos dois lados do giro frontal superior, do núcleo caudado e dos dois hemisférios do hipocampo, todos com uma diferenciação inferior ao nível estatisticamente significativo.
Com essas 10 áreas foi possível criar uma espécie de contínuo do extremo masculino ao extremo feminino. O cérebro de apenas 1% dos homens e 10% das mulheres caía em cada extremo, e um terço das pessoas tinha cérebros anatomicamente intermediários. Os exames foram repetidos com outras amostras de pessoas e tecnologias, como a de imagem por tensores de difusão, com a qual se pode estabelecer a conectividade entre as diferentes zonas cerebrais. Em todas elas, os resultados foram similares.
A maioria dos humanos tem cérebros compostos por mosaicos de características que os tornam únicos, algumas são mais comuns entre as mulheres em comparação aos homens, e outras são mais comuns nos homens em relação às mulheres, e há ainda outras que são comuns a homens e mulheres”, comenta a pesquisadora israelense.
As teorias sobre a diferenciação sexual no cérebro ganharam força em meados do século passado. Mas, como comenta o pesquisador Xurxo Mariño, da Neurocom e da Universidade de Coruña, “esses trabalhos se centraram na sexualidade, em especial no estudo da emergência da homossexualidade”. Alguns se empenharam em encontrar anomalias anatômicas que a explicassem, e encontraram algumas, como o menor tamanho de uma estrutura cerebral chamada estria terminal nas mulheres e também nos homens transexuais. Mas boa parte daquela ciência partia da ideologia.

Os estudos na época se baseavam em questionários, não em observações diretas do cérebro e suas diferenças anatômicas. Isso é algo que só a moderna tecnologia de imagens neurológicas está permitindo. Ainda assim, recorda Mariño, “já em 1948 houve quem falasse mais de um contínuo cerebral do que de categorias dicotômicas”. Foi o biólogo Alfred Kinsey quem, com sua escala sobre a orientação sexual, antecipou-se ao estudo atual.

Fonte: El País, Neurociência, 1/12/2015

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