terça-feira, 24 de junho de 2014

As mudanças na relação entre Estado e sociedade permitiram à humanidade abandonar a situação de pobreza extrema característica de sua existência

Mauricio Rojas
Mauricio Rojas foi um marxista chileno ferrenho, membro do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria), que teve que exilar-se, depois do golpe de Augusto Pinochet, para não ser morto. Foi para a Suécia. Lá, felizmente, desemburreceu. Obteve um doutorado em economia na Universidade de Lund e abandonou as tolas superstições marxistas. Aderiu ao liberalismo e ajudou a Suécia a contornar os problemas do estado de bem-estar social. No texto O paradoxo chileno, pode-se ler um pouco mais sobre sua trajetória. No texto abaixo, que traduzi do espanhol, ele resume bem o grande salto da humanidade da pobreza extrema à riqueza relativa criado pela nova relação estabelecida entre o Estado e a sociedade. Vale a leitura.

O segredo da criação da riqueza

A mudança institucional mais significativa surgiu com a nova relação que se estabeleceu entre o Estado e a sociedade.

Por Mauricio Rojas

A humanidade começou a abandonar o estado de pobreza extrema que sempre caracterizou sua existência há apenas alguns séculos. Esse processo se iniciou, como se sabe, na Europa Ocidental, a partir do renascimento das cidades e do comércio do século XI. Posteriormente, deu um salto espetacular, com a Revolução Industrial inglesa do século XVIII, e agora, difunde-se por todo o planeta com a globalização em marcha.

Os pesquisadores concordam que a razão principal desse salto para a prosperidade foi de ordem institucional. Não dependeu dos recursos naturais nem do nível de conhecimentos ou da exploração de outros ou da riqueza acumulada pelas elites. Se tivesse sido assim, esse salto haveria se dado na China, na Índia ou no mundo islâmico, o que não aconteceu. Ele ocorreu devido à significativa mudança institucional na relação entre Estado e sociedade. Em algumas partes da Europa, o poder do soberano deixou de ser ilimitado e caprichoso para ter que se submeter à legalidade e passar a respeitar seus súditos. Shakespeare refletiu muito bem essa novidade  em “O Mercador de Veneza” (1600). A prosperidade veneziana dependia da capacidade de atrair investidores e comerciantes confiantes de que seus direitos seriam respeitados e a lei cumprida por todos, inclusive pelo soberano.

Quase dois séculos depois, em 1776, Adam Smith deu sua resposta clássica à pergunta sobre “a causa da riqueza das nações”: somos mais ricos porque somos mais livres e seremos ainda mais ricos se incrementarmos nossa liberdade. A seu ver, a divisão do trabalho e a especialização são a chave do aumento da produtividade, embora o motor mais poderoso do progresso seja o interesse próprio, a busca por melhores condições individuais. Essa busca sempre existiu e levou a muita violência e a muito pouco progresso enquanto não foi enquadrada dentro de um marco de liberdade para todos e de trocas voluntárias. Só então nos vimos forçados a fomentar nosso próprio interesse satisfazendo o dos outros em vez de violentá-los.

Surge assim uma ordem espontânea, onde cada um se especializa em servir aos demais para servir a si mesmo. E a eficiência desta ordem cresce na medidade em que ampliamos a esfera das trocas voluntárias. É por isso que Smith afirma que “a divisão do trabalho se encontra limitada pela extensão do mercado” e predica a liberdade de comércio a fim de ampliá-lo.

Mais de meio século depois encontramos quem melhor e pior compreendeu a essência da ordem da liberdade, Karl Marx. “O Manifesto Comunista” (1848) é uma descrição ainda insuperada da força criativa da “burgesia” que “não pode existir sem a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção”. A causa do elemento distintivo do capitalismo (palavra que Marx não usava) ou “ordem burguesa” é esta: a competição econômica como meio para o enriquecimento próprio.

Onde outras classes econômicas usaram a força, a burguesia passou a usar sua capacidade de produzir de forma mais eficiente. Por isso, “a burguesia cumpriu um papel altamente revolucionário na História”, multiplicando a riqueza , acumulando-a, contudo,  em cada vez menos mãos, na visão de Marx. Tal visão, porém, provou-se equivocada, levando-o a profetizar a pobreza massiva e a inevitável revolução comunista.

No início do século XX, o economista austríaco Joseph Schumpeter aprofundou nossa compreensão da criação da riqueza enfocando, para tal, a ação dos empreendedores. O que valoriza a natureza, o trabalho e o capital é a capacidade dos empreendedores para dar-lhes usos socialmente proveitosos sob formas cada vez mais eficientes. Para isso, experimentam e inovam, quer dizer, assumem diretamente a tarefa de, como disse Marx, “revolucionar incessantemente os meios de produção”. Essa revolução é a responsável pelas ondas de avanço tecnológico e “destruição criativa” que agitam o capitalismo moderno, impondo  um preço pelo progresso que nem sempre compreendemos ou estamos dispostos a pagar.

Em décadas recentes, Douglass North e outros historiadores econômicos vêm estudando mais em detalhe as instituições do progresso: o Estado de Direito, a liberdade civil e econômica, a propriedade privada, o respeito aos contratos, a limitação do poder. Para Nathan Rosenberg, grande estudioso da história da tecnologia, ao dar a todos um espaço de soberania individual, a ordem da liberdade demonstra sua superioridade decisiva ao maximizar  a quantidade de experimentos que se realizam na sociedade. Com isso, potencializa-se a capacidade de mudança e de adaptação a novas condições, o que é fundamental para a sustentabilidade do progresso. Ao mesmo tempo, a descentralização própria da liberdade faz com que o custo de cada experimento fracassado seja limitado. Pelo contrário, as ordens centralizadas tendem a reduzir a quantidade de experimentos, maximizando, porém, o custo social de cada fracasso.

Por último, Daron Acemoglu e James Robinson, em sua obra “Por que as nações fracassam?” (2012), deram importante destaque a um aspecto central das instituições que geram progresso: sua capacidade de incluir a grande maioria da população no processo de desenvolvimento. Assim, podemos completar a abordagem de Adam Smith dizendo que a profundidade do mercado - e, consequentemente, o dinamismo do capitalismo - está relacionada à igualdade básica de oportunidades que amplia a participação social no mesmo.

Não é demais lembrar essas coisas neste momento em que muitos parecem obstinados em tirar o Chile do rumo do progresso.

*O autor é diretor da Academia Liberal Fundación para elProgreso (@MauricioRojasmr).

Fonte: Pulso, Opinion, El secreto de la creación de la riqueza, Tradução Míriam Martinho

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