Não lhes desejo que tenham poder sobre os homens mas sim sobre si mesmas |
Trata-se de distorção histórica descomunal, fruto de um misto de ignorância, má-fé e preconceitos vários. A verdade é que os conservadores juntam num mesmo saco de gatos tudo aquilo que detestam: a esquerda, em geral, e os movimentos sociais em particular. Os fatos históricos, contudo, apontam em outra direção completamente distinta. Na realidade, sobretudo o feminismo (desde seus primórdios que não datam da década de 20 dos 1900 mas sim da Revolução Francesa) deve muito de seu nascimento ao pensamento liberal. Pode-se dizer, sem medo de errar, que boa tarde da longeva trajetória do movimento se deu em especial sob a bandeira dos princípios liberais naturalmente abordados da perspectiva feminina. Apenas a partir de meados dos anos 70, do século XX, vamos passar a ter uma predominância dos feminismos de esquerda na história do movimento, mas mesmo estes têm também suas diferenças.
O fato é que as mulheres são plurais decorrendo daí que o feminismo não poderia ser singular. São inúmeras hoje as correntes feministas que utilizam os referenciais ideológicos e doutrinários da sociedade em geral para analisar a condição da mulher. Coerentemente não se fala mais em feminismo e sim em feminismos. Como diz a autora do texto que reproduzo abaixo, sobre liberalismo e feminismo, Ingrid Cyfer, o termo "feminismo", como um termo unívoco, é usado para deslegitimizar a luta das mulheres por igualdade de direitos e autonomia, sendo, portanto, importante reconhecer a inadequação conceitual e mesmo estratégica da insistência do mesmo em sua forma singular.
Concordando, à guisa de contribuir para desconstruir a mistificação grosseira que esses conservadores vêm fazendo dos feminismos, reduzindo-os a uma de suas vertentes e ainda por cima de forma totalmente descontextualizada, transcrevo abaixo trecho do texto Liberalismo e Feminismo: Igualdade de Gênero em Carole Patemam e Martha Nussbaum (duas feministas liberais) e, em seguida, o texto integral pelo SlideShare. Trata-se de um texto acadêmico, mas acessível, que compara a abordagem dessas duas feministas sobre a condição da mulher.
Trecho da Introdução
“Feminismo” é ao mesmo tempo um termo maldito e impreciso. Maldito porque é na maior parte dos casos associado à defesa de uma suposta superioridade feminina, que exprimiria o mesmo sexismo do discurso que inferioriza as mulheres. Outra crítica comum é a de que o feminismo seria cego às diferenças biológicas entre homens e mulheres devido a um inconformismo injustificado e imponderado em relação às diferenças naturais, moralmente neutras. Diz-se ainda que o discurso feminista vitimaria a mulher na medida em que responsabilizaria exclusivamente o homem pela condição subalterna feminina. E, finalmente, é bastante freqüente também associá-lo a discursos moralistas que, em nome da igualdade, reprimiriam a sexualidade de homens e mulheres ao identificar a sedução e a relação sexual como locus de discriminação, nos quais a mulher estaria reduzida à condição de objeto.
A maior parte dessas críticas poderia atingir facilmente muitos alvos feministas. No entanto, dificilmente abalariam uma significativa gama de movimentos e teorias que se denominam feministas e, se fizessem-no, isso seria devido à imprecisão do termo “feminista”, que mascara as inúmeras nuances e divergências comportadas pelo conceito. A conseqüência dessa imprecisão é que as discussões acerca da igualdade entre homens e mulheres são freqüentemente deslegitimadas por críticas que tomam o feminismo por um termo unívoco. Diante disso, deve-se reconhecer que a adequação conceitual e mesmo estratégica da insistência no termo “feminismo” deve ser questionada."
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