terça-feira, 13 de março de 2012

Crucifixos ou não crucifixos, eis a questão?

Na semana passada (06/03/2012), a pedido de organizações sociais, encabeçadas  pela entidade Liga Brasileira de Lésbicas, o  Conselho da Magistratura do TJ-RS decidiu positivamente sobre a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos nos espaços públicos dos prédios da Justiça gaúcha.

A medida é meramente simbólica, já que, para ações mais efetivas a favor da separação religião-Estado, cumpre fomentar o debate sobre o fim da isenção de impostos para entidades religiosas, muitas que vivem claramente de explorar a boa fé do povo e a semear o preconceito e a intolerância.

Apesar de simbólica, contudo, a decisão vem a calhar como um primeiro passo para um debate mais amplo sobre o tema, pois, em nosso país, o Estado Laico nunca foi bem resolvido, haja vista que até na Constituição de 88 se fala em "com a proteção de Deus". De um lado, a Igreja Católica nunca se conformou de ter deixado de ser religião de Estado e continuou e continua funcionando como eminência parda de todos os governos. De outro, agora também evangélicos usam dos partidos como meros hospedeiros a fim de atingir seu verdadeiro objetivo que é chegar ao poder para evangelizar o Brasil. E dá-lhe projetos absurdos de distribuir Bíblias, em escolas públicas, de leitura de versículos da Bíblia também em escolas públicas, "curas" de gays e até emendas constitucionais para dar poder a entidades religiosas de propor ações de inconstitucionalidade e constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a Constituição Federal (PEC 99/2011). 

Embora seja evidente que as religiões de tradição cristã, como nesses poucos exemplos citados, não respeitam a separação entre a religião e o Estado, não faltaram católicos dando piti por causa da retirada de crucifixos das repartições públicas da Justiça gaúcha. E de toda a sorte de falácias vêm se valendo, Internet afora, para justificar seus posicionamentos: desde dizer que deveriam então propor a retirada do Cristo Redentor no Rio ou mudar os nomes das cidades brasileiras até anunciar uma suposta perseguição aos católicos e demais cristãos, que estaria no bojo da retirada dos crucifixos, como parte de um projeto maior de instalar o comunismo no Brasil (sic).

Como se não bastasse, para por mais lenha nessa fogueira onde o bom senso arde, o colunista João Pereira Coutinho, da Folha, informa que, na Inglaterra, duas mulheres, Nadia Eweida, funcionária da British Airways, e Shirley Chaplin, enfermeira, foram suspensas por se recusarem a remover os crucifixos enquanto trabalhavam, acabando a segunda até demitida. Pior, informa que "o governo de David Cameron prepara-se para apoiar a decisão das entidades empregadoras junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, votando a favor da proibição do uso de crucifixos". E termina dizendo o óbvio: tal veto é um ataque à liberdade individual das pessoas manifestarem crenças ou valores em público sem temer represálias ou perseguições.

Ao que tudo indica, fanáticos religiosos e secularistas estão empenhados em recriar uma nova guerra nada santa contra a liberdade de expressão. Reivindicar a retirada de símbolos religiosos de instituições públicas é uma coisa. No caso do Brasil, por exemplo, embora a população, em sua maioria, professe a fé cristã, existem várias outras religiões com milhares de seguidores no país, sem falar dos que não têm religião e ainda dos que não têm religião nem creem em Deus. Entretanto, todos pagam impostos, todos são igualmente financiadores do Estado brasileiro, portanto, o Estado não pode demonstrar parcialidade, ostentado símbolos de uma religião em particular, com a desculpa esfarrapada de assim fazê-lo porque o Brasil tem tradição cristã. O Estado e as instituições públicas são financiadas por todos nós, não podendo tomar partido deste ou daquele credo, usar dinheiro público para divulgar os princípios de qualquer religião em particular. Difícil entender como algo tão simples não entra na cabeça de muitos.

Agora, outra coisa é querer proibir as pessoas individualmente de demonstrar sua fé por meio de um colarzinho com o crucifixo, com a estrela de David, o Quarto Crescente, o Buda, etc. Entende-se a proibição da burca em espaços públicos na França devido ao fato de a vestimenta esconder a identidade de quem a usa, sem falar nos casos em que já escondeu artefatos bélicos (e não venham me dizer que não). Além disso, quando em Roma, comporte-se como os romanos. Em países islâmicos, portar qualquer símbolo religioso não-islâmico significa muitas vezes uma sentença de morte. Por que não pode então um governo ocidental exigir de imigrantes muçulmanos pelo menos um comportamento mais condizente com nossas sociedades? Para expressar sua fé, as muçulmanas podem perfeitamente usar um lenço sobre a cabeça ou portar um adereço com o Quarto Crescente. O mesmo para integrantes de qualquer religião. Nada justifica que uma pessoa não possa ter a liberdade de expressar aquilo em que acredita em termos de religião ou política, desde que respeitando as crenças alheias e o contexto onde vive.

Triste ver que os exageros de ambos os lados, além de retroalimentar os respectivos fanatismos, ameaçam duas das grandes conquistas da humanidade: a democracia e os direitos individuais. Impossível não lembrar do enorme contraste existente entre a evolução tecnológica humana e a involução social e política da espécie que continua desrespeitando a diversidade em todos os sentidos. Precisamos congregar gente equilibrada. É urgente!

11 comentários:

Texto primordial e completo, Míriam... vou compartilhar no Facebook... tenho muito medo de uma ditadura de novo, seja ela teocrática ou a la Cuba, para mim, dá no mesmo... e há estudos falando que caminhamos rapidamente para a teocracia ditatorial. Uma hora te conto sobre um post que fiz denunciando o que a Capelania Evangélica tem feito onde me trato, que gerou até um abaixo-assinado contra mim, feito por eles, no Petição On Line. Vejo fundamentalismo por todos os lados, inclusive em ateístas que fazem do ateísmo uma "nova religião". Aqui no bairro, Santa Cecília, outro dia saí contando o número das igrejas evangélicas que tem, rodei muito e parei em 152(!!), só aqui... outro dia, essa grande que tem na Rua das Palmeiras "Jesus Cristo é o Senhor", estava "exorcizando" um homossexual... pena que no Brasil ainda não temos o BashBack, aqueles grupos que já existem nos EUA e na Europa que entram nessas igrejas e quebram tudo... risos... enfim,
Gracias pelo texto,
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br

Ah, que visual belo, hem , Decana? Amei....

Quando falamos em teocracia as pessoas riem e acham que estamos exagerando, mas será mesmo? Já circurla a algum tempo um slogam que diz: Constituição não, bíblia sim! Ou agimos agora, ou acordaremos numa espécie de Irã tupiniquim.

Míriam, o Júlio Marinho acima e eu queremos saber se, citando a fonte, claro, podemos publicar esse seu texto no blog "Nossos Tons" e nos grupos e páginas do Nossos Tons do Face...deixa?

Oi, garotos. Obrigada pela visita e os comentários. Claro que podem publicar o texto citando a fonte. Agradeço inclusive a divulgação. Abraço!

Incentivo a invasão á igrejas etccccc e ainda dizem que os evangélicos são fundamentalistas kkkkkkkkkkk Vç deveria dar graças a Deus por existir universal meu querido,pois com a libertação de muitas pessoas das drogas,do roubo e dos assassinatos,as cadeias ficam livres e ai o governo não gasta teu suado dinheiro,sim ou nãooooooooooooooooooooooooooo ???

Muito obrigado Miriam, esse texto merece mesmo ser bastante divulgado.

Obrigado, Decana! Agora, sempre virei gayroubar textos aqui...rsrs... citando a fonte, of course....rs

O problema também é que essa questão se dá num contexto de fla-flu entre a esquerda "viúva do Muro de Berlim" e os conservadores esclerosados do Brasil. Então, algo que podia ser entendido pela simples lógica, vira disputa de poder entre esses autoritários, e a coisa não anda. Uma tal de Associação de Juristas Católicos - nem sabia que existia jurista por religião - já entrou com representação contra a medida. E tem tudo para ganhar.

Poxa, Miriam, que legal o seu texto, hein? Eu o encontrei depois de ler o seu comentário em uma coluna da Veja, que apoiava a manutenção dos crucifixos em repartições públicas. Parabéns e vou divulgar (este texto e o seu comentário na página da Veja)!

Oi, Márcio! Legal que tenha gostado. E obrigada por divulgar. Acho que a Igreja precisa mesmo desencarnar do Estado. Abs,

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