terça-feira, 26 de abril de 2011

A liberdade e os livros por Vargas Llosa!

“Os livros representam a diversidade humana, a condição de que podem participar nela sem discriminação, cortes, sem censura. Os livros de uma Feira do Livro são, em pequeno formato, a Humanidade vivente, com o melhor e o pior que ela possui”, disse Vargas Llosa durante sua conferência na Feira do Livro de Buenos Aires.

O Nobel de literatura de 2010, Mario Vargas Llosa, teve sua participação na 37a Feira do Livro de Buenos Aires, Argentina, contestada por neoperonistas partidários da presidente Cristina Kirchner  e esquerdistas  que não aceitam suas críticas ao governo argentino e seu apoio ao liberalismo. De fato, Vargas Llosa é bastante crítico do governo Kirchner e do esquerdiotismo vigente na América Latina, contudo, como criticar é próprio dos intelectuais e divergir não é crime, acabou prevalecendo o convite para que o escritor peruano falasse na abertura da Feira. (Confira aqui outra postagem que escrevi sobre o tema). E Llosa preparou um belo e muito apropriado texto para o entorno tão pouco democrático em que vivemos em toda a região. Abaixo seguem a palestra, de 21/04/11,  em vídeo (na íntegra graças a garimpagem do blogueiro Orlando Tambosi) e trechos da mesma, traduzidos para o português, que transcrevo do blog do Ariel Palacios. Ao fim do texto, links para as fontes citadas. Degustem!


Juan Mabromata (AFP) - El País - 22-04-11

“Ler nos faz livres. Mas, claro, é preciso que exista a condição de que possamos escolher os livros que queremos ler”. Estas palavras foram o leitmotiv de “A liberdade e os livros”, a aula magistral que o escritor e prêmio Nobel da Literatura Mario Vargas Llosa proferiu na noite da quinta-feira na Feira do Livro de Buenos Aires. “Os livros despertaram a desconfiança, o receio e o temor dos inimigos da liberdade, daqueles que acreditam que são os donos das verdades absolutas, de todos os dogmáticos e fanáticos que semearam de ódio e violência ziguezagueante no curso da civilização”, disse o Nobel, enquanto o público o aplaudia como se fosse um rock star.

“Sofremos muito por causa das verdades absolutas”, disse o escritor, que recordou que nos tempos da Inquisição “aqueles que emitiam opiniões diferentes eram queimados”, sustentou.

Segundo ele, “os inquisidores do passado foram substituídos na vida moderna por comissários políticos”. Vargas Llosa, que foi censurado pela ditadura militar argentina (1976-83) e é criticado pelo governo do presidente cubano Raúl Castro, afirmou que todos os regimes autoritários são negativos.

“Eu combato todas as ditaduras, sejam as de esquerda do proletariado ou as de direita de Cristo-rei. Todas, definitivamente todas trazem retrocessos a seus povos”, disse o Nobel, cuja conferência foi interrompida diversas vezes por intensos aplausos por parte do público, que também riu com os gracejos irônicos do escritor.

Nas semanas prévias a seu desembarque em Buenos Aires Vargas Llosa tornou-se o foco de polêmica quando um grupo de intelectuais aliados do governo da presidente Cristina Kirchner expressaram repúdio e mobilizaram-se para tentar impedir que Vargas Llosa desse a conferência na Feira do Livro. O grupo, comandado pelo diretor da Biblioteca Nacional, Horácio González, junto com o filósofo José Pablo Feinman, argumentou que Vargas Llosa não deveria falar na Feira realizada na Argentina porque o Nobel realizava frequentes críticas contra o governo Kirchner, além de ser um “defensor do neoliberalismo”. O grupo sugeria que as críticas aos políticos do governo Kirchner implicavam um ataque direto à “cultura” e “sociedade” argentina.

No entanto, perante a forte repercussão internacional, a presidente Cristina tentou moderar seus próprios aliados e expressou que não respaldava o abaixoassinado. Nesta quinta-feira, na conferência, Vargas Llosa agradeceu a intervenção da presidente e disse que esperava que sua postura “contagiasse seus partidários”.

Nas horas prévias à conferência, o autor de “A guerra do fim do mundo” e “Tia Júlia e o escrevinhador” havia disparado uma série de críticas contra os governos populistas da região. “O populismo é uma prática antiga, na qual os políticos procuram o sucesso imediato. O populismo é sacrificar o futuro em nome de um presente que lhes dá popularidade”.

Na quinta-feira à tarde, poucas horas antes da palestra do Nobel, o chefe de gabinete da presidente Cristina, Aníbal Fernández, criticou o escritor por suas opiniões sobre a política argentina: “Vargas Llosa diz idiotices. O que eles tem a ver com o que acontece dentro da Argentina? Este é um país soberano e tem o direito de fazer o que tem vontade”. Na palestra, o Nobel respondeu: “a Humanidade é uma só e é compartilhada. Defendo a liberdade de criticar políticas na Argentina ou qualquer outro país”.

BOSQUE ENCANTADO – “Uma feira do livro é como um bosque encantado”, disse Vargas Llosa, que também sustentou que “é impossível não sair de um bom livro sem ter a estranha insatisfação de estar abandonando algo perfeito para voltar ao imperfeito e começar a olhar ao redor com certo desânimo e frustração”.

O escritor afirmou que “nada fez que o mundo progrida tanto desde os tempos da caverna primitiva até a era da globalização como essa viagem ao imaginário que acompanha homens e mulheres desde seu mais remoto passado e que é um depoimento inequívoco do mundo vertiginoso e labiríntico dos livros”.

LIVROS “PERIGOSOS” – Durante a conferência Vargas Llosa relatou como durante os 300 anos de colonização espanhola a América Latina foi proibida de importar livros de ficções. “Uma das consequências perversas – ou talvez felizes – dessa proibição foi que, na região a ficção foi reprimida. E, como nós, seres humanos não podemos viver sem ficções, estas deram um jeito de contaminar tudo: a religião, as instituições laicas, o direito, a ciência, a filosofia e a política. Isto teve o resultado previsível de que, ainda em nossos dias, os latino-americanos temos grandes dificuldades para discernir o que é ficção e o que é realidade”.

ESTÁTUA – “Desde que ganhei o Nobel somente tenho tempo de respirar!”. Com estas palavras o escritor peruano afirmou que o fato de ter recebido o Nobel, com a consequente publicação de sua foto em todos os jornais e imagem pela TV e a internet, o impedem de fazer algumas das coisas que mais gosta na vida, como a de fazer tranquilamente sua caminhada matinal, além de sentar em um café ou uma biblioteca para revisar seus escritos e anotações. “Minha disciplina diária para trabalhar explodiu em pedaços”, lamentou o escritor.

“Quem ganha o Nobel de Literatura desperta a curiosidade das pessoas, mesmo de quem não tenha lido obra alguma do escritor”. Segundo Vargas Llosa, um Nobel “tem a enorme responsabilidade de lutar para não deixar que o transformem em uma estátua”.

INSEGURANÇA - Vargas Llosa confessou que sempre sente grande insegurança quando escreve. O escritor afirmou que faz “muitas anotações caóticas”, e que, quando vê que seu esboço está pronto – e que o convence – sente-se seguro para avançar.

Sua rotina é estrita. Ele acorda entre as 5:00 e 7:00 da manhã e começa a escrever, já que – segundo ele – sua criatividade aflora durante a manhã. Horas depois sai para uma caminhada, momento que aproveita para pensar na nova obra. As tardes são destinadas para fazer correções, reescrever e pesquisar.

PAI - Vargas Llosa sugeriu que sem a figura violenta de seu pai – que entrou em sua vida aos 10 anos – talvez nunca teria embrenhado pelos caminhos da literatura. “Ele achava que literatura era coisa de vagais ou de maricas. Minha forma de resistir a ele, de sua violência e dos maus-tratos, foi a a de refugiar-me nos livros”, relatou, com expressão angustiada pelas lembranças.

SERTÕES E FANATISMO - Vargas Llosa declarou-se um admirador da cultura brasileira e do Brasil. “Li ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha, quando estava começando a ficar desencantado com o socialismo. Esse livro abriu meus olhos sobre a violência que o fanatismo pode gerar”.

Inspirado nos acontecimentos de Canudos, Vargas Llosa escreveu no início dos anos 80 “A guerra do fim do mundo”, que conta a história de um anarquista escocês que perde-se no sertão durante as batalhas entre as tropas federais e os camponeses de Antônio Conselheiro. “Foi a obra que mais me deu trabalho escrever”, disse o autor.

Fontes: Os Hermanos, Blog do Orlando Tambosi

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