segunda-feira, 4 de abril de 2011

Democracia, bolsonaros, homofobia e outros bichos!


Bolsonaros
Pegou fogo o debate sobre o preconceito e a discriminação contra a população homossexual em decorrência da entrevista concedida pelo deputado federal Jair Bolsonaro ao programa de humor CQC do dia 28 de março. A uma clara pegadinha do programa sobre se aceitaria que um filho seu casasse com uma negra, feita pela cantora Preta Gil, Bolsonaro, ao que tudo indica viciado nas suas diatribes contra os homossexuais, respondeu, no automático, como se ela tivesse perguntado sobre homossexualidade e não sobre negritude. Afirmou o nobre deputado com sua habitual truculência: Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu.

Como Bolsonaro associa homossexualidade à promiscuidade e a uma educação familiar equivocada é bem provável que ele tenha realmente se confundido com a pergunta. Bolsonaro é um brucutu, mas sabe que racismo é crime previsto na Constituição e na lei 7.716 de 1989. Embora de sua frase isolada, sem a pergunta, não se possa inferir racismo, pois promiscuidade nada tem a ver com racismo, acompanhada da pergunta pode levar os mais afoitos ou mal intencionados a interpretarem as coisas por essa via. De qualquer forma, a declaração foi injuriosa contra a perguntadora e sua família por ligá-las à promiscuidade. Apesar de a artista ter dado declarações públicas, sobre sua vida sexual, que corroboram tal avaliação, não se pode afirmar que suas opções nessa área sejam fruto do que aprendeu no ambiente familiar. De qualquer forma também, como admitiu inclusive o deputado, ele de fato se referia aos homossexuais, o que combina com sua cruzada preconceituosa contra esse segmento social.

O certo é que as declarações de Bolsonaro levaram a uma grande indignação de organizações do movimento negro e LGBT contra o deputado, traduzidas em petições virtuais com vistas à cassação de seu mandato e representações de parlamentares e instituições, como a OAB, no mesmo sentido. Por outro lado, muita gente saiu em defesa do político, alegando que ele tem o direito de se expressar contra o “homossexualismo”, que tentar impedi-lo de falar é contra a liberdade de expressão, que tentar cassar seu mandato por falta de decoro familiar é arbitrário, já que Lula disse várias frases homofóbicas e racistas durante sua presidência e nunca sofreu sequer um pito, já que a legião de corruptos do Congresso Nacional, em especial a fauna petista, continua impune de seus crimes. Em enquete no site do Estado de São Paulo, sobre se o deputado deveria ser punido com a perda do mandato por suas declarações polêmicas, o Não atingiu 87%, (13.422 Votos) e o Sim apenas 13% (1.990 Votos) de um total de 15412 votos (neste momento em que escrevo). A despeito das enquetes em sites serem apenas amostragens, sem rigor científico, o resultado indica uma diferença acachapante a favor de Bolsonaro.

Democracia, sexualidade, moral e costumes
De fato, entre prós e contras, o episódio envolvendo a figura lastimável de Bolsonaro trouxe à tona questões de fundo muito mais importantes do que ele próprio e que desenham um retrato nada bonito da sociedade brasileira. De um lado, revela o quanto os brasileiros ainda são pouco imbuídos de um verdadeiro espírito democrático e civilizado; de outro, o quanto ainda são ignorantes e conservadores no que diz respeito à sexualidade humana, à moral e aos costumes. E nesse sentido, sobra para todos os dois supostos lados opostos da discussão.

Democracia
No quesito democracia, fica realmente difícil querer justificar a perda de mandato de Bolsonaro, por falta de decoro parlamentar, se o mesmo critério não é aplicado a outros parlamentares envolvidos em crimes bem mais graves do que simplesmente dizer coisas estúpidas e preconceituosas. Por outro lado, também não é nada democrática a oposição que fazem os defensores de Bolsonaro a todos os projetos de defesa dos direitos homossexuais e a ideia simplista de que a população homossexual possa ser avacalhada impunemente por um parlamentar. Também é no mínimo discutível a oposição que se faz ao projeto que visa criminalizar a homofobia, na menos preconceituosa das análises por que seria anticonstitucional, considerando que a Constituição reza que somos todos iguais perante à lei e já existe criminalização de agressões físicas contra qualquer pessoa. Se não me falha a memória, não se viu semelhante análise no que diz respeito à lei contra o preconceito racial, embora ela também trate especialmente um grupo particular de pessoas, ou seja, os negros e outras tantos passíveis de discriminação por seu fenótipo (por seus traços físicos). O projeto de lei contra a homofobia é inclusive uma emenda à lei contra o racismo que pune também o preconceito por orientação sexual, entre outros.

Sexualidade, moral e costumes
No quesito sexualidade, moral e costumes, sobra igualmente para os dois lados da pendenga, os rotulados e autorrotulados da esquerda progressista (!?) e da direita conservadora, ambos muito mal resolvidos nestes departamentos. No ano passado, a Secretaria de Políticas para as Mulheres, do governo federal, conseguiu retirar do ar a propaganda da cerveja Devassa, onde a socialite Paris Hilton aparece fazendo ligeiras insinuações eróticas em relação ao produto em divulgação, sob a desculpa de que o anúncio ofendia a imagem das mulheres por tratá-las como objetos sexuais. Além de hoje homens também aparecerem em comerciais por seus atributos físicos, é muita caretice achar que há algo de ofensivo às mulheres no fato de elas serem objetos do desejo masculino. Na verdade, feministas (com honrosas exceções) tendem a considerar o desejo masculino por mulheres como uma ofensa. Recentemente, estavam criticando também a cantora Sandy por sua participação em outro comercial da Devassa.

Fora esse episódio em particular, movimentos sociais como o feminista, negro, homossexual e mesmo o ecologista degeneraram numa forma de patrulha ideológica, conhecida como politicamente correto, que fica vendo preconceitos e ofensas em praticamente tudo, incluindo vocabulário, piadas, livros didáticos e de literatura, anúncios comerciais e até marchinhas de Carnaval, partindo para a imposição de seus melindres à sociedade pela via da censura. Esses excessos, claros indícios de fanatismo, vêm irritando a sociedade e a indispondo contra qualquer coisa, qualquer reivindicação, mesmo as mais justas, desses movimentos. Parte do apoio ao truculento Bolsonaro, na minha opinião, vem do cansaço da população contra esses xiitismos que atentam de fato contra o humor e a liberdade de expressão das pessoas.

A sexualidade humana não é matéria de opinião
Por outro lado, impressiona a visão distorcida sobre a sexualidade humana dos partidários dos bolsonaros da vida e mesmo de outros tantos bem melhor fundamentados que ele. Impressiona também o aval que tentam dar a comportamentos incivilizados sob o pretexto de que não condená-los atentaria contra a liberdade de expressão. A frase que mais li nesses últimos dias foi a de que Bolsonaro teria o direito de criticar o “homossexualismo” porque essa seria sua opinião, e, numa democracia, todos têm o direito a se expressar sem restrições. Primeiro uma questão conceitual: a sexualidade humana, da qual a homossexualidade é uma variante, não é matéria de opinião. O desejo sexual é composto de uma multiplicidade de fatores onde se misturam a Natureza, a Cultura e a individualidade das pessoas, num todo indissociável que é de natureza inconsciente, não racional. A sexualidade humana faz parte das idiossincrasias de cada um(a). Querer criticar o “homossexualismo” é o mesmo que querer criticar quem prefere doces ou sabores amargos pelo simples fato de que o crítico prefere salgados. Por que algumas pessoas preferem determinados alimentos que outras detestam? Ninguém sabe nem se preocupa em saber porque essas preferências são tidas como questão de gosto. Acontece que a sexualidade humana também é questão de gosto, contudo fica-se aí agredindo as pessoas por seus paladares eróticos e - o que é pior – a partir deles tentando cercear direitos de igualdade previstos na Constituição do país.

Segundo, ainda que Bolsonaro tenha o direito legal de dizer os absurdos que diz, não condená-lo pelo menos moralmente por suas falas é dar endosso a comportamentos que, se todo o mundo começasse a seguir, inviabilizariam a convivência social. Todos os seres humanos têm preconceitos (parte de nossa limitada natureza), e os que dizem que não têm são mentirosos e hipócritas. Mas todos nós, que queremos um mundo mais razoável, temos a obrigação de manter nossos preconceitos sob rédea curta, botar-lhes uma focinheira e uma coleira e levá-los para passear com frequência a fim de mantê-los calmos. Em momentos de raiva, é comum que eles se livrem das peias e saiam mordendo inocentes, o que não chega a configurar crime inafiançável nessas circunstâncias, pelo menos não para mim. Agora, alguém que sistematicamente, de caso pensado, sai dando vazão a seus preconceitos e agredindo pessoas gratuitamente não está apto a viver em uma sociedade civilizada, merecendo toda a reprovação possível e não elogios por supostamente estar sendo sincero. Se Bolsonaro não admite ver um casal homossexual se beijando num espaço público, ele que vire o rosto ou construa uma ilha onde possa viver só entre heterossexuais. Sou partidária da livre associação e acho que, em espaços privados, as pessoas que banquem esses espaços têm o direito de viver entre os seus, desde que não se reúnam para planejar ataques contra outras pessoas.

Kit gay
Ainda no quesito sexualidade, moral e costumes, me impressiona também ver a reação exagerada de pessoas, algumas inclusive de boa amplitude intelectual, ao que o Bolsonaro apelidou de kit gay, supostamente a ser ministrado a crianças de escolas públicas. Para começo de conversa, os autores desse material educativo informam que ele não é dirigido ao ensino fundamental e sim ao ensino médio, ou seja, a adolescentes. Até concordo com quem diz que esse material teria que ter sido discutido também com os pais dos adolescentes, através de alguma associação ou algo congênere, já que vai ser apresentado a seus filhos. Entretanto quanto ao objetivo do material e a seu conteúdo, fica difícil concordar com as reações indignadas que venho lendo. Não tive acesso a todo o material, só a um vídeo, intitulado Encontrando Bianca (ver abaixo), sobre um transsexual, então não posso opinar de maneira mais fundamentada. Quanto ao vídeo, contudo, afirmo, sem susto, que ele não tem absolutamente nada demais, nada que possa conspurcar a cabeça dos adolescentes, muito menos induzi-los ao “homossexualismo”, como dizem os opositores do projeto (como se tal indução fosse possível anyway). Trata-se apenas do relato de um rapaz que se sente moça e quer viver como tal e ser tratado como tal. Que quer poder se comportar como moça e, ao mesmo tempo, estudar sem ser incomodada, agredida. De fato, o objetivo desse material educativo, segundo consta, não é fazer propaganda do “homossexualismo” mas sim, ao apresentar a perspectiva dos adolescentes homossexuais, humanizá-los, diminuindo o preconceito e possibilitando sua integração com os colegas. Segundo pesquisas internacionais, os adolescentes homossexuais são vítimas preferenciais dos casos de bullying nas escolas, muitos tendo grande dificuldade para concluir os estudos e alguns chegando até ao suicídio pelas agressões sofridas.

Sou totalmente favorável à educação sexual nas escolas de uma maneira geral. Muitas famílias, por conta de dogmas religiosos, têm muita dificuldade de falar sobre sexualidade com os filhos. O resultado são gravidezes indesejadas, contaminação por DST, inclusive a perigosa AIDS, e o consequente sofrimento que tudo isso provoca. Acho também que os adolescentes têm o direito a informações que não só as trazidas por seus pais, sem prejuízo do pátrio poder. Finalizando, não vejo como sustentar logicamente as objeções de alguns setores da sociedade contra o mal intitulado kit gay, pelo que dele conheço até o momento. Parece-me que essas objeções só se sustentam com base na grande dificuldade que esses setores ainda têm de tratar com a sexualidade em geral e, sobretudo, com a homossexualidade em particular.

Bolsonaro precisa sofrer pelo menos uma sanção
Concluindo, por tudo acima exposto, acho que a cassação do mandato de Bolsonaro não procede, mas não creio que ele possa ficar sem sofrer qualquer sanção, pois seu comportamento é de fato incompatível com o decoro parlamentar. Quem sabe essa sanção não abra um precedente que também inicie um processo semelhante contra outros parlamentares envolvidos em falas e atitudes incompatíveis com seus cargos. Acho também que não se pode ter tanta leniência com o seu propalado direito de criticar e combater o “homossexualismo”, inclusive elogiando-o por ter a coragem de dizer o que pensa, pois o que ele diz contraria os pressupostos de uma sociedade minimamente civilizada e democrática capaz de dar a todos os indivíduos o direito de viver em paz.

Espero sobretudo que a sociedade brasileira consiga superar esse mal-estar que nos angustia atualmente, fruto do processo de fragmentação social ora em curso, onde as pessoas vêm se dividindo a partir de rótulos estanques em permanente atrito (na base de negros x brancos, homos x héteros, mulheres x homens, burgueses x trabalhadores) e possa encontrar sua comum humanidade a partir do respeito à diversidade não só sexual mas sobretudo de ideias.

3 comentários:

Míriam, me assusta certas atitudes que começam timidamente e "tomam" força.... é o caso de uma comunidade no orkut, propagando a idéia de Bolsonaro p presidente!!! Fico pensando se essa juventude nunca teve acesso a livros ou filmes que mostram cenas do triste holocausto, além das ditaduras que ainda existem no mundo...... tudo deixou e ainda traz muito sofrimento às minorias perseguidas. Penso que devemos ter cuidado com o que apoiamos. Certificarmo-nos primeiro, se entre os queridos, não há homossexuais, negros, deficientes, ou qualquer espécie de comportamento ou condição que possa ser alvo de perseguição!

Sônia Siqueira (frô)

Sonia,
essa militância que está aí é tão autoritária, estúpida e incompetente que conseguiu dar representação parlamentar à direita mais conservadora e reacionária do país. Não tinha nada que querer cassar o mandato da anta do Bolsonaro, processá-la por um racismo que não existiu, porque, na verdade, tudo isso soa como censura, o que não cabe numa sociedade democrática.
Deve-se sim condenar as declarações dele, que são abomináveis, mas através do embate de ideias, talvez fazer manifestações de repúdio, mas cassá-lo não procede, inclusive porque grande parte da militância é ligada ao PT, e o PT não tem moral para criticar nem o Comando Vermelho nem o PCC do Marcola.
Abriram a caixa de Pandora. As coisas que tenho lido, nos comentários sobre o assunto, em blogs e sites por aí, são de arrepiar de tão absurdamente homofóbicas. Agora a direitona fascista achou um representante e vai querer levá-lo a mais altos postos. E a gente é que se ferra!

Numa coisa, concordamos: Precisamos aprender a combater idéias, não pessoas! Democracia pressupõe opiniões contrárias, mas a capacidade de gerenciar as diferenças é que a torna interessante e instigante! Sim, vc tem razão, abriram a caixa de Pandora e é um sujo falando do outro, mal lavrado!!!

Abraço,

Sônia Siqueira

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