sábado, 24 de março de 2012

Quem tudo quer nada tem: Dilma apanha de sua enorme base aliada

A entrevista gravada do historiador Marco Antonio Villa e o texto do jornalista Merval Pereira, transcritos abaixo, falam da mesma coisa, um de forma mais concisa, outro de maneira mais aprofundada: Dilma Rousseff formou uma base aliada tão grande do tipo "toma lá dá cá" que está tendo dificuldades de governar por causa dela. 

Não é a oposição, que a bem da verdade mal existe, a fonte de problemas de Dilma mas sim seus amotinados... ooops... seus aliados, insatisfeitos com a partilha desigual do butim do dinheiro público. Na semana que passou, por exemplo, ela não conseguiu aprovar a Lei Geral da Copa por ação de seus amigos da onça.

Os dois analistas concordam que não dá para governar com base tão ampla e de perspectivas tão distintas, embora com denominador ($) tão comum. Ao apostar no fisiologismo para ganhar as eleições e governar, Dilma vem sendo debilitada pela mesma corrupção que seu partido utilizou para debilitar as instituições e manter-se no poder. Alguns acreditam, como Merval Pereira, que a presidente está querendo alterar essa situação, mas não veem como isso possa ser feito. 

O certo é que Dilma segue à deriva, o que não é nada bom para o país. Como se não bastasse, seus "comandados" não param de dizer besteiras, parecendo-me as bravatas contra as Forças Armadas as mais graves entre elas. Nesta última semana, Maria do Rosário, ministra (?!) da Secretaria dos Direitos Humanos, saiu-se com um projeto de lei para fazer visitas de surpresa em quartéis e verificar as condições a que os presos militares estão submetidos. Fora ter fomentado discussão sobre o fim dos tribunais militares.  

Isso depois da polêmica gerada pela tentativa desastrada (porque ilegal) de calar a boca de militares da reserva em razão destes, em seu direito, terem reclamado publicamente de tentativas de - mais uma vez - rever-se a lei da Anistia e tentar processar militares dos tempos da ditadura por abusos contra os direitos humanos.

O que se observa, com apreensão, é um governo que nem sequer se entende com os que se dizem seus aliados nem tem o mínimo de tato para tratar com oposicionistas, inclusive com aqueles oposicionistas que já se encontravam em estado de hibernação há décadas. Com essa tendência para a conflagração, tipicamente dilmopetista, o que se nota é uma crescente polarização entre forças autoritárias que se dizem de esquerda e de direita, ameaçando o equilíbrio de nossa frágil democracia, como numa espécie de repeteco do cenário que desandou nos anos de chumbo durante a década de sessenta.

Considero o petismo a pior coisa que já aconteceu ao Brasil desde a chegada de Cabral com as caravelas. Criaram uma espécie de pesadelo de que não se consegue acordar e que parece aumentar a cada dia. Maldito seja.


Limites na Coalizão

Merval Pereira

Embora pareça uma ação extemporânea, sem base em um projeto de longo prazo, as atitudes da presidente Dilma em relação à sua base partidária estão pelo menos suscitando uma discussão que há muito não se via por parte do governo: quais são os limites éticos das negociações partidárias?

O presidente da Câmarados Deputados, o petista gaúcho Marco Maia, disse ontem que a base aliada tem “legitimidade” para cobrar cargos e liberação de recursos, mas garantiu que isso não significa institucionalizar a prática do “toma lá dá cá”.

A questão é que, no Brasil, uma interpretação distorcida do que seja o papel dos partidos políticos no apoio a um governo levou a que a corrupção e o fisiologismo se tornassem elementos fundamentais da chamada “governabilidade”.

Essa distorção aparece no comentário do senador Fernando Collor (PTB-AL) de que seu impeachment deveu-se ao pouco caso que ele fazia das relações políticas entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, passando por cima de todos os problemas éticos que seu governo enfrentou.

Da mesma maneira, no governo Lula, montou-se um grande esquema de corrupção para comprar apoio parlamentar na certeza de que os “300 picaretas” que Lula identificou no plenário da Câmara, quando foi constituinte, seriam facilmente manipuláveis.

Nesse período, o presidente Lula ainda demonstrava alguns pruridos no relacionamento público com políticos que não tinham a imagem condizente com a percepção que a opinião pública ainda tinha do Partido dos Trabalhadores naquela ocasião.

Tanto que recusou se unir ao PMDB mesmo com seu braço-direito político, José Dirceu, já tendo costurado um acordo. Luiz Inácio Lula da Silva alegava que não tinha confiança em políticos que depois viriam a ser seus grandes correligionários, como o ex-ministro Eunício Oliveira, para pegar apenas um exemplo de político rejeitado que se transformou em aliado útil.

No início de seu governo, quando ainda pretendia aprovar reformas como a da Previdência, o ex-presidente Lula teve que contar com o apoio da oposição para avançar nesse campo, que os sindicatos e o próprio PT rejeitavam.

Depois do susto do mensalão, cujo objetivo era conseguir apoios sem necessidade de expor essas relações promíscuas do PT defensor da ética na política com o baixo clero do Legislativo, Lula mudou de estratégia radicalmente.

Passou a se empenhar para formar a maior base aliada possível, exacerbando a troca de favores a tal ponto que conseguiu pela primeira vez na História unir todas as alas do PMDB no seu Ministério.

Montou então uma base aliada “defensiva”, isto é, formada não para aprovar as reformas estruturais necessárias ao desenvolvimento do país, mas para defender o presidente de qualquer nova tentativa de impeachment político.

Essa sua atitude, na prática, evidencia que ele agia seguindo o mesmo pensamento que mais tarde o ex-presidente Collor exprimiria na tribuna do Senado e que tanto desagradou tanto a Dilma quanto ao próprio Lula.

Para eleger na sua sucessão a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma mágica tirada do bolso do colete, Lula passou a exigir do PT um espaço maior para os aliados e foi atrás de partidos que não faziam parte da base aliada, mas poderiam ser cooptados à base do fisiologismo.

Com isso, garantiu a maior aliança partidária já montada no país, mas tão heterogênea que apenas a eleição de Dilma os unia como objetivo, sendo impossível armar-se um programa de governo que comportasse tantos interesses distintos.

A negociação dos espaços para cada um dos dez partidos aliados passou a ser a única maneira de mantê-los sob a mesma bandeira política, e com isso o fisiologismo e a corrupção ganharam um espaço que jamais tiveram em governos anteriores, mesmo que os personagens sejam basicamente os mesmos.

Nunca tiveram tanto poder quanto até recentemente, mesmo o senador Renan Calheiros, que foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, um cargo de aparente pompa, mas esvaziado de poder político.

A tese de que todos esses tipos de corrupção com que nos defrontamos na nossa política, como o corporativismo, o clientelismo e o fisiologismo, fazem parte da estrutura de governabilidade de democracias pouco desenvolvidas como a brasileira preocupa pensadores como o ex-ministro Marcílio Marques Moreira, há muito envolvido na luta pela ética na política.

Para ele, a falta de compromissos éticos corrompe o sistema “assim como a ferrugem corrói o ferro, metáfora que Políbio já usava e que Maquiavel de certa maneira retoma na primeira década de Tito Lívio”.

Marcílio ressalta que pesquisas recentemente divulgadas mostram que a presença de um líder, ou de um decálogo, que, inspirando confiança, legitime comportamentos tem enorme influência sobre eles.
Tanto no sentido de estimular atitudes corretas e éticas no trato da coisa pública quanto, como ocorre hoje no país, de estimular comportamentos pouco éticos quando os interesses pessoais estão acima do interesse público.

Nesse sentido, embora o sistema sob o qual sua presidência está montada seja baseado nessa promiscuidade de interesses, a presidente Dilma Rousseff está dando sinais de que pretende mudar o paradigma.

Por enquanto, no entanto, não há clareza sobre que novos caminhos pretende trilhar e com o apoio de que forças políticas. Nem há evidências da viabilidade de tal projeto, se é que ele existe mesmo.
Fonte: O Globo, 23/03/2012

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