8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 30 de julho de 2013

Equador: exemplo do que o PT entende por "democratização da mídia"



Bom editorial de domingo do Estadão dando conta do que se esconde por trás da 'democratização da mídia' em curso no Equador, nos moldes do que o PT e seus cúmplices querem fazer por aqui. Destaco:

"....passa a ser crime o que a lei chama de "linchamento midiático", isto é, a difusão de informação com o objetivo de "desprestigiar uma pessoa natural ou jurídica ou reduzir sua credibilidade pública". Para Catalina, trata-se de um evidente constrangimento ao trabalho jornalístico dedicado a fiscalizar as ações irregulares ou criminosas de agentes públicos, pois qualquer noticiário a esse respeito poderá ser qualificado, segundo critérios arbitrários, de 'linchamento midiático'."

Equador sufoca a imprensa

Uma lei sancionada recentemente no Equador, cujo objetivo é "regular o exercício do direito à comunicação", tem o grande mérito de pôr no papel, com todas as letras, o assalto à liberdade de imprensa que vinha apenas se insinuando em bravatas, ameaças e manobras judiciais. Trata-se, portanto, de um documento importante para observar do que são capazes os bolivarianos quando, em nome de uma certa "democracia", se animam a calar os poucos e corajosos críticos que ainda restaram nos países reféns dessa ideologia autoritária.

O caráter evidentemente truculento dessa norma, chamada de Lei Orgânica de Comunicação, não escapou aos olhos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A relatora especial de Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Catalina Botero, enviou uma carta ao chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, em que chama a atenção para o fato de que "algumas disposições da lei podem ser incompatíveis com os padrões internacionais". Foi uma maneira elegante de denunciar o óbvio: a título de assegurar princípios da liberdade de expressão, a lei estabelece graves restrições a essa liberdade.

Catalina argumenta, em primeiro lugar, que a nova legislação trata o exercício da liberdade de expressão, por meio de quaisquer veículos de comunicação, como se fosse um serviço público. Desse modo, o Estado ganha "faculdades exorbitantes de regulação".

No artigo 18 da lei, por exemplo, está dito que "os meios de comunicação têm o dever de cobrir e de difundir os fatos de interesse público" e que "a omissão deliberada e recorrente" desses fatos "constitui um ato de censura prévia". Portanto, os meios de comunicação se verão obrigados a ignorar seus critérios de seleção do noticiário e publicar tudo aquilo que for considerado, sabe-se lá por quem, de "interesse público" - um termo elástico o bastante para servir aos propósitos estatais. É uma vergonhosa manobra para acusar de "censura" os meios de comunicação que se recusam a servir como porta-vozes do governo.

A nova lei também torna obrigatória em todas as redações, inclusive dos meios privados, a presença de um "defensor" dos telespectadores, ouvintes e leitores, escolhido por concurso público organizado por um órgão estatal. Os rapapés retóricos são incapazes de disfarçar o óbvio papel de censor que esse "defensor" será capaz de exercer. "Impor aos meios de comunicação a inclusão nas redações de uma pessoa escolhida por meio de um procedimento desenhado e implementado pelo Estado causa grande preocupação", disse Catalina.

O avanço autoritário sobre os veículos de comunicação no Equador é, no entanto, ainda mais amplo. A nova lei dita até mesmo como os jornalistas devem trabalhar, demandando, em seu artigo 22, que eles "recolham e publiquem, de forma equilibrada, as versões das pessoas envolvidas nos fatos narrados", e que as informações publicadas sejam "verificadas, contrastadas, precisas e contextualizadas".

Mais adiante, no artigo 26, esclarece-se a que se presta tamanho zelo: passa a ser crime o que a lei chama de "linchamento midiático", isto é, a difusão de informação com o objetivo de "desprestigiar uma pessoa natural ou jurídica ou reduzir sua credibilidade pública". Para Catalina, trata-se de um evidente constrangimento ao trabalho jornalístico dedicado a fiscalizar as ações irregulares ou criminosas de agentes públicos, pois qualquer noticiário a esse respeito poderá ser qualificado, segundo critérios arbitrários, de "linchamento midiático".

Por fim, para "supervisionar" o trabalho da imprensa, a nova legislação equatoriana criou a chamada Superintendência de Informação e Comunicação, um "organismo técnico de vigilância, auditoria, intervenção e controle, com capacidade punitiva". Um funcionário indicado pelo presidente da República será responsável por esse órgão, que concentrará poder suficiente para sufocar, com multas e sanções diversas, empresas de comunicação que não se alinharem ao pensamento único.

Fonte: Estado de SP, 28/07/2013

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Marcha das Vadias não pode virar marcha das obscenas!

Movimento foi o mais comentado em rede social
brasileira à noite (Tasso Marcelo/AFP Photo)
Em decorrência de uma série de estupros ocorridos na Universidade de Toronto, Canadá, no início de 2011, um policial declarou que as mulheres, para evitar a violência, deveriam se vestir com decoro e não como vadias (putas, sluts em inglês). Em outras palavras, o policial responsabilizou as mulheres pela violência de que foram/são vítimas. Como todo o mundo sabe, contudo, estupradores violam desde criancinhas até senhoras de 70 anos, nada tendo o estupro com a forma como as mulheres se vestem ou se portam.

Para protestar contra a fala lastimável do policial, fruto de uma mentalidade em vigor ainda na cabeça de muita gente, mulheres organizaram a Marcha das Vadias que se espalhou pelo mundo. Nela, mulheres vestidas de todas as formas e inclusive mulheres seminuas afirmam simplesmente: "Não importa a forma como eu me visto - posso até estar seminua - isso não dá a nenhum homem o direito de me estuprar." 

A mensagem é muito clara e correta, e, no contexto da Marcha, a nudez se justifica pelo propósito acima mencionado. Todavia, extremistas - sempre eles - vêm ameaçando a validade das marchas com seus excessos. Nesta última Marcha, do dia 27 no Rio, a pretexto de protestar contra a Igreja Católica e seus dogmas que interferem na autonomia das mulheres (caso da descriminação do aborto), houve uma dita performance que se constituiu na quebra de imagens católicas e simulação de sexo anal e vaginal com algumas delas (ver imagem abaixo). 

Tratou-se apenas de espetáculo grotesco e obsceno do tipo que apenas municia os conservadores em seu moralismo e luta contra avanços sociais importantes. As organizadoras já lançaram nota lamentando a quebra das imagens sacras, mas precisam refletir sobre formas de coibir esses extremistas para que as Marchas das Vadias não se transformem em reles Marchas das Obscenas.

Marcha das Vadias reúne mais de mil no Rio e vira hit em rede social
Hashtag #MarchaDasVadiasRj foi a mais utilizada no Twitter Brasil à noite. Radicais quebraram imagens santas e houve discussões com fiéis da JMJ.

A Marcha das Vadias do Rio de Janeiro, em seu terceiro ano consecutivo, reuniu mais de mil manifestantes na orla carioca, na tarde deste sábado (27), e causou alvoroço nas redes sociais, assumindo a liderança dos trending topics do Twitter no Brasil no início da noite. O grupo saiu às 15h20 de Copacabana pela Avenida  tlântica e foi até Ipanema, pela Avenida Viira Souto, pedindo a legalização do aborto e o fim da violência sexual. Por volta das 19h, diminuto, o grupo voltou à Copacabana. Duas horas depois, pelo segundo dia seguido, uma manifestação entrou em espaço reservado para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

O nome irônico do protesto, segundo os organizadores, teve origem no Canadá, quando um policial justificou um estupro por conta das roupas utilizadas pela mulher violentada. No Rio, o grupo reforçou a autodeterminação sobre o corpo feminino caminhando pela praia com gritos e cartazes. Num deles, a manifestante provocava: "Será preciso eu usar burca para você me respeitar?".

O tema, naturalmente, esbarrou em dogmas da Igreja Católica e em fiéis da JMJ que seguiam para o evento religioso, instalado em palco na Praia de Copacabana, na altura da Avenida Princesa Isabel. Com manifestantes usando pouca roupa e algumas delas de seios de fora, as discussões foram acaloradas. "Vou rezar por eles", chegou a dizer uma peregrina.

Integrante do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, Valéria Marques foi chamada de assassina por outra fiel. "Sinto pena de uma mulher que oprime o próprio gênero. A organização é apenas a favor das mulheres poderem decidir o que fazer com o próprio corpo, incluindo a legalização do aborto", disse Valéria.

Radicais do movimento, no entanto, chegaram a quebrar imagens santas por volta das 16h30. Em outros momentos tensos, agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) foram insultados por manifestantes que perguntavam "Cadê Amarildo?", em alusão ao pedreiro que sumiu há duas semanas depois de prestar depoimento a policiais da UPP da Rocinha. Várias vezes, foram ouvidos gritos de "Fora Cabral".

A Polícia Militar acompanhou a caminhada com cerca de 50 PMs. Após a chegada em Ipanema, o grupo decidiu voltar para Copacabana e questionar fiéis sobre alguns tabus. Ao se aproximar do palco da Jornada Mundial da Juventude, uma barreira humana da Força Nacional foi armada em frente ao Hotel Rio Othon Palace.

O grupo fardado se estendia da calçada à areia e impedia que manifestantes se aproximassem do evento católico. Algumas manifestantes, com os seios à mostra, subiram nos ombros de companheiros e provocaram fiéis. Às 21h, o bloqueio foi furado e parte do grupo ocupou as areias nas proximidades do palco principal da JMJ.

Em nota, os organizadores do ato lamentaram a quebra de imagens. "A performance que envolveu quebra de imagens de santas na Marcha das Vadias hoje não foi programada pela organização deste evento".

Fonte: G1, 28/07/2013

Espetáculo grotesco que deturpa
 a mensagem da Marcha das Vadias



(Fotografias por Lia Ferreira/Vero)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Pondé, o conservador-liberal (?), chamou a esquerda para conversar, e ela respondeu

Com o texto Debate com a Direita, publicado ontem na FSP, Marcelo Miterhof respondeu à convocação feita por Luiz Felipe Pondé, em sua coluna do dia 08/07/2013 (ver abaixo), na  mesma Folha de São Paulo, onde dizia: "E aí, esquerda: vamos conversar? Vamos parar de se xingar e sentar numa távola redonda e discutir o Brasil?"

Quem já me leu sabe que sou ardorosa anti-esquerdo-direitista, pois esse fla-flu ridículo reduz drasticamente o espectro político a uma dicotomia maniqueísta que, nem de longe, dá conta da infinidade de nuances das diferentes correntes de pensamento sociopolíticas e econômicas existentes ontem e hoje. Em geral, serve apenas para impedir as pessoas de pensar livremente, enclausurá-las nessa polarização simplista que busca encaixar a realidade dentro de seus limites, torná-las incapazes de analisar os problemas do mundo atual objetivamente.

De qualquer forma, acho produtivo que os que se dizem de esquerda e direita tentem discutir o país em diálogo em vez de ficar apenas se xingando mutuamente. Dessa discussão, quem sabe, também se possa extrair um pouco mais de precisão para o que seja a tal direita e a tal esquerda (ou então detoná-las)  na qual especialmente socialistas e conservadores tanto apreciam se abrigar.

Por exemplo, as definições que Pondé e Miterhof dão de conservador e liberal não são as mesmas e, por certo, não encontrarão eco em outros que assim se definem. Mas concordo com Miterhof quando diz que o termo liberal-conservador é contraintuitivo. Mais do que isso, é mesmo contraditório, já que tradição (bandeira conservadora) e liberdade (bandeira liberal) não combinam. Como se pode ver, há mais visões políticas entre o céu e a terra do que sonha a vã filosofia dos dogmáticos de esquerda e direita.

Debate com a direita
Marcelo Miterhof

Luiz Felipe Pondé, em sua coluna na Folha de 08/07/2013, convida a esquerda a discutir o Brasil com os conservadores, parando com os xingamentos mútuos. Com um certo atraso, aceito o convite.

Pondé se define como liberal-conservador. Vale tentar explicar o sentido do termo, algo contraintuitivo.

O liberalismo é político, com destaque para os direitos individuais: liberdades de expressão e religiosa, pluralismo moral, emancipação feminina, direitos gays etc.

O conservadorismo se refere, entre outras coisas, à economia, caracterizada por um outro liberalismo, o econômico, em que o mercado tem um papel central e extremo, dado pela máxima "vícios privados, virtudes públicas", que sintetiza a crença na livre iniciativa como o vetor do desenvolvimento: não se culpe por agir visando seu estrito interesse próprio, pois o resultado é bom para todos.

Estamos de acordo quanto às garantias civis como parte essencial da democracia e para que o país seja um lugar mais legal de viver.

As bandeiras libertárias foram no Brasil historicamente levantadas pela esquerda. Talvez isso se deva ao fato de a direita brasileira ter sua raiz num conservadorismo agrário pré-capitalista. Isso não significa que essas bandeiras sejam exclusivas da esquerda e tampouco que todos nela sejam politicamente liberais. Além disso, é inegável que as liberdades individuais foram inventadas pelas revoluções burguesas.

As diferenças surgem na economia. A visão conservadora prega o Estado mínimo, que provê só serviços essenciais, como educação e segurança, para equalizar as oportunidades a partir das quais os indivíduos buscarão seu interesse. Profissionais liberais e pequenos empresários seriam a força do capitalismo.

O problema é que, apesar de boas sacadas quanto ao poder da competição e da busca do lucro, não é assim que o capitalismo funciona melhor.

Por exemplo, grandes empresas são mais eficientes. O poder de mercado torna mais fácil acumular recursos para inovar. Como dizia Schumpeter, um carro pode correr porque tem freios.

O Estado também tem papel central na economia. Os gastos públicos estabilizam o capitalismo, criando uma demanda que impulsiona o investimento e, as sim, a produtividade. Além disso, para a esquerda, distribuir renda não é somente um valor moral, mas também uma forma de acelerar o crescimento: pobres consomem mais os ganhos adicionais que obtém.

A principal diferença entre direita e esquerda está na ênfase que cada uma respectivamente dá à competição e à cooperação.

Essas são formas de interação em alguma medida sempre presentes nas relações humanas. Exagerar na ênfase numa ou outra direção cria problemas. Sem cooperação, a força inovadora do capitalismo é desagregadora, como ocorreu até a crise de 29. Sem competição, o comunismo foi pouco dinâmico e repressor.

O Estado de bem-estar social foi uma inovação pública que consolidou a força do capitalismo ao torná-lo mais equilibrado, mas exageros cooperativos também ocorrem. Por exemplo, há casos de seguro-desemprego na Europa em que é demasiadamente pequena a diferença entre trabalhar ou não.

Claro, a dosagem entre competição e cooperação não tem receita pronta, abrindo espaço para debates e experimentações.

Por fim, uma boa questão levantada pelo liberal-conservadorismo é se haveria uma contradição entre o intervencionismo econômico e as liberdades individuais.

Não creio. Defender o Estado de bem-estar social é de meu interesse individual. Não sou a favor de distribuir renda por ser bonzinho, e, sim, porque é o melhor jeito de tornar o Brasil mais rico e porque uma sociedade mais equilibrada é boa para mim. Afinal, viver em meio a uma grande pobreza me põe sob risco.

O bem comum atende a interesses próprios menos imediatos. Um exemplo banal é o das regras de trânsito. Furar o sinal vermelho faz a pessoa chegar mais rápido ao destino. O risco de acidente é baixo. Porém basta dirigir no Rio para verificar que a busca de um interesse próprio estrito pode ser pior para todos.

Além disso, a economia é só um meio de criar as condições da liberdade. A liberdade das sarjetas tem seu charme, mas é para poucos. Para ser livre, é preciso contar com itens de consumo básicos da modernidade --geladeira, TV--, além de educação, viajar etc. O capitalismo regulado é a melhor maneira de propiciar essas coisas a todos.

FOLHA DE SP - 08/07

A camisa do Feliciano 
Luiz Felipe Pondé

Sou conservador e sou contra o projeto da cura gay e a favor do casamento gay. Difícil?

Nesses tempos sombrios de crise, somos obrigados a falar muito e por isso sempre acabamos falando demais. Precisamos de mais clareza, mas, como dizem por aí, a democracia é o regime do barulho, e no barulho o mais fácil é gritar "palavras de ordem", muito mais fácil para temperamentos que gozam em assembleias. Não é o meu caso, (in)felizmente.

No dia 29 de junho, aconteceu em São Paulo a Marcha para Jesus. Nela, o conhecido pastor e deputado Feliciano usava uma camisa na qual estava escrito "eu represento vocês".

Claro, de primeira, entendemos que ele quer dizer que representa os evangélicos que ali estavam. Não tenho tanta certeza: tenho amigos e conhecidos que são evangélicos e estão muito longe do que Feliciano diz representar. Não podemos jogar todos os evangélicos no mesmo "saco".

Mas me interessa hoje outra coisa: ele diz ser representante dos conservadores no Brasil. O conceito é complexo e pouco afeito a espíritos que gostam de falar para multidões. Mas é urgente dizer que Feliciano não representa o pensamento conservador no Brasil. Vou dar um exemplo "clichê" em seguida. Antes, vamos esclarecer uma coisa.

A tradição "liberal-conservative", como se diz comumente em inglês, se caracteriza por uma sólida literatura quase desconhecida entre nós: David Hume (sua moral), Adam Smith, Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, Friedrich Hayek, T.S. Eliot, Michael Oakeshott, Isaiah Berlin, Russell Kirk, Theodore Dalrymple, John Gray, Gertrude Himmelfarb, Thomas Sowell, Phyllis Schafler, Roger Scruton, entre outros.

Não é à toa que matérias como a da "Ilustrada" do domingo 30 de junho falam que a Flip (poderia ter falado de qualquer outra atividade intelectual no país) é de esquerda: quase ninguém conhece a bibliografia "liberal-conservative" entre nós, porque a esquerda mantém uma poderosa reserva de mercado na vida intelectual pública no país, inclusive tornando um inferno a vida na universidade para jovens interessados neste tipo de bibliografia.

Esta reserva de mercado intelectual e ideológica inviabiliza pesquisas e trabalhos mesmo em sala de aula. Isso faz dos jovens intelectuais interessados nessa tradição uns fantasmas invisíveis, verdadeiras almas penadas, sem corpo institucional para atuarem. Mesmos os centros financiados por bancos investem apenas na bibliografia de esquerda.

Como toda visão política, os conservadores são diferentes entre si e nem sempre convivem bem com seus pares, principalmente quando saímos do livro e vamos para política partidária. Imagine alguém de uma esquerda "islandesa" sendo obrigado a engolir Pol Pot em seu clube intelectual.

O pensamento "liberal-conservative" se caracteriza por defender a sociedade de livre mercado, a propriedade privada, a liberdade de expressão e religiosa, pluralismo moral, a democracia representativa com "corpos médios" locais atuantes, uma educação meritocrática, emancipação feminina, tributação alta para grandes heranças, desoneração da classe trabalhadora, profissionais liberais e pequenos e médios empresários, Estado mínimo necessário (inclusive porque isso diminui a corrupção), saúde eficaz para a população.

E, não esqueçamos: opção liberal quanto à vida moral, cada um faz o que quiser na vida privada contanto que respeite a lei, e esta deve levar em conta esta liberdade privada.

Simplesmente não existe opção partidária no Brasil para quem pensa dessa forma. Por exemplo, dizer que os conservadores queimam bandeiras do movimento negro é uma piada. Isso deve fazer Joaquim Nabuco tremer em seu túmulo, já que ele, conservador, foi um dos principais intelectuais e defensores da abolição da escravatura no Brasil.

E aí voltamos à camisa do Feliciano. Ele não representa os conservadores no Brasil, a começar porque é alguém que mistura religião com política.

Deixe-me esclarecer uma coisa (vou usar um tema "clichê"): sou conservador e sou contra o projeto da cura gay e a favor do casamento gay.

E aí, esquerda: vamos conversar? Vamos parar de se xingar e sentar numa távola redonda e discutir o Brasil?

FOLHA DE SP - 08/07

quinta-feira, 25 de julho de 2013

O plebiscito do PT trocado em miúdos

Texto didático do José Serra, no Estadão de hoje, sobre as razões pelas quais o PT insiste no tal plebiscito. Destaco o trecho abaixo, mas recomendo todo o artigo. Ao contrário dele, contudo, não tenho tanta certeza se as manifestações de insatisfação generalizada das ruas se traduzirão em votos menos equivocados no ano que vem. 

O objetivo (do plebiscito do PT) é um só: como não consegue passar de 20% nos votos para o Legislativo, o PT quer mudar as regras para que a minoria nas urnas se transforme em maioria no Congresso Nacional, minimizando a necessidade de se aliar a outros partidos. Por isso defende a lista fechada para a eleição de deputados e o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais.


O PT tem cerca de 20% da preferência popular. Como a maioria do eleitorado não se identifica com nenhum partido, se o voto for na lista partidária, e não em candidatos, acredita poder transformar os 20% nas urnas em pelo menos 40% do Congresso.

Esse propósito seria bastante fortalecido pelo financiamento público das campanhas, que beneficiaria o PT de duas maneiras. Sendo o maior partido saído das últimas eleições, disporia automaticamente de mais recursos para disputar votos. Além disso, como o PT domina a poderosa máquina federal e numerosas entidades sindicais e ONGs especiais (de fato, organizações neogovernamentais), que têm expertise em fazer campanha eleitoral com recursos públicos, a proibição do financiamento privado legal o favoreceria.


Fuga para adiante
José Serra

A reunião deste fim de semana do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) trouxe um fato inédito. A rotina desses encontros é culpar a oposição por todas as mazelas do País, como se os petistas não mandassem no seu próprio governo. Mas desta vez foi diferente: ao analisar o quadro político e as dificuldades da administração Dilma Rousseff - mais evidentes após as grandes manifestações de junho e a queda livre nas pesquisas -, o PT pôs a culpa não na oposição, mas nos aliados! Assim, os males do Brasil seriam devidos ao fato de os petistas não conseguirem governar sozinhos, sendo obrigados a composições com os "conservadores", santo eufemismo. Tais alianças estariam a impedir os avanços que o governo tanto deseja realizar. Será?

O PT já domina completamente o Executivo em Brasília: Presidência, Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Saúde, Educação, Justiça, todos os principais órgãos e ministérios são controlados pelo partido. Além das pastas responsáveis pelos temas que fizeram as ruas explodir de insatisfação, estão nas mãos dele todas as estatais relevantes.

Proveitoso seria, hoje, que fizesse autocrítica e perguntasse: "Onde foi que nós erramos?". Mas essa atitude não combina com o DNA autoritário de quem se julga portador de uma verdade histórica tão inquestionável quanto o teorema de Pitágoras. Um exemplo de autocrítica possível seria o da forma perversa das alianças: baseadas não em programas, mas no rateio dos benefícios do poder.

Assim, somos obrigados a assistir ao filme da fuga para adiante - "fuite en avant", para lembrar a expressão de Ignacy Sachs. Ou seja, após três mandatos o PT pede mais para ele mesmo, demanda o poder absoluto para fazer o que não conseguiu realizar em mais de uma década de hegemonia.

Eis a origem do tal plebiscito sobre reforma política. O objetivo é um só: como não consegue passar de 20% nos votos para o Legislativo, o PT quer mudar as regras para que a minoria nas urnas se transforme em maioria no Congresso Nacional, minimizando a necessidade de se aliar a outros partidos. Por isso defende a lista fechada para a eleição de deputados e o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais.

O PT tem cerca de 20% da preferência popular. Como a maioria do eleitorado não se identifica com nenhum partido, se o voto for na lista partidária, e não em candidatos, acredita poder transformar os 20% nas urnas em pelo menos 40% do Congresso.

Esse propósito seria bastante fortalecido pelo financiamento público das campanhas, que beneficiaria o PT de duas maneiras. Sendo o maior partido saído das últimas eleições, disporia automaticamente de mais recursos para disputar votos. Além disso, como o PT domina a poderosa máquina federal e numerosas entidades sindicais e ONGs especiais (de fato, organizações neogovernamentais), que têm expertise em fazer campanha eleitoral com recursos públicos, a proibição do financiamento privado legal o favoreceria.

Uma vez que o Congresso, com todos os seus imensos defeitos, não é composto de suicidas, o PT enfrenta forte resistência a esses projetos. O caminho normal, democrático, seria, então, fazer das suas teses bandeiras eleitorais e buscar a maioria no Congresso para elas. Mas como as relações entre o PT e a democracia são nebulosas, prefere tentar emparedar os adversários e os aliados, usando para isso o tal plebiscito.

O Tribunal Superior Eleitoral já esclareceu que precisa de 70 dias para organizar um plebiscito nacional. Ou seja, não há tempo hábil para combinar quatro coisas: 1) votar nas duas Casas do Congresso a lei que convoca o plebiscito, 2) realizar o plebiscito com tempo para horário "gratuito" de TV e rádio, 3) promover o necessário trabalho congressual para regulamentar as decisões e 4) que elas valham já em 2014, respeitando o princípio constitucional da anualidade.

A presidente Dilma Rousseff continua a insistir no tal plebiscito para valer já nas eleições de 2014 e até persegue o deputado Cândido Vaccarezza, petista histórico, que reconheceu publicamente a falta de tempo hábil. Ela deve saber que é inviável, porém insiste. Por quê? Para alimentar um impasse e depois culpar o Congresso por "não ter ouvido as ruas". Enquanto isso, passaria à população a ideia de que está empenhada e trabalhando por algo coerente, desviando o foco dos problemas verdadeiros: economia sob estagflação e dominada por expectativas ruins, consumo e emprego desacelerando, serviços públicos aquém das expectativas.

Escrevi dias atrás que o Brasil precisa de governo. Não obrigatoriamente um bom governo, mas ao menos algum governo. É o que mais nos faz falta hoje. Talvez ainda houvesse tempo de a presidente encontrar um rumo, corrigir rotas tresloucadas que a fazem se chocar, dia após dia, com a realidade dos fatos. Infelizmente, a inclinação parece ser dobrar a dose do remédio que não dá certo. O exemplo mais emblemático é a tentativa de satanizar os médicos brasileiros, para dar a impressão de que se está fazendo algo pelo presente e o futuro da saúde.

Já se esgotou, por sorte, a velha fórmula de produzir factoides que depois serão embalados publicitariamente - e veiculados em caríssimas campanhas para induzir o povo a acreditar que o governo funciona. Isso é o que foi feito, por exemplo, com o PAC, as campanhas anticrack, os buracos de estradas, o Pronasci (da segurança), etc. Esse expediente já era. O Brasil quer governo que tenha rumo, fale menos, se antecipe aos acontecimentos, enfrente os problemas, planeje as ações, dê exemplo de boa conduta aos cidadãos e consiga entregar-lhes os benefícios mínimos que reclamam. Tão simples quanto isso.

Já passou da hora de o PT e o governo abrirem o olho. O Brasil é uma democracia sólida, o povo amadureceu e as eleições vêm aí. Certos desvios e atalhos, felizmente, repousam nos livros de História para, se Deus quiser, deles não saírem nunca mais.

* JOSÉ SERRA É EX-PREFEITO E EX-GOVERNADOR DE SÃO PAULO.

Fonte: Estado de SP, 25/07/2013

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Retrato trágico da saúde pública no Brasil: 42 mil leitos de internação do SUS foram desativados entre outubro de 2005 e junho de 2012

Mazelas da saúde pública

O Estado de S.Paulo

Há um dado que serve muito bem para demonstrar por que o Sistema Único de Saúde (SUS), cuja situação se torna cada dia mais precária, não tem condições para atender os milhões de brasileiros que a ele recorrem, e que passam horas ou mesmo dias em filas diante de hospitais ou centros de saúde. Segundo levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), com base em dados do Ministério da Saúde, 42 mil leitos de internação do SUS foram desativados entre outubro de 2005 e junho de 2012.

Em números absolutos, os Estados mais populosos foram os mais afetados. Em São Paulo houve uma redução de 10.278 leitos e em Minas Gerais, de 5.177. E não é verdade, como se alega, que isso tenha sido compensado pela criação de novos leitos no Pará (723), Rondônia (622) ou Amazonas (360). O quadro só não é mais grave por causa do papel decisivo desempenhado pelas Santas Casas e hospitais filantrópicos.

A questão central é o subfinanciamento do SUS. Como as verbas alocadas à saúde são insuficientes, os serviços prestados por hospitais e postos médicos públicos são aqueles minimamente recomendados. O fornecimento de remédios gratuitos é limitado. O paciente deve, portanto, arcar com gastos adicionais, inclusive para exames clínicos mais abrangentes, se tiver meios para tanto. Os pacientes atendidos pelo SUS em hospitais privados têm tratamento algo melhor, mas o reembolso das despesas fica muito aquém dos custos, além de ser feito com atraso.

Os planos do governo nada mencionam sobre a falta de infraestrutura física, ou seja, de hospitais, casas de saúde ou, pelo menos, unidades capazes de funcionar também como prontos-socorros. Nada também sobre as condições de trabalho e remuneração dos profissionais da rede pública. Reportagem do Estado (14/7) mostrou que a reivindicação de muitos municípios, em diversas regiões do País, não é de mais médicos, mas de uma estrutura para atendimento local, de forma a evitar o deslocamento para os grandes centros em emergências. Em muitos casos, as prefeituras não dispõem nem de ambulâncias e o transporte de pacientes tem de ser feito por ônibus.

Em cidades menores, não existe nem o atendimento básico. O que diz a prefeita Daniela Brito, do município paulista de Monteiro Lobato (5 mil habitantes), mostra o descompasso entre os planos do governo e os anseios da população: "Não queremos hospitais nem médico estrangeiro. O que nós precisamos é de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e recursos para pagar melhor".

Quanto ao aumento proposto de 11 mil novas vagas nos cursos de Medicina, nada se falou sobre a qualificação dos futuros médicos. O anúncio dos planos do governo praticamente coincidiu com a divulgação de um documento de coordenadores de faculdades de Medicina, criadas nos últimos dez anos, em universidades federais, e que não dispõem de hospitais-escola. As residências são feitas em hospitais da região, às vezes localizados em cidades próximas à faculdade, sem preceptores capacitados.

No texto, encaminhado ao Ministério da Educação, os coordenadores afirmam que cursos médicos podem ser cancelados em 2014 ou simplesmente fechados por falta de condições adequadas de funcionamento, se o governo não tomar medidas urgentes para aperfeiçoar a formação dos profissionais. "Nas condições atuais", diz o documento, "só é possível a gestão dos cursos de medicina sem hospital por meio de práticas de gestão negligentes e irregulares, se não legalmente questionáveis". O documento considera inviável colocar em prática a proposta de aumento da oferta de vagas para graduação médica no País por aquelas faculdades, criadas nos últimos dez anos como forma de interiorização do ensino médico.

Os planos do governo, porém, não contemplam a construção de hospitais-escola nas novas faculdades federais localizadas em cidades do Centro-Sul, Nordeste e Norte. Implantar escolas de Medicina por decreto, sem lhes dar a infraestrutura indispensável, não pode dar certo.

Fonte: O Estado de São Paulo, 21 de julho de 2013

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