8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Kassab: melhor negócio que Judas fazes tu, Joaquim Silvério!

Melhor negócio que Judas fazes tu, Joaquim Silvério....
Não que seja novidade, pois, ao largar a prefeitura de São Paulo meio de lado para criar seu partido, o PSD, posteriormente dar terreno para Lula e outras cositas mais, Gilberto Kassab já estava paparicando o PT com vistas ao seu (dele) futuro político. Apoiou Serra em função de seus compromissos pessoais com o tucano, apoio aliás mais danoso para a candidatura do que o de Maluf a Haddad, pois sua gestão foi  um dos pontos mais atacados pelo petista. 

Mal eleito Haddad, porém, Kassab já perdoou as críticas, mudou de lado e ordenou à bancada psdista na câmara que vire situação, passando agora a receber elogios dos petralhas e elogiando-os igualmente. Sonha com ministérios de polpudos orçamentos para fazer seu pé de meia em Brasília. Até regateia: "quero o ministério das Cidades, no mínimo o dos Transportes".

Tanta baixeza me fez lembrar do célebre Romanceiro da Inconfidência, da Cecília Meireles, em seu Romance XXXIV, uma homenagem aos traíras de todos os tempos. Destaco o verso: "Pelos caminhos do mundo, nenhum destino se perde: há os grandes sonhos dos homens e a surda força dos vermes." 

Mas todo o Romance XXXIV vale a leitura pois é lindo! Para desopilar um pouco o fígado que não esta fácil filtrar tantas substâncias tóxicas ao mesmo tempo.

Romance XXXIV ou de Joaquim Silvério

Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples Alferes.

Recebeu trinta dinheiros...
-- e tu muitas coisas pedes:
pensão para toda a vida,
perdão para quanto deves,
comenda para o pescoço,
honras, glória, privilégios.
E andas tão bem na cobrança
que quase tudo recebes!

Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério!
Pois ele encontra remorso,
coisa que não te acomete.

Ele topa uma figueira,
tu calmamente envelheces,
orgulhoso impenitente,
com teus sombrios mistérios.

(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.)

(Cecília Meirelles, Romanceiro da Inconfidência.)

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Os conservadores brasileiros não são o Tea Party e o PSDB não é o Partido Republicano - Capítulo final da saga “O desastrado kit gay”

Esta imagem é mera montagem para ilustrar o tema do post
Eu já havia falado sobre o desastrado discurso de Serra a respeito do apelidado “kit gay” antes de grão-tucanos, como FHC, manifestarem seu desacordo com o que chamaram de flerte de Serra com setores conservadores e antes do próprio núcleo político da campanha do tucano ter dito que ele "demorou demais" para minimizar o debate sobre o kit anti-homofobia, no qual sequer deveria ter entrado. (Falo hoje pela última vez sobre esse tema).

Aliás, escrevi três textos sobre o assunto, sendo dois podcasts: A encruzilhada de Serra ou os Conservadores precisam de um partido para chamar de seu; No meio do caminho tinha um kit gay. Tinha um kit gay no meio do caminho!; Cartilha de Serra também pode ser considerada “doutrinação para o homossexualismo. Lamentei muito ter que fazer essas considerações de público porque sabia que seriam utilizadas por petistas contra o tucano, mas não dava para ficar de boca fechada diante da gritante contradição em que entrou o candidato em prejuízo de projetos importantes de combate a preconceitos em ambiente escolar.

José Serra é um dos políticos com maior histórico em prol da população LGBT no Brasil, incluindo aí um projeto de combate a diversos tipos de discriminação para ser usado em escolas. Entre essas discriminações se inclui o trabalho contra a homofobia, com abordagem conceitual semelhante à do Escola sem Homofobia (grotescamente chamado de kit gay) que o candidato decidiu criticar para fazer média com conservadores e atingir seu rival Fernando Haddad. 

Ao fazê-lo, Serra se mostrou incoerente com sua própria trajetória política e afastou muitos de seus eleitores tradicionais que obviamente nunca foram conservadores. Eu mesma só votei nele porque não poderia em sã consciência deixar de tentar impedir o PT de chegar à prefeitura de São Paulo. Meu voto foi pela cidadania, contra a tirania. Entretanto, praticamente não divulguei sua candidatura. Me limitei a questionar a competência e a probidade de Haddad, já bem conhecidas por sua passagem pelo Ministério da Educação e por fazer parte do partido do mensalão. Sua “gestão” será – salvo milagre - um desastre para a cidade, sem falar em outras possíveis consequências futuras. 

O argumento contrário ao “kit gay” é ilógico até da perspectiva conservadora

Até hoje, contudo, não me conformo com a estupidez do tucano de ter-se metido a criticar o tal kit gay para fazer média com conservadores. Se ele ao menos tivesse criticado o formato do projeto, o cabide de emprego para a militância LGBT petista que o projeto se tornaria, mas não, o parvo saiu a criticar logo o conceito do mesmo ao dizer que o Escola sem Homofobia “não ensinava e sim doutrinava para o homossexualismo”, ecoando o discurso retrógrado de gente como o pastor-vigarista Silas Malafaia, o troglodita deputado Jair Bolsonaro, o colunista de Veja, Reinaldo Azevedo, e outros anônimos de igual teor. Isso quando ele próprio, Serra - repetindo - já aprovara projeto de igual conteúdo.

Esse discurso de que se pode “ensinar homossexualismo” é ilógico até do ponto de vista conservador. Os conservadores costumam apregoar que a única sexualidade normal, natural, é a heterossexualidade. Então, como seria possível “ensinar homossexualismo”, considerando que o que é dado pela natureza não é passível de alteração por aprendizagem? Só se pode ensinar algo a um ser (humano ou animal) se este tiver (potencialmente) a capacidade para o aprendizado dado. Pode-se ensinar muitas coisas a um cachorro, dependendo de suas potencialidades, mas não se pode ensinar um cão a miar porque isto contraria a natureza do bicho. Ele não tem capacidade para tal. Não há como ter êxito nessa insana empreitada.

Assim, contraditoriamente, quando os conservadores afirmam que é possível se “ensinar o homossexualismo” em escolas, eles reconhecem que a homossexualidade faz tão parte da natureza humana quanto à heterossexualidade, que todos somos potencialmente bissexuais, tanto que temem que a simples visão de materiais, escritos ou audiovisuais, sobre homossexualidade, possa despertar esse lado reprimido de seus filhos (vão virar bichas, sapatões). Em suma, não é lógico afirmar que a (hetero)sexualidade é a única normal e natural e, ao mesmo tempo, que é possível se “ensinar homossexualismo”. Uma afirmação nega a outra. Na verdade, incoerências como essa surgem sempre quando o que dizemos se baseia em preconceitos e não na razão.

De qualquer modo, obviamente, esses projetos de combate à homofobia na escola visam de fato apenas trabalhar os preconceitos inculcados na cabeça dos jovens por seus pais e evitar que esses jovens se tornem molestadores de outros garotos e garotas diferentes por qualquer razão, impedindo estes útimos de terem a educação necessária para ascender na vida. Essa conversa de “ensinar homossexualismo” é viagem de gente de boca grande, mau hálito e papo furado. 

Os conservadores brasileiros não são o Tea Party e o PSDB não é o Partido Republicano dos EUA 

Agora falando do aspecto político-partidário da questão, como eu disse em meus outros artigos sobre o assunto, me impressionou e me impressiona muito a arrogância e a prepotência desses conservadores. Botaram na cabeça que são o Tea Party brasileiro e o PSDB, o Partido Republicano, e acham que podem transformar a sigla dos tucanos num partido para chamar de seu. 

Entretanto, para começo de conversa, o PSDB é, de fato, análogo ao Partido Democrata americano, ambos social-democratas, não tendo nada a ver com a atual conjuntura do Partido Republicano dos EUA. Aqui no Brasil, talvez o partido que mais se aproximaria dos conservadores fosse o DEM. Digo talvez porque, embora conheça alguns parlamentares do partido que comunguem de ideias conservadoras, não sei se o partido em geral, principalmente sua geração mais jovem, encamparia certas coisas cheias de teias de aranha. 

Na ausência de partido próprio, natural que os conservadores votem no PSDB para fazer frente ao PT, mas aí o certo é eles se adaptarem à realidade do partido e não querer que o partido se adapte à realidade deles. Mas não, frustrados por Serra não ter dado continuidade ao discurso conservador, pelo tiro no pé que foi, continuam afirmando (como eu havia previsto, aliás), finda a eleição, que o tucano e seu partido foram covardes por não terem levado a questão do “kit gay” para a televisão. 

Enquanto o próprio PSDB e qualquer pessoa não-conservadora que analise a candidatura do Serra, reconhece, inclusive por não viver restrita ao ambiente conservador, que o tema do “kit gay” foi um erro para o tucano, a hora da virada negativa para ele, os “cons”’ continuam afirmando que o candidato perdeu porque não fez o que eles – conservadores – queriam, levando a palhaçada do “ensinar homossexualismo” nas escolas para o horário eleitoral gratuito. É mole!?

Reestruturar o PSDB não passa por emular discurso conservador

É certo que ninguém entende a apatia do PSDB diante dos desmandos do lulopetismo nestes últimos 10 anos, sobretudo, a não defesa de seu maior patrimônio que foi o Real e o governo FHC. É certo que ninguém entende sua incapacidade de fazer uma oposição concreta ao petismo que inclusive ameaça sua existência bem como a da democracia brasileira. 

De qualquer forma, porém, a recuperação, a renovação e a reorganização do partido não passa por uma mudança de cunho ideológico, indo da centro-esquerda para a ponta direita. (No máximo, para meu gosto, talvez pudesse ser um pouco mais social-liberal). Esse papo conservador de que o campo da esquerda é monopólio do PT e de que, para voltar a vencer, o PSDB teria que emular um discurso conservador é conversa mole para boi dormir. (Querem um partido pronto para ocuparem em vez de se dar ao trabalho de construir um). 

Pelo contrário, o Brasil está carente de partidos fortes de centro, democráticos, moderados, respeitosos da laicidade do Estado, inclusivos, modernos, que possam apresentar uma alternativa para quem tem consciência de que esse atual flaflu entre socialistas (da boca para dentro ou para fora) de um lado e conservadores do outro, ambos autoritários, não interessa ao país, não interessa a quem quer um mundo melhor para todos. Já vimos um confronto parecido no passado, e o fim do filme é bem conhecido. 

Os conservadores que se organizem em partido próprio e tragam a público uma candidatura legitimamente conservadora que diga o que querem ver discutido em eleição. (Ajudarão inclusive a democracia dessa forma). E que passem suas ideias pelo escrutínio da opinião pública, pois inventar que o Brasil é conservador sem testar tal afirmação na prática é muito fácil, né mesmo? O que não pode voltar a acontecer é esse aluguel do PSDB por conservadores que, já pela segunda eleição, tem se mostrado francamente contraproducente.

Nesta eleição, digo, sem papas na língua, que os conservadores – e a obtusidade de Serra que resolveu ecoar o discurso deles – colaboraram decididamente para a vitória do PT! Óbvio que não foi apenas a fala desastrada de Serra sobre o “kit gay” a razão para sua derrota (vários fatores contribuíram para tal), mas foi ela sim seu calcanhar de Aquiles, aquele ponto X que ele não deveria ter descoberto. Então, parabéns aos “cons” pela contribuição à vitória do PT em Sampa!

E fico por aqui, para não me repetir mais. Como disse, no início do texto, já desenvolvi esse tema dos conservadores e seu “kit gay”, na eleição do Serra, por vários ângulos, em dois artigos (também em podcast), além de ter transcrito o material contra a homofobia que Serra aprovou quando governador e um dos vídeos que o acompanhava. Repito abaixo os links desses artigos, para quem quiser lê-los também. E termino me citando: “Para nós, demais paulistanos que não nos incluímos nem entre as viúvas do Muro de Berlim nem entre os cruzados medievais, só nos resta orar para que a Fortuna não nos abandone e que o Mal não deite raízes fundas demais que nos impossibilite tirá-las posteriormente.” 



Ética da Tirania: Tirano é quem usa os bens dos governados como se fossem seus’

Uma ética que opera em favor dos governantes

Transcrevi alguns trechos de um texto do Instituto Humanitas Unisinos intitulado "O ‘mensalão” e a esquerda. Uma leitura crítica a partir da esquerda" pois achei interessante observar que, mesmo entre os que se identificam com a dita esquerda, há uma visão realista sobre o episódio do mensalão. Ao fim da postagem, encontra-se link para a matéria completa.

Dos trechos que transcrevi, destaco os seguintes parágrafos:

1) O uso de recursos públicos orientado para objetivos corporativos, de grupos, como seu viu no ‘mensalão’ manifesta o que o professor da Unicamp, Roberto Romano intitula de “ética da tirania”, ou seja, a ideia de “uma ética que opera em favor dos governantes”. Segundo ele, se trata “da ética que nega direitos às ‘pessoas comuns’ é a ética do ‘sabe com quem está falando’? A ética do absolutismo tirânico. Não podemos esquecer que, na tradição ética e jurídica antiga e moderna, tirano ‘é quem usa os bens dos governados como se fossem seus’. ...No Brasil temos uma ética da tirania porque o que fazem nossos operadores do Estado é julgar de sua propriedade o que é público”.

2) A contemporização com os desvios do PT, ou a indulgência para com parcela dos seus dirigentes, assume caráter antirrepublicano... escreve Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio.

O Estado, quando subordinado a agrupamentos – quaisquer agrupamentos, da bancada ruralista à bancada evangélica ou ainda de consórcios partidários –, perde seu caráter republicano naquilo que tem de mais importante, de tratar todos como iguais, identificando, porém, os que dele mais precisam, os setores mais vulneráveis.

Conjuntura da Semana. O ‘mensalão” e a esquerda. Uma leitura crítica a partir da esquerda

Segundo o professor da Unicamp Roberto Romano, “é proibido no Brasil ser oposição”. Diz ele: “Se discordar, não tem acesso aos recursos. Sem recursos, não leva obras para a sua região. Sem obras, não é reeleito, fica fora do jogo. Esse ‘é dando que se recebe’, essa ausência de partidos reais, tem como origem essa estrutura do Estado brasileiro que é supercentralizada”.
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O uso de recursos públicos orientado para objetivos corporativos, de grupos, como seu viu no ‘mensalão’ manifesta o que o professor da Unicamp, Roberto Romano intitula de “ética da tirania”, ou seja, a ideia de “uma ética que opera em favor dos governantes”. Segundo ele, se trata “da ética que nega direitos às ‘pessoas comuns’ é a ética do ‘sabe com quem está falando’? A ética do absolutismo tirânico. Não podemos esquecer que, na tradição ética e jurídica antiga e moderna, tirano ‘é quem usa os bens dos governados como se fossem seus’. A lição está em Aristóteles, São Tomás , Jean Bodin  e outros mais. No Brasil temos uma ética da tirania porque o que fazem nossos operadores do Estado é julgar de sua propriedade o que é público”.

A contemporização com os desvios do PT, ou a indulgência para com parcela dos seus dirigentes, assume caráter antirrepublicano: "O nome próprio do moderno é o da autonomia que se exprime no exercício da livre manifestação de vontade da cidadania, a partir de uma vida associativa e de partidos políticos que extraiam sua seiva de um mundo da vida descontaminado do poder administrativo e do poder sistêmico da economia, para usar a linguagem, incontornável na cena contemporânea, de Jürgen Habermas”, escreve Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio.

O Estado, quando subordinado a agrupamentos – quaisquer agrupamentos, da bancada ruralista à bancada evangélica ou ainda de consórcios partidários –, perde seu caráter republicano naquilo que tem de mais importante, de tratar todos como iguais, identificando, porém, os que dele mais precisam, os setores mais vulneráveis. Nesta perspectiva a ação do julgamento do mensalão deve ser interpretada como um avanço republicano na correção das regras, mesmo que conservadoras, do funcionamento político-partidário.

“O Rubicão foi atravessado à vista de todos e, na nova margem em que nos encontramos, não há mais caminho de volta”, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna, comentando o julgamento do STF. Segundo ele, “provavelmente, ecoaram nesse tribunal os argumentos de maior alcance pedagógico já registrado entre nós em favor da democracia representativa”.

Na análise de Werneck, “em alguns votos contundentes, em que personagens clássicos da Roma republicana foram evocados, ministros da Suprema Corte demonstravam estar conscientes de que anunciavam um novo começo para a democracia brasileira sob a égide de uma ética republicana”. Segundo ele, “democracia de massas, que se amplifica com as poderosas mudanças sociais de que o País é hoje um laboratório aberto, não pode desconhecer a República e as suas instituições, sob pena de se ver dominada pelos interesses políticos e sistêmicos estabelecidos”.

A interpretação de Werneck pode ser demasiada otimista, o reverso, porém, a pura e simples desqualificação do julgamento é pior ainda. Ser de esquerda também é ser republicano, ou seja, estabelecer, defender e pactuar regras de funcionamento do aparelho do Estado que não se subordinem às lógicas corporativas e privativas.

Mensalão e o ‘caráter complexo da ética’. Uma chave de leitura

Uma contribuição para problematizar o tema do ‘mensalão’ é olhá-lo a partir do método da complexidade sugerido por Edgar Morin que propugna que nada está isolado, todas as ações reverberam e apresentam consequências. Ainda mais sofisticado, Morin fala no princípio do ‘caráter complexo da ética’ que se manifesta naquilo que chama de ‘ecologia da ação’. Diz Morin: “Desde o momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial. Com frequência a ação retorna em bumerangue sobre nossa cabeça”, escreve ele no livro Introdução ao pensamento complexo (Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 80-1).

Morin alerta que “uma ação não depende somente da vontade daquele que a pratica, depende também dos contextos em que ela se insere, das condições sociais, biológicas, culturais, políticas que podem ajudar o sentido daquilo que é a nossa intenção. Dessa forma, as ações podem ser praticadas para se realizar um fim específico, mas podem provocar efeitos contrários aos fins que pretendíamos”.

O que o pensador francês sugere é que “boas intenções” ou mesmo ações feitas em nome do suposto “bem comum” podem resultar no oposto ao desejado. Segundo ele, “a ecologia da ação implica que não é suficiente apenas ter boa vontade. Temos de tentar examinar as condições em que se dá a ação, e então, de acordo com a necessidade, poderemos segui-la, ou transformá-la, ou ainda abandoná-la. Portanto, há duas ideias importantes na ética: uma, quando nos decidimos pro uma ação pelo bem, fazemos um balanço dos efeitos de nossa ação, e assim, ao tornarmo-nos conscientes de seus efeitos, podemos rever nossas ações ou decisões. Em segundo lugar, a ideia de que é preciso traçar uma estratégia de ação, ou seja, ficar atento aos elementos novos e às informações que se somam à situação”.

Diz Morin: “Penso no período em que vivi durante a guerra, ou no pós-guerra, na minha relação com o comunismo, quando conheci pessoas ou militantes que achavam que trabalhavam para o bem da humanidade sem perceber que trabalhavam, ao contrário, pela sua escravidão. Isso, contudo, pode estender-se a todas as atividades. Quantas pessoas não acreditam trabalhar para o bem, sem perceber que na realidade estão sendo manipuladas”?

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Genoíno e tantos outros “aceitavam” o jogo do ‘mensalão’ e suas diferentes modalidades – o mesmo vale para militantes de base – na convicção (sei!) de que se tratava de um mal menor ou mesmo necessário para o avanço das reformas no Brasil.
Emerge aqui uma questão: A instauração de políticas sociais, o bolsa-família, a política de cotas, a mobilidade social dos mais pobres para cima, fornecem um “salvo conduto” aos erros de seus dirigentes? 

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Na cabeça de muitos, o ‘mensalão’ foi um desvio necessário – garantir governabilidade – para o Brasil avançar. Optou por entrar e mesmo, intensificar a lógica que resultou e orientou o ‘mensalão’: os interesses, o jogo, que acontece nos bastidores. Disputas e manobras, que muitas vezes não chegam ao conhecimento da população, mas que se configuram numa intensa guerra, travada nas trincheiras do mundo da política.
Muitos sequer viram gravidade no fato, uma vez que se trata de prática corriqueira na política nacional adotada por todos os partidos – ou quase todos – que se passou a chamar de “caixa 2”. Talvez, a complacência com o ‘mensalão’ deva-se também em parte ao fato de que o mecanismo do “caixa 2” seja utilizado em outras esferas da sociedade e não apenas na esfera pública.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Não faça essa Malddad com São Paulo! Veja o currículo do 13

Quando uma imagem vale mais do que 1000 palavras! Veja o vídeo com o currículo de Fernando Haddad!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Como assim o PT não é uma quadrilha?

Artigo contraditório de Demétrio Magnoli
Costumo apreciar os artigos de Demétrio Magnoli, inclusive transcrevi vários neste blog, mas este "O PT não é uma quadrilha" me deixou um tanto quanto perplexa, vindo dele. Quer dizer que uma criatura pequena, peluda, que mia e anda pelos telhados não é um gato e sim um tatu?

Que nome se dá a um agrupamento de pessoas que fez do roubo sistêmico do dinheiro público uma forma de governo? Sanga budista? Inclusive contraditoriamente Magnoli cita as várias razões pelas quais pode se considerar o PT uma quadrilha, incluindo as condenações de seus líderes por formação de quadrilha, para concluir dizendo que a agremiação não é uma quadrilha!!??

Se não é, como os condenados petistas permanecem no "partido", quando deveriam inclusive pelo estatuto da sigla, ser desligados? Não são cúmplices dos criminosos os petistas que não foram diretamente condenados pela justiça por seus delitos, mas apoiam a permanência de seus parceiros criminosos no partido e ainda saem por aí difamando os juízes, dizendo que o STF não tem representatividade para julgar petistas!? Cúmplices de criminosos recebem nome diferenciado quando os criminosos são de partidos? Criminosos recebem nome diferenciado quando pertencem a partidos?

Se o PT se transformou numa máquina de cometer delitos penais em série, com vistas a permanecer no poder indefinidamente, e - sim - solapar a democracia, desculpe, porque não chamá-lo pelo verdadeiro nome? (Eu só acrescentaria "fascistóide" ao quadrilha). Por uma espécie de etiqueta política unilateral? Enquanto o PT injuria, difama, calunia, rouba e até mata, a oposição não pode chamar as coisas pelos nomes? 

E vai me dizer que Demétrio não sabe o que as vitórias do PT representam para a democracia brasileira!? Vale sempre lembrar que os nazistas chegaram ao poder pela via democrática. Esta eleição mesmo em São Paulo, concretizando-se, vai ser usada pelos petistas (todos) para dizer que o judiciário nada significa porque eles foram absolvidos pelas urnas. Essa gente não é um partido, nos termos normais: é uma mistura de máfia com tropa de choque fascista!

Em suma, Demétrio Magnoli, desta vez, perdeu uma boa oportunidade de ficar calado. Até concordo que a oposição não tem encontrado um discurso contra os petistas, mas, exatamente ao contrário do que ele diz, foi por não descrever o PT pelo que ele se tornou, por falta de vigor, por excesso de polidez, como ovelhas entre lobos. De qualquer forma, se Demétrio tem outra sugestão de discurso para a oposição, porque não a colocou em vez de simplesmente criticá-la por dizer o óbvio andando a pé? De repente, tem uma boa ideia de como dizer o mesmo com outras palavras mais "democráticas".  

Segue o estranho texto de Magnoli, publicado hoje em vários jornais.

O PT não é uma quadrilha

Demétrio Magnoli

Fernando Haddad está cercado por José Dirceu e Paulo Maluf. Sobre Dirceu, aparece a palavra "condenado"; sobre Maluf, "procurado". Contaminada pelo desespero, a propaganda eleitoral de José Serra não viola a verdade factual, mas envereda por uma perigosa narrativa política. O candidato tucano está dizendo que eleger o petista equivale a colocar uma quadrilha no comando da Prefeitura paulistana. A substituição da divergência política pela acusação criminal evidencia o estado falimentar da oposição no País e, mais importante, inocula veneno no sistema circulatório de nossa democracia.

Demóstenes Torres foi expulso do DEM antes de qualquer condenação, quando se patenteou que ele operava como despachante de luxo da quadrilha de Carlinhos Cachoeira. José Dirceu foi aclamado como herói e mártir pela direção do PT depois da decisão da Corte Suprema de uma democracia de condená-lo por corrupção ativa e formação de quadrilha. O mensalão é um tema legítimo de campanha eleitoral e nada há de errado na exposição dos vínculos entre Haddad e Dirceu. A linguagem da política, contudo, não deveria confundir-se com a linguagem da polícia.

Dirceu permanece na alta direção petista, pois é um dos artífices de uma concepção da política que rejeita a separação entre o Estado e o partido. No mensalão, a imbricação Estado/partido assumiu o formato de um conjunto de crimes tipificados. Entretanto, tal imbricação se manifesta sob as formas mais diversas desde que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto. O código genético do mensalão está impresso no movimento de partidarização da administração pública, das empresas estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos, das políticas sociais e da política externa, conduzido ao longo de uma década de lulismo triunfante. Na linguagem da política, Dirceu figuraria como símbolo da visão de mundo do lulopetismo. Mas a campanha de Serra não é capaz de escapar ao círculo de ferro da linguagem policial.

A Interpol define Paulo Maluf como um foragido da Justiça. Lula e Haddad não se limitaram a firmar um pacto eleitoral com o partido de Maluf, mas peregrinaram até a mansão do fugitivo para desempenhar o papel abjeto de cortejá-lo como liderança política. Faz sentido divulgar, no horário de campanha, as imagens da macabra confraternização. Todavia, uma vez mais, seria indispensável traduzir o evento na linguagem da política, que não é a da Interpol.

Maluf é um caso extremo, mas não um ponto fora da curva. Lula e o PT insuflaram uma segunda vida aos cadáveres políticos de Fernando Collor, Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros e tantos outros. As alianças recendem a oportunismo, um vício menor, mas a extensão da prática exige uma explicação de fundo. O paradoxo aparente do encontro entre "esquerda" e "direita" é fruto de um interesse compartilhado: a continuidade da tradição patrimonial de apropriação da "coisa pública" pela elite política. As "estranhas alianças" lulistas funcionam como ferramentas para a repartição do imponente castelo de cargos públicos na administração direta e nas empresas estatais. Até hoje o Brasil não concluiu o processo de criação de uma burocracia pública profissional. Na linguagem da política, a confraternização de Lula e Haddad com Maluf ajudaria a esclarecer os motivos desse fracasso. Mas a propaganda eleitoral de Serra preferiu operar em outro registro.

A campanha do tucano oscila entre os registros administrativo, moral e policial, sem nunca sincronizar o registro político. De certo modo, ela é um reflexo fiel da falência geral da oposição, que jamais conseguiu elaborar uma crítica sistemática ao lulopetismo. Entretanto, nas circunstâncias produzidas pelo julgamento do mensalão, a inclinação oposicionista a apelar para a linguagem policial tem efeitos nefastos de largas implicações. Na democracia, não se acusa um dos principais partidos políticos do País de ser uma quadrilha.

O PT não é igual à sua direção eventual, nem é uma emanação da vontade de Dirceu ou mesmo de Lula. O PT não se confunde com o que dizem seus líderes ou parlamentares em determinada conjuntura, nem mesmo com as resoluções aprovadas nesse ou naquele encontro partidário. Embora tudo isso tenha relevância, o PT é algo maior: uma história e uma representação. A trajetória petista de mais de três décadas inscreve-se no percurso da sociedade brasileira de superação da ditadura militar e de construção de um sistema político democrático. O PT é a representação partidária de uma parcela significativa dos cidadãos brasileiros. A crítica ao partido e às suas concepções políticas não é apenas legítima, mas indispensável. Coisa muito diferente é tentar marcá-lo a fogo como uma coleção de marginais.

O jogo do pluralismo depende do respeito à sua regra de ouro: a presunção de legitimidade de todos os atores envolvidos. Nas democracias, eleições concluem-se pelo clássico telefonema em que o derrotado oferece congratulações ao vencedor. Em 1999, após o terceiro insucesso eleitoral de Lula, o PT violou a regra do jogo ao desfraldar a bandeira do "fora FHC". Serra ficou longe disso dois anos atrás, mas seu discurso de derrota continha a estranha insinuação de que a vitória de Dilma Rousseff representaria uma ameaça à democracia.

Agora, na eleição paulistana, a propaganda do tucano sugere que um triunfo de Haddad equivaleria à transferência da Prefeitura da cidade para uma quadrilha. Na hipótese de derrota, como será o seu telefonema de domingo à noite?

Marqueteiros designam ataques ao adversário eleitoral pela expressão "propaganda negativa". O rótulo dos vendedores de sabonete abrange tudo, desde a crítica política fundamentada até as mais sórdidas agressões pessoais. O problema da campanha de Serra não está no uso da "propaganda negativa", mas na violação da regra do jogo. Não é assim que se faz oposição.

* SOCIÓLOGO, DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP.
E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI@UOL.COM.BR (não consegui contato por esse e-mail)

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