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Esta imagem é mera montagem para ilustrar o tema do post |
José Serra é um dos políticos com maior histórico em prol da população LGBT no Brasil, incluindo aí um projeto de combate a diversos tipos de discriminação para ser usado em escolas. Entre essas discriminações se inclui o trabalho contra a homofobia, com abordagem conceitual semelhante à do Escola sem Homofobia (grotescamente chamado de kit gay) que o candidato decidiu criticar para fazer média com conservadores e atingir seu rival Fernando Haddad.
Ao fazê-lo, Serra se mostrou incoerente com sua própria trajetória política e afastou muitos de seus eleitores tradicionais que obviamente nunca foram conservadores. Eu mesma só votei nele porque não poderia em sã consciência deixar de tentar impedir o PT de chegar à prefeitura de São Paulo. Meu voto foi pela cidadania, contra a tirania. Entretanto, praticamente não divulguei sua candidatura. Me limitei a questionar a competência e a probidade de Haddad, já bem conhecidas por sua passagem pelo Ministério da Educação e por fazer parte do partido do mensalão. Sua “gestão” será – salvo milagre - um desastre para a cidade, sem falar em outras possíveis consequências futuras.
O argumento contrário ao “kit gay” é ilógico até da perspectiva conservadora
Até hoje, contudo, não me conformo com a estupidez do tucano de ter-se metido a criticar o tal kit gay para fazer média com conservadores. Se ele ao menos tivesse criticado o formato do projeto, o cabide de emprego para a militância LGBT petista que o projeto se tornaria, mas não, o parvo saiu a criticar logo o conceito do mesmo ao dizer que o Escola sem Homofobia “não ensinava e sim doutrinava para o homossexualismo”, ecoando o discurso retrógrado de gente como o pastor-vigarista Silas Malafaia, o troglodita deputado Jair Bolsonaro, o colunista de Veja, Reinaldo Azevedo, e outros anônimos de igual teor. Isso quando ele próprio, Serra - repetindo - já aprovara projeto de igual conteúdo.
Esse discurso de que se pode “ensinar homossexualismo” é ilógico até do ponto de vista conservador. Os conservadores costumam apregoar que a única sexualidade normal, natural, é a heterossexualidade. Então, como seria possível “ensinar homossexualismo”, considerando que o que é dado pela natureza não é passível de alteração por aprendizagem? Só se pode ensinar algo a um ser (humano ou animal) se este tiver (potencialmente) a capacidade para o aprendizado dado. Pode-se ensinar muitas coisas a um cachorro, dependendo de suas potencialidades, mas não se pode ensinar um cão a miar porque isto contraria a natureza do bicho. Ele não tem capacidade para tal. Não há como ter êxito nessa insana empreitada.
Assim, contraditoriamente, quando os conservadores afirmam que é possível se “ensinar o homossexualismo” em escolas, eles reconhecem que a homossexualidade faz tão parte da natureza humana quanto à heterossexualidade, que todos somos potencialmente bissexuais, tanto que temem que a simples visão de materiais, escritos ou audiovisuais, sobre homossexualidade, possa despertar esse lado reprimido de seus filhos (vão virar bichas, sapatões). Em suma, não é lógico afirmar que a (hetero)sexualidade é a única normal e natural e, ao mesmo tempo, que é possível se “ensinar homossexualismo”. Uma afirmação nega a outra. Na verdade, incoerências como essa surgem sempre quando o que dizemos se baseia em preconceitos e não na razão.
De qualquer modo, obviamente, esses projetos de combate à homofobia na escola visam de fato apenas trabalhar os preconceitos inculcados na cabeça dos jovens por seus pais e evitar que esses jovens se tornem molestadores de outros garotos e garotas diferentes por qualquer razão, impedindo estes útimos de terem a educação necessária para ascender na vida. Essa conversa de “ensinar homossexualismo” é viagem de gente de boca grande, mau hálito e papo furado.
Os conservadores brasileiros não são o Tea Party e o PSDB não é o Partido Republicano dos EUA
Agora falando do aspecto político-partidário da questão, como eu disse em meus outros artigos sobre o assunto, me impressionou e me impressiona muito a arrogância e a prepotência desses conservadores. Botaram na cabeça que são o Tea Party brasileiro e o PSDB, o Partido Republicano, e acham que podem transformar a sigla dos tucanos num partido para chamar de seu.
Entretanto, para começo de conversa, o PSDB é, de fato, análogo ao Partido Democrata americano, ambos social-democratas, não tendo nada a ver com a atual conjuntura do Partido Republicano dos EUA. Aqui no Brasil, talvez o partido que mais se aproximaria dos conservadores fosse o DEM. Digo talvez porque, embora conheça alguns parlamentares do partido que comunguem de ideias conservadoras, não sei se o partido em geral, principalmente sua geração mais jovem, encamparia certas coisas cheias de teias de aranha.
Na ausência de partido próprio, natural que os conservadores votem no PSDB para fazer frente ao PT, mas aí o certo é eles se adaptarem à realidade do partido e não querer que o partido se adapte à realidade deles. Mas não, frustrados por Serra não ter dado continuidade ao discurso conservador, pelo tiro no pé que foi, continuam afirmando (como eu havia previsto, aliás), finda a eleição, que o tucano e seu partido foram covardes por não terem levado a questão do “kit gay” para a televisão.
Enquanto o próprio PSDB e qualquer pessoa não-conservadora que analise a candidatura do Serra, reconhece, inclusive por não viver restrita ao ambiente conservador, que o tema do “kit gay” foi um erro para o tucano, a hora da virada negativa para ele, os “cons”’ continuam afirmando que o candidato perdeu porque não fez o que eles – conservadores – queriam, levando a palhaçada do “ensinar homossexualismo” nas escolas para o horário eleitoral gratuito. É mole!?
Reestruturar o PSDB não passa por emular discurso conservador
É certo que ninguém entende a apatia do PSDB diante dos desmandos do lulopetismo nestes últimos 10 anos, sobretudo, a não defesa de seu maior patrimônio que foi o Real e o governo FHC. É certo que ninguém entende sua incapacidade de fazer uma oposição concreta ao petismo que inclusive ameaça sua existência bem como a da democracia brasileira.
De qualquer forma, porém, a recuperação, a renovação e a reorganização do partido não passa por uma mudança de cunho ideológico, indo da centro-esquerda para a ponta direita. (No máximo, para meu gosto, talvez pudesse ser um pouco mais social-liberal). Esse papo conservador de que o campo da esquerda é monopólio do PT e de que, para voltar a vencer, o PSDB teria que emular um discurso conservador é conversa mole para boi dormir. (Querem um partido pronto para ocuparem em vez de se dar ao trabalho de construir um).
Pelo contrário, o Brasil está carente de partidos fortes de centro, democráticos, moderados, respeitosos da laicidade do Estado, inclusivos, modernos, que possam apresentar uma alternativa para quem tem consciência de que esse atual flaflu entre socialistas (da boca para dentro ou para fora) de um lado e conservadores do outro, ambos autoritários, não interessa ao país, não interessa a quem quer um mundo melhor para todos. Já vimos um confronto parecido no passado, e o fim do filme é bem conhecido.
Os conservadores que se organizem em partido próprio e tragam a público uma candidatura legitimamente conservadora que diga o que querem ver discutido em eleição. (Ajudarão inclusive a democracia dessa forma). E que passem suas ideias pelo escrutínio da opinião pública, pois inventar que o Brasil é conservador sem testar tal afirmação na prática é muito fácil, né mesmo? O que não pode voltar a acontecer é esse aluguel do PSDB por conservadores que, já pela segunda eleição, tem se mostrado francamente contraproducente.
Nesta eleição, digo, sem papas na língua, que os conservadores – e a obtusidade de Serra que resolveu ecoar o discurso deles – colaboraram decididamente para a vitória do PT! Óbvio que não foi apenas a fala desastrada de Serra sobre o “kit gay” a razão para sua derrota (vários fatores contribuíram para tal), mas foi ela sim seu calcanhar de Aquiles, aquele ponto X que ele não deveria ter descoberto. Então, parabéns aos “cons” pela contribuição à vitória do PT em Sampa!
E fico por aqui, para não me repetir mais. Como disse, no início do texto, já desenvolvi esse tema dos conservadores e seu “kit gay”, na eleição do Serra, por vários ângulos, em dois artigos (também em podcast), além de ter transcrito o material contra a homofobia que Serra aprovou quando governador e um dos vídeos que o acompanhava. Repito abaixo os links desses artigos, para quem quiser lê-los também. E termino me citando: “Para nós, demais paulistanos que não nos incluímos nem entre as viúvas do Muro de Berlim nem entre os cruzados medievais, só nos resta orar para que a Fortuna não nos abandone e que o Mal não deite raízes fundas demais que nos impossibilite tirá-las posteriormente.”