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Quando Deus era mulher:

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quarta-feira, 27 de junho de 2012

Definição correta de golpe pela Human Rights Foundation

Para quem quer se perpetuar no poder, impeachment dá medo
Em meio a mais uma palhaçada bolivariana de ingerência nos assuntos de um país estrangeiro (vide Honduras), bom saber o que diz uma fundação de defesa dos direitos humanos sobre o assunto.  A Human Rights Foundation considerou a sucessão presidencial no Paraguai constitucional e definiu corretamente o que sempre se entendeu por "golpe". Considero fundamental que tenhamos em mente o que "golpe" significa, por isso traduzo, com edição, o trecho da definição e transcrevo o texto  original integralmente.

A ONG lembrou  que “se considera golpe de Estado” o processo onde concorrem os seguintes elementos:

- “a vítima é necessariamente o titular do poder Executivo e os que perpetram o golpe fazem uso de violência e coerção para que a vítima abandone seu cargo”;

- “a ação ou ações que configuram o golpe são abruptas ou repentinas e esta ação ou ações claramente violam o procedimento constitucional para a destituição do/a presidente”.

A destituição de Lugo não se encaixa na definição de golpe de Estado porque, entre outros aspectos, não se caracterizou pelo uso da violência ou coerção.

Como não existiu uma destituição pela força, teria que haver uma outra forma de interrupção ou alteração da ordem democrática no Paraguai para que a comunidade internacional pudesse impor sanções diplomáticas contra o novo governo.

HRF considera que sucesión presidencial en Paraguay es constitucional

NUEVA YORK. La organización defensora de los derechos humanos Human Rights Foundation consideró hoy que la sucesión presidencial en Paraguay es “constitucional” y cumple con los estándares de la Carta Democrática Interamericana de la OEA.

La organización indicó hoy, mediante un comunicado de prensa, que había realizado “una investigación jurídica minuciosa” sobre el proceso de destitución de Lugo y su sustitución por Federico Franco.

“La sucesión presidencial en Paraguay fue constitucional y cumple con los estándares previstos en la Carta Democrática Interamericana de la OEA (2001) y el Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso Democrático del Mercosur (1998)”, señaló HRF.

Agregó que también se ajusta a lo previsto en el Protocolo Adicional al Tratado Constitutivo de la Unión de Naciones Suramericanas (Unasur) sobre Compromiso con la Democracia (2010) “y, en tal sentido, el nuevo Gobierno de Paraguay debe ser reconocido por la comunidad internacional”.

El pasado viernes el Senado de Paraguay destituyó al presidente Lugo, tras haber seguido un “juicio político” que duró dos días y se basó en el artículo 225 de la Constitución paraguaya.

“El orden democrático en Paraguay se ha mantenido intacto a pesar del desenlace del juicio político seguido contra el presidente Lugo, que concluyó con su destitución del cargo”, expresó el presidente de HRF, Thor Halvorssen, mediante un comunicado de prensa.

Agregó que “si bien los ánimos están exacerbados como resultado de la destitución, instamos a la OEA y a las demás organizaciones a que se ciñan a los hechos y el derecho del presente caso”.

La ONG recordó que “se considera golpe de Estado” cuando en el escenario concurren elementos como que “la víctima es necesariamente el titular del poder Ejecutivo y quienes perpetran el golpe hacen uso de violencia y coerción para que la” víctima “abandone su cargo”.

También ha de concurrir que “la acción o acciones que configuran el golpe son abruptas o repentinas y esta acción o acciones claramente violan el procedimiento constitucional para la destitución del presidente”, recordó Halvorssen.

“La destitución de Lugo no se enmarca en la definición de golpe de Estado debido a que, entre otros aspectos, no medió en ella el uso de violencia o coerción”, agregó HRF.

Asimismo, explicó que como “no existió un derrocamiento por la fuerza, tendría que configurarse una forma distinta de interrupción o alteración del orden democrático en Paraguay para que la comunidad internacional pueda imponer sanciones diplomáticas contra el nuevo Gobierno”.

El artículo 225 de la Constitución paraguaya otorga al Congreso la facultad de remover al presidente por “mal desempeño de sus funciones”, “delitos cometidos en el ejercicio de sus cargos” o por la comisión de “delitos comunes”.

También prevé “un procedimiento de juicio político tras la acusación formal a cargo de la Cámara de Diputados y la sustanciación del juicio político a cargo de la Cámara de Senadores, precisó la organización.

El pasado 20 de junio pasado, la Cámara de Diputados paraguaya acusó formalmente a Lugo por “mal desempeño de sus funciones” y al día siguiente, el Senado lo encontró culpable y lo destituyó.

Por su parte, el director jurídico de HRF, Javier El Hage, apuntó la imprecisión del concepto “mal desempeño de sus funciones”.

Agregó que “si se considera que desde la perspectiva de un legislador de oposición, todo presidente tiende a tener un mal desempeño, está claro que las garantías del debido proceso en un juicio político en Paraguay no se encuentran fundadas en el tiempo de duración del mismo”.

Subrayó que “en todo caso, se encuentran fundadas en el requisito del voto de una mayoría calificada en cada instancia del procedimiento, es decir, dos tercios del total de los miembros de cada una de las cámaras”.

“Recordemos que Paraguay sufrió 35 años de dictadura militar, bajo el mando del general Alfredo Stroessner, por lo que no es de extrañar que se confieran este tipo de atribuciones al Legislativo”, expresó Halvorssen.

Agregó que “a partir de esta experiencia histórica, Paraguay aprendió que se requieren fuertes controles sobre el Ejecutivo”.


HRF es una organización sin fines de lucro, independiente y apolítica, que promueve la defensa de los derechos humanos a escala mundial y de la que forman parte activistas como Garry Kasparov, Vladimir Bukovsky, Palden Gyatso, Mutabar Tadjibaeva, Ramón Velásquez, Elie Wiesel o Harry Wu, entre otros. 

Fonte: ABC Color

terça-feira, 26 de junho de 2012

Clipping legal: Profetas do apocalipse

Economia sustentável
sem profetas do apocalipse
Texto equilibrado do agrônomo Xico Graziano sobre este tema tão complexo e tão importante que é o tema ambiental. Não resta dúvida do quanto é falacioso culpar o "capitalismo" pela destruição ambiental. Afinal, o "capitalismo" somos todos nós que produzimos e consumimos. Ele não existe como um senhor que anda por aí destruindo o planeta. Por isso mesmo, também não tenho dúvida de que a economia de mercado pode se tornar sustentável, mas, para isso, torna-se imprescindível, em primeiro lugar, mudar o paradigma antropocêntrico que vemos em muitos discursos liberais do tipo a natureza está aí "para nos servir".

A natureza não serve a ninguém, a não ser a si mesma. Chove porque chove, não para dar de beber aos seres humanos ou irrigar suas plantações. Da mesma forma, quando se convulsiona em terremotos, furacões, tsunamis, etc., não o faz para castigar nossa espécie. A natureza é impessoal. Nós a personalizamos por razões estilísticas, mas ela é totalmente impessoal e indiferente ao destino dos que habitam sua crosta terrestre.

Da mesma forma que, antes de ter criado o homo sapiens, já havia gerado outros seres que viveram na Terra durante milhares de anos sem nossa presença, a natureza pode hoje criar um vírus tão letal aos humanos e tão rapidamente transmissível que os cientistas não tenham tempo de produzir uma vacina que salve nossa espécie da extinção. E apesar da nossa ausência, a natureza continuará existindo e seus outros filhos também, talvez até mais à vontade sem nossas ações predatórias.

Não sei como resolver o problema de diminuir a pobreza e criar uma economia sustentável sem mudar essa visão antropocêntrica, sem alterar o padrão atual de consumo e sem enfrentar a necessidade de refrear o crescimento populacional humano, principalmente considerando que este último tópico levanta fortes objeções tanto à "direita" quanto à "esquerda", de tal forma que sua mera citação já leva a rotulações simplistas de neomalthusianismo.

O que sei com certeza, contudo, é que igualmente não será às voltas com os profetas do apocalipse que chegaremos a algum lugar como bem explica o texto do Xico Graziano. Vale a leitura.

Profetas do apocalipse

Xico Graziano

Acabou a Rio+20. Afora as frustrações advindas da falta de ousadia, esquentar o tema do desenvolvimento sustentável foi o grande mérito da conferência. Jamais tantas notícias socioambientais se destacaram no mundo. Por outro lado, a profusão de discursos criou uma espécie de Torre de Babel ecológica. Todos falam, mas poucos se entendem. Haverá tempo para salvar o planeta?

Começa pela arrogância humana a série de controvérsias que permeia o recente debate ambiental. Querer "salvar o planeta" exibe uma soberba incomparável na história da humanidade. Tal ideia, absurda, radicaliza a visão antropocêntrica, creditando ao ser humano uma prepotência acima de qualquer outra atribuída a ele, dono do universo e dos planetas. Imagine.

Na Idade Média, o Iluminismo deu força à razão. O intelecto, alimentado pela ciência, livrou o homem do desígnio divino, subjugado pela natureza bruta. Seu destino começou a ser moldado com ajuda da tecnologia, representando, ao sair das trevas medievais, passo fundamental da civilização. Floresceu o humanismo.

Mas a evolução tecnológica combinada com a explosão populacional gerou, séculos depois, um crescimento econômico agressivo aos recursos naturais. O homem, que pensava tudo poder, começou a sofrer as consequências da destruição de seu próprio habitat. A crise ambiental lhe ofereceu pílulas de humildade que, ingeridas com mínima visão holística, fizeram bem à humanidade. Surgiu o conceito do desenvolvimento sustentável.

Na abertura da Conferência da ONU no Rio de Janeiro, o vídeo Bem-vindo ao Antropoceno retomou, noutro nível, esse debate filosófico. Vai esquentar a discussão. Quem propõe substituir a atual era geológica do Holoceno - que vige desde o último período glacial, há 12 mil anos - pela nova denominação assume que as atividades humanas se sobrepõem às forças cósmicas. Representa a maior das ousadias da mente humana. E, talvez, o pior dos equívocos.

Tem sido terrível perceber a queda na compreensão de que o perigo ecológico ronda a civilização humana, não o planeta Terra. Até então a dubiedade, elementar, permanecia quase que restrita às salas de aula, afetando principalmente crianças, estimuladas pelo idealismo dos mestres a defenderem o meio ambiente. Nestes dias, porém, pulularam campanhas e matérias jornalísticas dando dicas de como "salvar o planeta". Uma bobagem inigualável.

Os problemas ecológicos afetam, e comprometem, isso, sim, o futuro da humanidade. A pressão sobre os recursos naturais, se continuar aumentando, trará reveses na qualidade da existência humana. Em certas partes do mundo, populações padecem com a falta de água potável, sofrem com a poluição da atmosfera, amargam com a desertificação. O planeta nem liga. Basta uma dose de insignificância humana para perceber a diferença.

Esconde-se, aqui, um lamentável engano. O ambientalismo começou a tratar o gás carbônico (CO²), conhecido na biologia e na agronomia como o "gás da vida", como um vilão planetário, responsável pelo efeito estufa da Terra. Ora, a absorção do CO² através dos estômatos das plantas permite realizar a fotossíntese, processo vital que transforma energia solar em energia química, base dos carboidratos e proteínas vegetais. Libera, ademais, oxigênio no ambiente.

Entrou na moda "neutralizar" as emissões de CO² à busca de um certificado de boa conduta ambiental. Noutro dia, um ônibus circulava nas ruas da capital paulista entupindo a atmosfera com fumaça preta, embora ostentando logo acima do sujo escapamento um lindo dizer: "carbono neutro". Licença para poluir.

A teoria do aquecimento global anda crescentemente contestada pelos cientistas "céticos". Veremos qual o fim dessa polêmica. Em qualquer hipótese, porém, é inaceitável considerar o gás carbônico no capítulo da poluição. Esse absurdo conceitual embaralha a mente das pessoas e alivia a barra dos verdadeiros poluidores. Há quem acredite, por exemplo, ser o arroto bovino mais danoso à atmosfera que o escapamento dos automóveis. Risível.

O caldo das novas formulações está criando uma charada indecifrável. Sem entender direito dos assuntos, as pessoas tendem ao repeteco dos chavões, onde tudo se mistura, se confunde, se banaliza na vontade de, orgulhosamente, ajudar a "salvar o planeta".

Que ninguém duvide: graves ameaças ecológicas afetam a civilização humana. O conflito entre a população, que continua crescendo, e os finitos recursos planetários tende ao colapso. O avanço tecnológico auxilia, constantemente, na superação dos obstáculos. Mas, como diria o caboclo do interior, o buraco é mais embaixo. Em algum momento deverá haver radical modificação no modo de vida.

Por que algumas sociedades tomam decisões desastrosas? A intrigante pergunta faz Jared Diamond nos capítulos finais de Colapso, seu famoso livro. Na resposta, obviamente, se encontram variadas razões. Nem sempre foram capazes de diagnosticar corretamente seus problemas. Muitas vezes seus líderes foram imediatistas, não estadistas, que olham longe.

Jamais, porém, aconteceu de as sociedades pregressas apostarem no atraso para vencer seus desafios. O dilema civilizatório atual somente se resolverá na base do conhecimento aliado ao convencimento, uma mistura de liderança visionária com educação ambiental. A solução passa longe do vandalismo demonstrado pelo MST ao destruir, no último dia da Rio+20, o stand da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Atitude fascista.

Pior. Espanta perceber a atração de certo ambientalismo - aquele messiânico - por esse viés autoritário. Urge distância desses (falsos) profetas do apocalipse.

* AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR  FONTE: ESTADÃO

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Se impeachment virar golpe, não teremos mais como destituir nenhum mau governo

Lugo não teve apoio de ninguém
Embora a deposição do presidente paraguaio Fernando Lugo tenha se dado de forma inteiramente constitucional, os membros da União das Repúblicas Socialistas da América Latrina, mais conhecido como Foro de São Paulo, saíram a alardear que houve um golpe institucional dada à celeridade do processo.

A verdade é que por conta de várias trapalhadas políticas e administrativas que culminaram na morte de policiais e camponeses em conflito por terras, Lugo perdeu apoio de sua base, o Partido Liberal Radical Autêntico, da Câmara e do Senado e também da população. Aliás, uma das razões para a rapidez do processo de impeachment de Lugo é que pouquíssimos parlamentares o apoiaram. Fora que a constituição paraguaia permite julgamentos céleres.

Até o próprio advogado de Lugo reconheceu que o procedimento foi todo legal. Além do que, o país se encontra, após o impeachment, em completa normalidade democrática. Entretanto, agora, açulado pelos membros do Foro de São Paulo, que vem promovendo sanções ao novo governo, Lugo diz que vai criar governo paralelo por não reconhecer a deposição que antes considerara legítima, tanto que mal esboçou reação ao veredito negativo.   

E o governo petista de Dilma Roussef, por pertencer a União das Repúblicas Socialistas Bananeiras da América Latina, em vez de defender os interesses do Brasil (incluindo dos brasileiros que vivem no Paraguai, Brasiguaios), resolveu apoiar mais essa palhaçada bolivariana como antes Lula apoiou o circo armado por Chávez e seu esbirro, Manuel Zelaya, em Honduras. 

O comentário de Merval Pereira, na CBN, vai direto ao ponto. Ouçam! Vejam também: Paraguai - o golpe que não houve

Suspensão do Paraguai da Unasul e do Mercosul não é uma atitude sensata

Congresso do país obedeceu as regras constitucionais e aprovou o impeachment de Lugo de maneira legitima.


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Guia de Ouvidorias: consumidor exigente, cidadão consciente

Vivo brigando por meus direitos de consumidora e tenho conseguido, em geral, obter sucesso nessa empreitada nem sempre fácil. 

A relação saudável entre produtores e consumidores de produtos e serviços deve ser de troca ética, igualitária. Em nosso país, contudo, muitas vezes vemos as empresas avançarem sobre os direitos do consumidor com suas promoções fajutas, seus cartões de crédito sendo enviados sem autorização do cliente, produtos adulterados e até quebrados. 

Como nem sempre reclamar nos SAC adianta (geralmente o atendimento é ruim), é bom conhecer outra alternativa de luta por nossos direitos. Para tal, reproduzo abaixo texto do Guia de Ouvidorias, com o link para o texto na íntegra ao final. Como diz o subtítulo do trabalho, consumidor exigente, cidadão consciente.

Ouvidoria no Brasil

A ouvidoria no Brasil foi inspirada no modelo de ombudsman da Suécia, criado há mais de 200 anos, e se fortaleceu com a constituição de 1988, que estabeleceu níveis democráticos de participação do cidadão. 

Pautado em princípios de cidadania, e com a criação do CDC (Código de Defesa do Consumidor) em 1990, foi possível criar um embrião daquilo que seria o modelo de ouvidoria no Brasil, apoiado nas demandas de consumidores e usuários de produtos e serviços e se tornando a base do atendimento prestado pelas ouvidorias no País.

A primeira ouvidoria pública brasileira foi a de Curitiba, no Paraná, criada em 1986. Cinco anos depois, o Estado do Paraná instituiu seu primeiro ouvidor-geral e, em 1992, o Ministério da Justiça criou a primeira ouvidoria pública federal, chamada de Ouvidoria Geral da República.

A implementação do CDC acarretou a necessidade de a iniciativa privada efetuar mudanças para adaptar-se ao novo cenário. A criação de ouvidorias constituiu uma das medidas que foram adotadas e, hoje, são mais de 300 ouvidorias instituídas em empresas e organizações brasileiras. Em alguns segmentos, como o de seguros e o financeiro, seu serviço é regulamentado.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Clipping legal: Dona Odete e você!

Acusada de homicídio por defender a própria vida e matar, com três tiros, o bandido que invadiu seu apartamento, uma idosa de 87 anos responderá por homicídio e por posse ilegal de arma. A situação é kafkiana e mais uma demonstração dos equívocos das campanhas de desarmamento que, sob a desculpa esfarrapada de diminuir a violência, apenas deixam os cidadãos mais vulneráveis tanto aos bandidos quanto ao Estado opressor. Excelente texto do Denis Rosenfield no Estadão.

Dona Odete e você!

Denis Lerrer Rosenfield

Dona Odete tem 87 anos, usa bengala e tem dificuldade para ouvir e enxergar. Precisa de óculos e aparelho auditivo, desfazendo-se deles ao deitar. Mora sozinha, no 2.º andar de um prédio, em Caxias, no Rio Grande do Sul. Tudo nela aparenta uma pessoa indefesa, não fossem a força de vontade que a habita e sua capacidade, intacta, de defender a sua vida, de exercer numa situação-limite a liberdade de escolha.

Ademais, dona Odete é uma pessoa religiosa, que costuma rezar todos os dias, acreditando em Deus e louvando-o, como é a regra em pessoas de fé. O seu pensamento tem, portanto, uma relação com o absoluto, procurando nele se elevar. Pode-se dizer que dona Odete é uma pessoa comum no sentido conservador do termo, nada a predispondo a nenhum tipo de violência.

Ora, é essa mulher que foi exposta a uma situação completamente inusitada, devendo, hoje, responder a um processo por homicídio e por porte ilegal de arma. Provavelmente, terá de ir a júri, salvo se um juiz (e/ou um promotor) sensato der um basta à insensatez a que está submetida. Diga-se que os policiais não são tampouco responsáveis por essa situação, na medida em que devem seguir a lei. Caberia, então, a pergunta: Qual lei? Qual a sua inspiração, os ditos direitos humanos e o politicamente correto irmanados na injustiça?

Dona Odete dormia quando foi acordada pelos ruídos de um estranho que tinha entrado em seu apartamento. Na verdade, ele o invadiu a partir do telhado de uma escola vizinha, tendo de lá pulado para a janela de sua sala. Ao ver uma senhora indefesa dormindo, não prestou maior atenção, pois não via nela "perigo" algum.

Digamos, uma banalidade, pois às vezes uma banalidade é cheia de significação, considerando principalmente o Brasil de hoje, onde criminosos são tratados com máxima consideração pelos ditos representantes dos direitos humanos, enquanto suas vítimas são relegadas ao esquecimento.

O bandido portava uma faca, que certamente não seria usada para descascar batatas. Não iria, evidentemente, preparar uma janta para a senhora. Trazia consigo uma arma branca que seria utilizada segundo sua própria conveniência. Aliás, a sua força física também jogava a seu favor, pois a senhora acordada, movendo-se sem óculos e sem seu aparelho auditivo, foi quase estrangulada.

Note-se, além disso, que tal indivíduo já tinha sido condenado pela Justiça e estava sob liberdade provisória. Ele tinha uma ficha corrida policial, enquanto a senhora, como se dizia antigamente e se deveria dizer atualmente, é uma pessoa de bem.

Ocorre que dona Odete tinha em seu apartamento um revólver calibre 32, herdado de sua família, arma que estava guardada há mais de 35 anos. Ou seja, segundo a legislação brasileira, ela detinha uma posse ilegal de arma de fogo. Deveria ter entregue sua arma numa dessas campanhas do desarmamento, ficando literalmente desarmada, como uma cidadã dócil ao Estado e aos ditos direitos humanos. Hoje, estaria num caixão, esquecida por todos, salvo por seus familiares. A situação é a seguinte: se obedecesse à lei, estaria morta; desobedecendo-a, conseguiu sobreviver.

De posse do revolver "ilegal", reagiu à investida do invasor e conseguiu acertá-lo com três tiros, matando-o naquele instante. Ato seguinte, telefonou para seus familiares, que acionaram a polícia e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que, quando chegaram, se depararam com o quadro da senhora e de seu algoz, que, no chão, já não apresentava mais nenhum perigo.

Ocorre que a dona Odete nada mais fez do que usar o seu direito de legítima defesa, exercendo a sua liberdade de escolha numa situação-limite, a que se faz entre a vida e a morte. Assinale-se, aqui, o exercício da liberdade de escolha, traduzindo-se pela conservação de sua própria vida. Mas, para que esse direito possa ser exercido, são-lhe necessários os seus instrumentos e condições correspondentes, no caso, uma arma.

O esdrúxulo da situação é que dona Odete terá de responder por homicídio e por posse ilegal de arma. Ela, ao se defender, ao optar por sua própria vida contra um bandido, é legalmente acusada. A alternativa é: ou ela está certa e a lei está errada (exigindo a modificação desta) ou a lei está certa e ela deveria estar morta. A alternativa é excludente.

Imaginem, agora, se o bandido a tivesse estrangulado ou matado a golpes de faca. Certamente não seria preso em flagrante e estaria perambulando pelas ruas. Se preso, responderia por seu processo em liberdade e sempre teria à sua disposição um defensor público, além de algum representante dos ditos direitos humanos que sairia em seu socorro. Hipótese tanto mais plausível se tivesse a habilidade de inventar uma boa história de vítima social, tornado a sua vítima - a idosa assassinada - uma mera consequência de sua condição. O assassino seria a vítima e a verdadeira vítima, um mero número de um registro policial. Os direitos humanos não seriam para ela, nem morta, de nenhum auxílio.

Sempre haverá uma estatística do politicamente correto para colocar o criminoso como vítima inocente das armas de fogo. Será "esquecido" que foi ele que invadiu uma moradia, habitada por uma senhora idosa, para roubar ou matá-la, segundo as circunstâncias. Teria sido a arma de fogo que o matou. Pretensa conclusão: torna-se ainda mais necessária uma campanha do desarmamento, pois as armas continuam produzindo vítimas!

Dona Odete pode ser você. Desarmado, sem nenhuma condição de exercer o legítimo direito à defesa de sua própria vida, em sua própria casa. Você está numa situação ilegal, caso tenha uma arma não registrada. E registrá-la, além de caro, é uma operação raramente bem-sucedida. A lei, nessa circunstância, não o protege. Em caso de encontrar um bandido em sua casa, renda-se a ele, entregue a sua própria vida, abdique da liberdade de escolha.

É essa a mensagem do politicamente correto? Renunciar à liberdade de escolha?

* PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL:DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

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