terça-feira, 26 de junho de 2012

Clipping legal: Profetas do apocalipse

Economia sustentável
sem profetas do apocalipse
Texto equilibrado do agrônomo Xico Graziano sobre este tema tão complexo e tão importante que é o tema ambiental. Não resta dúvida do quanto é falacioso culpar o "capitalismo" pela destruição ambiental. Afinal, o "capitalismo" somos todos nós que produzimos e consumimos. Ele não existe como um senhor que anda por aí destruindo o planeta. Por isso mesmo, também não tenho dúvida de que a economia de mercado pode se tornar sustentável, mas, para isso, torna-se imprescindível, em primeiro lugar, mudar o paradigma antropocêntrico que vemos em muitos discursos liberais do tipo a natureza está aí "para nos servir".

A natureza não serve a ninguém, a não ser a si mesma. Chove porque chove, não para dar de beber aos seres humanos ou irrigar suas plantações. Da mesma forma, quando se convulsiona em terremotos, furacões, tsunamis, etc., não o faz para castigar nossa espécie. A natureza é impessoal. Nós a personalizamos por razões estilísticas, mas ela é totalmente impessoal e indiferente ao destino dos que habitam sua crosta terrestre.

Da mesma forma que, antes de ter criado o homo sapiens, já havia gerado outros seres que viveram na Terra durante milhares de anos sem nossa presença, a natureza pode hoje criar um vírus tão letal aos humanos e tão rapidamente transmissível que os cientistas não tenham tempo de produzir uma vacina que salve nossa espécie da extinção. E apesar da nossa ausência, a natureza continuará existindo e seus outros filhos também, talvez até mais à vontade sem nossas ações predatórias.

Não sei como resolver o problema de diminuir a pobreza e criar uma economia sustentável sem mudar essa visão antropocêntrica, sem alterar o padrão atual de consumo e sem enfrentar a necessidade de refrear o crescimento populacional humano, principalmente considerando que este último tópico levanta fortes objeções tanto à "direita" quanto à "esquerda", de tal forma que sua mera citação já leva a rotulações simplistas de neomalthusianismo.

O que sei com certeza, contudo, é que igualmente não será às voltas com os profetas do apocalipse que chegaremos a algum lugar como bem explica o texto do Xico Graziano. Vale a leitura.

Profetas do apocalipse

Xico Graziano

Acabou a Rio+20. Afora as frustrações advindas da falta de ousadia, esquentar o tema do desenvolvimento sustentável foi o grande mérito da conferência. Jamais tantas notícias socioambientais se destacaram no mundo. Por outro lado, a profusão de discursos criou uma espécie de Torre de Babel ecológica. Todos falam, mas poucos se entendem. Haverá tempo para salvar o planeta?

Começa pela arrogância humana a série de controvérsias que permeia o recente debate ambiental. Querer "salvar o planeta" exibe uma soberba incomparável na história da humanidade. Tal ideia, absurda, radicaliza a visão antropocêntrica, creditando ao ser humano uma prepotência acima de qualquer outra atribuída a ele, dono do universo e dos planetas. Imagine.

Na Idade Média, o Iluminismo deu força à razão. O intelecto, alimentado pela ciência, livrou o homem do desígnio divino, subjugado pela natureza bruta. Seu destino começou a ser moldado com ajuda da tecnologia, representando, ao sair das trevas medievais, passo fundamental da civilização. Floresceu o humanismo.

Mas a evolução tecnológica combinada com a explosão populacional gerou, séculos depois, um crescimento econômico agressivo aos recursos naturais. O homem, que pensava tudo poder, começou a sofrer as consequências da destruição de seu próprio habitat. A crise ambiental lhe ofereceu pílulas de humildade que, ingeridas com mínima visão holística, fizeram bem à humanidade. Surgiu o conceito do desenvolvimento sustentável.

Na abertura da Conferência da ONU no Rio de Janeiro, o vídeo Bem-vindo ao Antropoceno retomou, noutro nível, esse debate filosófico. Vai esquentar a discussão. Quem propõe substituir a atual era geológica do Holoceno - que vige desde o último período glacial, há 12 mil anos - pela nova denominação assume que as atividades humanas se sobrepõem às forças cósmicas. Representa a maior das ousadias da mente humana. E, talvez, o pior dos equívocos.

Tem sido terrível perceber a queda na compreensão de que o perigo ecológico ronda a civilização humana, não o planeta Terra. Até então a dubiedade, elementar, permanecia quase que restrita às salas de aula, afetando principalmente crianças, estimuladas pelo idealismo dos mestres a defenderem o meio ambiente. Nestes dias, porém, pulularam campanhas e matérias jornalísticas dando dicas de como "salvar o planeta". Uma bobagem inigualável.

Os problemas ecológicos afetam, e comprometem, isso, sim, o futuro da humanidade. A pressão sobre os recursos naturais, se continuar aumentando, trará reveses na qualidade da existência humana. Em certas partes do mundo, populações padecem com a falta de água potável, sofrem com a poluição da atmosfera, amargam com a desertificação. O planeta nem liga. Basta uma dose de insignificância humana para perceber a diferença.

Esconde-se, aqui, um lamentável engano. O ambientalismo começou a tratar o gás carbônico (CO²), conhecido na biologia e na agronomia como o "gás da vida", como um vilão planetário, responsável pelo efeito estufa da Terra. Ora, a absorção do CO² através dos estômatos das plantas permite realizar a fotossíntese, processo vital que transforma energia solar em energia química, base dos carboidratos e proteínas vegetais. Libera, ademais, oxigênio no ambiente.

Entrou na moda "neutralizar" as emissões de CO² à busca de um certificado de boa conduta ambiental. Noutro dia, um ônibus circulava nas ruas da capital paulista entupindo a atmosfera com fumaça preta, embora ostentando logo acima do sujo escapamento um lindo dizer: "carbono neutro". Licença para poluir.

A teoria do aquecimento global anda crescentemente contestada pelos cientistas "céticos". Veremos qual o fim dessa polêmica. Em qualquer hipótese, porém, é inaceitável considerar o gás carbônico no capítulo da poluição. Esse absurdo conceitual embaralha a mente das pessoas e alivia a barra dos verdadeiros poluidores. Há quem acredite, por exemplo, ser o arroto bovino mais danoso à atmosfera que o escapamento dos automóveis. Risível.

O caldo das novas formulações está criando uma charada indecifrável. Sem entender direito dos assuntos, as pessoas tendem ao repeteco dos chavões, onde tudo se mistura, se confunde, se banaliza na vontade de, orgulhosamente, ajudar a "salvar o planeta".

Que ninguém duvide: graves ameaças ecológicas afetam a civilização humana. O conflito entre a população, que continua crescendo, e os finitos recursos planetários tende ao colapso. O avanço tecnológico auxilia, constantemente, na superação dos obstáculos. Mas, como diria o caboclo do interior, o buraco é mais embaixo. Em algum momento deverá haver radical modificação no modo de vida.

Por que algumas sociedades tomam decisões desastrosas? A intrigante pergunta faz Jared Diamond nos capítulos finais de Colapso, seu famoso livro. Na resposta, obviamente, se encontram variadas razões. Nem sempre foram capazes de diagnosticar corretamente seus problemas. Muitas vezes seus líderes foram imediatistas, não estadistas, que olham longe.

Jamais, porém, aconteceu de as sociedades pregressas apostarem no atraso para vencer seus desafios. O dilema civilizatório atual somente se resolverá na base do conhecimento aliado ao convencimento, uma mistura de liderança visionária com educação ambiental. A solução passa longe do vandalismo demonstrado pelo MST ao destruir, no último dia da Rio+20, o stand da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Atitude fascista.

Pior. Espanta perceber a atração de certo ambientalismo - aquele messiânico - por esse viés autoritário. Urge distância desses (falsos) profetas do apocalipse.

* AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR  FONTE: ESTADÃO

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