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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Sem sensibilidade social, aventura liberal radical de Paulo Guedes, pode arruinar reputação do liberalismo no Brasil

Economista Eduardo Gianetti afirma que desencanto político e econômico ajudou
na ascensão de candidato que classifica como 'ultradireita' Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A reputação do liberalismo sempre foi ruim no Brasil. Com essa história de conservador ficar se dizendo liberal e apoiador do autoritário Bolsonaro, a ruína é certa. Destaco da entrevista:
Há riscos para a democracia? É possível responder afirmativamente, mas num sentido preciso. Uma definição estreita de democracia é a renovação periódica dos governantes em ambiente competitivo pelo voto universal e secreto. Isso não está em risco. Mas, sabemos que essa definição é compatível com práticas que comprometem a ordem democrática em sentindo pleno. Uma definição mais abrangente de democracia inclui o império da lei, o respeito à divisão de poderes, a liberdade de imprensa e de expressão, o respeito aos direitos das minorias e o respeito às oposições. Esses elementos suscitam dúvidas quanto a essa aventura na qual o Brasil está entrando, que é a eleição de Bolsonaro.

'Reputação do liberalismo no Brasil pode ser arruinada'
Para economista Eduardo Giannetti, plano 'neoliberal radical' do governo eleito pode não sair do papel, dado o histórico nacionalista de Bolsonaro

Diante do projeto “neoliberal radical” do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, o economista Eduardo Giannetti se diz preocupado com o futuro do próprio liberalismo no País.
Temo que essa aventura neoliberal radical, se não tiver o mínimo de sensibilidade social, possa arruinar a reputação do liberalismo no Brasil por muito tempo", afirmou em entrevista ao Estado. Giannetti, porém, pondera que talvez esse programa de Guedes não chegue a ser implementado, dada a trajetória nacionalista e corporativista do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
Responsável pelo programa econômico da candidata derrotada Marina Silva (Rede), ele diz ainda que o resultado dela nas urnas reflete a polarização “raivosa” da sociedade brasileira, que acaba excluindo pessoas que defendem convergências. Essa polarização no País o levou a estudar sociedades que passaram por movimentos semelhantes, como a República de Weimar, que levou a Alemanha ao regime nazista. “Há muitos paralelos, mas não estou dizendo que isso deve ser ipsis literis aplicado ao Brasil. Quando essa polarização se estabelece, destrói o processo democrático eleitoral e a possibilidade de diálogo.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Quais fatores explicam a derrota dos partidos tradicionais e a ascensão de um nanico como o PSL?

Há um bom tempo o eleitorado brasileiro busca sair da oposição entre PT e PSDB. Esse movimento se anunciou em 2014, quando, depois da morte do Eduardo Campos, aquela onda avassaladora levou Marina a liderar as pesquisas. Mas, ela foi atacada de modo violento pelo governo Dilma Rousseff e acabou não resistindo. Há um parentesco entre aquela onda da Marina, uma outsider à época, e o que ocorreu agora. A diferença é que se agravou o quadro institucional e econômico brasileiro. Tivemos a Operação Lava Jato, que revelou os descaminhos da relação entre público e privado na vida brasileira. Houve a recessão provocada pelo desastre do governo Dilma. Isso favoreceu o desencanto e a busca por um candidato que não pertencesse ao establishment. Além disso, o Bolsonaro soube utilizar de maneira competente as novas tecnologias da informação para alavancar sua campanha mesmo sem estrutura partidária. De certa maneira, o PT provou de seu próprio veneno. O que eles fizeram contra Marina em 2014, em termos de boatos, foi feito contra eles agora pelo Bolsonaro,usando as mídias sociais de uma maneira mais avançada.

Dá para colocar PT em 2014 e PSL em 2018 no mesmo patamar?

Não foi muito diferente. A diferença é que, em 2014, era o poder instituído contra uma candidata sem recursos. Ela acabou sucumbindo diante das mentiras. Disseram que ela ia acabar com o Bolsa Família e que a autonomia do Banco Central seria entregue aos banqueiros. Fizeram um verdadeiro linchamento do qual eu mesmo fui vítima, porque representava o lado econômico da proposta dela.

Há também uma onda internacional crescente do populismo de direita. O que explica esse movimento global?

Sem dúvida Bolsonaro é parte de um processo que tem tomado conta de muitas democracias. Domesticamente, outro elemento importante foi que, tanto PT quanto PSDB, cujos programas são, a grosso modo, social democrata, nunca estabeleceram uma atuação cooperativa. Cada um deles, quando esteve no poder, preferiu se aliar ao que há de mais sinistro na política brasileira (o Centrão) do que conversar para enfrentar a desigualdade e obter um crescimento sustentável. Essa não cooperação abriu espaço para aventureiros. Também beneficiou Bolsonaro a força do sentimento antipetista, a raiva da população diante do establishment político e o medo que a insegurança gera. Olhando de forma mais ampla, há um desencanto generalizado com a democraria representativa nesse mundo da tecnologia da informação, em que há cobrança por resultados imediatos, muito mais possibilidades de organização e de compartilhamento de raiva e medo. Esses dois sentimentos elegeram Bolsonaro. Ele soube melhor que qualquer um se apresentar como alguám capaz de atender à raiva e ao medo. O efeito Bolsonaro tem parentesco com o que aconteceu nos Estados Unidos, com Donald Trump. É um tipo de populismo de direita que hoje tem muito apelo e que funciona muito bem nas mídias sociais. E ele tem um parentesco também no seu lado autoritário e meio autocrático com as democracias de fachada, como são Rússia e Turquia.

Há riscos para a democracia?

É possível responder afirmativamente, mas num sentido preciso. Uma definição estreita de democracia é a renovação periódica dos governantes em ambiente competitivo pelo voto universal e secreto. Isso não está em risco. Mas, sabemos que essa definição é compatível com práticas que comprometem a ordem democrática em sentindo pleno. Uma definição mais abrangente de democracia inclui o império da lei, o respeito à divisão de poderes, a liberdade de imprensa e de expressão, o respeito aos direitos das minorias e o respeito às oposições. Esses elementos suscitam dúvidas quanto a essa aventura na qual o Brasil está entrando, que é a eleição de Bolsonaro.

Até então, nenhum desses componentes haviam sido ameaçados?

Algumas propostas do PT ameaçavam também. Por exemplo, a liberdade de imprensa e de expressão e mesmo a autonomia dos poderes. Agora, a ameaça é maior com Bolsonaro. O Brasil vai viver duas coisas. Primeiro, um teste das nossas instituições democráticas. Será que elas sobrevivem ao voluntarismo e a tudo que Bolsonaro manifestou no passado? É uma dúvida. O segundo ponto é uma aventura para nossa sociedade em uma agenda ultraconservadora no plano dos costumes, que ameaça direito de minorias, e que, se se materializar, vai ser um tremendo retrocesso do ponto de vista da convivência no Brasil. Há uma outra aventura na agenda neoliberal radical que a equipe econômica está propondo. Uma agenda com muito pouca sensibilidade para questões ligadas à equidade, a grupos sociais vulneráveis e que me fez lembrar uma história da da Revolução Russa. (À época), Max Weber era professor de Georg Luckács, o principal filósofo marxista do século 20. Weber disse para ele: "Temo que os russos arruínem a reputação do marxismo por um século.” Eu temo que essa aventura neoliberal radical, se não tiver o mínimo de sensibilidade social e de compromisso com a ideia de justiça, arruíne a reputação do liberalismo no Brasil por muito tempo.

Com base nessa análise, Bolsonaro deve ser chamado de presidente de ultradireita?

Não tenho a menor dúvida.

Em relação a essa agenda econômica liberal 'radical', acha que ele será realmente implementada? Bolsonaro já desautorizou Paulo Guedes.

Também tenho dúvidas em relação a essa agenda, porque ela é totalmente inconsistente com a trajetória do Bolsonaro durante sete mandatos na Câmara. Ele sempre votou ao lado dos corporativistas, dos nacionalistas e dos estatizantes. Os sinais são muito desencontrados e não está claro qual vai ser a resultante desses vetores em conflito. É muito estranha essa conversão (de Bolsonaro) às vésperas da eleição ao ideário neoliberal radical. Não sei se ele se dá conta das implicações disso nem o que vai prevalecer quando ele tiver de decidir. Em relação ao Paulo Guedes, me lembrei de uma frase que eu ouvi uma vez: "Os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os políticos sobre a economia". As intenções dele são boas, mas temo que não saiba onde está se metendo.

Em geral, como vê o programa dele? 

É um programa genérico. Tem pontos positivos, como a abertura econômica. Acho que eles têm ciência da gravidade da situação fiscal, mas subestimam a dificuldade de implementação. Quando vejo essa equipe dizendo que vai zerar o déficit primário em um ano, fico muito incrédulo. Isso é improvável, tangenciando o pensamento mágico. Essa ideia de usar receitas excepcionais, como a de privatizações, para cobrir rombos fiscais sem resolver o desequilíbrio das contas públicas é vender a prata da família para jantar fora. Você vai ter algum alívio, reduzindo a dívida no curto prazo, mas, se não equilibrar as contas, daqui a pouco estará na situação anterior – e já terá vendido a prata da família. Então, é preciso tomar cuidado. O problema essencial do Brasil é que os gastos obrigatórios estão crescendo em um ritmo acima do crescimento do PIB – é insustentável. Temos seis meses para apresentar um programa fiscal crível, que cria o mínimo de ancoragem fiscal. Caso contrário, vamos entrar em uma situação de inadimplência do Estado e colapso financeiro. Aí tem duas alternativas, ambas péssimas: calote ou inflação. Essa ancoragem fiscal depende de medidas que vão ter de ser tomadas no início do mandato. A reforma da Previdência é a primeira. Acho até muito boa essa ideia de já aprová-la agora.

O sr. tem estudado sociedades fortemente polarizadas, inclusive a República de Weimar, que deu origem ao regime nazista. Há paralelos com o Brasil?

Eu me interessei em entender como uma sociedade se divide e chega ao tipo de polarização raivosa a que o Brasil chegou. Há muitos precedentes na história. A França teve a Revolução Francesa; a Espanha, a Guerra Civil e a Alemanha, a República de Weimar – que, dentro de um arcabouço democrático, elegeu Hitler, num enfrentamento entre nazismo e bolchevismo. Há muitos paralelos, mas não estou dizendo que isso deve ser ipsis literis aplicado ao Brasil. Quando essa polarização se estabelece, ela não permite mais nada que não esteja em um dos pólos. Isso destrói o processo democrático eleitoral e a possibilidade de diálogo. Na Alemanha, você era bolchevique ou nazista. E a elite financeira e industrial alemã, com medo do bolchevismo, estava topando qualquer aventura. Encontrei declarações de banqueiros e industriais alemães dizendo que Hitler não era problema porque, depois de eleito, eles o domesticariam. A elite econômica topou qualquer coisa para impedir que se repetisse na Alemanha uma revolução comunista nos moldes da Russa.

A elite brasileira tem apoiado Bolsonaro, sobretudo porque ele tem Paulo Guedes.

Tem de fazer todas as mediações, não é uma coisa que você pode aplicar diretamente. Mas, no Brasil, já vivemos isso na eleição de Collor. Para impedir Lula, quase toda a elite embarcou numa aventura que terminou mal, com um impeachment.

O que cria essas sociedades divididas?

O descrédito nas forças políticas estabelecidas, no status quo. A recessão também, no caso da Alemanha. O deseprego havia aumentado e Hitler soube se apropriar do sentimento de medo e de raiva. Ele oferecia ordem para uma sociedade que estava à beira de uma situção caótica de desorganização e da total incerteza em relação ao dia seguinte. Isso em condições muito mais dramáticas que o caso do Brasil. Agora, os paralelos são fortes.

Há elementos fascistas em Bolsonaro?

Essa palavra tem de ser usada com algum critério. Mas, o que ele falou sobre mulheres, homossexuais e indígenas ultrapassa qualquer fronteira de um pensamento civilizado do século 21. São de uma agressividade desmedida e, para qualquer pessoa minimamente centrada, gera uma enorme apreensão.

Todas as sociedades que o sr. estudou acabaram em guerra?

Não, os EUA estão vivendo isso. Há estatísticas que mostram que, em 1980, 5% dos republicanos não queriam que seus filhos se casassem com democratas. Em 2010, eram 49%. É um tipo de polarização preocupante que mina a confiança, que é fundamental para a democracia. Confiança de que você pode conversar com seus oponentes e encontrar pontos de convergência que permitam alguma atuação cooperativa acima das paixões partidárias.

Com base nesses estudos, como dá para imaginar o futuro do Brasil?

Vai depender do governo recém-eleito, que poderá ou não construir um espaço de diálogo em prol de propostas comuns.

O que aconteceu com a Marina, que começou a corrida eleitoral bem, mas terminou na lanterna?

Se fixou na imaginação do eleitorado brasileiro a ideia de que ela é frágil. E essa polarização raivosa exclui o surgimento de uma força que prega o diálogo e a convergência. Ela foi vítima dessa dinâmica. Foi por isso que fui estudar essa popularização raivosa que tomou conta da sociedade.

​Isso significa que, por enquanto, o político que procurar a convergência não terá espaço?

Esses pólos têm gás para se manter por certo tempo.


Fonte: O Estado de São Paulo, Economia e Negócios, Luciana Dyniewicz, 04/11/2018

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Jair Bolsonaro e a perversão do liberalismo


Como disse outras vezes, Bolsonaro nada tem de liberal, nem sequer no sentido econômico. Sempre foi estatista, corporativista e desenvolvimentista. Não por menos votou com o PT em muitas questões. No sentido das liberdades políticas e individuais, então, nem se fala. Um sujeito que nega o estado laico, que acha que minorias devem se curvar à maioria, é tudo menos liberal.

E, claro, o PSL não é um partido liberal, muito menos liberal social, a mais "esquerdista" das correntes liberais. O PSL é uma sigla de aluguel que se alugou para a extrema-direita bolsonariana. O pessoal realmente social-liberal, que estava tentando reformar o partido para fazer o nome combinar com a doutrina, abandonou o dito com a chegada de Bozo.

E Paulo Guedes, um liberal, no sentido econômico ao menos, se juntou ao Bozo pra tentar implantar suas ideias no governo. Como vão se entender é que são elas.

A The Economist é uma tradicional revista liberal de fato, no sentido amplo do termo. Já escreveu sobre Bozo antes e agora repete a dose com o texto "Jair Bolsonaro e a perversão do liberalismo. Revivendo o casamento profano da América Latina entre a economia de mercado e o autoritarismo político." Vale a leitura, inclusive pra gente ter uma ideia do que pode nos acontecer e já ir se preparando.

Jair Bolsonaro and the perversion of liberalism
Reviving Latin America’s unholy marriage between market economics and political authoritarianism

I
n july, at a convention of his small and inaptly named Social Liberal Party, Jair Bolsonaro unveiled his star hire. Paulo Guedes, a free-market economist from the University of Chicago, has done much to persuade Brazil’s business people that Mr Bolsonaro can be trusted with the country’s future, despite his insults to women, blacks and gays, his rhetorical fondness for dictatorship and the suddenness of his professed conversion to liberal economics. At the convention Mr Guedes praised Mr Bolsonaro as representing order and the preservation of life and property. His own entry into the campaign, he added, means “the union of order and progress”.

That prospect seems poised to make Mr Bolsonaro, a former army captain, Brazil’s president in a run-off election on October 28th. A survey by Ibope, a pollster, gives him around 52% of votes, to 37% for Fernando Haddad, his opponent from the left-wing Workers’ Party (pt); 9% of respondents said they would abstain. Mr Bolsonaro has benefited from a public mood of despair over rising crime, corruption and an economic slump caused by the mistakes of a previous pt government.

In the PowerPoint slideshow that passes for his manifesto, Mr Bolsonaro promises “a liberal democratic government”. Certainly Mr Guedes champions some liberal economic measures. He proposes to slim Brazil’s puffed-up, ineffective and near-bankrupt state through privatisations and public-spending cuts, and to undo the country’s serpentine red tape.

Yet Mr Bolsonaro’s words are often neither liberal nor democratic. He stands for “order”, but not the law. He urges police to kill criminals, or those they think might be criminals. He wants to change human-rights policy to “give priority to victims”, though presumably he does not mean the victims of extra-legal killings by police. He lacks a liberal regard for the public good in his plans to favour farmers over the environment and withdraw Brazil from the Paris agreement on climate change.

Whereas Mr Guedes proposes economic deregulation, Mr Bolsonaro wants moral re-regulation. He vows “to defend the family”; to “defend the innocence of children in school” against alleged homosexual propaganda; and to oppose abortion and the legalisation of drugs. As a congressman, he proposed birth control for the poor. He calls the generals who took power as dictators in Brazil in 1964 and ruled for two decades “heroes”. In July one of his sons, Eduardo Bolsonaro, who is a congressman, said “a soldier and a corporal” would be enough to shut down the supreme court. (The candidate distanced himself from these “emotional” comments, saying “the court is the guardian of the constitution.”)

When Comte hijacked liberalism

The combination of political authoritarianism and free-market economics is not new in Brazil or Latin America. Indeed, Mr Guedes’s phrase at the convention harks back to the point in the history of Latin American thought when the notions of economic and political freedom became divorced. “Order and Progress” is the slogan stamped across Brazil’s flag. There is no mention of “freedom” or “equality”. The slogan was dreamed up when Brazil became a republic in 1889 under the influence of positivism, a set of ideas associated with Auguste Comte, a French philosopher. Positivists believed that government by a high-minded “scientific” elite could bring about modern industrial societies without violence or class struggle.

Positivism was little more than a footnote in Europe. But it was hugely influential in Latin America, especially in Brazil and Mexico. It combined a preference for strong central government with a conception of society as a hierarchical collective, rather than an agglomeration of free individuals. Positivism hijacked liberalism and its belief that progress would come from political and economic freedom for individuals, just when this seemed to have become the triumphant political philosophy in the region in the third quarter of the 19th century. According to Charles Hale, a historian of ideas, positivism relegated liberalism to a “foundation myth” of the Latin American republics. It was to be paid lip service in constitutions but ignored in political practice. In a sentiment to which Mr Bolsonaro might subscribe, Francisco G. Cosmes, a Mexican positivist, claimed in 1878 that rather than “rights” society preferred “bread…security, order and peace”.

The divorce between the ideas of political and economic freedom in Latin America was in part a consequence of the region’s difficulty in creating prosperous market economies and stable democracies based on equality of opportunity. But it has also been one of the causes of that failure.

Liberalism had struggled to change societies marked by big racial and social inequalities, inherited from Iberian colonialism, especially in rural Latin America. Liberals abolished slavery and the formal serfdom to which Indians were subjected in the Andes and Mexico. But the countryside remained polarised between owners of latifundia (large estates) and indentured labourers. Missing were yeoman farmers, or a rural bourgeoisie. André Rebouças, a leader of the movement to abolish slavery in Brazil (which happened only in 1888), envisaged a “rural democracy” resulting from “the emancipation of the slave and his regeneration through land ownership”. It never happened.

Positivists rejected the liberal belief in the equal value of all citizens and imbibed the “scientific racism” and social Darwinism in vogue in late 19th-century Europe. They saw the solution to Latin American backwardness in immigration of white European indentured labourers, which initially prevented a rise in rural wages for former slaves and serfs.

The ignored lesson of Canudos

The high-minded positivists who ran the Brazilian republic were humiliated by a rebellion in the 1890s by a monarchist preacher at Canudos, in the parched interior of Bahia in the north-east. It took four expeditions, the last involving 10,000 troops and heavy artillery, to crush Canudos, at a cost of 20,000 dead (some of the defenders had their throats cut after surrendering). Euclides da Cunha, a positivist army officer-turned-journalist who covered these events, wrote in “Os Sertões” (“Rebellion in the Backlands”), which became one of Brazil’s best-known books, that the military campaign would be “a crime” if it was not followed by “a constant, persistent, stubborn campaign of education” to draw these “rude and backward fellow-countrymen into…our national life”.

That was a liberal response from a positivist writer. Again, it didn’t happen. Veterans from the Canudos campaign would set up the first favelas in Rio de Janeiro, which soon were filled with migrants from the north-east. Their descendants may end up as victims of Mr Bolsonaro’s encouragement of police violence.

Liberalism never died in Latin America, but in the 20th century it often lost out. With industrialisation and the influence of European fascism, positivism morphed into corporatism, in which economic freedom yielded to the state’s organisation of the economy, as well as society, in non-competing functional units (unions and bosses’ organisations, for example). Corporatism, with the power it awarded to state functionaries of all kinds, appealed to many of the region’s military men.
That became clear when many countries suffered dictatorships in the 1960s and 1970s. The Brazilian military regime would intermittently adopt economic liberalism, especially under the aegis of Mario Henrique Simonsen, a brilliant economist (and one of Mr Guedes’s tutors). He twice tried to impose fiscal and monetary squeezes to curb inflation. His nemesis was Antonio Delfim Netto, who favoured expansion through debt and inflation, which would cost Brazil a “lost decade” in the 1980s. The dictatorship that Mr Bolsonaro so admires ignored Da Cunha’s plea: it left to civilian leaders a country in which a quarter of children aged seven to 14 were not at school. Only in the current democratic period, under the constitution of 1988, has Brazil achieved universal primary education and mass secondary schooling.

The exception to military corporatism was General Augusto Pinochet’s personal dictatorship in Chile from 1973 to 1990. Pinochet sensed, rightly, that corporatism would require him to share power with his military colleagues. Instead, he called on a group of civilian economists, dubbed the “Chicago boys” because several had studied at the University of Chicago, where the libertarian economics of Friedrich Hayek and Milton Friedman held sway.

Trial and error from the Chicago boys

The Chicago boys applied these principles in Chile, whose economy had been wrecked by the irresponsibility of Salvador Allende, a democratic socialist overthrown by Pinochet. Their programme would eventually lay the foundations for Chile to become Latin America’s most dynamic economy at the turn of the century. But it was akin to a major operation by trial and error and without anaesthetic. They slashed import tariffs and the fiscal deficit, which fell from 25% of gdp in 1973 to 1% in 1975. They privatised hundreds of companies, with no regard for competition or regulation. Worried that inflation was slow to fall, they established a fixed and overvalued exchange rate. The result of all this was that the economy came to be dominated by a few conglomerates, heavily indebted in dollars and centred on the private banks.

In 1982, after a rise in interest rates in the United States, Chile defaulted on its debts and the economy slumped. Poverty engulfed 45% of the population and the unemployment rate rose to 30%. Pinochet eventually dumped the Chicago boys and turned to more pragmatic economists, whose policies contributed to Chile’s post-dictatorship prosperity.

Something similar happened in Peru under the presidency of Alberto Fujimori, who governed from 1990 to 2000. He sent tanks to shut down congress and pushed through a radical free-market economic programme. Again, that laid the basis for a dynamic economy but carried heavy costs. Mr Fujimori’s regime engaged in systematic corruption, and his destruction of the party system and of judicial independence had consequences that are still being felt. In Guatemala and Honduras, Hayekian anti-state libertarianism has led to dystopias from which citizens migrate en masse to escape from weak governments unable to provide public security or encourage economic opportunity (see article).

Mr Bolsonaro is a fan of Pinochet, who “did what had to be done”, he said in 2015. (This included killing some 3,000 political opponents and torturing tens of thousands.) So is Mr Guedes, who taught at the University of Chile in the 1980s, when the dean of its economics faculty was Pinochet’s budget director. Mr Guedes wants a flat income tax, a libertarian but not liberal measure. (Adam Smith, the father of liberal economics, favoured a progressive tax.)

So is Brazil in for a dose of pinochetismo? Mr Bolsonaro is not the army commander—indeed he was eased out of the army for indiscipline in 1988. And he is not a convincing economic liberal. At heart, he is a corporatist. As a congressman for 27 years, he repeatedly voted against privatisation and pension reform, and for increases in the wages of public servants.

Many of Mr Guedes’s proposals are vague, but sensible in principle and overdue. They include cutting the deficit and the public debt and reshaping public spending. Many of his proposed privatisations are necessary. As he told Piauí, a newspaper, Brazil is “paradise for rent seekers and hell for entrepreneurs”. He rightly wants to change that. But in many of these things Mr Bolsonaro may be his opponent. Mr Guedes may not last long.

Under a Bolsonaro presidency, Brazil could hope for a reformed, faster-growing economy and a president who keeps his authoritarian impulses in check. But there are plenty of risks. Perhaps the biggest is of illiberal democracy in which elections continue, but not the practice of democratic government with its checks and balances and rules of fairness. That could arise if a Bolsonaro presidency descended into permanent conflict, both within the government and between it and an opposition inflamed by Mr Bolsonaro’s verbal aggression. Frustrated, he might then lash out against the legislature and the courts. Separating economic and political freedom may seem like a short cut to development. But in Latin America it rarely is: the demand for strong government has vied with a persistent yearning for liberty.

Fonte: The Economist, 25/10/2018

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Para as esquerdas sobreviverem


Tinha visto o vídeo abaixo após a vitória do Trump, mas serve como uma luva para nossa situação atual. Se você quer que a extrema-direita dê as caras, que as múmias saiam de seus sarcófagos, não apoie a extrema-esquerda, mesmo quando ela vem travestida com seu usual (hipócrita da porra) bom mocismo.

A esquerda que hoje nós chamamos jocosamente de bolivariana bananeira, por causa da versão venezuelana do autoritarismo castrista, sempre foi autoritária, viúva eternamente chorosa do fim do comunismo do leste europeu. Mas a esquerda dos movimentos sociais nasceu libertária, uma grande esperança de mudança social a partir da própria sociedade e não de algum partidão. Entretanto, de seu surgimento na década de 60 do século passado até hoje, esses movimentos foram se degenerando e se tornando tão autoritários quanto seus primos da velha guarda. Primos com quem, pelo menos aqui no Brasil, se alinharam inclusive, a tal ponto de atualmente não passarem de correias de transmissão dos partidos mais retrógrados e anacrônicos da esquerda.

Hoje, com base no tal ofendidismo por qualquer coisa, os floquinhos de neve (como dizem os americanos) ou teteias de cristal (como digo eu) estão tentando criminalizar qualquer divergência que não caiba em sua agenda falsamente hipersensível. Chegamos ao ponto de ter que engolir a conversa surreal de que existem mulheres do sexo masculino e homens do sexo feminino sob risco, caso discordemos, de ir parar até na prisão (como já ocorre em alguns países). Sob a desculpa de que todo discurso divergente é discurso de ódio, quando discurso de ódio de fato é só aquele que incita diretamente à violência, de fato investem contra a liberdade de consciência, de pensamento, de expressão, de associação e de reunião, pilares da democracia.

Foram essas esquerdas que pariram o Trump nos EUA e o Bolsonaro aqui. Essa esquerda dos tais justiceiros sociais, que se alinhou à esquerda bolivariana bananeira, torrou o saco de todo o mundo, inclusive de quem não é de direita, mas não aguenta mais tanta arrogância e estupidez de gente que nunca mais se olhou no espelho.

A maior parte das pessoas que votou e deve votar no Bolsonaro não tem nada de fascista. É simplesmente gente que não suporta a ideia de ver o PT de volta ao poder (e tem toda a razão) e quer mudanças porque o país degringolou depois dos anos do petismo no poder. É gente que também está saturada de não poder falar nada sem ser acusada de um monte de coisa que não é. Por falta de alternativa, acabaram apoiando o truculento e autoritário Bolsonaro, apesar de, apesar de, apesar de.... porque quer alguma mudança nem que seja por vias tortas. Porque está com um sapo na garganta que precisa expelir.

As esquerdas precisam entender que não têm a verdade e a luz, precisam abdicar de sua visão autolaudatória e procurar convencer as pessoas de suas ideias em vez de atacá-las com todo tipo de injúria. Se quiserem sobreviver.


sábado, 27 de janeiro de 2018

Márcia Tiburi não quis papo com Kim Kataguiri embora tenha escrito livro "Como conversar com um fascista"


Márcia Tiburi conseguiu aparecer na semana em que Lula foi condenado a 12 anos de cana. Ela abandonou uma entrevista na Rádio Guaíba, pelo radialista Juremir Machado da Silva, na quarta (24), após saber que teria que dividir o programa com Kim Kataguiri, um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL). Ao ver o ativista chegando ao estúdio, deu piti:
Credo! Eu não vou sentar com este cara, Juremir. Gente, acabei de encontrar Kim Kataguiri. Estou fora, meu! Tá louco, vou embora, Juremir“, reclamou Márcia.
Vou chamar um psiquiatra. Desculpa, não dá para mim. Me avisa da próxima vez quem tu convida para teu programa. Tenho vergonha de estar aqui. Que as deusas me livrem. Não falo com pessoas assim que são indecentes, perigosas. Tenho até medo de estar aqui.“
Surgiu uma oportunidade de trazê-lo. Cometemos um erro, deveríamos tê-la avisado“, justificou o apresentador.
Eu também não ia querer debater com o Kim Kataguiri, ainda mais sem ser avisada. Kataguiri é um oportunista que joga pra plateia conservadora a fim de que ela o eleja. Alimenta o que há de mais reacionário e obscurantista no país com esse objetivo. É fundamentalmente um desonesto.

Problema que, ao contrário da Tiburi, eu não escrevi livro intitulado "como conversar com um fascista" nem apoio ninguém com 6 processos nas costas em andamento, já condenado em duas instâncias, o que na visão de muitos é um bocado indecente. Tiburi se enforcou com a própria corda. Devia tomar mais cuidado com o que diz.




sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Em matéria de O Globo de 2010, Lula é apontado como proprietário do triplex do Guarujá


Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado

GUARUJÁ (SP) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, são donos de uma cobertura na praia das Astúrias, no Guarujá, mas amargam há cinco anos na fila de cooperados da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo) para receber o imóvel. A solução encontrada pelos cerca de 120 futuros proprietários do empreendimento foi deixar de lado a Bancoop e entregar o Residencial Mar Cantábrico à construtora OAS, que prometeu concluir as obras em dois anos. Procurada, a Presidência confirmou que Lula continua proprietário do imóvel.

A construção, no entanto, permanece parada porque a empresa ainda está regularizando os documentos de transferência do imóvel. A única alusão à mudança é um painel da OAS, anunciando que ali haverá um empreendimento da construtora. O vigia do imóvel não pode abrir os portões nem aos antigos cooperados, mas o que se vê, além do muro, é que apenas uma das duas torres originais do projeto foi erguida. No local, imóvel como o de Lula pode passar de R$ 1 milhão.

O prédio, no entanto, está no osso: sem nenhum acabamento, nem portas, janelas ou elevadores. É nele que a família Lula da Silva deverá ocupar a cobertura triplex, com vista para o mar. Apesar dos imponentes 19 andares e de um projeto que prevê duas torres, com apartamentos entre 80 e 240 metros quadrados, o Mar Cantábrico é conhecido na vizinhança como "o prédio abandonado". 
As varandas estão cheias de água, e um muro caiu - conta o funcionário de um dos prédios vizinhos, que preferiu não se identificar, mas mostrou o muro. - Já pensamos até em denunciar o prédio por causa da dengue.
A segunda torre, se construída como informa a planta do empreendimento, lançado no início dos anos 2000, pode acabar com parte da alegria de Lula: o prédio ficará na frente do imóvel do presidente, atrapalhando a vista para o mar do Guarujá, cidade do litoral paulista. Na praia das Astúrias, um imóvel como o de Lula pode passar de R$ 1 milhão. Presidente declarou imóvel em 2006 no nome da primeira-dama.

Na declaração de bens feita para a candidatura à reeleição, em 2006, o presidente informou sobre o imóvel, afirmando ter participação na cooperativa habitacional para o apartamento em construção. O contrato foi assinado em maio de 2005, em nome da primeira-dama. Segundo a declaração feita por Lula ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a família já havia pagado R$ 47.695,38. Mas o apartamento mais simples, de três quartos, foi oferecido pela Bancoop por R$ 192.533,20. O medo de muitos deles é que agora o preço final chegue a triplicar, já que o empreendimento foi incorporado pela OAS, que não cobrará o prometido preço de custo da Bancoop.

O GLOBO conversou com um dos cooperados que preferiu procurar a Bancoop para receber seu dinheiro de volta, cerca de R$ 80 mil. Segundo a cooperativa, o dinheiro será devolvido aos que não aderiram ao negócio. O advogado da Bancoop, Pedro de Abreu Dallari, afirmou que a entrada da OAS ou de uma incorporadora nos empreendimentos não é exclusividade do prédio de Lula.
Foi uma decisão do Conselho Fiscal do Residencial Mar Cantábrico, mas outros conselhos também buscam essa alternativa - disse o advogado.
A solução não foi boa para a bancária Andrea Loia, que comprou um imóvel a ser construído na região de Pinheiros (Zona Oeste de São Paulo) e que preferiu, depois de uma longa briga, receber de volta os R$ 25 mil investidos. O pagamento foi a conta-gotas: 36 meses.
O meu imóvel, orçado em R$ 140 mil, também foi transferido para uma construtora. Ele já está pronto, mas sai a R$ 362 mil. Quando desisti do empreendimento, a Bancoop queria que eu trocasse pelo apartamento de Guarujá. Eu não aceitei. Queria me livrar deles.

Fonte: O Globo, por / Atualizado

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Radicalismo conservador envenena o Brasil

O discurso de ódio que está envenenando o Brasil
A caça às bruxas de grupos radicais contra artistas, professores, feministas e jornalistas se estende pelo país. Mas as pesquisas dizem que os brasileiros não são mais conservadores

Artistas e feministas fomentam a pedofilia. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o bilionário norte-americano George Soros patrocinam o comunismo. As escolas públicas, a universidade e a maioria dos meios de comunicação estão dominados por uma “patrulha ideológica” de inspiração bolivariana. Até o nazismo foi invenção da esquerda. Bem-vindos ao Brasil, segunda década do século XXI, um país onde um candidato a presidente que faz com que Donald Trump até pareça moderado tem 20% das intenções de voto.

No Brasil de hoje mensagens assim martelam diariamente as redes sociais e mobilizam exaltados como os que tentaram agredir em São Paulo a filósofa feminista Judith Butler, ao grito de “queimem a bruxa”. Neste país sacudido pela corrupção e a crise política, que começa a sair da depressão econômica, é perfeitamente possível que a polícia se apresente em um museu para apreender uma obra. Ou que o curador de uma exposição espere a chegada da PF para conduzi-lo a depor forçado ante uma comissão parlamentar que investiga os maus-tratos à infância.
“Isto era impensável até três anos atrás. Nem na ditadura aconteceu isto.”
Depois de uma vida dedicada a organizar exposições artísticas, Gaudêncio Fidelis, de 53 anos, se viu estigmatizado quase como um delinquente. Seu crime foi organizar em Porto Alegre a exposição QueerMuseu, na qual artistas conhecidos apresentaram obras que convidavam à reflexão sobre o sexo. Nas redes sociais se organizou tal alvoroço durante dias, com o argumento de que era uma apologia à pedofilia e à zoofilia, que o patrocinador, o Banco Santander, ante a ameaça de um boicote de clientes, decidiu fechá-la.
Não conheço outro caso no mundo de uma exposição destas dimensões que tenha sido encerrada”, diz Fidelis.
O calvário do curador da QueerMuseu não terminou com a suspensão da mostra. O senador Magno Malta (PR-ES), pastor evangélico conhecido por suas reações espalhafatosas e posições extremistas, decidiu convocá-lo para depor na CPI que investiga os abusos contra criança. Gaudêncio se recusou em um primeiro momento e entrou com um pedido de habeas corpus no STF que foi parcialmente deferido. Magno Malta emitiu então à Polícia Federal um mandado de condução coercitiva do curador. Gaudêncio se mostrou disposto a comparecer, embora entendesse que, mais que como testemunha, pretendiam levá-lo ao Senado como investigado. Ao mesmo tempo, entrou com um novo pedido de habeas corpus no Supremo para frear o mandado de conduçãocoercitiva. A solicitação foi indeferida na sexta-feira passada pelo ministro Alexandre de Moraes. Portanto, a qualquer momento Gaudêncio espera a chegada da PF para levá-lo à força para Brasília.
O senador Magno Malta recorre a expedientes típicos de terrorismo de Estado como meio de continuar criminalizando a produção artística e os artistas”, denuncia o curador.
Ele também tem palavras muito duras para Alexandre de Moraes, até há alguns meses ministro da Justiça do Governo Michel Temer, por lhe negar o último pedido de habeas corpus: 
A decisão do ministro consolida mais um ato autoritário de um estado de exceção que estamos vivendo e deve ser vista como um sinal de extrema gravidade”.
Fidelis lembra que o próprio Ministério Público de Porto Alegre certificou que a exposição não continha nenhum elemento que incitasse à pedofilia e que até recomendou sua reabertura.

Entre as pessoas chamadas à CPI do Senado também estão o diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e o artista que protagonizou ali uma performance em que aparecia nu. Foi dias depois do fechamento do QueerMuseu e os grupos ultraconservadores voltaram a organizar um escândalo nas redes, difundindo as imagens de uma menina, que estava entre o público com sua mãe e que tocou no pé do artista. “Pedofilia”, bramaram de novo. O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito e o próprio prefeito da cidade, João Doria (PSDB), se uniu às vozes escandalizadas.

Se não há nenhum fato da atualidade que justifique esse tipo de campanha, os guardiões da moral remontam a muitos anos atrás. Assim aconteceu com Caetano Veloso, de quem se desenterrou um velho episódio para recordar que havia começado um relacionamento com a que depois foi sua esposa, Paula Lavigne, quando ela ainda era menor de idade. “#CaetanoPedofilo” se tornou trending topic. Mas neste caso a Justiça amparou o músico baiano e ordenou que parassem com os ataques.

A atividade de grupos radicais evangélicos e de sua poderosa bancada parlamentar (198 deputados e 4 senadores, segundo o registro do próprio Congresso) para desencadear esse tipo de campanha já vem de muito tempo. São provavelmente os mesmos que fizeram pichações recentes no Rio de Janeiro com o slogan “Bíblia sim, Constituição, não”. Mas o verdadeiramente novo é o aparecimento de um “conservadorismo laico”, como o define Pablo Ortellado, filósofo e professor de Gestão de Políticas Públicas da USP. Porque os principais instigadores da campanha contra o Queermuseu não tinham nada a ver com a religião. O protagonismo, como em muitos outros casos, foi assumido por aquele grupo na faixa dos 20 anos que durante as maciças mobilizações para pedir a destituição da presidenta Dilma Rousseff conseguiu deslumbrar boa parte do país.

Com sua desenvoltura juvenil e seu ar pop, os rapazes do Movimento Brasil Livre(MBL) pareciam representar a cara de um país novo que rejeitava a corrupção e defendia o liberalismo econômico. Da noite para o dia se transformaram em figuras nacionais. Em pouco mais de um ano seu rosto mudou por completo. O que se apresentava como um movimento de regeneração democrática é agora um potente maquinário que explora sua habilidade nas redes para difundir campanhas contra artistas, hostilizar jornalistas e professores apontados como de extrema esquerda ou defender a venda de armas. No intervalo de poucos dias o MBL busca um alvo novo e o repisa sem parar. O mais recente é o jornalista Guga Chacra, da TV Globo, agora também classificada de "extrema esquerda". O repórter é vítima de uma campanha por se atrever a desqualificar -em termos muito parecidos aos empregados pela maioria dos meios de comunicação de todo o mundo-, 20.000 ultradireitistas poloneses que há alguns dias se manifestaram na capital do pais exigindo uma “Europa branca e católica”.

Além de sua milícia de internautas, o MBL conta com alguns apoios de renome. Na política, os prefeitos de São Paulo, João Doria, e de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr., assim como o até há pouco ministro das Cidades, Bruno Araújo, os três do PSDB. No âmbito intelectual, filósofos que se consideram liberais, como Luiz Felipe Pondé. Entre os empresários, o dono da Riachuelo, Flávio Rocha, que se somou aos ataques contra os artistas com um artigo na Folha de S. Paulo no qual afirmava que esse tipo de exposição faz parte de um “plano urdido nas esferas mais sofisticadas do esquerdismo”. O objetivo seria conquistar a “hegemonia cultural como meio de chegar ao comunismo”, uma estratégia diante da qual “Lenin e companhia parecem um tanto ingênuos”, segundo escreveu Rocha em um artigo intitulado O comunista está nu.
Não é algo específico do Brasil”, observa o professor Pablo Ortellado. “Este tipo de guerras culturais está ocorrendo em todo o mundo, sobretudo nos EUA, embora aqui tenha cores próprias”.
 Um desses elementos peculiares é que parte desses grupos, como o MBL, se alimentou das mobilizações pelo impeachment e agora “aproveita os canais de comunicação então criados, sobretudo no Facebook”, explica Ortellado.
A mobilização pelo impeachment foi transversal à sociedade brasileira, só a esquerda ficou à margem. Mas agora, surfando nessa onda, criou-se um novo movimento conservador com um discurso antiestablishment e muito oportunista, porque nem eles mesmos acreditam em muitas das coisas que dizem”.
A pauta inicial, a luta contra a corrupção, foi abandonada “tendo em vista de que o atual governo é tão ou mais corrupto que o anterior”. Então se buscaram temas novos, desde a condenação do Estatuto do Desarmamento às campanhas morais, que estavam completamente ausentes no início de grupos como o MBL e que estão criando um clima envenenado no país.
É extremamente preocupante. Tenho 43 anos e nunca tinha vivido uma coisa assim”, confessa Ortellado. “Nem sequer no final da ditadura se produziu algo parecido. Naquele momento, o povo brasileiro estava unido.”
O estranho é que a intensidade desses escândalos está oferecendo uma imagem enganosa do que na realidade pensa o conjunto dos brasileiros. Porque, apesar desse ruído ensurdecedor, as pesquisas desmentem a impressão de que o país tenha sucumbido a uma onda de ultraconservadorismo. Um estudo do instituto Ideia Big Data, encomendado pelo Movimento Agora! e publicado pelo jornal Valor Econômico, revela que a maioria dos brasileiros, em cifras acima dos 60%, defendem os direitos humanos, inclusive para bandidos, o casamento gay com opção de adotar crianças e o aborto.
Em questões comportamentais, nada indica que os brasileiros tenham se tornado mais conservadores”, reafirma Mauro Paulino, diretor do Datafolha.
Os dados de seu instituto também são claros: os brasileiros que apoiam os direitos dos gays cresceram nos últimos quatro anos de 67% para 74%. Paulino explica que “sempre houve um setor da classe média em posições conservadoras” e que agora “se tornou mais barulhento”.

As pesquisas do Datafolha só detectaram um deslocamento para posições mais conservadoras em um aspecto: segurança. “Aí sim há uma tendência que se alimenta do medo crescente que se instalou em parte da sociedade”, afirma Paulino. Aos quase 60.000 assassinatos ao ano se somam 60% de pessoas que confessam viver em um território sob controle de alguma facção criminosa. Em quatro anos, os que defendem o direito à posse de armas cresceu de forma notória, de 30% a 43%. É esse medo o que impulsiona o sucesso de um candidato extremista como Jair Bolsonaro, que promete pulso firme sem contemplações contra a delinquência.

Causou muito impacto a revelação de que 60% dos potenciais eleitores de Bolsonaro têm menos de 34 anos, segundo os estudos do instituto de opinião. Apesar de que esse dado também deve ser ponderado: nessa mesma faixa etária, Lula continua sendo o preferido, inclusive com uma porcentagem maior (39%) do que a média da população (35%).
“Os jovens de classe média apoiam Bolsonaro, e os pobres, Lula”, conclui Paulino. Diante da imagem de um país muito ideologizado, a maioria dos eleitores se move na verdade “pelo pragmatismo, seja apoiando os que lhe prometem segurança ou em alguém no que acreditam que lhes vai garantir que não perderão direitos sociais”.
Apesar de tudo, a ofensiva ultraconservadora está conseguindo mudar o clima do país e alguns setores se dizem intimidados.
O profundo avanço do fundamentalismo está criando um Brasil completamente diferente”, afirma Gaudêncio Fidelis. “Muita gente está assustada e impressionada.”
Um clima muito carregado no qual, em um ano, os brasileiros deverão escolher novo presidente. O professor Ortellado teme que tudo piore “com uma campanha violenta em um país superpolarizado”.

Fonte: El País, Xosé Hermida, 19/11/2017

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Em 2016, apenas 32% dos brasileiros diziam preferir a democracia a qualquer outra forma de governo


Abaixo explicado porque os brasileiros ou querem o Lula ou o Bolsonaro. Inclusive alguns, se não tiverem o Lula, ficam com Boçalnaro. Tanto faz, desde que seja um populista autoritário e machista que os espelhe.

Aquela famosa frase que, segundo consta, o Churchill proferiu, em um de seus discursos, de que "a democracia é o pior dos regimes com exceção de todos os outros" não entra na cabeça dos brasileiros, apesar de todos os desastrosos períodos autoritários que já vivemos. Agora, querem outro.

O autoritarismo do brasileiro

A democracia tem recuado em todo o mundo nos últimos dez anos. O apoio à democracia também (na imagem, manifestante pede intervenção militar em São Paulo). O Brasil se destaca em ambas as tendências. Entender as razões é essencial para avaliar os riscos que nos assombram.

O recuo democrático no Brasil é detectado nos principais rankings globais. A Economist Intelligence Unit (EIU) avalia pluralismo eleitoral, participação e cultura políticas, liberdades civis e funcionamento do governo. Trata-se de uma medida objetiva de como a democracia é exercida.

O índice atribuído pela EIU ao Brasil caiu 6,5% (de 7,38 para 6,9) entre 2006 e 2016. A queda global foi de 1,8% (de 5,62 para 5,53). Na América Latina, 0,6% (de 6,37 para 6,33). Isso significa que o recuo nas práticas democráticas foi maior aqui que entre nossos vizinhos ou no mundo.

A queda no apoio à democracia no Brasil é ainda mais acentuada. O relatório anual Latinobarômetro, que avalia o sentimento democrático no continente, detectou que só na Guatemala a democracia é menos valorizada que no Brasil.
Apenas 32% dos brasileiros consideravam em 2016 a democracia preferível a qualquer outra forma de governo, ante uma média latino-americana de 54%. O recuo no indicador foi de 22 pontos percentuais em um ano (eram 54% em 2015) – e 18 pontos em 20 anos (50% em 1997).
Os resultados da pesquisa realizada em 38 países, divulgada há uma semana pelo Pew Research Center, corroboram esse sentimento:
– 67% dos brasileiros estão insatisfeitos com o funcionamento do regime democrático (índice próximo da mediana latino-americana);
– 27% apoiariam um “líder forte sem interferência parlamentar” (dez pontos acima da mediana latino-americana);
– 38% apoiariam o governo militar (oito pontos acima da mediana latino-americana), apoio ainda maior entre quem tem nível educacional mais baixo (45%);
– opções não-democráticas atraem 23% dos brasileiros, enquanto apenas 21% estão comprometidos com a democracia (dados compatíveis com o resto do continente).
Há, por fim, o crescimento nas pesquisas para a eleição presidencial de um candidato que não poupa elogios ao regime militar e chegou a elogiar um torturador na votação do impeachment. De acordo com a última sondagem do Datafolha, Jair Bolsonaro tem em torno de 16% das intenções de voto, em segundo lugar na preferência popular.

O apoio a Bolsonaro ainda está concentrado nas classes mais escolarizadas (nesse grupo, sobe para 24%) e de maior renda (para 29%). Seu discurso autoritário ainda não penetrou na população mais permeável a ele. Isso sugere que ainda tem amplo terreno para crescimento. (Bolsonaro, é importante destacar, não manifestou em nenhum momento intenção de ruptura na democracia).

As razões para a insatisfação do brasileiro com a democracia são evidentes. Dissemina-se, não sem razão, a percepção de que o Congresso é dominado por corruptos e de que as instituições têm sido incapazes de puni-los.

Decisões recentes do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal (STF) só fazem aumentar essa percepção. Há a sensação de que a Operação Lava Jato sofreu um baque ao atingir poderosos como o senador Aécio Neves ou o presidente Michel Temer, ambos flagrados em conversas escandalosas com o delator e criminoso Joesley Batista. A saída autoritária se torna tentadora.

É possível argumentar que a população não compreende o funcionamento das instituições num Estado de Direito, nem a essência da democracia. Como argumentam os cientistas políticos Larry Bartels e Christopher Achen no livro Democracy for realists (sobre o qual escrevi aqui), a principal qualidade do regime democrático não é tomar sempre as melhores decisões – mas manter a paz interna, com o respeito às regras do jogo político.

É notável que, até o momento, as instituições brasileiras tenham funcionado dentro dessas regras, sem ruptura. Parlamento e STF tomaram diversas decisões criticáveis, boa parte movidas por interesses espúrios, outras sem nenhuma base legal. Mas todas foram legítimas do ponto de vista jurídico, pois quem as tomou tinha mandato ou posição institucional para isso.

A noção de que um líder autoritário ou militar tomaria decisões melhores não passa de um mito (para quem só conhece a palavra “mito” do uso distorcido na gíria das redes sociais, minha sugestão é olhar o significado no dicionário). A corrupção não é menor nas Forças Armadas, como revelou uma reportagem recente na revista Época. Se parecia menor no regime militar – e mesmo sobre isso há dúvida –, é por que a censura impedia a investigação e a publicação das informações na imprensa.

O crescente sentimento autoritário do brasileiro deve ser visto com preocupação. Um candidato como Bolsonaro tem o direito de ter a opinião que quiser sobre o regime militar ou sobre a história recente do Brasil. Se eleito, precisará governar dentro das regras democráticas.

Os resultados da democracia podem ser insatisfatórios, lentos ou decepcionantes. Ela é difícil como a vida. Mas não há mágica nem atalhos para qualquer mudança. A liberdade é sempre melhor que as alternativas – medo e terror para opiniões discordantes, tortura ou guerra civil. O apoio ao autoritarismo no Brasil (e na América Latina) é só mais uma prova de por que somos tão tacanhos e tão atrasados.

Fonte: G1, 23/10/2017, por Hélio Gurovitz

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Raiam as trevas no horizonte do Brasil: o conservadorismo está à solta

Prega a ordem dos cemitérios como ideal de vida. Pulsão de morte na veia.
A sanha moralista nas redes sociais

Esse moralismo que aí está é irreversivelmente biruta, aloprado, détraqué

A liberdade anda em viés de baixa. Um manto de breu e caretice sai do armário das piores enfermarias e dos porões inomináveis para ameaçar transformar o país num quartel de cachorros, numa escuridão abarrotada de medos, culpas e fantasmas aflitos. O conservadorismo está à solta, com sua tara furibunda para encarcerar a política, banir a alegria e matar a imaginação. O bicho é horrendo – e se reproduz na velocidade da luz dentro das tecnologias digitais. A propósito, vai aí um aviso aos ciberdeslumbrados: quem acreditava que as redes sociais nos abririam os portais do futuro pode começar a considerar a hipótese de que elas talvez nos levem de volta aos calabouços do passado.

A coisa não veio sem aviso. Em abril, quando a Globo começou a exibir a série Os dias eram assim, correu pelo celular de todo mundo um vídeo de uns cinco minutos, quase seis, em que um sujeito de gravata e suspensórios esbravejava. Para ele, tinha entrado no ar “uma das coisas mais sujas que já se fez na dramaturgia de televisão” com o único propósito de “mostrar uma imagem ruim do regime militar”. Pela mais avançada das inovações tecnológicas, a doutrina do obscurantismo postava seu “conteúdo”.

Não dá mais para esconder. O que está em marcha nesta terra é o Festival de Besteiras – Reacionárias – que Assola o País (o Febê-rê-apá). Valei-nos, Sérgio Porto! A turba virtual baba de saudade da repressão política e moral dos anos 1970. O discurso moralista, além de rabugento e barraqueiro, é mistificador: acredita que a televisão tem o poder satânico de programar o pensamento dos seres humanos. No fundo, o conservadorismo não faz bom juízo da brava gente brasileira; acha que somos todos carneirinhos de cabeça oca à mercê das “lavagens cerebrais” promovidas pela ideologia de esquerda. Fora o que, esse moralismo que aí está é irreversivelmente biruta, aloprado, détraqué: acredita que a catedral das ideologias de esquerda no Brasil é a Rede Globo de Televisão. 😁

O conservadorismo pátrio é um lobisomem que uiva em surto. No campo da política, quer acabar com a esquerda, com a “dramaturgia de televisão”, com a memória da guerrilha e, para simplificar o expediente, com a própria política. Chega desse negócio de partido, de deputado, de senador. “Intervenção militar já!” Altas patentes se voluntariam para golpear o estado de direito. Depois de o general Antonio Hamilton Mourão pregar a “intervenção militar” se o Judiciário “não solucionar o problema político” (num vídeo que “viralizou” nas redes), o tropel só aumenta. 


Na quinta-feira (5), o general Luiz Eduardo Rocha Paiva subiu o tom: “A intervenção militar será legítima e justificável, mesmo sem amparo legal, caso o agravamento da crise política, econômica, social e moral resulte na falência dos Poderes da União”. (“Intervenção, legalidade, legitimidade e estabilidade.” Jornal O Estado de S. Paulo, 5 de outubro. Página A2.)

No campo da cultura e da arte, o lobisomem também uiva. Preconiza censura, execração e castigo. Prega a ordem dos cemitérios como ideal de vida. Pulsão de morte na veia. Quando sente o cheiro de imaginação e prazer, vitupera sobre os “bons” costumes sem libido. Defensores da moral sexual da brava gente espancam ou matam gays porque não sabem lidar com suas próprias inclinações homossexuais. Outro dia, num shopping de Brasília, bateram numa mãe e numa filha que saíam do cinema. Acharam que as duas eram um casal de lésbicas. Os mesmos que gritam “Chega de política!” gritam “Chega de imoralidade!”. Para eles, só a violência pode salvar o Brasil da corrupção e da depravação.

No Rio de Janeiro, na semana passada, o prefeito estrelou um filminho para as redes sociais – sempre elas – em que afronta as liberdades asseguradas pela Constituição Federal e proíbe o Museu de Arte do Rio (MAR) de abrigar a exposição Queermuseu. Para quem não lembra, é a mesma que foi fechada em Porto Alegre depois que bravios rapazes convertidos ao moralismo entraram em histeria e foram às – sim – redes sociais declarar seu ódio contra os estímulos à pedofilia e à zoofilia que localizaram nas obras expostas. (Agora, espíritos ainda livres quiseram reabrir a Queermuseu no Rio, mas o prefeito vetou, em nome da castidade fluminense.)

Se puder, essa mentalidade queimará os livros de Freud, destruirá as estátuas gregas que retratam o hermafrodita, rasgará as pinturas sobre o mito de Leda e o Cisne e pulverizará os carros alegóricos da Marquês de Sapucaí. As trevas se erguem no céu da Pátria, no cibernético e plúmbeo céu da Pátria.

Fonte: Época, por Eugênio Bucci, 12/10/2017

terça-feira, 30 de maio de 2017

O calote biliardário dos irmãos Batista no Brasil

Eliane Cantanhêde
Excelente texto da Eliane Cantanhêde dissecando o calote biliárdario dos irmãos Ley Batista no Brasil.

E algumas perguntinhas fundamentais: porque Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões na JBS a ponto de a empresa ter virado um fenômeno internacional? A empresa usou dinheiro público do Brasil, para sediar 70% de seus negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. 

E por que, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País?

Tem gato nessa tuba, e revolta em nosso coração.

O calote do século
Temer tem muito a explicar, mas perdão a Joesley Batista é premiar a corrupção

Antes que a gente se esqueça, Joesley Batista, da JBS, que já foi um dos “campeões nacionais” do BNDES, é agora campeão internacional do calote, um calote não numa pessoa, numa empresa ou num banco, mas num país inteiro. Um país chamado Brasil, onde não sobra ninguém para contar uma história decente e abrir horizontes.

Enquanto amealhava R$ 9 bilhões do BNDES, mais uns R$ 3 bilhões da CEF, mais sabe-se lá quanto de outros bancos públicos nos anos beneficentes de Lula, Joesley saiu comprando governos, partidos e parlamentares. Quando a coisa ficou feia, explodiu o governo Temer, a recuperação da economia e a aprovação das reformas, fez um acordo de pai para filho homologado pelo STF e foi viver a vida no coração de Nova York.

O BNDES, banco de fomento do desenvolvimento nacional, foi usado para fomento de empregos, fábricas e crescimento nos Estados Unidos, onde Joesley e o irmão, Wesley, usaram o rico e suado dinheirinho dos brasileiros para comprar tudo o que viam pela frente. Detalhe sórdido: os frigoríficos que adquiriram lá competem com os exportadores brasileiros de carne. Uma concorrência para lá de desleal.

Eles se negam a pagar os R$ 11 bilhões do acordo de leniência com a PGR, até porque o dinheiro público camarada do Brasil foi usado para sediar 70% dos negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. Se esses procuradores encherem muito a paciência, eles jogam esses 20% pra lá, fecham as portas e esquecem a republiqueta de bananas.

Além de sua linda mulher (como nos clássicos sobre gângsteres), Joesley levou para a grande potência seu avião Gulfstream G650, de 20 lugares e US$ 65 milhões. Também despachou num navio para Miami seu iate do estaleiro Azimut, de três andares, 25 lugares e US$ 10 milhões. Quando enjoar de Nova York, vai passar uns tempos nos mares da Flórida.

Enquanto arrumava as malas, Joesley aplicou US$ 1 bilhão no mercado de câmbio, fez megaoperações nas Bolsas e ficou aguardando calmamente o Brasil implodir no dia seguinte, para colher novos milhões de dólares. E deixou para trás sua vidinha de açougueiro no interior de Goiás, uma sociedade pasma e um monte de interrogações.

Por que, raios, Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões numa única empresa? Joesley podia usar o dinheiro com juros camaradas e comprar aviões e iates para uso pessoal? Os recursos não teriam de gerar desenvolvimento e emprego para os brasileiros? E, se o seu amigão (como dos Odebrecht) era Lula, a JBS virou uma potência planetária na era Lula e se ele diz que despejou US$ 150 milhões para Lula e Dilma Rousseff no exterior, por que Joesley, em vez de gravar Lula, foi direto gravar Temer?

Mais: como um biliardário, que adora brinquedos caros e sofisticados, partiu para uma empreitada de tal audácia com um gravadorzinho de camelô? Como dar andamento e virar o País de ponta-cabeça sem uma perícia elementar na gravação? Enfim, por que abrir monocraticamente um processo contra o presidente da República? E, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País.

Nada disso, claro, significa livrar Aécio ou Temer, que tem muchas cositas más a explicar, como R$ 1 milhão na casa do coronel amigo, R$ 500 mil da mala do assessor Rocha Loures, um terceiro andar do Planalto onde assessores só produziam escândalos.

A sociedade, porém, reage mal ao final feliz dos Batista. A não ser que não seja final ainda, pois a homologação do STF é uma validação formal, mas cabe ao juiz, na sentença, fixar os benefícios da delação. Em geral, o juiz segue os termos do acordo original, mas não obrigatoriamente, e pode haver, sim, fixação de penas. Oremos, pois!

Fonte: O Estado de S.Paulo, Eliane Cantanhêde, 26/05/2017

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

União suprapartiária para melar a Lava Jato

Josias de Souza relata as artimanhas de nossos políticos para melar a Lava Jato. Em resposta, hoje a Câmara foi invadida por um grupo dos chamados "intervencionistas" que lá foram protestar contra os ardis de suas excrescências para se manter impunes. Ainda que esse tipo de manifestação não seja aceitável, quanto mais misturada a apelos por generais e ocupações de prédios públicos, é fato que a população está saturada de nossos políticos e da crise econômica por eles produzida. No Rio falido, também servidores públicos, às voltas com salários atrasados, entraram em choque com a PM. O país continua em crise mesmo após o impeachment da Dilma, e a coisa tende a piorar.
No Brasil, nos casos que dependem do Supremo Tribunal Federal, não houve nenhuma condenação. Há na Suprema Corte 42 investigações relacionadas à Lava Jato. Incluem a impressionante soma de 110 investigados. Há na lista 29 deputados federais e 13 senadores. Nenhum foi condenado. A maioria não foi nem denunciada pela Procuradoria-Geral da República. A delação da Odebrecht engordará os escaninhos do Supremo. Os políticos estão cada vez mais distantes do ideal de representantes da sociedade. As pessoas já não enxergam coisas nossas na política. É tudo uma imensa Cosa Nostra.
Cerco de políticos à Lava Jato é suprapartidário

Acompanhar a atividade política no Brasil tornou-se um desafio. Sabe-se que há políticos piores e melhores. Entretanto, é mais difícil discernir uns dos outros. Os gatunos ficaram ainda mais pardos depois que a política virou apenas mais um departamento da Construtora Odebrecht —o ‘Departamento de Negócios Estruturados’, eufemismo para setor de propinas. A conspiração legislativa contra a Lava Jato, que era envergonhada, desinibiu-se. Cresce na proporção direta do avanço dos depoimentos resultantes do acordo de delação premiada dos executivos da maior construtora do país.

O cerco à investigação é suprapartidário. Envolve também o governo. Michel Temer faz juras de amor à força-tarefa de Curitiba. Mas o Planalto comporta-se como uma espécie de São Jorge que sai para salvar a donzela e acaba casando com o dragão. O esforço para “estancar a sangria” faz lembrar a sucessão de investidas de políticos italianos contra a Operação Mãos Limpas, que foi deflagrada em 1992 e desnudou as relações orgânicas e promíscuas do sistema político da Itália com empresas e o crime organizado.

No Congresso brasileiro, trama-se aprovar uma anistia para todos os políticos que receberam dinheiro ilegalmente via caixa dois. Participam da articulação os principais partidos. Entre eles, por exemplo, PMDB, PT, PSDB, DEM, PP e PR. A ideia é enganchar a emenda da anistia na proposta de criminalização do caixa dois que integra o pacote de medidas anticorrupção embrulhado pelos procuradores da Lava Jato. Alega-se que o uso de caixa clandestino é disseminado na política. Sustenta-se, de resto, que não se pode criminalizar a todos indistintamente.

Num célebre discurso feito em 3 de março de 1992 no Parlamento italiano, o ex-primeiro-ministro da Itália Bettino Craxi, um dos principais investigados da Operação Mãos Limpas, disse o seguinte: “…Infelizmente, é usualmente difícil identificar, prevenir e remover áreas de infecção na vida dos partidos… Mais: abaixo da cobertura do financiamento irregular dos partidos, casos de corrupção e extorsão floresceram e tornaram-se interligados.”

Abusando do cinismo, Bettino Craxi prosseguiu: “O que é necessário dizer e que, de todo modo, todo mundo sabe, é que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária […] têm recorrido a recursos adicionais irregulares. Se a maior parte disso deve ser considerada pura e simplesmente criminosa, então a maior parte do sistema político é um sistema criminoso. Eu não acredito que exista alguém nessa Casa e que seja responsável por uma grande organização que possa ficar em pé e negar o que eu digo. Cedo ou tarde os fatos farão dele um mentiroso.”

Em março de 1993, por iniciativa do governo do então primeiro-ministro Giuliano Amato, foi ao Parlamento da Itália uma proposta de descriminalização das doações ilegais de dinheiro para os partidos políticos. A desfaçatez provocou uma reação liderada por estudantes. Orgazinizaram-se passeatas. Escolas paralisaram suas atividades. E a proposta não passou. A anistia tramada no Brasil para as doações subterrâneas não é senão uma provocação às ruas, que reaprenderam a roncar na jornada de junho de 2013.

Líder do governo Temer na Câmara, o deputado André Moura (PSC-SE) empinou na semana passada proposta de modificação das regras dos acordos de leniência, como são chamadas as delações de empresas. A proposta alivia a punição de empresas, livra seus executivos de condenações penais e retira da mesa de negociações o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União. Um acinte.

Acompanhado do ex-deputado Sandro Mabel, hoje assessor do Planalto, André Moura exibiu o texto ao ministro Torquato Jardim (Transparência), que levou o pé atrás. Havia na Câmara um pedido para que a encrenca tramitasse em regime de urgência. Súbito, esse requerimento foi retirado de pauta pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). E Moura tentou sair de fininho, negando ser o autor do projeto. O fantasma continua, porém, pairando sobre o plenário da Câmara.

Simultaneamente, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, voltou a retirar da gaveta o projeto que altera a Lei de Abuso de Autoridade. Relator da proposta, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), novo líder de Temer no Senado, bateu em retirada. Mas Renan prometeu indicar um novo relator até quarta-feira. A banda muda do Senado adere silenciosamente à iniciativa.

O juiz Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato enxergaram na iniciativa de Renan uma tentativa de intimidação. Multiinvestigado, Renan não se deu por achado. Disse que convidará Moro e o procurador Deltan Dellagnol, coordenador da Lava Jato, para debater o projeto no Senado.

Na Itália, os botes tramados contra os investigadores foram ainda menos sutis. Em julho de 1994, por exemplo, projeto de iniciativa do governo do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi sugeria simplesmente que fosse abolida a possibilidade de prisão antes do julgamento para determinados crimes. Entre eles os crimes de corrupção ativa e passiva. O time de procuradores da Mãos Limpas ameaçou com a renúncia coletiva. As ruas reagiram. Houve mobilizações populares defronte dos tribunais. E a proposta foi rejeitada.

Onze anos antes de autorizar a deflagração da Lava Jato, hoje a maior operação de combate à corrupção da história brasileira, o juiz Sergio Moro escreveu, em 2004, um artigo sobre a Operação Mãos Limpas. Foi desse artigo, disponível aqui, que o repórter retirou as informações reproduzidas acima sobre a operação italiana. No seu texto, Moro soou premonitório. Foi como se adivinhasse o que estava por vir.
É ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações. Um Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é condição necessária para suportar ações judiciais da espécie. Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial.”

A Mãos Limpas fisgou 6.069 pessoas. Entre elas 872 empresários, 1.978 agentes públicos e 438 parlamentares. Expediram-se 2.993 mandados de prisão.
As investigações judiciais dos crimes contra a administração pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando inclusive a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos políticos e o crime organizado'', escreveu Moro no artigo de 2004. Ao final, algo como 40% dos investigados não foram punidos. Leis foram alteradas. E os crimes prescreveram.
No Brasil, nos casos que dependem do Supremo Tribunal Federal, não houve nenhuma condenação. Há na Suprema Corte 42 investigações relacionadas à Lava Jato. Incluem a impressionante soma de 110 investigados. Há na lista 29 deputados federais e 13 senadores. Nenhum foi condenado. A maioria não foi nem denunciada pela Procuradoria-Geral da República. A delação da Odebrecht engordará os escaninhos do Supremo. Os políticos estão cada vez mais distantes do ideal de representantes da sociedade. As pessoas já não enxergam coisas nossas na política. É tudo uma imensa Cosa Nostra.

Fonte: Blog do Josias, 13/11/2016

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