quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Em 2016, apenas 32% dos brasileiros diziam preferir a democracia a qualquer outra forma de governo


Abaixo explicado porque os brasileiros ou querem o Lula ou o Bolsonaro. Inclusive alguns, se não tiverem o Lula, ficam com Boçalnaro. Tanto faz, desde que seja um populista autoritário e machista que os espelhe.

Aquela famosa frase que, segundo consta, o Churchill proferiu, em um de seus discursos, de que "a democracia é o pior dos regimes com exceção de todos os outros" não entra na cabeça dos brasileiros, apesar de todos os desastrosos períodos autoritários que já vivemos. Agora, querem outro.

O autoritarismo do brasileiro

A democracia tem recuado em todo o mundo nos últimos dez anos. O apoio à democracia também (na imagem, manifestante pede intervenção militar em São Paulo). O Brasil se destaca em ambas as tendências. Entender as razões é essencial para avaliar os riscos que nos assombram.

O recuo democrático no Brasil é detectado nos principais rankings globais. A Economist Intelligence Unit (EIU) avalia pluralismo eleitoral, participação e cultura políticas, liberdades civis e funcionamento do governo. Trata-se de uma medida objetiva de como a democracia é exercida.

O índice atribuído pela EIU ao Brasil caiu 6,5% (de 7,38 para 6,9) entre 2006 e 2016. A queda global foi de 1,8% (de 5,62 para 5,53). Na América Latina, 0,6% (de 6,37 para 6,33). Isso significa que o recuo nas práticas democráticas foi maior aqui que entre nossos vizinhos ou no mundo.

A queda no apoio à democracia no Brasil é ainda mais acentuada. O relatório anual Latinobarômetro, que avalia o sentimento democrático no continente, detectou que só na Guatemala a democracia é menos valorizada que no Brasil.
Apenas 32% dos brasileiros consideravam em 2016 a democracia preferível a qualquer outra forma de governo, ante uma média latino-americana de 54%. O recuo no indicador foi de 22 pontos percentuais em um ano (eram 54% em 2015) – e 18 pontos em 20 anos (50% em 1997).
Os resultados da pesquisa realizada em 38 países, divulgada há uma semana pelo Pew Research Center, corroboram esse sentimento:
– 67% dos brasileiros estão insatisfeitos com o funcionamento do regime democrático (índice próximo da mediana latino-americana);
– 27% apoiariam um “líder forte sem interferência parlamentar” (dez pontos acima da mediana latino-americana);
– 38% apoiariam o governo militar (oito pontos acima da mediana latino-americana), apoio ainda maior entre quem tem nível educacional mais baixo (45%);
– opções não-democráticas atraem 23% dos brasileiros, enquanto apenas 21% estão comprometidos com a democracia (dados compatíveis com o resto do continente).
Há, por fim, o crescimento nas pesquisas para a eleição presidencial de um candidato que não poupa elogios ao regime militar e chegou a elogiar um torturador na votação do impeachment. De acordo com a última sondagem do Datafolha, Jair Bolsonaro tem em torno de 16% das intenções de voto, em segundo lugar na preferência popular.

O apoio a Bolsonaro ainda está concentrado nas classes mais escolarizadas (nesse grupo, sobe para 24%) e de maior renda (para 29%). Seu discurso autoritário ainda não penetrou na população mais permeável a ele. Isso sugere que ainda tem amplo terreno para crescimento. (Bolsonaro, é importante destacar, não manifestou em nenhum momento intenção de ruptura na democracia).

As razões para a insatisfação do brasileiro com a democracia são evidentes. Dissemina-se, não sem razão, a percepção de que o Congresso é dominado por corruptos e de que as instituições têm sido incapazes de puni-los.

Decisões recentes do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal (STF) só fazem aumentar essa percepção. Há a sensação de que a Operação Lava Jato sofreu um baque ao atingir poderosos como o senador Aécio Neves ou o presidente Michel Temer, ambos flagrados em conversas escandalosas com o delator e criminoso Joesley Batista. A saída autoritária se torna tentadora.

É possível argumentar que a população não compreende o funcionamento das instituições num Estado de Direito, nem a essência da democracia. Como argumentam os cientistas políticos Larry Bartels e Christopher Achen no livro Democracy for realists (sobre o qual escrevi aqui), a principal qualidade do regime democrático não é tomar sempre as melhores decisões – mas manter a paz interna, com o respeito às regras do jogo político.

É notável que, até o momento, as instituições brasileiras tenham funcionado dentro dessas regras, sem ruptura. Parlamento e STF tomaram diversas decisões criticáveis, boa parte movidas por interesses espúrios, outras sem nenhuma base legal. Mas todas foram legítimas do ponto de vista jurídico, pois quem as tomou tinha mandato ou posição institucional para isso.

A noção de que um líder autoritário ou militar tomaria decisões melhores não passa de um mito (para quem só conhece a palavra “mito” do uso distorcido na gíria das redes sociais, minha sugestão é olhar o significado no dicionário). A corrupção não é menor nas Forças Armadas, como revelou uma reportagem recente na revista Época. Se parecia menor no regime militar – e mesmo sobre isso há dúvida –, é por que a censura impedia a investigação e a publicação das informações na imprensa.

O crescente sentimento autoritário do brasileiro deve ser visto com preocupação. Um candidato como Bolsonaro tem o direito de ter a opinião que quiser sobre o regime militar ou sobre a história recente do Brasil. Se eleito, precisará governar dentro das regras democráticas.

Os resultados da democracia podem ser insatisfatórios, lentos ou decepcionantes. Ela é difícil como a vida. Mas não há mágica nem atalhos para qualquer mudança. A liberdade é sempre melhor que as alternativas – medo e terror para opiniões discordantes, tortura ou guerra civil. O apoio ao autoritarismo no Brasil (e na América Latina) é só mais uma prova de por que somos tão tacanhos e tão atrasados.

Fonte: G1, 23/10/2017, por Hélio Gurovitz

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