8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

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quarta-feira, 28 de maio de 2014

O liberal Isaiah Berlin analisa o teólogo e filósofo alemão Johann Georg Hamann, inimigo mortal do Iluminismo e ardoroso porta-voz do irracionalismo

O mago do Norte

Isaiah Berlin recopilou textos do teólogo e filósofo alemão Johann Georg Hamann, inimigo mortal da Ilustração e porta-voz do irracionalismo. O resultado é uma festa das ideias

por Mario Vargas Llosa

Isaiah Berlin foi um democrata e um liberal, um desses raros intelectuais tolerantes, capazes de reconhecer que suas próprias convicções podiam estar erradas, e acertadas as de seus adversários ideológicos. E a melhor prova desse espírito aberto e sensível, que contrastava sempre suas ideias com a realidade para ver se as confirmava ou contradizia, ele deu ao dedicar seus maiores empenhos intelectuais a estudar nem tanto os filósofos e pensadores afins à cultura da liberdade, mas sim os seus mais inflamados inimigos, como um Karl Marx ou um Joseph de Maistre, aos quais dedicou ensaios admiráveis por seu rigor e ponderação. Tinha a paixão do saber e, quanto aos que promoviam as coisas que ele detestava, como o autoritarismo, o racismo, o dogmatismo e a violência, antes de refutá-los queria entendê-los, averiguar como e por que haviam chegado a defender causas e doutrinas que agravavam a injustiça, a barbárie e os sofrimentos humanos.

Um bom exemplo de tudo isso é o volume intitulado The Magus of the North. J.G. Hamann and the Origins of Modern Irrationalism (1993), coleção de notas e ensaios que Berlin não chegou a integrar num livro orgânico e que foram recolhidas e prefaciadas por Henry Hardy, seu discípulo, a quem nunca poderemos agradecer suficientemente por seu extraordinário trabalho de rastreamento e edição das dezenas de trabalhos que Isaiah Berlin, por seu escasso interesse em publicar e por seu maníaco perfeccionismo, deixou dispersos em revistas acadêmicas ou inéditos. Eu acreditava ter lido todos os trabalhos do grande pensador liberal, mas este me havia escapado e acabo de fazê-lo, com o mesmo absorvente prazer que tudo o que ele escreveu.

O extraordinário dessas notas, artigos e esboços de ensaios que Berlin ao longo de sua vida dedicou ao teólogo e filósofo alemão Johann Georg Hamann (1730-1788), inimigo mortal do Iluminismo e ardoroso porta-voz do irracionalismo, é que, através deles, esse reacionário convicto e confesso aparece como uma figura simpática e em muitos sentidos até moderna. Sua defesa da sem-razão – as paixões, o instinto, o sexo, os abismos da personalidade – como parte integral do humano e sua ideia de que todo sistema filosófico exclusivamente racionalista e abstrato constitui uma mutilação da realidade e da vida são perfeitamente válidas, e suas audazes teorias, por exemplo sobre o sexo e a linguística, de certa forma prefiguram algumas das posições libertárias e anárquicas mais radicais, como as de um Michel Foucault. Do mesmo modo, é profética sua denúncia de que, se seguisse pelo caminho que havia tomado, a filosofia do futuro naufragaria em um obscurantismo indecifrável, máscara do vazio e da inanidade, que a poria fora do alcance do leitor comum.

Onde essas coincidências cessam é nessa encruzilhada onde aparece Deus, a quem Hamann subordina tudo o que existe e que é, para o místico germânico, a justificação e explicação única e final da história social e dos destinos individuais. Seu rechaço às generalizações e ao abstrato e sua defesa do particular e do concreto fizeram dele um porta-estandarte do individualismo e um inimigo mortal do coletivo como categoria social e signo de identidade. Nesse sentido foi por um lado, diz Berlin, um precursor do romantismo e do que dois séculos mais tarde seria o existencialismo (sobretudo na versão católica de um Gabriel Marcel), mas, do outro, um dos fundadores do nacionalismo e, inclusive, assim como Joseph de Maistre, do fascismo.

Hamann nasceu em Königsberg [atual Kaliningrado], filho de um barbeiro cirurgião, no seio de uma família pietista luterana, e sua infância transcorreu em um meio de gente religiosa e estoica, cujos antepassados desconfiavam dos livros e da vida intelectual; ele, entretanto, foi um leitor voraz e deu um jeito de entrar na universidade, onde adquiriu uma formação múltipla e algo extravagante em história, geografia, matemática, hebraico e teologia, ao mesmo tempo em que por conta própria aprendia francês e escrevia poemas. Começou a ganhar a vida como tutor dos filhos da próspera burguesia local e, durante algum tempo, pareceu conquistado pelas ideias que vinham da França de Voltaire e Montesquieu. Mas, não muito depois, durante uma estadia em Londres vinculada a uma misteriosa conspiração política, e após alguns meses de dissipação e excessos que o levaram à ruína, experimentou a crise que mudaria sua vida.

Ocorreu em 1757. Mergulhado na miséria, isolado do mundo, sepultou-se no estudo da Bíblia, convencido, como Lutero, conforme escreveria mais tarde, de que o livro sagrado do cristianismo era “uma alegoria da história secreta da alma de cada indivíduo”. Emergiu dessa experiência transformado no conservador e reacionário briguento e solitário que, em panfletos polêmicos que se sucediam como socos, criticaria com ferocidade todas as manifestações da modernidade, onde quer que aparecessem: na ciência, nos costumes, na vida política, na filosofia e, sobretudo, na religião. Tinha retornado, e com zelo ardente, ao protestantismo luterano de seus ancestrais. Arrumou adversários e inimigos a torto e a direito, devido ao seu caráter intratável. Estava acostumado, inclusive, a se inimizar com gente que o respeitava e queria ajudá-lo, como Kant, leitor dele e que tentou lhe conseguir um cargo na Universidade. Sobre ele disse que “era um homúnculo agradável para fofocar por um momento, mas totalmente cego perante a verdade”. Por Herder, que foi seu admirador confesso e se considerava seu discípulo, nunca teve o menor apreço intelectual. Não é estranho, por isso, que sua vida tenha transcorrido quase no anonimato, com poucos leitores, e que fosse extremamente austera, devido aos obscuros empregos burocráticos com os quais ganhava seu sustento.

Depois de morto, o Mago do Norte, como Hamann gostava de chamar a si mesmo, foi logo esquecido pelo escasso círculo que conhecia sua obra. Isaiah Berlin se pergunta: “O que há nele que mereça ser ressuscitado em nossos dias?”. A resposta dá lugar ao melhor capítulo do seu livro: “The Central Core” (“O núcleo central”). O verdadeiramente original em Hamann, explica, é sua concepção da natureza do homem, nos antípodas da visão otimista e racional que a respeito dela promoveram os enciclopedistas e filósofos franceses do Iluminismo. A criatura humana é uma criação divina e, portanto, soberana e única, que não pode ser dissolvida em uma coletividade, como fazem os que inventam teorias (“ficções”, segundo Hamann) sobre a evolução da história rumo a um futuro de progresso, em que a ciência iria desterrando a ignorância e abolindo as injustiças. Os seres humanos são diferentes, e também os seus destinos; e sua maior fonte de sabedoria não é a razão nem o conhecimento científico, e sim a experiência, a soma de vivências que acumulam ao longo da sua existência. Nesse sentido, os pensadores e acadêmicos do século XVIII pareciam-lhe autênticos “pagãos”, mais afastados de Deus que “os ladrões, mendigos, criminosos e vagabundos” – os seres de vida “irregular” –, que, pela instabilidade e os tumultos da sua arriscada existência, podiam muitas vezes se aproximar de maneira mais funda e direta da transcendência divina.

Era um puritano e, entretanto, em matéria sexual propugnava ideias que escandalizaram todos os seus contemporâneos. “Por que um sentimento de vergonha ronda nossos gloriosos órgãos da reprodução?”, perguntava-se. A seu ver, tentar domesticar as paixões sexuais debilitava a espontaneidade e o gênio humano e, por isso, quem queria se conhecer a fundo devia explorar tudo, e, inclusive, “descer ao abismo das orgias de Baco e Ceres”. Entretanto, quem nesse domínio se mostrava tão aberto em outro sustentava que a única maneira de garantir a ordem era mediante uma autoridade vertical e absoluta que defendesse o indivíduo, a família e a religião como instituições tutelares e intangíveis da sociedade.

Embora esse livro de Isaiah Berlin seja um amálgama de textos, padeça de repetições e dê às vezes a impressão de haver muitos vazios que ficaram por preencher, é lido com o interesse que ele sabia imprimir a todos os seus ensaios, os quais sempre convertia, não importa do que tratassem, em uma festa das ideias.

Fonte: El País, 17/05/2014

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Você conhece o bitcoin, a moeda libertária?

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Quem fabrica o bitcoin não é um governo mas sim um software criado por uma pessoa

Bitcoin- a moeda que vale mais do que dinheiro

Uma nota de R$ 50 é basicamente um cartão de memória. Um cartão que estoca o trabalho que você fez para receber a nota. Então um cabeleireiro pode comprar pão sem ter de cortar o cabelo do padeiro e um fiscal corrupto paga a conta do Fasano sem ter de roubar o caixa Fasano. Não poderia ser mais prático.

Mas não foi sempre assim, tão prático. Até outro dia, ninguém aceitava que um pedaço de papel poderia cumprir essa tarefa de cartão de memória universal. Seu trabalho só servia para alguma coisa se o valor dele chegasse aos seus bolsos na forma de ouro, de prata, ou, na falta de coisa melhor, de cobre. Isso porque o dinheiro precisa cumprir duas regras para ser aceito como dinheiro: 1) Ser algo que todo mundo quer 2) Ser relativamente escasso. Ouro cumpre esse papel com louvor. Primeiro, todo mundo gosta, porque é bonito. Segundo, é raro. Raro mesmo. Mais do que você pensa. Se você juntar todo o ouro já minerado na história, vai dar um prédio de sete andares, ou 140 mil toneladas. Isso é o que a Vale extrai de minério de ferro em seis horas… O ouro, na verdade, é tão difícil de obter que quem sempre fez o papel de dinheiro foram seus primos mais pobres do mundo mineral: a prata e o cobre (geralmente na forma de bronze).

O dinheiro de papel começou a vida não como dinheiro, mas como um recibo. Cada nota dava direito a uma certa quantidade de ouro ou de prata. Esses metais preciosos ficavam em algum cofre, parados ali como lastro, para garantir que aquela nota valia mesmo o que estava escrito nela. Ao longo da história, vários governos tentaram emplacar coisas sem lastro como dinheiro. Roma substituiu moedas de prata por fichinhas de metal vagabundo. A França abandonou a ideia do lastro no século 18, como se papel pintado pudesse mesmo valer como dinheiro. Mas essas ideias nunca pegaram, principalmente porque o fabricante das fichinhas de metal vagabundo ou dos papéis pintados (o governo) nem sempre tendia a fabricar quantidades infinitas de dinheiro sem lastro para gastar ele mesmo – era basicamente o que faziam no Brasil antes de 1994. O fato é que esses abusos públicos impediram a confiança no dinheiro de papel até a metade do século 20.

Na verdade, até 1971. O Brasil já era tri, Sarney já era senador, e o dinheiro só valia dinheiro, mesmo, por um motivo: os EUA se comprometiam a trocar cada US$ 1,25 por um grama de ouro. Os dólares que um governo qualquer, tipo o nosso, tivesse nos cofres servia de lastro para a moeda que ele fabricasse. E o ouro dos EUA lastreava esses dólares. Mas isso era só em tese: já havia muito mais dólares em circulação do que ouro no Fort Knox. Richard Nixon, então, acabou com essa regra.

Desde então é cada um por si. E hoje nem de papel mais o dinheiro é feito. No Brasil mesmo, menos de 1% do dinheiro circula na forma de papel. São só bits armazenados nos servidores dos bancos. Mas não é fácil fazer esses bits aparecerem na sua conta bancária. Você precisa trabalhar por eles com o mesmo afinco que trabalharia para ganhar ouro. Então não tem diferença: esses bits valem ouro.

E aí que a gente chega no bitcoin. O bitcoin é uma moeda tão virtual quanto o dólar ou o real. A diferença é que quem fabrica bits de dólar e de real são dois governos soberanos. E quem fabrica o bitcoin não é nem um governo nem uma pessoa, mas um software (que foi criado por uma pessoa, claro, mas que opera por conta própria).

Esse software começou a funcionar em 2009. O que ele fazia era jogar bitcoins nas “carteiras digitais” do pessoal envolvido com a criação do sistema. No começo, então, a coisa era basicamente uma moeda que só valia dinheiro entre eles: um sujeito dessa comunidade podia fazer algum serviço pra outro em troca de bitcoins. Aí ele gastava o dinheiro virtual que tinha ganhado pagando por outro serviço de alguém da mesma comunidade.

Parece bobo, mas o real funciona assim também, com a diferença de que a “comunidade” aí é o país inteiro. E o sistema também não é tão diferente assim daquele que faz o dinheiro normal circular: você baixa uma “carteira digital” num site, o MultiBit, ou por um aplicativo de Android, o BitCoin Wallet. Para carregar essa carteira, você vai nos sites que trocam dinheiro real por bitcoins, como o Mt.Gox e o Mercado Bitcoin. E aí é “só” achar algum lugar que aceite bitcoins como moeda – um restaurante, uma padaria, o que for. Achando, você pega o celular e transfere uma parte das bitcoins para o dono do lugar. Pronto.

O pulo do gato do bitcoin é que a quantidade de lugares que aceita a coisa como moeda está crescendo. Em Berlim, pelo que conta o meu amigo Rafael Kenski, que passou um ano por lá, existe até um bairro cheio de cafés e lojas de roupas que aceitam bitcoins como se fossem euros. Até eu aceito, olha só: meu mini-e-book, o Por que Tudo Custa Tão Caro no Brasil está à venda no site da Super por bitcoins (a ideia foi do Kenski, que voltou da Alemanha para chefiar a internet da Super e de outras revistas da Abril).

Bom, tudo isso está valorizando o próprio bitcoin. Lógico: quanto mais gente aceita a coisa como dinheiro, mais dinheiro a coisa vale. E foi uma subida monstruosa. A primeira vez que alguém aceitou a coisa em troca de um produto de verdade foi em 2010, quando um cara pagou duas pizzas com 10 mil bitcoins. No mês passado, quando a Super começou a vender o e-book, isso dava R$ 2 milhões. Enquanto este texto é escrito, R$ 15 milhões. Pois é: um bitcoin sozinho vale R$ 1.500 – ele continua utilizável porque o sistema permite transações de até 1 bilionésimo de bitcoin.

Mas claro: boa parte dessa subida é especulação pura. O povo das finanças está comprando toneladas de bitcoins na esperança de que o troço passe a ser tão aceito quanto dólares ou euros. Eu não apostaria nisso o papel sujo com uma onça desenhada que está na minha carteira agora – mas algo me diz que estou errado.

Fonte: Superinteressante, Crash, 22/11/2013, por Alexandre Versignassi

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A Beleza continua sendo fundamental

A beleza é baseada na simetria e proporcionalidade
das formas que geram harmonia na composição do real
.

Não costumo ter simpatia por conservadores, bem pelo contrário. Sobretudo não gosto da mania conservadora de querer que todos vivam em seu eterno pretérito presente. Em geral, conservadores são como uma âncora que não se consegue içar, mantendo o navio preso ao porto da rotina, da segurança e da estagnação.

Entretanto, como toda a regra tem exceção, eis que me vejo, em boa parte, de acordo com Roger Scruton, filósofo conservador inglês, em seu documentário Why Beaty Matters (Porque a beleza importa) que foi veiculado em 28/11/2009 pela BBC.  Neste documentário (ver após o post), Scruton questiona as razões pelas quais a humanidade perdeu o senso ético e estético de Beleza e hoje até cultua a feiura.


Verdade. Existe de fato um culto à feiura nos dias atuais. Por exemplo, sob pretexto de se questionar os padrões de beleza, sobretudo feminina, volta e meia rolam postagens, nas redes sociais,  com imagens de pessoas obesas e mesmo disformes sendo definidas como "bonitas" ou "sexy". Questionar os padrões de beleza, contudo, significa apenas apresentar os diferentes tipos de beleza humana distintos do padrão comercial, pasteurizado, da indústria da moda e dos cosméticos. Significa apresentar a diversidade da beleza natural das mulheres em oposição ao modelo meio anoréxico das top models ou photoshopado das celebridades.  

Não significa cultuar a feiura e querer que todos embarquem nessa com a desculpa esfarrapada de rebeldia contra a ditadura da beleza ou de promoção da inclusão social dos desvalidos estéticos. Inclusão social não passa por uma deturpação do conceito de beleza a ponto deste passar a significar seu antônimo. Quando até o grotesco começa a ser tido como belo é porque as coisas estão bem feias.

Os cultores e as cultoras da feiura que me perdoem, mas a beleza continua sendo fundamental. E a melhor definição de beleza também continua sendo SIM a estabelecida pelas culturas greco-romanas e renascentistas. Ela é baseada na simetria e proporcionalidade das formas que geram harmonia na composição do real É essa harmonia que nos permite identificar o que é belo nos humanos ou na natureza em geral. Qualquer coisa ou criatura que fuja demais desses parâmetros não pode passar por bela, a não ser se vista de uma perspectiva muito distorcida.

A vida já nos oferece muita feiura e muito sofrimento. Não faz sentido, ainda por cima, cultuar esse tipo de coisa. E não percam o vídeo porque vale a audiência.


Por que a Beleza Importa (Why Beauty Matters). Legendado from O Godzilla on Vimeo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

8 exemplos de como o capitalismo possibilitou a liberação das mulheres

O capitalismo tem suas fraquezas, mas foi ele  que pôs fim à
 opressão das aristocracias hereditárias, melhorou o padrão de vida
 da maioria das pessoas no mundo e possibilitou a  emancipação das mulheres. Camile Paglia
Transcrevo o texto abaixo, originalmente postado no blog Capitalismo para os Pobres porque achei interessantes os exemplos que o autor, Diogo Costa, listou sobre a ajuda da economia de mercado  à liberação feminina. Como já abordei em texto aqui do CCC (Feminismo e Liberalismo: uma relação histórica e íntima!), ao contrário do que dizem os conservadores, o feminismo, em sua acepção geral de luta pelos direitos das mulheres, não só não tem sua origem em um suposto marxismo cultural como até, ao contrário, deve sua paternidade às ideias liberais, em especial as de igualdade de direitos perante a lei, de soberania do indivíduo sobre seu próprio corpo e de liberdade individual em geral. Não por menos, aliás, os primórdios do feminismo coincidem com o aparecimento das ideias liberais. 

Mas não só no aspecto doutrinário e filosófico, o liberalismo pavimentou o caminho para as lutas femininas. Também do ponto de vista econômico, os avanços tecnológicos decorrentes da economia de mercado, mudaram em muito a condição da mulher para melhor. Sobretudo o advento da pílula anticoncepcional, do início da década de 60, trouxe um enorme avanço para a liberdade das mulheres pelo controle que lhes proporcionou sobre o processo reprodutivo.

Ressalvo apenas que, obviamente sem o protagonismo das próprias mulheres na luta por seus direitos, não teria sido possível aproveitar os progressos trazidos pelo capitalismo. As limitações impostas às mulheres nunca foram fundamentalmente decorrentes das limitações tecnológicas e sim da cultura patriarcal. Nunca foi por questões de maior fragilidade física que as mulheres foram restritas ao lar e às tarefas domésticas e impedidas de estudar (ninguém precisa ser fisiculturista para levantar um livro, pois não?). Essa é apenas uma desculpa machista  para justificar a exclusão social das mulheres.

Mulheres já foram consideradas frágeis demais para fazer esportes, para jogar futebol, para lutar boxe e MMA, para trabalhar na construção civil, em exércitos e na polícia. Hoje as mulheres estão em todas essas profissões e com certeza não houve nenhuma alteração anatômico-fisiológica na constituição feminina nos últimos duzentos anos. Fora que as mulheres mais pobres sempre tiveram que trabalhar tanto nas cidades quanto no campo. 

Então, não procede o que diz o autor do texto de que a industrialização permitiu que as mulheres compensassem com neurônios o que lhes faltava em musculatura. De fato, foram as mulheres mais pobres que passaram a ralar nas fábricas porque estas surgiram como uma alternativa de trabalho melhor remunerada que as outras existentes, embora longe de satisfatórias.  Mas é fato que, apesar dos pesares, essa melhor remuneração contribuiu para dar mais independência financeira para as mulheres das classes trabalhadoras, abrindo espaço para a ideia da emancipação feminina em geral.

E, ainda hoje, acho que uma das melhores formas de tirar as mulheres da pobreza e lhes dar mais autonomia em todos os sentidos é possibilitando que se tornem pequenas, médias e grandes empreendedoras. Em outras palavras, capitalismo para as mulheres, sobretudo para as pobres. 

8 Conquistas Capitalistas Das Mulheres 

1. A Revolução Industrial


Ouvimos falar das péssimas condições que mulheres e crianças enfrentavam na indústria britânica do século XIX pelas páginas de Dickens ou pela boca do nosso professor de geografia. E às vezes nos esquecemos perguntar por que as mulheres escolhiam ir para as fábricas. Na verdade, as fábricas aumentaram a renda e a independência das mulheres.

Voltaire notava que, por serem fisicamente mais fracas que os homens, as mulheres eram “pouco capazes de fazerem o trabalho pesado de marcenaria, carpintaria, ferragem ou arado”. E que, portanto, “elas eram necessariamente delegadas com os trabalhos mais leves do interior da casa e, sobretudo, com o cuidado dos filhos”.

Ninguém acusa Voltaire de machismo. O que ocorria no século XVIII era uma falta de oportunidade para o trabalho feminino. Com as máquinas, as habilidades humanas mudam de valor. O capital deixa o trabalho menos braçal e mais intelectual, permitindo que as mulheres compensassem com neurônios o que lhes faltava em musculatura. Por ser mais produtivo que o trabalho rural, a renda dos trabalhadores industriais superou a renda do campo. Foi a revolução industrial que dinamizou o processo de emancipação econômica das mulheres.

2. A Invenção da Bicicleta


Mais barata e fácil de manter que o cavalo, a bicicleta deu mais mobilidade às mulheres no final do século XIX. A National Geographic publicou The Wheels of Change só para contar a história feminina da bicicleta. Originalmente, havia bicicletas com os dois pedais do mesmo lado, para que as mulheres pudessem pedalar em seus vestidos longos e de múltiplas camadas de tecido. Com o passar do tempo, o ato de pedalar causou uma reimaginação do vestuário feminino. E permitiu que as mulheres se deslocassem com mais facilidade, seja para trabalhar, se educar, ou conspirar pelos seus direitos. A líder feminista Susan B. Anthony dizia que a bicicleta “fez mais para emancipar as mulheres do que qualquer outra coisa no mundo.”

3. A Evolução da Máquina de Lavar



“Salve a vida das mulheres”, dizia a madeira que revestia as máquinas de lavar produzidas em 1907 pela Nineteen Hundred Company. O slogan é o título do livro de Lee Maxwell que conta a história da máquina de lavar. Lavar roupa em caldeirões ferventes de fato não era uma atividade muito segura. A automatização do trabalho doméstico aumentou o bem-estar feminino. A partir da máquina de lavar, outros utensílios começaram a realocar o espaço e o tempo das atividades femininas. A vida da mulher se torna mais segura – a cozinha de tempos pré-industriais era o principal local de acidentes fatais entre as mulheres. E menos tempo em trabalhos domésticos permitiu às mulheres se educarem e investir em outras atividades, da arte à indústria.

4. A Comercialização das Artes

Berthe Morisot


















“O declínio do sistema de patronagem serviu de alavanca para as mulheres escritoras”, diz Tyler Cowen em In Praise of Commercial Culture. “Os homens, que tinham conexões políticas e sociais, recebiam quase todo o patrocínio artístico.” Ao poder depender diretamente dos consumidores, as mulheres podiam desenvolver sua arte sem precisar pedir licença ao clubinho masculino. E a diminuição dos custos do material artístico, como tintas, pincel e canvas, fez com que praticar arte fosse menos um privilégio da elite e mais uma questão de talento. 

5. O Mercado Publicitário



Pode parecer frivolidade, mas o mercado de beleza abre oportunidades para a independência financeira das mulheres. Anne Applebaum lembra que “na União Soviética não havia mercado para a beleza feminina. As revistas de moda não exibiam mulheres bonitas, porque não havia revistas de moda. Nenhuma série de televisão dependia de mulheres bonitas para aumentar sua audiência, porque não se media a audiência.” Quantas líderes femininas não alcançaram proeminência por causa do mercado publicitário?

6. O Anticoncepcional



“Pela primeira vez na experiência humana, e talvez na própria natureza, um dos sexos passou a ter o controle sobre a produção de bebês”, escreve Lionel Tiger em The Decline of Men. Os anticoncepcionais deram poder reprodutivo às mulheres. Antes da sua invenção, entre 30 a 50% das noivas se casavam grávidas. O declínio desse número significa que mais mulheres puderam planejar e escolher quem será o pai dos seus filhos. Os homens passaram a ter que mudar o comportamento com relação às mulheres para se tornarem merecedores da paternidade. Agora são os homens que estão reavaliando o seu declínio social.

7. Acesso ao Crédito



Ainda hoje, as mulheres correspondem a 70% da população pobre do planeta. O acesso ao crédito é um dos instrumentos de enriquecimento das mulheres. Em boa operação, um sistema financeiro coloca pessoas com competência e boas ideias em pé de igualdade com pessoas que tem apenas o dinheiro. Novas modalidades financeiras, como o microcrédito, têm permitido que as mulheres se tornem mais empreendedoras, produtivas e participem do processo de desenvolvimento econômico de suas sociedades.

8. A Migração Global

Ayaan Hirsi Ali, emigrante somaliana e líder feminista global














Em boa parte do mundo, o dia internacional das mulheres gera mais amentação do que celebração. De acordo com relatório da Freedom House sobre direitos das mulheres:

A violência de gênero continua a ser um dos obstáculos mais graves para as mulheres no Oriente Médio. As leis que protegem as mulheres da violência conjugal são ausentes na maioria dos países, o estupro conjugal não é criminalizado, e homicídios de honra ainda ocorrem e estão em ascensão no Iraque e na Palestina. As mulheres experimentam consideráveis ​​obstáculos no acesso à justiça devido ao seu baixo grau de alfabetização jurídica e à natureza patriarcal das sociedades. As mulheres também são significativamente sub-representadas em altos cargos na política e no setor privado, em alguns países, elas estão completamente ausentes do judiciário.

Às vezes a melhor maneira de escapar de uma sociedade com mínimas perspectivas de dignidade e liberdade é, de fato, sair de lá. Hoje o número de mulheres migrantes já equivale ao de homens. Grande parte delas migra para seguir ou reencontrar sua família. Mas o Fundo de População das Nações Unidas elenca outros motivos:

. Para estudar ou para adquirir experiência de trabalho e independência econômica, a fim de ganhar mais respeito dentro de sua família e da comunidade por causa da sua contribuição para o bem-estar…

. Para escapar da discriminação de gênero e de normas constrangedoras de gênero, como a obrigação de se casar e ter filhos, ou a proibição de estudar e trabalhar.

Mesmo quando voltam para seus países, as mulheres voltam transformadas e novas agentes de transformação. Como relata a migrante indiana Sushila Rai:

"Enquanto trabalhei em Hong Kong experimentei muitas coisas – A maneira como as pessoas tratam uma mulher, dependente ou independente. Ganhei muita experiência e minha confiança aumentou. Agora eu tenho voz ativa na tomada de decisão em casa. Meu marido não grita comigo. Eu comprei um pedaço de terra e quatro riquixás. Estou criando um meio de subsistência para outras quatro famílias."

“A conquista capitalista não consiste tipicamente em prover mais meias de seda para rainhas”, dizia o economista Joseph Schumpeter em 1942, “mas em trazer [meias de seda] para o alcance das meninas das fábricas em retorno a quantidades de esforço cada vez menores”. As consequências dessas conquistas não protegem e adornam apenas os pés dessas meninas – acabam protegendo seus direitos e adornando suas vidas.

Fonte: Capitalismo para os Pobres, 08/03/2013

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Fina Ironia: Direita X Esquerda - o retorno

Posto texto do Antônio Prata, reproduzido no blog do Augusto Nunes, porque criativo e engraçado, embora tenha dúvidas se a maioria entendeu (ou entenderá) a fina ironia do autor. Na mesma linha, contribuo: "A diferença entre a esquerda e a direita é que a esquerda pensa com o coração, mas o coração não tem cérebro, e a direita esqueceu o coração em algum lugar, mas nem se preocupa em saber onde."

Direita X Esquerda - o retorno 

ANTÔNIO PRATA

Depois que o muro de Berlim foi partido em cubinhos e vendido como souvenir, Che Guevara passou a usar o chapéu do Mickey Mouse e a Colgate uniu o mundo num único e branco sorriso, muita gente pensou que esquerda e direita tinham ficado para trás. Dizia-se que, dali em diante, os termos só seriam usados para indicar o caminho no trânsito e diferenciar os laterais no futebol. Afinal de contas, estávamos no fim da história e, como sabíamos desde criancinhas, todos viveriam felizes para sempre.

Mas o mundo gira, gira e – eis aí um grande problema de rodar em torno do próprio eixo – voltamos para o mesmo lugar. Se a história se repete como farsa ou como história mesmo, não faço a menor idéia, mas ouso dizer, parafraseando Nelson Rodrigues (que já foi de direita, mas o tempo e Ruy Castro liberaram para a esquerda), que hoje em dia não se chupa um Chicabom sem optar-se por um dos blocos.

Ah, como fomos tolos! Acreditar que aquela dicotomia ontológica resumia-se à discussão sobre quanto o Estado deveria intervir no mercado (ou quanto o Mercado deveria ser regulado pelo estado, o que vem a ser a mesma coisa, de maneira completamente diferente) é mais ou menos como pensar que a diferença entre homens e mulheres restringe-se ao cromossomo Y. Ou ao comprimento do cabelo.

Estado e Mercado são apenas a ponta de um iceberg, ou melhor, dois icebergs sociais, culturais, gastronômicos, gramaticais, musicais, lúdicos, léxicos, religiosos, higiênicos, esportivos, patafísicos, agronômicos, sexuais, penais, eletro-eletrônicos, existenciais, metafísicos, dietéticos, lógicos, astrológicos, pundonôricos, astronômicos, cosmogônicos – e paremos por aqui, porque a lista poderia levar o dia todo.

Justamente agora, quando esquerda e direita, pelo menos em suas ações, pareciam não divergir mais sobre as relações entre Estado e Mercado (ponhamos assim, os dois com maiúsculas, para não nos acusarem de nenhuma parcialidade), a discussão ressurge lá do mar profundo, com toda a força, como o tubarão de Spielberg.

Para que o pasmo leitor que, como eu, dá um boi para não entrar numa discussão, mas uma boiada para não sair, não termine seus dias sem uma única rês, resolvi enumerar algumas diferenças entre essas, digamos, maneiras de estar no mundo. Dessa forma saberemos, ao comentar numa mesa de bar, na casa da sogra ou na padaria da esquina, “dizem que o filme é chato” ou “como canta bem esse canário belga”, se estamos ou não pisando inadvertidamente numa dessas minas ideológicas, mandando os ânimos pelos ares e causando inestancáveis verborragias.

A lista é curta e provisória. Outras notas vão entrar, mas a base, por ora, é essa aí. Se a publico agora é por querer evitar, mesmo que parcialmente, que mais horas sejam ceifadas, no auge de suas juventudes, nas trincheiras da mútua incompreensão. Vamos lá.

A esquerda acha que o homem é bom, mas vai mal – e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas vai bem – e tende a melhorar.

A esquerda acusa a direita de fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir, marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).

Temos trânsito na cidade. O que faz a direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não está preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.

Temos trânsito na cidade. O que faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?, cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.

Direita e esquerda são uma maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes), diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda. (“filosofar é aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço plásticas, rebate a direita. Neurótica! – grita a esquerda. Ressentida! – grita a direita.

A direita vai à academia, porque é pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à yoga, porque o processo é tão ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de direita).

Um estudo de direita talvez prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que os vícios privados geram benefícios públicos – se encararmos vício privado como o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de esquerda).

Um estudo de esquerda talvez prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga (processo, holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos mais do que a musculação. (Yoga já é de direita, diz alguém que lê o texto sobre meus ombros, provando que o provérbio correto é “pau que nasce torno, sempre se endireita”).

Dieta da proteína: direita. Dieta por pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo. Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante sobre os Vigilantes do Peso).

Evidente que, dependendo da época, as coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris). Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.

As coisas também mudam, dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita. Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).

Leão, urso, lobo: direita. Pinguim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo. Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita. Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que se encontram no mapa). Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo, calcanhar: esquerda. Bíceps, abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda. Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade, praticidade, razão).

Liquidificador é de direita. (Maquiavel: dividir para dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é um caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita – e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.

Graal é de direita, Fazendinha é de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.

No sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A mulher de quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita, mulher é de esquerda. (mas talvez essa seja a visão de uma mulher – de esquerda).

Vogais são de esquerda, consoantes, de direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar, pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e Freakonomics embaixo do braço. (O trema e a crase acham todo esse debate uma pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).

“Eu gostava mais no começo” é de esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.

Dia é de direita, noite é de esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda, quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron informou que ele prefere ausentar-se da discussão.

To be continued (continua, para os de direita)

Under construction (em construção, para os de esquerda)

Fonte: (re)publicado no blog do Augusto Nunes em 29/06/2013 via blog do Antonio Prata

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Estado ou não Estado, eis a questão?: Anarquistas, neoliberais e Foucault!

Contardo Calligaris
Neoliberais e anarquistas têm uma paixão comum: para ambos, a liberdade do indivíduo é o valor supremo

Por definição, os anarquistas não gostam de pertencer a coletividades, comunidades e grupos. Eles têm em comum uma antipatia (se não um ódio) pelos poderes instituídos, do Estado às igrejas, passando pelas torcidas, os partidos, os clubes etc. Fora esse sentimento comum, eles preferem pensar cada um por conta própria.

Mas, embora haja mil maneiras de ser anarquista, existe uma grande distinção que talvez seja legítima.

Há os anarquistas clássicos, que a esquerda gosta de incluir em suas fileiras. Grosso modo, eles acham que o fim do Estado e de todas as igrejas (por exemplo) criará uma nova sociedade de homens livres e pares. Tradicionalmente, esses anarquistas, por serem alérgicos ao poder dos partidos e dos Estados pretensamente "revolucionários", foram usados e, no fim, massacrados por seus supostos "companheiros" comunistas e socialistas (como aconteceu na guerra da Espanha).

E há os anarquistas que são hoje chamados de anarco-capitalistas, que a direita gosta de incorporar. Os anarco-capitalistas não sonham com uma sociedade radicalmente nova, eles apostam que a economia de mercado seja capaz de se contrapor ao Estado e aos poderes instituídos, de forma a substituí-los e torná-los desnecessários.

O que se ganharia com isso? Os anarco-capitalistas acham que, em matéria de liberdade, ser consumidor é um jeito relativamente pouco custoso de ser cidadão. Isso, sobretudo nas últimas décadas, em que o consumo tende a não ser massificado. Ou seja, a ideia anarco-capitalista é que, se deixássemos o mercado regrar nossa sociedade, nossa vida seria menos controlada e regrada do que ela é agora, pelo Estado e outros poderes.

Pergunta: sem o Estado, quem nos protegeria contra os abusos do mercado? É bom não esquecer que os anarquistas, em tese, se protegem sozinhos: se você não gosta de delegar poder a uma instituição, seja ela qual for, deve estar disposto a fazer polícia e justiça com suas mãos (é por isso, aliás, que o movimento libertário dos EUA sempre será fortemente favorável à livre circulação das armas).

Fato curioso, há uma similitude entre os anarco-capitalistas e os neoliberais. Mas é melhor explicar um pouco, porque (sobretudo se formos "progressistas") nossa visão dos neoliberais é distorcida.

Os liberais clássicos, tipo Adam Smith, querem preservar a liberdade do mercado dentro de qualquer sistema político.

Para os neoliberais de hoje, o mercado poderia (ou deveria) substituir qualquer sistema de governo a ponto de torná-lo desnecessário.

Há duas maneiras de entender essa ideia. Uma consiste em pensar que os neoliberais querem nos entregar de mãos atadas às grandes corporações e à sedução de sua propaganda. A outra consiste em pensar que os neoliberais são extremamente próximos dos anarco-capitalistas: querem que o mercado nos liberte, ou melhor, imaginam que o mercado seja a forma de organização social mínima, a que controla menos a nossa vida.

Para quem se deu a pena de ler Friedrich Hayek (que talvez seja o maior pensador do neoliberalismo --vários livros em português, publicados pelo Instituto Ludwig Von Mises), a resposta que faz mais sentido é a segunda.

Ou seja, há uma séria proximidade entre neoliberais e anarco-capitalistas. Essa proximidade consiste numa paixão comum pela liberdade do indivíduo como valor que não pode nem deve ser alienado em favor de entidade coletiva alguma.

Um sociólogo francês, Geoffroy de Lagasnerie, tenta há tempos defender uma leitura atenta dos autores neoliberais (para ter uma ideia da polêmica, um artigo dele de 2011, no "Le Monde", http://migre.me/eSa0S).

Em 2012, De Lagasnerie publicou um livro crucial sobre Michel Foucault, que acaba de ser traduzido, "A Última Lição de Michel Foucault" (Três Estrelas).

O livro mostra o irrefutável: em seu último seminário ("O Nascimento da Biopolítica", Martins Fontes), Foucault (um ícone da esquerda) leu, apresentou e (pasme) levou a sério os pensadores neoliberais (Hayek, em particular). E não foi uma loucura de última hora. Ao contrário, o interesse de Foucault pelos neoliberais não deveria nos escandalizar.

Aliás, qual seria o escândalo? Aparentemente, a ideia de que, para o bem ou para o mal, o neoliberalismo é também uma grandiosa defesa da diversidade e da liberdade do indivíduo --fato que não podia deixar indiferente o maior pensador anarquista do século 20, Michel Foucault.

@ccalligaris

Fonte: Folha de SP, 6 DE JUNHO DE 2013

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Renato Russo: Eu sou capitalista!

Crédito imagem: Foco Liberal 
Na nova onda de roqueiros posarem de liberais, descolaram o vídeo que posto abaixo do Renato Russo, dizendo com todas as letras que era capitalista. Em outras palavras, que ele precisava ganhar dinheiro para sobreviver. Apenas realismo, mas como virou um anátema alguém se dizer capitalista, sobretudo alguém que nunca se encaixou na visão que se têm dos capitalistas, vale o registro.

Nessa linha, contudo, não me agradou a última "polêmica" envolvendo o roqueiro Lobão que jogou merda no ventilador para promover seu livro recém-lançado, Manifesto do Nada na Terra do Nunca, misturando umas boas verdades com meias-verdades e críticas inadequadas a muitos outros artistas. Aliás, abriu-se um filão de vendas com a escrita e a fala de pseudoprovocadores que, entre palavrões e baixarias, vomitam um monte de clichês retrógrados sob a desculpa esfarrapada de serem rebeldes contra o politicamente correto. Se a princípio havia algo de saudável nessa atitude, ela se perdeu. Hoje o que existe é apenas muito poser fazendo de tudo para aparecer e vender às custas do saco cheio das pessoas com os esquerdiotismos vigentes. Esses posers estão somente acrescentando uma imagem caricata à visão já bem negativa que as pessoas têm dos liberais. Nada além. 

Não sei se Renato Russo, que tinha talento de sobra para se vender, iria descambar para essa vibe marqueteira a todo custo. Especulem, ouvindo o cara abaixo. Aproveito para também deixar uma resenha a respeito do filme 'Somos tão jovens'  sobre a juventude do cantor e compositor.

'Somos tão jovens' estreia e diretor já pensa em novo filme sobre Legião
Antônio Carlos da Fontoura lança longa sobre juventude de Renato Russo.  Ele diz que distribuidoras sondam e família permite 'parte 2': 'Seria bacana'.

"Ainda é cedo", brinca Antônio Carlos da Fontura, diretor de "Somos tão jovens", citando a música de Renato Russo, ao ser questionado sobre uma possível sequência de seu filme. O longa que mostra a juventude do músico, antes do estouro da Legião, estreia nesta sexta (3). Mas Fontoura diz que já foi sondado pelas distribuidoras Imagem Filme e Fox por uma continuidade e que o espólio do cantor dá essa opção. "Existe essa possiblidade e eu acharia muito bacana que isso acontecesse", diz o cineasta em entrevista em vídeo ao G1 (veja a entrevista acima). 


O cineasta também fala sobre a escolha do nome do filme que estreia agora. "O título original era "Religião urbana". mas o Dado e outras pessoas me disseram que o Renato odiava esse nome, porque achavam que estavam gozando ele, que ele era um pregador" Foi Dona Carminha, mãe de Renato Russo, quem exigiu o "Somos tão jovens". "Eu faço tudo o que você quiser pelo filme, porém, mude o título agora", ela disse para Fontoura, segundo o diretor.

Dado Villa-Lobos diz que o filme que estreia agora tem uma ideia bem fechada. "Eu acho que a história desse filme é essa história. O que veio depois todo mundo conhece, sabe mais ou menos o que é. Seria outra história, outro roteiro". Ele falou ao G1 ao lado de seu filho, Nicolau, que o interpreta no filme, e de Marcelo Bonfá, ex-colega de Legião (veja vídeo ao lado).

"Acho que esse outro [filme] vira um road movie, com uma banda e o que aconteceu no cenário dos anos 80 no Brasil", arrisca Dado. Nicolau cita "Almost famous" ["Quase famosos", "road movie" sobre rock de 2000] e Bonfá brinca ao citar "This is Spinal Tap", um falso documentário de 1984 sobre uma banda de heavy metal, completando a fala de Dado.

Nicolau, de 24 anos, diz que teve a dimensão do trabalho de Renato ao fazer o filme. "A coisa que mais me marcou, que eu realizei, é o tamanho da Legião e do Renato. A mobilização das pessoas em Brasília foi gigante para o filme. [Aprendi] a dimensão da Legião, porque eu peguei o finalzinho, sou de 88. Vamos ver o que vai acontecer nos cinemas, eu estou ansioso, e acho que tem tudo para ir muito bem".

quinta-feira, 25 de abril de 2013

A Tradição da Liberdade: Grandes obras do pensamento liberal


Em sua palestra, agora recentemente no Rio, Mário Vargas Llosa (ver postagem anterior), anteriormente socialista, afirma que, ao entrar em contato com a doutrina liberal, ficou fascinado pela altura intelectual de muitos de seus pensadores e percebeu que a demonização dessas ideias, feita sobretudo na América Latina, é algo monstruoso, considerando estar as ideias liberais por trás dos avanços mais extraordinários realizados pela civilização humana.

Como concordo com o grande escritor quanto ao absurdo da demonização das ideias liberais, tenho procurado divulgar links de bibliotecas sobre o tema e mesmo postado textos integrais aqui no blog. Nesse sentido, reproduzo agora o livro A Tradição da Liberdade: Grandes obras do pensamento liberal que sumariza algumas das principais obras de autores liberais clássicos e modernos. Boa leitura!
 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Cursos de filosofia grátis

Lista de Cursos  de Filosofia de grandes mestres de grandes universidades internacionais. 

Para acessar os cursos (em inglês), basta clicar no link vermelho de cada curso.

A Romp através de Ética para iniciantes - Vídeo iTunes - Vídeo Web - Web Audio - Marianne Talbot, da Universidade de Oxford

Estética e Filosofia da Arte - iTunes - Web - James Grant, da Universidade de Oxford

Filosofia Antiga e Medieval - Vídeo iTunes - Vídeo Web - David O’Connor, Notre Dame

Filosofia Antiga - iTunes - David Ebrey, UC Berkeley

Sabedoria Antiga e Modern Love - Vídeo iTunes - Vídeo Web - Professor David O’Connor, Notre Dame

Argumento Diagramação - Web - Carnegie Mellon

Aristóteles: Ética - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Aristóteles: Retórica - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Aristóteles: Política - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Autoridade e do Indivíduo: Seis Palestras BBC - Web Site - Bertrand Russell, Cambridge

Bioética: Uma Introdução - Web - Vídeo iTunes - Áudio iTunes - Marianne Talbot, Oxford

Raciocínio crítico para Iniciantes - Vídeo iTunes - Áudio iTunes -Web Video e áudio - Marianne Talbot, Oxford

Morte - YouTube - iTunes Áudio - Vídeo iTunes - Curso de Download - Shelly Kagan, Yale
Oito Cursos de Filosofia por Gilles Deleuze - YouTube - Gilles Deleuze, Université Paris-VIII

Filosofia Ambiental - Vídeo iTunes - Vídeo Web - Kenneth Sayre, Notre Dame

Existencialismo na Literatura e Cinema - iTunes - Web - Hubert Dreyfus, UC Berkeley

Existencialismo em Literatura e Cinema - RSS Feed - Sean Dorrance Kelly, da Universidade de Harvard.
Dos Deuses e Back - Web - Hubert Dreyfus, UC Berkeley

Filosofia Geral - iTunes - Web - Peter Millican, Oxford University

Hegel: A Filosofia da História - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Fenomenologia do Espírito de Hegel - Web Site - JM Bernstein, Nova Escola

Fenomenologia do Espírito de Hegel - Web Site - Richard Dien Winfield, da Universidade da Geórgia

Ciência da Lógica de Hegel - Web Site - Richard Dien Winfield, da Universidade da Geórgia

Heidegger: Ser e Tempo - Feed RSS - Web Site - Sean Dorrance Kelly, Harvard

Ser de Heidegger e Hora - iTunes - Web - Hubert Dreyfus, UC Berkeley

Heidegger Ser e Tempo, da II Divisão - iTunes - Hubert Dreyfus, UC Berkeley

História da Teoria Política - iTunes - Wendy Brown, UC Berkeley

Hobbes: Leviatã e De Cive (1964) - Web Site - Leo Strauss, U Chicago.

Introdução à Filosofia Política - YouTube - iTunes - Curso de download , Steven B. Smith, Yale

Introdução à Teoria - Vídeo iTunes - Professores Múltiplos, Wesleyan

Justiça: Qual é a coisa certa a fazer? - YouTube - iTunes - Web Site- Michael Sandel, de Harvard

Kant - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Crítica do Juízo de Kant - Web Site - JM Bernstein, Nova Escola

Crítica de Kant da Razão Pura - Vídeo iTunes - iTunes Áudio - Vídeo / Áudio na Web - Dan Robinson, Oxford

Crítica de Kant da Razão Pura - Web Site - Richard Dien Winfield, da Universidade da Geórgia

Crítica de Kant da Razão Pura - Web Site - JM Bernstein, Nova Escola

Heidegger - Web Site - Sean Dorrance Kelly, Harvard

Walter Kaufmann Palestras sobre Nietzsche, Kierkegaard e Sartre - Web Site

Epistemologia Kant - iTunes - Dr Susan Stuarts, da Universidade de Glasgow

Lógica e Provas - Web - Carnegie Mellon

Maquiavel - Web 1 , 2 , 3 , 4 , 5 , – Allan Bloom, U. Chicago

O homem, Deus, Sociedade e na literatura ocidental - Áudio iTunes - Web - Hubert Dreyfus, UC Berkeley

Marx - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Ética Médica - Web Audio - David Salomão, Notre Dame

A fenomenologia de Merleau-Ponty de Percepção - Web - Hubert Dreyfus, UC Berkeley

Montesquieu O Espírito das Leis (1966) - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Moralidade e Modernidade - Vídeo Web - David Salomão, Notre Dame

Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Nietzsche ea condição pós-moderna - Web Site - Rick Roderick, duque

Filosofia e valores humanos - Web Site - Rick Roderick, duque

Filosofia e Ciências da Natureza Humana - YouTube - Áudio iTunes - Web Site - Tamar Gendler, Yale

Filosofia no Cinema e Outras Mídias - iTunes - YouTube - Web - Irving Singer, MIT

Filosofia para Iniciantes - iTunes - Vídeo / Áudio na Web - Marianne Talbot, Oxford

Filosofia da Linguagem - iTunes - Web - John Searle, UC Berkeley

Filosofia do Amor no mundo ocidental - iTunes - YouTube - Web - Irving Singer, MIT

Filosofia da Mente - iTunes - YouTube - John Searle, UC Berkeley

Filosofia da Religião - iTunes - Web - TJ Mawson, Oxford

Filosofia da Sociedade - iTunes - Web - John Searle, UC Berkeley

Apologia de Platão de Sócrates - YouTube - Allan Bloom, UChicago

Apologia de Platão / Críton - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Platão: Górgias - Web Site - Leo Strauss, U Chicago.

Platão: Leis - Web Site - Leo Strauss, U Chicago.

Platão: Meno - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Platão, Protágoras - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

A República de Platão - Web Site - Laurence Bloom, da Universidade da Geórgia

Pensamento Política, Económica e Social - iTunes - Charles Anderson, UW-Madison

Proust e Filosofia - alimentação - Johns Hopkins

Teoria Social, Ciências Humanas e Filosofia Agora - Vídeo Web - Roberto Mangabeira Unger, Harvard

A Arte de Viver - Web Site - Equipe ensinou, Stanford

A filosofia central do Tibete - Web Audio - Robert Thurman, da Universidade de Columbia

A Vida Examinada - iTunes - Greg Reihman, Lehigh University

A história da filosofia, sem quaisquer lacunas - vários formatos - Peter Adamson, Kings College London

A história da teoria social ocidental - YouTube - Alan MacFarlane, da Universidade de Cambridge

O Auto Under Siege - Web Site - Rick Roderick, duque

Os fundamentos morais da política - YouTube - Vídeo iTunes - Áudio iTunes - Web Site - Professor Ian Shapiro, Yale

A natureza da mente - YouTube - Vídeo iTunes - iTunes Áudio - Web- John Joseph Campbell, UC Berkeley

As Origens da Ciência Política - Web Site - Leo Strauss, UC Chicago

O secular eo sagrado - Web Site - Sean Dorrance Kelly, Harvard

Teoria do Significado - YouTube - Vídeo iTunes - iTunes Áudio -Web - John Joseph Campbell, UC Berkeley

Tucídides - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Verdade e Subjetividade / a cultura da auto - Web Site - Michel Foucault, UC Berkeley

Vico: Seminário em Filosofia Política - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Xenofonte oeconomicus - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

Fonte: Canal do Ensino

terça-feira, 12 de março de 2013

A ideologia das aspas

por Roberto Romano
Outro bom texto do filósofo Roberto Romano. Aprecie sem moderação.

Jean-Pierre Faye, linguista e autor de fina análise do discurso totalitário, mostra a troca e a circulação das palavras nas formas ideológicas. Termos gerados no uso social da direita no espectro político não raro integram falas e textos da esquerda. O contrário também ocorre com frequência. Ao trânsito de vocábulos ou slogans Faye chama "ferradura ideológica", a qual prende as falas no itinerário sinistro cujo fim é a perda de sentido lógico ou ético. A expressão "nacional-bolchevismo", cunhada para acolher um movimento que pretendia unir elementos do fascismo e do comunismo, mostra à saciedade a pertinência da proposta elaborada por Faye (no livro Linguagens Totalitárias).

As expressões verbais enunciam sentimentos, raciocínios, verdades ou mentiras. A dissimulação dos corpos se amplia nos artifícios retóricos e surgem os que ludibriam e os enganados. O realismo político define-se como arte de tratar com má-fé a própria mente para depois iludir os tolos com mágica oracular. Instalados no poder, os truculentos costumam ser francos entre seus pares, camaleões ou raposas diante da massa humana que os aplaude ou apupa. Na praça eles defendem nobres ideais, mas nos palácios empregam a tortuosa razão de Estado.

Nuclear na ética, a consciência nos conduz acima das feras, orienta a razão, que sem ela ignora a diferença entre o bem e o mal (Rousseau). A sua expulsão da ordem política deveria prevenir os que hoje se alimentam do poder concedido pelas urnas. Recordemos: "Às favas, sr. presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência". Assim falou o ministro do Trabalho e da Previdência Social na edição do AI-5, em 1968. Comprovando o itinerário proposto por Faye, parte da esquerda brasileira assume atitude idêntica e joga hoje no lixo a consciência. Ela trairia um falso moralismo. Nos extremos ideológicos a recusa da consciência se arrima na salus populi, outro item da ardilosa razão de Estado.

Como agem os que, no poder, ironizam quem ainda sente o que os gregos chamavam aidós, ou seja, vergonha de praticar coisas erradas? Eles começam desacreditando a consciência ética. Como não sentem rubor, dizem que a política não se faz sem colocar as mãos na torpeza (uso ignaro das teses enunciadas por Sartre, o autor de As Mãos Sujas). Certa feita, em réplica à luta pela moralidade no Brasil, um realista afirmou que apelar para a noção de consciência era algo irrelevante e ridículo. Mengele, escreveu ele, também possuía consciência. A mesma pessoa afirmou rir às escâncaras quando escuta alguém invocando a consciência como critério de ação e juízo. As vítimas de Mengele não riram, com certeza, diante de seus atos e palavras. Nem as vítimas das ditaduras que amestraram o Brasil no século 20.

Com a zombaria os realistas (no poder ou na sarjeta, não raro os dois lugares se confundem) sempre usam aspas para desqualificar quem ainda não se deixou prender pelo cinismo ou pela tibieza. Aspas foram inflacionadas na propaganda fascista, nazista e comunista. É preciso arrancar um indivíduo da vida pública? Aspas no seu nome, em seus títulos, nacionalidade, condição humana!

Victor Klemperer, outro estudioso que observou técnicas fascistas da fala, nota o uso das aspas no extermínio dos que desafiam oficialismos. "A língua do Terceiro Reich tem horror da neutralidade, porque ela sempre precisa de um adversário e sempre precisa derrubar este adversário." Se os revolucionários espanhóis têm uma vitória, se possuem oficiais ou um quartel-general, eles são ditos "vitoriosos" ou "oficiais". A mesma regra foi usada contra os russos que teriam uma "estratégia". A Iugoslávia teria um "marechal", Tito. Chamberlain, Churchill, Roosevelt eram "estadistas"; Einstein, um "pesquisador científico"; Rathenau, "um alemão"; e Heine, escritor "alemão".

O uso das aspas, para expor os inimigos ao ridículo, generalizou-se no fascismo de tal modo, diz Klemperer, "que nenhum artigo de jornal ou discurso impresso deixava de estar delas apinhado (...). As aspas pertencem tanto à língua impressa do Terceiro Reich quanto à entoação de Hitler e Goebbels, elas são intrínsecas às duas" (LTI: Lingua Tertii Imperii). É bom recordar tais frases quando militantes e teóricos do poder usam aspas para desqualificar seus críticos. O mais comum na língua do governismo brasileiro é escrever que a corrupção imaculada não é aceita pelos "ditos intelectuais". Semelhante tática eivada de misologia mostra que de libertário e democrático o discurso e a prática nada têm.

Outro vezo fascista era negar aos intelectuais de certa origem (racial, política, ideológica, religiosa) os títulos acadêmicos. Quando as aspas se mostravam insuficientes, era proibido nomear alguém (professores, médicos, advogados, juízes em desgraça) segundo os seus diplomas universitários. Os judeus foram os mais humilhados. Mas a técnica foi aplicada a outros inimigos do Reich (Bruno Bettelheim, The Informed Heart: the Human Condition in Modern Mass Society). O método não vicejou apenas entre os fascistas de direita. Os da esquerda também usaram aspas para desacreditar inimigos. As formas de governo liberais eram ditas "democráticas", os professores não ortodoxos em termos de stalinismo eram "intelectuais", etc. Comunhão negra dos nada santos militantes, diria Merleau-Ponty. A técnica da desqualificação é a mesma, porque é o mesmo estilo de fazer política: aniquilar quem pensa diferente. Tal é a regra dos que agora ovacionam os palácios brasilienses.

Quando Stalin discursava, era proibido interromper os aplausos. Quem parasse primeiro era julgado inimigo do povo. As mãos dos companheiros ficavam inchadas, quentes e doloridas. O problema resolveu-se com funcionários no fim da sala carregando baldes de água fria. Haja gelo para acalmar a fúria bajulatória dos que seguem os poderosos de plantão!
Fonte: O Estado de S.Paulo. Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é autor, entre outros livros, de 'O caldeirão de Medeia' (Perspectiva)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O socialismo por Nietzsche. E vídeo sobre Humano, Demasiado Humano

O texto abaixo é do livro Humano, demasiado humano, do filósofo Friedrich Nietzsche, publicado originalmente em 1878, mas, como se pode verificar após sua leitura, premonitório do que viria a ser o flagelo nazicomunista, no século XX, até os dias de hoje. Posto também o vídeo Friedrich Nietzsche - Humano, Demasiado Humano, da BBC, para mais informações sobre o livro e o filósofo.

O socialismo em vista de seus meios

O socialismo é o fantasioso irmão mais jovem do quase decrépito despotismo, do qual quer herdar; suas aspirações são, portanto, no sentido mais profundo, reacionárias. Pois ele deseja uma plenitude de poder estatal como só a teve alguma vez o despotismo, e até mesmo supera todo o passado por aspirar ao aniquilamento formal do indivíduo: o qual lhe aparece como um injustificado luxo da natureza e deve ser transformado e melhorado por ele em um órgão da comunidade adequado a seus fins.

Em virtude de seu parentesco, ele aparece sempre na proximidade de todos os excessivos desdobramentos de potência, como o antigo socialista típico, Platão, na corte do tirano siciliano: ele deseja (e propicia sob certas circunstâncias)  o Estado ditatorial cesáreo deste século, porque, como foi dito, quer ser seu herdeiro.

Mas mesmo essa herança não bastaria para seus fins, ele precisa da mais servil submissão de todos os cidadãos ao Estado incondicionado como nunca existiu; e como nem sequer pode contar mais com a antiga piedade religiosa para com o Estado, mas antes, sem querer, tem de trabalhar constantemente por sua eliminação – a saber, porque trabalha pela eliminação de todos os Estados vigentes -, só pode ter esperança de existência, aqui e ali, por tempos curtos, através do extremo terrorismo.

Por isso prepara-se em surdina para dominar pelo pavor e inculca nas massas semicultas a palavra ‘justiça’ como um prego na cabeça, para despojá-las totalmente de seu entendimento (depois que esse entendimento já sofreu muito através da semicultura) e criar nelas, para o mau jogo que devem jogar, uma boa consciência.

O socialismo pode servir para ensinar, bem brutal e impositivamente, o perigo de todos os acúmulos de poder estatal e, nessa medida, infundir desconfiança diante do próprio Estado.

Quando sua voz rouca se junta ao grito de guerra ‘o máximo possível de Estado’, este, em um primeiro momento, se torna mais ruidoso que nunca. Porém logo irrompe também o oposto, com força ainda maior: ‘o mínimo possível de Estado’.

Nietzsche em Humano, Demasiado Humano

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