sexta-feira, 25 de julho de 2014

Fusionismo não: liberais e conservadores, cada um na sua!


Reproduzo abaixo texto publicado originalmente no site do Instituto Liberal por seu diretor, João Luiz Mauad, sobre a sempre polêmica união de liberais e conservadores contra o inimigo comum: o petismo ou a esquerda em geral. A essa união se dá o nome de fusionismo, como bem explica o autor. 

Particularmente, vejo essa união como uma parceria caracu, onde os liberais entram com a teoria econômica e de governo e os conservadores entram com a tradição (pra que serve mesmo isso?) e a péssima fama que merecidamente possuem. Não há vantagem nenhuma para os liberais nessa união. Pelo contrário, ela é marcada pela incoerência, tendo em vista que ninguém pode falar em defesa da liberdade em geral ao lado de notórios liberticidas como os conservadores. 

E as diferenças são mais do que as relativas à interferência do Estado no âmbito dos negócios e na vida dos indivíduos, como diz o autor. Para mim, a diferença fudamental é de espírito: o liberalismo é filho do Iluminismo, da idade da razão, da crença na capacidade humana de se superar, superar as limitações do meio-ambiente e evoluir sempre. O conservadorismo é o oposto. Acha que o ser humano é uma porcaria, imperfeito, que precisa de ajuda divina ou muita repressão para não sair fazendo bobagens.

Pra mim, conservadorismo de fato não passa de verborreia para disfarçar a visão de mundo dos frouxos de espírito. Dos frouxos, dos mesquinhos, dos tacanhos, dos sexualmente mal resolvidos, dos obscurantistas, dos pessimistas, dos imobilistas. São todos tropofóbicos (tem pavor de mudanças de qualquer tipo). Se borram tão facilmente que só aceitam mudanças (a cada século mais ou menos), se elas tiveram algo de permanência (sic). São contranatura portanto, pois contra a mais universal das leis universais que é a da perpétua mudança. Tudo muda inevitavelmente, queiram ou não os conservadores de todo o tipo.

Daí que concordo com o autor quando diz:
Para o sucesso da causa liberal, é essencial que saiamos com urgência da sombra dos conservadores. Precisamos acabar de uma vez por todas com essa “simbiose” e emergir como uma marca totalmente independente, equidistante de conservadores e progressistas, como queria Hayek, e não como um sub-produto do conservadorismo. Precisamos, acima de tudo, defender a liberdade sem ressalvas, deixando claro, sempre que necessário, que as nossas diferenças, muitas vezes são profundas e inconciliáveis.
Infelizmente, parece que somos minoria, eu e o autor. Os conservadores se comportam nos meios liberais como os petistas e socialistas em relação aos movimentos sociais: sempre cooptando e aparelhando. E da mesma forma que os movimentos sociais perderam a legitimidade na fusão com a velha esquerda, assim ocorre na parceria caracu entre liberais e conservadores. Quem perde são as ideias liberais. Pros conservadores, é um prato cheio.

Por que digo não ao fusionismo

Peço licença para meter a minha colher nesse debate entre Filipe Altamir e Filipe Rangel Celeti, sobre o fusionismo.

Resumidamente, fusionismo é uma corrente política nascida nos Estados Unidos que pretende unir liberais (lá chamados de libertários) e conservadores, com o intuito de enfrentar o inimigo comum de ambos: o esquerdismo (os liberais de lá). Politicamente, esta fusão deveria ficar sob o guarda-chuvas do Partido Republicano. Como este partido é majoritariamente conservador, não há como escapar da conclusão de que se trata de um acordo desigual, com os conservadores no controle, enquanto aos libertários sobra a alternativa de não atrapalhar.

No Brasil, embora o fusionismo seja algo bastante novo, de uns tempos para cá têm sido cada vez mais frequentes certos posicionamentos ditos “pragmáticos” que pedem a união de conservadores e liberais a fim de derrotar o inimigo comum: o petismo. Infelizmente, sempre que vejo conservadores defendendo tal arranjo, o corolário obrigatório é que os liberais abram mão, pelo menos temporariamente, de algumas de suas agendas.

Assim, em nome desse “algo maior”, deveríamos deixar de lado questões de direitos civis importantes, como a liberação das drogas, o casamento gay, a prostituição, a liberdade de imigração, a eutanásia, as pesquisas com células tronco, etc., e focar em questões de cunho exclusivamente econômico e político, onde haveria convergência de princípios e um inimigo comum.

O maior problema para a concretização dessa “união” não são as diferenças filosóficas, de valores, como alguns insistem em fazer crer. Como já expliquei anteriormente, nada impede que um verdadeiro liberal preserve valores conservadores, como tradição, prudência, família, etc. A diferença importante e, a meu juízo, inconciliável está na esfera política, principalmente em relação às visões, absolutamente incompatíveis, das duas correntes sobre a intrusão do Estado na vida dos indivíduos.

Em termos simples, como bem resumiu James Eyer, a diferença essencial entre o liberalismo e as demais filosofias políticas envolve especificamente a quantidade de autoridade que o governo deve ter sobre os assuntos privados. Grosso modo, os esquerdistas querem que o governo promova o bem, ou pelo menos aquilo que eles consideram bom, incluindo, entre outras políticas, cuidar da saúde e educação, promover ações afirmativas ou distribuir a renda de forma mais equânime. Para isso, esperam que o governo taxe pesadamente as empresas e os cidadãos de maior renda, além de regular os negócios e o comportamento das pessoas, na medida necessária para a promoção da indefectível “justiça social”.

Já os conservadores querem que o governo evite o mal, a degeneração dos valores e dos costumes, enfim, o comportamento imoral, ainda que este comportamento não traga nenhum dano ou perigo para terceiros e afete exclusivamente os próprios agentes. Embora os conservadores gostem de dizer que preferem um governo limitado, eles geralmente não resistem à implantação de programas governamentais e leis positivas que promovam a sua agenda moral.

Assim, tanto esquerdistas quanto conservadores acreditam, cada um a seu modo, ser missão dos governos tornar o mundo melhor, fornecer uma liderança moral e, last but not least, proteger as pessoas de si mesmas, seja em relação a sua saúde ou sua moralidade. E, concorde-se ou não com esses objetivos, todo cidadão será forçado a pagar pela sua implementação, seja com seu dinheiro ou com a sua liberdade. 

Os liberais, diferentemente das duas outras filosofias políticas anteriormente citadas, acreditam que a caridade é voluntária, a moral é pessoal (no sentido de que não deve ser legislada) e só o dano a terceiros deve ser considerado ilegal. Para os liberais, portanto, o auto-governo é um direito inalienável de cada indivíduo.

Para um conservador, por outro lado, a sociedade (a cidade, a comunidade ou seja lá que nome queiram dar ao coletivo), em grande medida, deve prevalecer sobre o indivíduo, a fim de manter o que chamam de “ordem natural”. Ocorre que nem sempre os desejos e objetivos do indivíduo estão em conformidade com os da comunidade. Permitir, por exemplo, o consumo de drogas, o casamento gay ou a prostituição significa quebrar certas tradições, razão pela qual a maioria dos conservadores denunciam essas bandeiras liberais como francamente imorais e defendem que os governos proíbam tais atividades. Olhando por este prisma, como enfatizou Jeremy Kolassa em artigo sobre o tema, não há como negar que conservadores e progressistas são dois lados da mesma moeda intervencionista. 

Mesmo na esfera econômica, o liberalismo e o conservadorismo diferem. Enquanto os liberais são pró-mercado, muitos conservadores são pró-negócios – vide as políticas de Bush, em 2008, para salvar empresas em dificuldade, como GM, Chrysler e outras. Se os liberais são contrários a quaisquer tipos de subsídios e privilégios a empresas estabelecidas, alguns conservadores adotam a política inversa, defendendo subsídios, proteções tarifárias e benefícios que aumentem a competitividade das empresas tradicionais estabelecidas e evitem a todo custo o impulso da destruição criadora. Afinal, não há nada mais conservador do que a manutenção do status quo.

A verdade é que a confusão entre conservadorismo e liberalismo (e ela existe de fato, gostemos disso ou não) costuma dificultar muito o discurso liberal, pois muitas vezes somos tachados de hipócritas pelas pessoas desinformadas, que acreditam que políticas e bandeiras conservadoras e liberais são sempre as mesmas, quando efetivamente quase nunca o são. 

Isso não quer dizer, evidentemente, que liberais e conservadores devam brigar permanentemente, que não possam aliar-se sobre determinadas questões. Se há uma agenda positiva em que conservadores e liberais concordam, devemos trabalhar juntos nela, por que não? Porém, para o sucesso da causa liberal, é essencial que saiamos com urgência da sombra dos conservadores. Precisamos acabar de uma vez por todas com essa “simbiose” e emergir como uma marca totalmente independente, equidistante de conservadores e progressistas, como queria Hayek, e não como um sub-produto do conservadorismo. Precisamos, acima de tudo, defender a liberdade sem ressalvas, deixando claro, sempre que necessário, as nossas diferenças, muitas vezes são profundas e inconciliáveis.

Por tudo isso, digo NÃO ao fusionismo, seja ele formal ou informal, ostensivo ou disfarçado.

Fonte: Instituto Liberal, João Luiz Mauad, 15/07/2014

1 comentários:

http://ordemlivre.org/posts/libertarismo-e-coisa-de-adulto

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