8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 26 de junho de 2014

E se não der, a gente inventa!

Lily Born criou canecas com perninhas 
Para pequenos ou grandes problemas, a criatividade dos jovens. Para ajudar o avô, portador de Parkinson, Lily Born, criou copos com perninhas. Para limpar os oceanos, entulhados de detritos deixados pelos humanos, Boyan Slat criou uma tecnologia capaz de limpar o lixo dos mares.  Enquanto esses jovens estão aí criando produtos e tecnologias úteis para todos, os debiloides do Black Block e congêneres estiveram nas ruas de São Paulo para promover mais um show de destruição.  

Menina inventa caneca para ajudar avô com Parkinson

Ao perceber que o avô, portador de Parkinson, estava com dificuldades em manter as bebidas em seu copo, uma menina americana de 11 anos, chamada Lily Born, se dispôs a montar um plano para ajudá-lo com essa tarefa do cotidiano. A ideia de Lily? Adicionar perninhas nos copos.

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Na primeira versão da Kangoroo Cups, como foi batizada a invenção, Lily usou plástico maleável e adaptou copos e canecas da própria casa.

A ideia deu tão certo que ela apostou em um financiamento coletivo para fabricar em escala industrial a versão plástico da Kangoroo.

O kit com 4 canecas custa US$ 35 (R$ 79) no site Imagir0o, e é apresentado nas versões transparente com perninhas coloridas ou multicoloridas.

Fonte: Jovem Pan, 11/06/2014



Garoto cria sistema que limpa metade do Pacífico em 10 anos
A tecnologia Ocean Cleanup funciona como uma barreira flutuante que aproveita as correntes oceânicas para bloquear os resíduos encontrados no mar

Boyan Slat quer limpar o Oceano Pacífico
São Paulo - O rapaz da foto acima tem apenas 19 anos, mas é responsável por um plano ambicioso apoiado por mais de 100 pesquisadores, cientistas e ambientalistas.

O holandês Boyan Slat criou a Ocean Cleanup, uma tecnologia capaz de limpar o lixo do Oceano Pacífico em uma década.

O sistema funciona como uma barreira flutuante que aproveita as correntes oceânicas para bloquear os resíduos encontrados no mar.

Nos testes com um protótipo, a barreira foi capaz de coletar plásticos em até três metros de profundidade.

O sistema também recolheu pouca quantidade de zooplâncton, o que facilita o reaproveitamento e a reciclagem do plástico.

A estimativa é de que o sistema remova 65 metros cúbicos de lixo por dia.

Slat teve a ideia anos atrás, quando mergulhava na Grécia e viu mais garrafas de plástico do que peixes.

Desde então, desenvolveu a tecnologia, montou um site com todas as especificações, fez um estudo de viabilidade e uma campanha para financiar sua ideia.

A primeira apresentação da tecnologia aconteceu em um TEDx na Holanda há dois anos. Sua ideia não foi bem recebida por todos.

Como resposta, Slat e uma equipe de pesquisadores fizeram um relatório com 530 páginas, em que justificavam a viabilidade do projeto.

O próximo passo é testar o sistema em larga escala e aumentar a produção do sistema. Para isso, ele busca financiamento coletivo. A meta é conseguir 2 milhões de dólares em 100 dias.

Ela já conseguiu 30% da meta em 14 dias.

Veja abaixo um vídeo sobre a Ocean Cleanup, nome da tecnologia e também da empresa criada por Slat:


Fonte: Exame, Vanessa Daraya, 18/06/2014

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Os excessos do politicamente correto tiram a credibilidade de lutas mais do que justas

É mais fácil ser autoritário do que libertário (aqui no sentido de amante da liberdade no sentido mais amplo). Não exige muito da pessoa. Basta ter pouca capacidade de autocrítica, achar que tem a "verdade" (não confundir com a certeza fundamentada), ter uma visão maniqueísta da realidade (por exemplo ou se é de esquerda ou de direita) e transformar em bode-expiatório qualquer um(a) que não concorde com suas ideias. 

E ninguém escapa do risco de ser contaminado pelo vírus do autoritarismo. Basta ter um pouquinho de poder que a possibilidade de a pessoa descambar para um comportamento autoritário aumenta muito. Movimentos como o feminista e o LGBT nasceram libertários, questionando, com toda a razão, as discriminações impostas a mulheres e pessoas homossexuais que as impedem de desenvolver seu potencial individual na sociedade. Ao longo dos anos, o espírito libertário se perdeu e foi substituído por uma mentalidade não muito diferente da de um pastor evangélico em sua pregação fundamentalista cristã.

Outro dia li numa postagem no facebook uma moça comentando um artigo de um cara, onde ela reduzia seu argumento, contrário à posição do artigo, na base do "só podia ser coisa de um homem branco, hétero, cis e coxinha". Lê-se coisas do tipo o tempo inteiro nas redes sociais. O artigo abaixo descreve mais detalhadamente essa triste situação de patrulha do pensamento. 

Tolerância intolerante

Você é machista! Ao ouvir essa acusação, um professor de história sentiu o golpe. Ele abordava o período colonial e a situação de inferioridade da mulher naquela sociedade patriarcal. A base era o livro "História das Mulheres no Brasil", de Mary del Priore.

Diante da constatação de que a maioria dos livros didáticos conta uma "história masculina", a respeitada pesquisadora defende a necessidade de se procurar a mulher na narrativa histórica. Apesar de o discurso do professor estar alinhado ao da historiadora, a única coisa que uma aluna registrou foi: "A história é masculina". Interpretou a fala como uma absurda exemplificação da inferioridade feminina. Foi o suficiente para considerar o professor machista e, portanto, seu inimigo.

Nós, professores de ensino médio e pré-vestibular, temos sido, em sala, alvos das mais pesadas acusações. Imbuídos de uma espécie de "neofundamentalismo politicamente correto", alguns alunos retiram nossas observações de contexto e as usam como combustível para justificar sua intransigência, que cresce a cada dia em progressão geométrica de razão infinita.

Claro, atitudes machistas, homofóbicas e afins devem ser combatidas. Mas, em torno dessa causa justa, surgiram patrulhas ideológicas, sempre atentas a toda possível ação preconceituosa. O olhar do crítico está tão viciado que busca preconceito, avidamente, onde não há.

Outro exemplo: um colega foi acusado de homofobia por contar, em classe, uma história vivida por ele e um amigo homossexual. O detalhe de o amigo ser gay era importante no caso, e o relato tinha um fim pedagógico. Atacado por um aluno, defendeu-se: "Homofobia? Onde?". O aluno respondeu: "Ora, pelo fato de você ter dito que seu amigo era gay". Novamente o professor: "E ser gay é defeito?".

Os patrulheiros não costumam ser agentes de mudança. São como fiscais de trânsito, que só multam, mas não colaboram para melhorar o fluxo. "Descobrem" infrações que nem foram cometidas. Medem cada palavra do professor, buscando ferozmente uma má intenção que não está ali.

Nessa caça intensa, os patrulheiros não se dão conta de que ficaram mais agressivos do que muitos daqueles que imaginam combater. Praticam um preconceito às avessas. "Eu faço parte de um grupo iluminado que dita as regras e é bom você me obedecer." Só que as regras –repetidas "ad nauseam", sem reflexão– quase nunca fazem sentido quando avaliado o contexto.

Machismo é obviamente abominável. Sobretudo numa sociedade como a nossa, que carrega uma tradição de hegemonia masculina, e em que, apesar de as mulheres serem mais da metade da população, ocupam menos de 9% das cadeiras do Congresso Nacional. Mas uma pessoa não é machista por não gostar, digamos, de lojas de sapatos femininos (sim, algo parecido aconteceu com outro colega). Machismo seria, por exemplo, achar que uma mulher não pode ser cientista. Madame Curie que o diga.

A situação guarda perigosa semelhança com o romance "1984", de George Orwell, em que a novilíngua definia as novas palavras aceitáveis. Certas coisas deixariam de existir pelo simples fato de não haver uma palavra que as explicasse. Controle de pensamento: "Seja como eu. Concorde comigo. Diga o que eu quero ouvir. Ou você é da minha turma ou é meu inimigo". Sem meio termo.

Ao ouvir certas expressões (o contexto pouco importa), detectam "preconceito" e atiram contra o inimigo. Os jovens patrulheiros veem maldade em tudo. Impregnados, eles sim, por preconceitos, desprezam o humor popular, que muitos professores usam apenas para quebrar a tensão. Acreditam que só o "humor inteligente", isto é, o militante da "causa", é aceitável. Jamais aprovariam a comédia nonsense dos mestres ingleses do Monty Python, pois "não é engajada".

São movidos por boas intenções, mas podam, são censores. Transformaram-se naquilo que dizem abominar. Em nome da tolerância, têm cometido as maiores intolerâncias.

LUÍS PEREIRA é professor de química de curso pré-vestibular
SÍLVIO PERA é professor de história de curso pré-vestibular

Fonte: Folha de São Paulo, 15/06/2014

terça-feira, 24 de junho de 2014

As mudanças na relação entre Estado e sociedade permitiram à humanidade abandonar a situação de pobreza extrema característica de sua existência

Mauricio Rojas
Mauricio Rojas foi um marxista chileno ferrenho, membro do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria), que teve que exilar-se, depois do golpe de Augusto Pinochet, para não ser morto. Foi para a Suécia. Lá, felizmente, desemburreceu. Obteve um doutorado em economia na Universidade de Lund e abandonou as tolas superstições marxistas. Aderiu ao liberalismo e ajudou a Suécia a contornar os problemas do estado de bem-estar social. No texto O paradoxo chileno, pode-se ler um pouco mais sobre sua trajetória. No texto abaixo, que traduzi do espanhol, ele resume bem o grande salto da humanidade da pobreza extrema à riqueza relativa criado pela nova relação estabelecida entre o Estado e a sociedade. Vale a leitura.

O segredo da criação da riqueza

A mudança institucional mais significativa surgiu com a nova relação que se estabeleceu entre o Estado e a sociedade.

Por Mauricio Rojas

A humanidade começou a abandonar o estado de pobreza extrema que sempre caracterizou sua existência há apenas alguns séculos. Esse processo se iniciou, como se sabe, na Europa Ocidental, a partir do renascimento das cidades e do comércio do século XI. Posteriormente, deu um salto espetacular, com a Revolução Industrial inglesa do século XVIII, e agora, difunde-se por todo o planeta com a globalização em marcha.

Os pesquisadores concordam que a razão principal desse salto para a prosperidade foi de ordem institucional. Não dependeu dos recursos naturais nem do nível de conhecimentos ou da exploração de outros ou da riqueza acumulada pelas elites. Se tivesse sido assim, esse salto haveria se dado na China, na Índia ou no mundo islâmico, o que não aconteceu. Ele ocorreu devido à significativa mudança institucional na relação entre Estado e sociedade. Em algumas partes da Europa, o poder do soberano deixou de ser ilimitado e caprichoso para ter que se submeter à legalidade e passar a respeitar seus súditos. Shakespeare refletiu muito bem essa novidade  em “O Mercador de Veneza” (1600). A prosperidade veneziana dependia da capacidade de atrair investidores e comerciantes confiantes de que seus direitos seriam respeitados e a lei cumprida por todos, inclusive pelo soberano.

Quase dois séculos depois, em 1776, Adam Smith deu sua resposta clássica à pergunta sobre “a causa da riqueza das nações”: somos mais ricos porque somos mais livres e seremos ainda mais ricos se incrementarmos nossa liberdade. A seu ver, a divisão do trabalho e a especialização são a chave do aumento da produtividade, embora o motor mais poderoso do progresso seja o interesse próprio, a busca por melhores condições individuais. Essa busca sempre existiu e levou a muita violência e a muito pouco progresso enquanto não foi enquadrada dentro de um marco de liberdade para todos e de trocas voluntárias. Só então nos vimos forçados a fomentar nosso próprio interesse satisfazendo o dos outros em vez de violentá-los.

Surge assim uma ordem espontânea, onde cada um se especializa em servir aos demais para servir a si mesmo. E a eficiência desta ordem cresce na medidade em que ampliamos a esfera das trocas voluntárias. É por isso que Smith afirma que “a divisão do trabalho se encontra limitada pela extensão do mercado” e predica a liberdade de comércio a fim de ampliá-lo.

Mais de meio século depois encontramos quem melhor e pior compreendeu a essência da ordem da liberdade, Karl Marx. “O Manifesto Comunista” (1848) é uma descrição ainda insuperada da força criativa da “burgesia” que “não pode existir sem a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção”. A causa do elemento distintivo do capitalismo (palavra que Marx não usava) ou “ordem burguesa” é esta: a competição econômica como meio para o enriquecimento próprio.

Onde outras classes econômicas usaram a força, a burguesia passou a usar sua capacidade de produzir de forma mais eficiente. Por isso, “a burguesia cumpriu um papel altamente revolucionário na História”, multiplicando a riqueza , acumulando-a, contudo,  em cada vez menos mãos, na visão de Marx. Tal visão, porém, provou-se equivocada, levando-o a profetizar a pobreza massiva e a inevitável revolução comunista.

No início do século XX, o economista austríaco Joseph Schumpeter aprofundou nossa compreensão da criação da riqueza enfocando, para tal, a ação dos empreendedores. O que valoriza a natureza, o trabalho e o capital é a capacidade dos empreendedores para dar-lhes usos socialmente proveitosos sob formas cada vez mais eficientes. Para isso, experimentam e inovam, quer dizer, assumem diretamente a tarefa de, como disse Marx, “revolucionar incessantemente os meios de produção”. Essa revolução é a responsável pelas ondas de avanço tecnológico e “destruição criativa” que agitam o capitalismo moderno, impondo  um preço pelo progresso que nem sempre compreendemos ou estamos dispostos a pagar.

Em décadas recentes, Douglass North e outros historiadores econômicos vêm estudando mais em detalhe as instituições do progresso: o Estado de Direito, a liberdade civil e econômica, a propriedade privada, o respeito aos contratos, a limitação do poder. Para Nathan Rosenberg, grande estudioso da história da tecnologia, ao dar a todos um espaço de soberania individual, a ordem da liberdade demonstra sua superioridade decisiva ao maximizar  a quantidade de experimentos que se realizam na sociedade. Com isso, potencializa-se a capacidade de mudança e de adaptação a novas condições, o que é fundamental para a sustentabilidade do progresso. Ao mesmo tempo, a descentralização própria da liberdade faz com que o custo de cada experimento fracassado seja limitado. Pelo contrário, as ordens centralizadas tendem a reduzir a quantidade de experimentos, maximizando, porém, o custo social de cada fracasso.

Por último, Daron Acemoglu e James Robinson, em sua obra “Por que as nações fracassam?” (2012), deram importante destaque a um aspecto central das instituições que geram progresso: sua capacidade de incluir a grande maioria da população no processo de desenvolvimento. Assim, podemos completar a abordagem de Adam Smith dizendo que a profundidade do mercado - e, consequentemente, o dinamismo do capitalismo - está relacionada à igualdade básica de oportunidades que amplia a participação social no mesmo.

Não é demais lembrar essas coisas neste momento em que muitos parecem obstinados em tirar o Chile do rumo do progresso.

*O autor é diretor da Academia Liberal Fundación para elProgreso (@MauricioRojasmr).

Fonte: Pulso, Opinion, El secreto de la creación de la riqueza, Tradução Míriam Martinho

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Copa no Brasil: governo deu isenção total de impostos à FIFA no valor de R$ 1,1 bilhão


O Mundial 2014 e a Casa da Mãe Joana

A Copa é parte do contexto. Manifestações e vaias são consequência da inflação, de serviços públicos ruins e da corrupção

No século XIV, a rainha de Nápoles, Joana, após envolver-se em conspiração para a morte do marido, fugiu e foi morar em Avignon, na França. Lá, se instalou em um palácio e passou a mandar e desmandar na cidade, a ponto de regulamentar até os bordéis. A partir daí, cada prostíbulo passou a ser conhecido como “Paço da Mãe Joana”. No Brasil, a expressão foi alterada para “Casa da Mãe Joana”, sinônimo de lugar ou situação em que predominam o vale-tudo, a balbúrdia e a desorganização.

Associo a história à Copa. Desde 2007, quando o Brasil foi anunciado como país-sede, venderam-nos gato por lebre. À época, o então ministro do Esporte, Orlando Silva, afirmou: “Os estádios para a Copa serão construídos com dinheiro privado. Não haverá um centavo de dinheiro público.” Na mesma linha, o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira disse: “Faço questão absoluta de garantir que será uma Copa em que o poder público nada gastará em atividades desportivas.” O ex-presidente Lula confirmou: “Tudo será bancado pela iniciativa privada.”

Se fosse verdade, ninguém criticaria as arenas de Manaus, Natal, Cuiabá e Brasília — uma manada de elefantes brancos —, construídas pela iniciativa privada, por sua própria conta e risco. Curiosamente, porém, a maioria dos empresários não se interessou pelos estádios padrão Fifa. A fatura de R$ 8 bilhões, em sua quase totalidade, caiu mesmo no colo da viúva.

Afirmar que a metade desse valor decorre de financiamentos que serão cobrados com rigor pelos bancos é, no mínimo, uma falácia. Em sete arenas, os próprios governos estaduais assumiram dívidas de R$ 2,3 bilhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Sendo empréstimos contraídos pelos estados, adivinhe, leitor, de onde sairá o dinheiro para quitá-los?

Outro sofisma é a comparação entre o custo dos estádios em 12 cidades e os gastos integrais em Saúde e Educação, efetuados pela União, pelos estados e por todos os municípios brasileiros, de 2010 a 2013. Com a intenção de tornar irrelevantes os investimentos nas arenas, a presidente Dilma, às vésperas da Copa, apresentou soma de R$ 1,7 trilhão, segundo ela “investida” em Saúde e Educação, incluindo no montante, de forma inadequada, itens de custeio, como vigilância, limpeza, salários, luz e água, entre outros. Na realidade, o custo dos estádios equivale a dois anos de investimentos federais em Saúde ou à instalação de 2.263 escolas.

Em contrapartida, boa parte das reformas dos aeroportos e do legado de mobilidade ainda está pelo caminho. Para atenuar o caos urbano chegaram a ser previstos R$ 12,4 bilhões. No entanto, cerca de R$ 4 bilhões simplesmente sumiram da Matriz de Responsabilidades, visto que as obras não ficariam prontas a tempo do Mundial. Das que restaram, apenas 43% foram concluídas, segundo o TCU. Dessa forma, chegamos ao Mundial com o ônus dos elefantes brancos e sem o bônus dos legados.

Até agora, ninguém sabe o custo real da Copa. No Portal da Transparência constam R$ 25,6 bilhões, mas o valor — por sinal desatualizado — não inclui, por exemplo, as verbas de publicidade, as estruturas temporárias, os centros de treinamento e os subsídios à entidade presidida por Blatter, bem como às empresas por ela indicadas. Apesar de a Fifa ter obtido receitas de R$ 10 bilhões, o Congresso Nacional concedeu-lhe inédita isenção total de impostos, correspondente a R$ 1,1 bilhão. No pacote do perdão estão tributos federais como IRRF, IOF, contribuições sociais, PIS/Pasep, Importação, Cofins Importação, entre outros. Como a Fifa diz que não exigiu esse amplo favor, quem foi o mentor dessa caridade com o nosso chapéu?

Enfim, a Copa 2014 será marcada por falta de planejamento, má gestão, obras inacabadas, excessivas cidades-sede, desperdícios evitados pelo TCU (R$ 700 milhões), denúncia de superfaturamento do “Mané Garrincha” (R$ 431 milhões), arenas entre as mais caras do mundo e repulsa à Fifa, entidade que merece um “chute no traseiro”.

De qualquer forma, quando 72% da população estão insatisfeitos (Pew Research Center), a Copa é apenas parte do contexto. As manifestações e as vaias são consequência da inflação, da estagnação da economia, da péssima qualidade dos serviços públicos e da corrupção deslavada. É bom lembrar que em 2010, na Copa da África do Sul, o ex-presidente Nelson Mandela foi ovacionado.

Como o protesto mais eficiente não é nos estádios, mas nas urnas, o dever de casa para hoje será o Brasil vencer o México e avançar rumo à conquista da Copa — a Copa da Mãe Joana.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas

Fonte: O Globo, Gil Castello Branco, 17/06/2014

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Feminismos: tantos que alguns já viraram o avesso de si mesmos

Vi o texto abaixo no facebook e me identifiquei em boa parte com a visão da autora, Marília Coutinho. Alguns grupos de mulheres que hoje se dizem feministas descambaram para um sectarismo tão grande que até já existe um feminismo paradoxalmente machista, classista e racista, apoiando inclusive homens abusadores, se suas vítimas forem mulheres brancas, de classe média e não anticapitalistas. Já li falações nesse sentido em redes sociais.

Ao contrário da autora, contudo, não perdi a esperança de resgatar o feminismo desse mar de lama de mulheres que perderam literalmente o juízo e que inclusive, por seus excessos, prestam um desserviço aos direitos das mulheres. Destaco o seguinte trecho do texto que vale a leitura:
Um feminismo burro que sacrifica a busca minimalista por consensos que permitiria uma ação ecumênica em busca de poucos e importantérrimos objetivos comuns. 
Desse feminismo, vários de nós fomos excluídos e nos excluímos. Nosso desejo por relações justas entre sexos e gêneros permanece, no entanto. Nossa capacidade de agir nessa direção também. Mas fomos usurpados da ferramenta de organização para isso: esta está, para sempre, pervertida pelo pensamento sectário. Já era.
Feminismo revanchista, feminismo escatológico e feminismo autoritário: onde ficamos nós, que não queremos isso?
Nós, herdeiros de feminismos reflexivos esquecidos, que observamos relações desiguais e violentas entre sexos e gêneros e gostaríamos de expressar nosso desejo por sua substituição? Que achamos que estupro não tem justificativa, jamais? Que achamos que disparidade salarial para funções iguais entre homens e mulheres é inaceitável? Que enxergamos o viés machista em diversas situações cotidianas e achamos que vale a pena apontá-las? Isso tudo, entre tantas outras coisas, mais ou menos visíveis conforme nosso lugar nas sociedades heterogêneas a que pertencemos.

Nós fomos mais ou menos excluídos de um universo cada vez mais ocupado por discursos hegemônicos de ódio, sectários e até mesmo machistas.

Já tive oportunidade de apontar o perigo da inversão revanchista proposta por militantes do “feminismo negro”, que chega a propor que nenhuma outra etnia possa celebrar sua identidade. Já me manifestei contra atos escatológicos e irresponsáveis, horrores que se intitulam feministas e surpreendentemente ganham apoio das porta-vozes majoritárias do movimento.

Exponho aqui minha rejeição ao discurso machista do texto “Um pinto contra Francisco Sá”, de Juliana Cunha.

Por favor, leiam o texto mas não deixem de assistir o vídeo, que é retratado de maneira distorcida pelo artigo de Juliana. Se possível, leiam também os comentários ao texto, grande parte bastante lucida, criticados pelas feministas hegemônicas de plantão.

O resumo da ópera é o seguinte: Yasmin Ferreira confrontou, pela primeira vez, um agressor que lhe importunava todos os dias numa rota obrigatória que a moça fazia entre sua casa e a faculdade onde estuda. Ponto final. Inferimos (e depois temos a comprovação) disso que:

A agressão era repetida e não um caso fortuito (que seria inaceitável, mas se repetido todos os dias configura tortura: observando o incômodo e dor da vítima, o perpetrador repete a agressão);

A vítima obrigatoriamente encontrava seu agressor, pois ele é porteiro de um edifício na rota da moça (ou seja, sua ocupação proporcionava a ele um acesso garantido à vítima e foi neste contexto que a moça empregou o termo, que Juliana, maliciosamente, assume ser uma forma de desqualificação do trabalhador);

Uma jornalista captou acidentalmente a explosão de revolta da moça, que ganhou coragem para confrontar o agressor apenas naquela ocasião;

O agressor fugiu da câmera (qualquer um que assista o vídeo vê isso claramente) e não, como maliciosamente diz a jornalista Juliana, “não foi ouvido”.

Juliana, a jornalista, constrói um caso contra o que chama de “feminismo branco e de classe média”, que ignora as injustiças sociais. A conclusão de seu texto é fácil: a condição de classe e raça do agressor é um atenuante para a agressão sexual que ele pratica.

Este argumento foi defendido por diversas feministas (igualmente brancas e de classe média, curioso).

Vejamos um trecho do texto de Juliana:

“O argumento de que a cantada de rua seria violenta por se dar em um ambiente inapropriado, com métodos e palavras erradas, soa capenga se pensarmos que dentro da organização social brasileira não há ambiente, palavra ou método de abordagem que torne o desejo de um homem pobre e negro por uma mulher branca e rica algo que possa ser exposto em público sem causar atrito.”

Agressão sexual virou “expressão de desejo”? Puxa, pensei que o conceito da agressão sexual (cantada, passada de mão, assédio e estupro) como forma de violência de gênero já era um consenso há muitíssimas décadas, inclusive tipificado como tal em diversas constituições democráticas. Que retrocesso é esse?

O mesmo que ouvi na minha adolescência por parte de “companheiros” stalinistas: “a mulher burguesa que se veste com mini-saia merece o estupro do homem trabalhador porque expõe a ele o que, por barreira de classe, ele não pode ter”. Não é chocante? “O que ele não pode ter”, ou seja: minha bunda é um objeto caro, que chato, coitado do pobre que não pode comprar este objeto. Tudo bem então se ele roubar ou tomar a força esse objeto. Afinal, é uma situação injusta em que ele, pobre, é excluído da possibilidade de comprar ou obter este objeto.

Só que não é um objeto: é o corpo de uma pessoa. Para os stalinistas, o fato desta pessoa ser burguesa (ou “branca de classe média”) a desqualifica como gente e a objetifica.

Peraí: objetificar a mulher não era o que todo mundo condenava? Então como pode ser parte de um argumento supostamente transformador, supostamente até feminista? Pois ao combater o “feminismo branco de classe média” a autora (e as feministas hegemônicas) defende o “feminismo de verdade”, o interseccional, aquele comprometido com o movimento negro, os movimentos anti-capitalistas e também anti-religiosos.

O feminismo sectário que exclui todas as mulheres que forem brancas (ou que não tenham vergonha de ser brancas), não pobres, que forem religiosas, que não forem anti-capitalistas, que tiverem suas dúvidas quanto ao aborto, etc.

Um feminismo burro que sacrifica a busca minimalista por consensos que permitiria uma ação ecumênica em busca de poucos e importantérrimos objetivos comuns.

Desse feminismo, vários de nós fomos excluídos e nos excluímos. Nosso desejo por relações justas entre sexos e gêneros permanece, no entanto. Nossa capacidade de agir nessa direção também. Mas fomos usurpados da ferramenta de organização para isso: esta está, para sempre, pervertida pelo pensamento sectário.

Já era.

Fonte: Marília Coutinho (blog), 07/06/2014

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