8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Machado de Assis "adaptado" ou a ligeira impressão de que os idiotas já tomaram posse da terra que herdaram

Machado de Assis vilipendiado
Uma professora chamada Patrícia Secco resolveu escrever uma edição "facilitada" de Machado de Assis porque - em sua opinião  - os jovens não entendem de cinco a seis palavras por frase do que ele escrevia. Uma das primeiras vítimas da professorinha será O Alienista, um conto do grande escritor de cerca de vinte e duas páginas (se não me falha a memória). Em outras palavras, o processo de analfetização anda tão grande que a molecada não consegue ler 22 páginas. E também desconhece um outro livro chamado dicionário, ou também "pai dos burros", onde as pessoas podem descobrir o significado de palavras desconhecidas. E não vai ser a professorinha facilitadora que vai indicar o dicionário porque - de repente - nele tem um monte de palavras que os alunos também não entendem, né?

Como se não bastasse, as obras adaptadas da senhora Patrícia Secco foram financiadas via captação de dinheiro pela lei de incentivo do Ministério da Cultura e serão distribuídas gratuitamente pelo Instituto Brasil Leitor em junho próximo. Em outras palavras, incentivo público para bancar algo desnecessário que alimenta o baixo nível já existente em profusão no ensino brasileiro.

Há quem reduza toda a história à mera questão de opção: quem quiser ler a obra adaptada que leia; quem quiser ler a original que vá à luta. Até parece que um romance ou um conto são apenas o registro de uma historinha e não o registro de um estilo literário e do estilo do próprio escritor. Machado de Assis não é considerado o maior escritor brasileiro por escrever historinhas mas sim por toda sua virtuose literária. O pessoalzinho da leitura adaptada vai continuar desconhecendo o grande escritor e duvido que se anime a conhecê-lo realmente depois.

Abaixo, texto do jornalista Sandro Vaia sobre "mais essa" do Brasil da era PT (quanto mais medíocre melhor).  

Flaubert e os miasmas

“Os olhos de ambos erravam por sobre os montões de pedra das construções, sobre a água repugnante do canal, onde flutuava um molho de palha, sobre a chaminé de uma fábrica, que se erguia um horizonte; os esgotos exalavam miasmas”.

Este é um trecho de “Bouvard e Pecuchet”, o último romance de Gustave Flaubert, onde ele satiriza a vida de dois medíocres pequenos burgueses franceses que abandonam a sua vida de pequenos funcionários urbanos e saem em busca da prática da idiotia rural, como a definiu Karl Marx em um de seus escritos.

Ao mesmo tempo em que “os esgotos exalavam miasmas”, Milan Kundera, o escritor tcheco, achava que Flaubert sustentava toda a sua obra no tema da idiotia e da tolice, o que sustentava a tese de que os idiotas herdariam a terra.

Kundera, citado no blog Contramaré, de Aguinaldo Munhoz, dizia que "a descoberta flaubertiana é mais importante para o futuro da humanidade que as ideias mais perturbadoras de Marx ou de Freud". Pois podemos imaginar o futuro do mundo — prossegue Kundera — sem a luta de classes ou sem a psicanálise, mas não a invasão irresistível das ideias feitas, estandardizadas, pasteurizadas, que, "inscritas nos computadores, propagadas pela mídia, ameaçam tornar-se em breve uma força que esmagará todo o pensamento original e individual e sufocará assim a própria essência da cultura européia dos Tempos Modernos.

Nem Kundera e muito menos Flaubert poderiam imaginar que essa onda se tornasse tão avassaladora e se multiplicasse numa velocidade tão inimaginável com a democratização do acesso às redes sociais e que “a invasão irresistível das ideias feitas” pudesse ser tão demolidora e provocasse efeitos tão danosos em tão curto espaço de tempo histórico.

A ideia de uma professora chamada Patrícia Secco de escrever uma edição “facilitada” de Machado de Assis para que ele seja entendido por todo mundo (quem lembra da “Edição Maravilhosa”, uma revista que reduzia clássicos da literatura a histórias em quadrinhos, para mentes infantis? ), é uma versão daquele miasma que exala do esgoto de Bouvard e Pecuchet ou um sinal do zeitgeist — o espírito do tempo — ou as duas coisas juntas?

A campanha que demoniza a expressão “meritocracia” como uma maquiavélica armadilha neoliberal e não como uma forma de reconhecimento de uma capacidade especial digna de recompensa de uma pessoa que se destaque, por esforço próprio, em qualquer área de atuação, não é um sintoma de que os idiotas estão herdando a terra numa velocidade assustadora?

O miasma do esgoto não exala apenas das fontes convencionais — a corrupção política, o desrespeito à democracia, a agressão aos direitos das minorias, a desastrosa administração pública — ele sai também das mentes de quem se esperava produção de conhecimento, e não a sua destruição sistemática.

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez e "Armênio Guedes, Sereno Guerreito da Liberdade"(editora Barcarolla). E.mail: svaia@uol.com.br

quinta-feira, 15 de maio de 2014

@dilmabr sou Brasileir@ e exijo que você rejeite a repressão na Venezuela

No vídeo que posto ao fim do texto, intitulado Mensagem da Venezuela ao Povo Brasileiro, a venezuelana Vitória fala da situação de sua pátria, sob a ditadura de Nicolás Maduro, e pede ao povo brasileiro que diga a Dilma para rejeitar a repressão bolivariana no país vizinho. A mensagem é @dilmabr sou Brasileir@ e exijo que você rejeite a repressão na Venezuela.

Segue também matéria da VEJA sobre o relatório da organização dos direitos humanos Human Rights Watch a respeito da calamitosa situação da Venezuela com prisões, torturas e assassinatos de estudantes e dissidentes.

Judiciário da Venezuela serve a Maduro e ignora tortura, alerta relatório do Human Rights Watch
Documento com base em investigações denuncia abusos contra manifestantes presos e relata casos de restrição de direito a defesa. Para a organização, promotores e juízes da Suprema Corte fecham os olhos para os abusos cometidos a mando do governo

Um relatório do Human Rights Watch divulgado na manhã desta segunda-feira denuncia abusos cometidos sistematicamente pelas forças de segurança sob o comando do presidente venezuelano Nicolás Maduro, durante e após as manifestações de fevereiro, quando a população foi às ruas para protestar contra o governo. O documento de pouco mais de cem páginas alerta que as violações de direitos humanos cometidas na Venezuela não foram casos isolados de membros das forças de segurança, mas um padrão sistematicamente aplicado em diferentes locais do país – inclusive no interior de unidades militares. A organização denuncia a participação ou conivência de juízes e promotores, que, segundo o relatório, “fecharam os olhos” para provas nitidamente forjadas, pessoas detidas sem direito a defesa e a sinais de tortura física e psicológica.

Para o Human Rights Watch, o poder judiciário venezuelano deixou de funcionar de forma independente. “A Suprema Corte efetivamente rejeitou seu papel de garantir os direitos fundamentais, com muitos dos juízes publicamente empenhados em dar suporte à agenda política do governo”, adverte a organização. O documento alerta ainda para a “intensa pressão” exercida sobre os juízes de primeira instância para que evitem emitir sentenças que possam incomodar autoridades do governo Maduro. O governo chega a suspender ou demitir sumariamente juízes que profiram decisões em favor de opositores do regime.

A investigação que deu origem ao relatório Punidos por Protestar: Violações de Direitos nas Ruas, Centros de Detenção e Sistema de Justiça na Venezuela foi feita com base em entrevistas com vítimas e familiares, testemunhas, profissionais da área médica, jornalistas e defensores dos direitos humanos. O grupo também recolheu provas, como fotografias, gravações em vídeo, laudos médicos e arquivos do Judiciário. Também foram reunidos relatos e documentos com posicionamentos oficiais do governo Maduro e das forças de segurança. (Continue lendo o texto)

Os representantes da ONG detectaram, no trabalho de campo e nas investigações posteriores, “claros indícios de abusos”. Nos 45 casos, diz o relatório, “encontramos provas concretas de graves violações de direitos humanos cometidos pelas forças de segurança da Venezuela”, o que inclui tortura e tratamento degradante, violência física e restrição do direito de defesa. “O Judiciário e procuradores do governo Maduro colaboraram para as violações, participando ou tolerando abusos contra os manifestantes e pessoas detidas, com graves violações do direito à defesa dos acusados”, diz um trecho do documento.

A investigação foi feita a partir de março, com visitas à capital, Caracas, e a três estados – Carabobo, Lara e Miranda. A partir dos relatos de 45 vítimas nos casos analisados, e com base em provas de diversas fontes, o Human Rights Watch relata 150 ocorrências de abusos graves. Na maioria dos casos, as forças de seguranças fizeram uso ilegal da força, inclusive disparos e agressões severas contra indivíduos desarmados. Praticamente todas as vítimas foram presas e, enquanto detidas, submetidas a abusos físicos e psicológicos. “Em pelo menos dez casos os abusos claramente configuram tortura”, diz o sumário do documento. Nos três estados visitados pela ONG, e na capital, as forças de segurança permitiram que grupos pró-governo, armados, atacassem civis desarmados. E, em alguns casos, as tropas de Maduro também colaboraram com os ataques.

O relatório faz uma ressalva: houve também atos violentos por parte de manifestantes, e os mais de 200 casos de agentes feridos, e pelo menos nove registros de mortes de policiais, são crimes que precisam de investigação. Mas, como agravante das ações perpetradas por integrantes das forças de segurança, nos 45 casos de abusos contra civis analisados, as evidências colhidas indicam que não se tratava de pessoas envolvidas em atos violentos, atividades criminosas ou que representassem algum tipo de ameaça aos policiais. “A natureza e o momento em que ocorreram muitos desses abusos sugere que tinham como objetivo não garantir a lei e dispersar os protestos, mas punir pessoas por suas visões políticas”, diz o documento. (Continue lendo o texto)

Imprensa – Em treze dos casos examinados, as forças de segurança tiveram como alvo indivíduos que fotografavam ou filmavam agentes em confronto com manifestantes. Metade era de jornalistas, enquanto o restante era de pessoas que usavam celulares com câmeras. Quando cita as restrições ao direito de plena defesa dos detidos, o Human Rights Watch cita que praticamente todas as 45 vítimas de abusos foram mantidas incomunicáveis, sem acesso a advogados “até minutos antes de serem conduzidas a juízo” e, em muitos dos casos, com indícios de que foram acusadas com base em “provas plantadas”. E o pior: os juízes, segundo o relatório, condenaram os acusados com base em “evidências duvidosas” apresentadas pela acusação. “Promotores e juízes rotineiramente fecharam os olhos para evidências de que os detidos haviam sido submetidos a abusos no período de detenção, assim como ignoraram óbvios sinais de agressões físicas ou interrogaram os acusados em instalações militares, onde claramente não tinham acesso a advogados”, adverte o texto.

A organização encerra o documento com recomendações tanto a integrantes do governo e forças policiais como à oposição. O texto faz um apelo à procuradora-geral venezuelana, Luisa Ortega Díaz, para que todas as acusações contra manifestantes presos sejam revistas e que, nos casos de detidos indevidamente ou com base em provas duvidosas, que haja imediata libertação.

Fonte: VEJA, Internacional, 05/04/2014

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Procurador-geral da República afirma que praticamente metade dos 594 parlamentares federais é alvo de inquérito ou ação penal no Supremo.

Rodrigo Janot
(img Paulo Negreiros)
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, afirmou, em entrevista à revista Congresso em Foco, que praticamente metade dos 594 parlamentares federais é alvo de inquérito ou ação penal no Supremo. Um país cujas autoridades são criminosas pode ter algum futuro? Como chegamos a isso e como mudar?

Janot: metade do Congresso tem pendências criminais


“Pouco menos de 300” parlamentares, de um total de 594, respondem a inquérito ou ação penal no Supremo, segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista exclusiva à Revista Congresso em Foco

Em 2004, o Congresso em Foco foi pioneiro no levantamento das acusações criminais contra parlamentares no Supremo Tribunal Federal (STF). De lá para cá, este sitese especializou no acompanhamento das pendências judiciais de deputados e senadores. O último levantamento, divulgado em setembro do ano passado, mostrava que 224 congressistas respondiam a 542 acusações na mais alta corte do país. Mas, segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, este número hoje é ainda maior. “É um pouco menos de 300”, disse em trecho da entrevista exclusiva à Revista Congresso em Foco. Na conta do procurador-geral, entram casos novos, mas também aqueles cuja existência é mantida sob sigilo pelo STF. Ou seja, praticamente metade dos 594 parlamentares federais é alvo de inquérito ou ação penal no Supremo.

Na entrevista, uma das raras exclusivas que concedeu desde que assumiu o cargo de chefe do Ministério Público brasileiro, Janot conta que adotou uma estratégia para tentar acelerar o julgamento das acusações criminais contra deputados e senadores: recomendar o encerramento dos processos pouco consistentes para que o Supremo se concentre nos casos de fato relevantes. “Tem problemas sérios, mas tem muita porcaria”, avalia. Para ele, é preciso desafogar o Judiciário para que os casos possam ser julgados com celeridade.

A quantidade de políticos processados, porém, pode levar à impunidade. Janot faz o seguinte raciocínio: se 200 parlamentares tivessem pendências judiciais, o STF demoraria pelo menos 400 sessões plenárias para analisar o recebimento da denúncia e julgar a acusação. Em outras palavras, mais de meia década para a conclusão de todos os casos.

“Sem contar toda a tramitação do processo, produção de provas etc etc”, afirma o procurador. “O Supremo faz sessão quinta-feira para tratar de processos penais. É só fazer a conta e ver quanto tempo vai demorar isso”, avalia Janot.

Ou seja, desconsiderando-se os políticos com mais de um processo, os recessos do STF e a possibilidade de mais de um caso ser analisados numa mesma sessão, seriam necessários mais de sete anos para os ministros julgarem tudo. “A falta de resultado do processo penal gera frustração, que deixa na população o sentimento de impunidade.”

Na conversa, o procurador afirmou que a quantidade exata não poderia ser divulgada no momento. “A gente já tem uns números iniciais aí e eu não quero divulgar para não fazer uma declaração falsa”, disse. Depois da entrevista, osite Congresso em Foco pediu à assessoria da Procuradoria-Geral da República o nome dos deputados e senadores “sendo observados através de inquérito ou de processo penal”, nas palavras do procurador. Semanas depois, a assessoria informou que não possuía o levantamento com os nomes dos políticos com pendências judiciais.


Em um dos trechos da entrevista à revista, Janot ainda criticou a proibição das doações de empresas nas campanhas eleitorais. Para o procurador, ao contrário de combater a corrupção, a medida pode incentivar o caixa dois. “A gente pode caminhar para um sistema que não o exclua, um sistema misto que permite o financiamento público e privado, mas com controle mais eficaz.”

Fonte: Congresso em Foco, por Eduardo militão e Sylvio costa | 09/05/2014

segunda-feira, 12 de maio de 2014

A esquerda quer acabar com a pobreza destruindo a riqueza

Safatle e Lênin: separados na maternidade
Se a esquerda, principalmente a socialista bolivariana, se preocupasse mais em combater a pobreza do que a desigualdade social, seguramente teríamos menos desigualdade e menos pobreza. Entretanto, o raciosímio do pessoalzinho é de que a riqueza de uns se deve sempre à pobreza de outros. A riqueza é sempre fruto da exploração dos desfavorecidos. Enriquecer devido ao mérito é papo-furado de coxinha, direitista e tals. Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg que o digam.

Então, o negócio é sobretaxar os ricos - agora sobretaxá-los em nível global - e tirar-lhes o direito de passar aos filhos o fruto de seu trabalho. Ah, e não só os ricos não. Também os classe-(re)mediados. Segundo Vladimir Safatle, "deixar herança não passa de uma forma de perpetuar desigualdades e estimular a criação de uma classe parasitária de rentistas. Melhor usar esse dinheiro para financiar serviços públicos ou obrigar empresas a abrir fundações baseadas em filantropia."  O Imposto sobre Transmissão, Causa Mortis e Doação (IPCMD) de 4%, que o Estado brasileiro extorque dos cidadãos, é muito pouco para o valente Lênin dos trópicos.

A família que ralou e ralou, a fim de construir um patrimônio e deixar para os filhos um futuro melhor do que seus pais tiveram, deveria ser obrigada a doar tudo para o financiamento de serviços públicos. Ou seja, seus filhos ficariam a ver navios enquanto seu dinheiro engordaria os cofres governamentais para alimentar os vigaristas da esquerda (e de outras facções) que vivem às custas do Estado. A dúvida é: essa gente é cínica porque é louca ou é louca porque é cínica?

Dois artigos do jornalista Leandro Narloch e do economista Kenneth Rogoff refletem sobre essa absurda forma de ver a vida das esquerdas,

Safatle contra os pobres

Leandro Narloch

Por que intelectuais como Vladimir Safatle desprezam a receita mais eficaz, testada e aprovada para a redução de pobreza? Falo do crescimento econômico. Qualquer país que vive uma ou duas décadas de altas consecutivas do PIB vê massas humanas deixarem a miséria.

China: 680 milhões de miseráveis a menos desde que as fábricas capitalistas apareceram, há 35 anos. Indonésia: redução de pobreza de 54% para 16% em 18 anos. Coreia do Sul: tão pobre quanto a Índia em 1940, virou um dos países mais ricos do mundo depois de crescer em média 8% ao ano entre 1960 e 1980.

Essa receita deu tão certo que levou o mundo a superar, cinco anos antes do previsto, a meta estabelecida pela ONU, em 2000, de cortar pela metade o número de pessoas que viviam com menos de US$ 1,25 por dia. Quase tudo isso aconteceu sem cotas sociais, sem Bolsa Família, sem alta de impostos. Só com geração de riqueza.

É uma excelente notícia, que deveríamos comemorar –mas por que Safatle não participaria da festa conosco? No artigo "Demagogia" (29/4), naFolha, ele reclama de quem prefere discutir o crescimento econômico em vez de se concentrar no "caráter insuportável" dos arcaísmos brasileiros (mas a expansão da economia é melhor arma contra esses arcaísmos!).Noutro artigo, diz que a atividade econômica só faz produzir desigualdade.

Dá pra entender o desprezo. Admitir a importância da alta do PIB na redução da pobreza implica em reconhecer verdades dolorosas. A primeira é que quem atrapalha o crescimento da economia atrapalha os pobres. Afugentar investidores resulta em menos negócios, menos vagas, menores salários.

Outra é que os interesses das classes nem sempre divergem. PIB em alta faz bem para pobres, remediados e magnatas. Os anos recentes do Brasil são um exemplo disso. Entre 2007 e 2012, vivemos uma impressionante redução da miséria. Enquanto isso, o número de milionários subiu de 120 mil para 165 mil. Não há motivo para fomentar conflito entre motoboys e donos de jatinhos.

Mas o fato mais difícil de reconhecer é que os filósofos de palanque e os bons mocinhos tiveram um papel irrelevante na redução da pobreza. Se crescimento da economia ajuda os pobres, isso se deve a seus protagonistas, ou seja, os homens de negócio, alguns deles ricos, quase todos interessados somente em botar dinheiro no bolso.

Pior ainda, Safatle teria que admitir que os negociantes aliviaram a condição dos pobres fazendo justamente aquilo que mais incomoda os intelectuais ressentidos: lucrar explorando mão de obra barata. Capitalistas costumam atrair competidores, criando uma concorrência por empregados, elevando salários.

Intelectuais costumam reservar para si um lugar mais elevado que o de comerciantes na sociedade. É difícil terem generosidade para admitir que uma de suas causas mais nobres depende de negociantes mundanos. Por isso, o filósofo prefere ficar do lado da ideologia, e não do lado dos pobres, o que me faz acreditar que ele é movido por um ressentimento contra os ricos, talvez um desejo puritano de conter seus excessos. E não uma vontade genuína de reduzir a pobreza.

LEANDRO NARLOCH, 35, é jornalista e autor de "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" e coautor de "Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo" (ambos pela editora LeYa)

Fonte: Folha de São Paulo, 12/05/2014

Onde está o problema da desigualdade?
Não esqueçamos que, quando se trata de reduzir desequilíbrios,o capitalismo teve três décadas impressionantes
Kenneth Rogoff

Ao ler o influente novo livro de Thomas Piketty, “Capital in the Twenty-First Century”, pode-se concluir que o mundo nunca foi tão desigual desde os dias dos barões ladrões e dos reis. O que é estranho, pois ao se ler outro excelente lançamento, “The Great Escape”, de Angus Deaton, conclui-se que o mundo está mais igualitário do que nunca. Qual visão é a correta? Depende de se olhar para países, individualmente, ou para o mundo.

O fato abrangente no livro de Deaton (que revisei recentemente) é que, nas últimas décadas, bilhões de pessoas no mundo em desenvolvimento, particularmente na Ásia, escaparam de níveis de pobreza desesperadores. A mesma máquina que aumentou a desigualdade em países ricos aplainou globalmente o campo de jogo para bilhões. Olhando de fora, e dando, por exemplo, a um indiano o mesmo peso de um americano ou de um francês, os últimos 30 anos estão entre os melhores na história no que se refere a melhorar a situação dos pobres.

O brilhante livro de Piketty documenta a desigualdade dentro dos países, com o foco no mundo rico. Grande parte da onda que cerca o livro foi provocada por pessoas que se consideram de classe média em seus próprios países, mas que são de classe média alta ou mesmo ricos segundo padrões globais. Há debates sobre os fatos que Piketty, e o coautor Emmanuel Saez, estabeleceu para os últimos 15 anos. Mas considero os resultados persuasivos, especialmente porque outros autores, usando métodos completamente diferentes, chegaram a conclusões similares. Brent Neiman e Loukas Karabarbounis, da Universidade de Chicago, por exemplo, argumentam que a participação da mão de obra no PIB está em queda mundial desde 1970.

Entretanto, Piketty e Saez não oferecem um modelo. E a falta de um modelo, combinada com o foco nos países de classe média alta, faz diferença quando se trata de prescrição de políticas. Será que os admiradores de Piketty estariam tão entusiasmados sobre sua proposta de uma taxa global progressiva sobre a riqueza se ela se destinasse a corrigir as enormes disparidades entre os países ricos e os mais pobres, em vez de entre aqueles que estão em boa situação, pelos padrões mundiais, e os ultrarricos? Piketty argumenta que o capitalismo é injusto. E o colonialismo também não era? A ideia de uma taxação global da riqueza está repleta de problemas de credibilidade e execução, além de ser politicamente implausível.

Embora Piketty esteja certo ao dizer que o retorno sobre o capital aumentou nas últimas décadas, ele menospreza o amplo debate entre os economistas sobre as causas disso. Por exemplo, se a principal causa é o maciço fluxo de mão de obra asiática nos mercados globais, o modelo de crescimento desenvolvido pelo economista Prêmio Nobel Robert Solow sugere que, eventualmente, o estoque de capital se ajustará e os salários subirão. Aposentadorias numa força de trabalho envelhecida poderão também fazer os salários aumentarem. Se a participação do trabalho na renda cai devido ao inexorável aumento da automação, a pressão de baixa continuará.

Felizmente, há meios melhores para abordar a desigualdade nos países ricos enquanto se fomenta o crescimento a longo prazo da demanda por produtos dos países em desenvolvimento. Por exemplo, a adoção de um imposto sobre o consumo com alíquotas muito próximas seria uma forma mais simples e mais efetiva de taxar a acumulação de riqueza passada. Um imposto progressivo sobre o consumo é relativamente eficiente e não distorce tanto as decisões sobre poupança como faz hoje o Imposto de Renda. Por que adotar uma taxa global sobre a riqueza quando estão disponíveis alternativas favoráveis ao crescimento, que levantam receita significativa e podem se tornar progressivas?

Além de um imposto global, Piketty recomenda uma alíquota marginal de 80% sobre a renda nos EUA. Embora acredite que os EUA precisem de uma taxação mais progressiva, particularmente para o 0,1% no topo, não entendo por que assumir que uma alíquota de 80% não causará distorções significativas, especialmente porque isto contradiz um grande trabalho dos prêmios Nobel Thomas Sargent e Edward Prescott.

Ao aceitar a premissa de Piketty, de que a desigualdade importa mais que o crescimento, é preciso lembrar que muitos nos países em desenvolvimento dependem do crescimento dos países ricos para ajudá-los a escapar da pobreza. O problema número um deste século continua a ser ajudar os mais pobres na África e fora dela. A elite do 0,1% deve pagar mais impostos, mas não esqueçamos que, quando se trata de reduzir a desigualdade mundial, o sistema capitalista teve três décadas de desempenho impressionante.

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI, é professor de Economia e Políticas Públicas na Universidade de Harvard

Fonte: O Globo, 10/05/2014

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