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A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Dez anos de PT e a saúde pública entrou em colapso


O corredor da morte nos hospitais
Faltam roupas, remédios, leitos. Faltam médicos, anestesistas, enfermeiros. Falta vergonha

Ruth de Aquino

"Aqui, olha, deixam a gente na musiquinha”, disse a recepcionista do Hospital Barra d’Or, no Rio de Janeiro, apontando para o telefone em viva voz. Ela tentava, sem sucesso, autorização do Bradesco Saúde para Hélio Araújo ser atendido na emergência. Hélio tem 91 anos e é meu pai. Sofreu uma queda em casa, e um armário caiu por cima dele. Esperava na cadeira de rodas, a mão enfaixada, pingando sangue no lobby do hospital. Não sabíamos se havia fratura da mão ou um dano no crânio. Meus pais pagam R$ 2.440 por mês ao plano de saúde. A mesma seguradora desde 1978.

“Não autorizaram emergência, só internação. Também não autorizaram tomografia cerebral. Estou tentando o raio-X”, disse a recepcionista. “Então pago tudo particular, depois abro um processo”, disse eu. Só assim ele foi atendido, “no particular”, após horas de incerteza. Ficamos no hospital das 20 horas às 4 horas da manhã. Na saída, surpresa: não foi preciso pagar nada. Mas a recepcionista teve de insistir horas, houve discussão e estresse. É o caso de um paciente de elite, que enfrenta os maus-tratos comuns dos planos.

O buraco é bem mais embaixo na saúde pública do Brasil. Sinto náuseas ao ver multidões de pacientes, de crianças a idosos, dormindo em filas diante dos hospitais, com senhas só para “agendar a consulta”, e não para atendimento. As senhas acabam. As pessoas choram. Estão vulneráveis, doentes, frágeis, sentem-se humilhadas, escorraçadas. Gosto de cachorros, mas acho que a sociedade tem se escandalizado mais com o tratamento dispensado a cães do que a seres humanos.

O estado deprimente e indigno de nossa Saúde é o maior atestado de que a ideologia política de um governo não garante o respeito aos direitos básicos escritos na Constituição brasileira. Temos uma década de governo “de esquerda” – já que o PT se considera um partido do povo. O que existe diante dos hospitais é a fila da vergonha. Nossas emergências e nossos postos de saúde estão em colapso.

No Rio, há 12.500 pacientes à espera de cirurgia em hospitais federais. Alguns esperam há sete anos. Os dados são da semana passada, levantados pela Defensoria Pública da União. Os defensores decidiram processar o Ministério da Saúde. Querem um cronograma oficial de cirurgias no prazo máximo de dois meses. Exigem que o ministério pague uma indenização coletiva aos pacientes, de R$ 1,2 bilhão.

Os doentes morrem na fila da cirurgia. Cirurgias vasculares, cardíacas, neurológicas, ortopédicas, urológicas, oftalmológicas e torácicas. Os médicos se descabelam por falta de tudo. Sem parafusos e placas, idosos não podem ser operados num dos maiores hospitais do Rio. Uns pedem material emprestado a outros. De nada adianta. A precariedade é o artigo mais em alta nos hospitais federais, estaduais e municipais. O jogo de empurra entre as esferas de governo é conhecido. União, Estados e municípios se mostram incompetentes e venais na oferta de serviço de Saúde. Levam pacientes à histeria, pelo sentimento continuado de impotência.

O programa Globo repórter da última sexta-feira 13, chamado “Emergência médica”, equivale a um filme de terror. Só que é tudo verdade. Durante 40 dias, primeiro com câmeras escondidas, depois oficialmente, uma equipe de repórteres e cinegrafistas voltou aos mesmos hospitais e postos de saúde da família denunciados há quase três anos pela TV Globo, para ver o que mudara. Nada. Em Belém ou no entorno de Brasília, não importa, a calamidade na Saúde rima com crueldade.

Pacientes dividem a mesma maca, quando não estão no chão. Um médico de macacão atende pacientes coletivamente, como se estivéssemos em guerra. Em março de 2011, em Belém, uma menina, Ruth, morreu na frente da câmera dos jornalistas. Tinha vindo de uma ilha, com uma leishmaniose que virou pneumonia. Não resistiu à falta de estrutura dos hospitais. Médicos diziam que nada poderiam fazer, não havia material nem esperança. Os jornalistas voltaram agora à casa da família de Ruth. Os parentes nunca receberam indenização. Ninguém é culpado jamais.

Faltam roupas para operar no centro cirúrgico. Faltam leitos. Faltam médicos, anestesistas, enfermeiros. Falta salário. Faltam remédios. Falta vergonha.

Minha empregada, Lindinalva Souza, estimulada pelas campanhas do governo de prevenção de câncer nos seios, foi à Clínica da Família em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, pedir uma mamografia. Faz quatro meses. “Quando tiver uma vaga, a gente te chama”, disse a agente de saúde. “Por enquanto, só estamos atendendo diabéticos, hipertensos e grávidas.” Que resposta é essa?

E, assim, brasileiros e brasileiras anônimos somem para sempre no corredor da morte, ignorados pelos governos, que gastam nossos impostos com sei lá o quê.

Fonte: Época, 17/12/2013

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Fundamentalismo religioso: Traficantes evangélicos expulsam candomblé das favelas


Adepta de culto afro em sua nova casa: crença desrespeitada -
Foto: Urbano Erbiste / Agência O Globo

Traficantes proíbem candomblé e até roupa branca em favelas

Pais de santo dizem que perseguição começou após conversão de criminosos a religiões evangélicas

RIO - A roupa branca no varal era o único indício da religião da filha de santo, que, até 2010, morava no Morro do Amor, no Lins de Vasconcelos. Iniciada no candomblé em 2005, ela logo soube que deveria esconder sua fé: os traficantes da favela, frequentadores de igrejas evangélicas, não toleravam a “macumba”. Terreiros, roupas brancas e adereços que denunciassem a crença já haviam sido proibidos, há pelo menos cinco anos, em todo o morro. Por isso, ela saía da comunidade rumo a seu terreiro, na Zona Oeste, sempre com roupas comuns. O vestido branco ia na bolsa. Um dia, por descuido, deixou a “roupa de santo” no varal. Na semana seguinte, saiu do morro, expulsa pelos bandidos, para não mais voltar.

— Não dava mais para suportar as ameaças. Lá, ser do candomblé é proibido. Não existem mais terreiros, e quem pratica a religião faz isso de modo clandestino — conta a filha de santo, que se mudou para a Zona Oeste.

Já há registros na Associação de Proteção dos Amigos e Adeptos do Culto Afro-Brasileiro e Espírita de pelo menos 40 pais e mães de santo expulsos de favelas da Zona Norte pelo tráfico. Em alguns locais, como no Lins e na Serrinha, em Madureira, além do fechamento dos terreiros, também foi proibido o uso de colares afros e roupas brancas. De acordo com quatro pais de santo que passaram pela situação e foram ouvidos pelo jornal “Extra”, o motivo das expulsões é o mesmo: a conversão dos chefes do tráfico a denominações evangélicas.

E a intolerância religiosa não é exclusividade de uma só facção criminosa. Distante 13 quilômetros do Lins e ocupado por um grupo rival, o Parque Colúmbia, na Pavuna, tem realidade parecida: a expulsão dos terreiros, acompanhada de perto pelo crescimento de igrejas evangélicas. Desinformada sobre as “regras locais”, uma mãe de santo tentou fundar ali seu terreiro. Logo recebeu a visita do presidente da associação de moradores, que a alertou: atabaques e despachos eram proibidos ali.

— Tive que sair fugida. Tentei permanecer, só com consultas. Mas eles não gostaram — afirma.

Conselho: UPP é solução

A situação já é do conhecimento de pelo menos um órgão do governo: o Conselho Estadual de Direitos do Negro (Cedine). O presidente do órgão, Roberto dos Santos, diz que já foram encaminhadas denúncias ao Cedine:

— Mas a intolerância armada só pode ser vencida com a chegada do Estado a esses locais, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, chefe do tráfico no Morro do Dendê, na Ilha do Governador, ostenta no antebraço direito uma tatuagem com o nome de Jesus Cristo. Pela casa, Bíblias por todos os lados. Mas em seus domínios reina o preconceito: enquanto os muros da favela recebiam dizeres bíblicos, os dez terreiros que funcionavam no local deixaram de existir.

Guarabu passou a frequentar a Assembleia de Deus Ministério Monte Sinai em 2006 e se converteu. A partir daí, quem andasse de branco pela favela era “convidado a sair”. A situação se repete na Serrinha, ocupada pela mesma facção criminosa.

Segundo a lei 7.716/89, o crime de intolerância religiosa não prescreve e é punido com pena de um a três anos de detenção.

Fonte: O Globo, RAFAEL SOARES , 10/09/13

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Como se pode esperar bons serviços públicos, se os funcionários não são selecionados por mérito?

Funcionário público joga paciência enquanto povo aguarda atendimento na fila
O artigo é do mês passado, mas nem um pouco defasado. Mais de 80% dos servidores públicos de nível federal não são escolhidos por processo formal baseado em competência. Não por menos os serviços públicos são tão ruins, embora paguemos uma fortuna de impostos para mantê-los. Quando teremos uma mudança de mentalidade no Brasil?Não por menos o PT se mantém no poder e perigas de ficar mais alguns anos.

75% dos órgãos públicos do Brasil não selecionam gestores por mérito, diz pesquisa

De cada quatro órgãos públicos na área federal, três não escolhem seus gestores por processo formal baseado em competência. E apenas dois órgãos de cada quatro estipulam metas de desempenho individual ou de suas equipes.

É o que revela uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) feita em 303 órgãos federais de toda a administração, o que inclui ministérios, estatais, agências reguladoras, órgãos do legislativo e do judiciário, envolvendo mais de 80% dos servidores públicos de nível federal.

O trabalho foi realizado ao longo deste ano. Um questionário de 101 perguntas, dividido em oito temas, foi encaminhado aos gestores de cada organização. Vinte e cinco órgãos não responderam os questionamentos e foram retirados da pesquisa.

Entre os questionamentos estava perguntas sobre critérios de escolha de chefes pelo mérito, se havia metas de desempenho, como era o processo sucessório ou se os trabalhadores recebem algum tipo de treinamento, por exemplo.

As respostas dadas pelos gestores para cada pergunta viraram notas de 0 a 10 para cada item pesquisado em cada órgão. Depois, uma nota geral foi dada para cada organização. O tribunal classificou os órgãos em três níveis de qualidade: inicial, com notas de 0 a 4; intermediário, com notas de 4 a 7; e avançado, com notas de 7 a 10.

Segundo a avaliação do órgão de controle, apenas 7% dos órgãos estão no nível avançado, com nota acima de 7. No nível intermediário foram encontrados 37% dos órgãos e os 56% restantes receberam notas abaixo de 4.

Os nomes dos órgãos pesquisados não será divulgado pelo TCU, segundo o ministro relator, Marcos Bemquerer. Segundo ele, para garantir respostas fidedignas dos órgãos, o TCU garantiu aos gestores que as notas dadas ao órgão não seriam reveladas. Mas os gestores vão receber um relatório com sua avaliação para que tomem as providências adequadas para melhorar a qualidade.

"Um gestor veio aqui nos dizer que ele iria contratar uma consultoria para fazer esse trabalho que nós fizemos. Ele disse que vai economizar R$ 1 milhão com isso", disse Bemquerer.

SETORES

As notas foram divulgadas por setor. A área do governo federal que teve as piores notas foi a da Agricultura, onde 83% dos órgãos pesquisados receberam nota até 4. O setor de educação, onde foram pesquisadas as órgãos do ministério da Educação, universidades e institutos federais, teve 63% dos seus unidades com nota até 4. O setor de energia tem o menor índice de órgãos com nota ruim, 22%.

Em relação aos tipos de órgãos públicos, os tribunais foram os piores avaliados, com 71% de suas unidades avaliadas com nota até 4. Das instituições de ensino, 62% ficaram no pior nível de avaliação, o mesmo número das autarquias e agências reguladoras pesquisadas. No caso dos ministérios, 52% ficaram no pior índice de avaliação e nenhum alcançou nota acima de 7.

As estatais, com apenas 34% de seus órgãos com avaliação baixa, e as instituições militares, com nenhuma delas mal avaliadas e todas acima de 7, ficaram com as melhores avaliações.

'ATITUDE ABSURDA'

O presidente do TCU, ministro Augusto Nardes, aproveitou a divulgação dos dados mostrando a má qualidade dos órgãos públicos federais no setor de pessoal para rebater as críticas ao tribunal relativas à sugestão de paralisação de obras feita ao Congresso. A presidente Dilma Rousseff, em entrevista, chamou a atitude do órgão de "absurda".

Nardes citou o caso do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) que, segundo ele, tem 140 obras paradas sendo que apenas duas por determinação do TCU.

"Quem nos critica [por sugerir a paralisação de obras] que faça planejamento, faça uma avaliação da sua gestão no comando de sua instituição e veja se seus funcionários estão bem treinados. É mais fácil acusar o TCU [pelos problemas]", afirmou Nardes.

Fonte: Dimi Amora, Folha de São Paulo, 13/11/2013

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Últimas palavras sobre Mandela e os judeuzinhos comunistas e conspiratórios

Findas as homenagens a Nelson Mandela e a cerimônia de seu sepultamento,cumpre resumir o que escrevi sobre ele. Em Nelson Mandela, admirável mesmo! falei do fla-flu esquerdireitista em torno do grande líder, com os esquerdistas enaltecendo seus tempos de luta armada e os direitistas tentando desmerecê-lo pela mesma razão, acusando-o de comunista e terrorista.

Para provar que era comunista, postaram imagem de Mandela abraçado a Fidel Castro e descontextualizaram historicamente sua luta contra o apartheid, retirando suas ações de sabotagem contra a tirania racista do contexto de terrorismo de Estado mantido pelos afrikaners. Como se fosse possível esquecer que a polícia racista respondia aos atos de desobediência civil pacífica  dos negros metralhando centenas de civis em praça pública (incluindo crianças).

Entretanto, qualquer pessoa minimamente honesta sabe que ter simpatia pelo socialismo ou comunismo, antes da década do muro de Berlim e do colapso dos regimes comunistas no início da década de 90, tem uma conotação totalmente distinta de se dizer simpatizante desta ideologia nos dias de hoje. Pra ficar só em termos de Brasil, muitos dos neocons tupiniquins, alguns que inclusive tentaram desmerecer Mandela por suas tendências marxistas, foram, no mesmo período histórico, também partidários das vertentes vermelhas. O hoje ultraconservador Olavo de Carvalho foi militante comunista. Reinaldo Azevedo foi trotskista, membro do Liberdade e Luta (Libelu), embora sobre a figura de Mandela tenha feito um artigo respeitoso, ainda que realista. E não seria difícil achar outros que passaram do extremismo de esquerda para o de direita.

Em outras palavras, tentar desconstruir Mandela por seu passado de luta armada e sua ligação com o partido comunista africano, postando fotozinhas dele com líderes comunistas, é desonestidade intelectual da grossa. Para apontá-la, fiz a montagem acima onde posiciono, ao lado da foto de Mandela com Fidel, usada para "incriminá-lo como comunista", foto do líder conservador Winston Churchill ao lado de, nada mais nada menos, Joseph Stálin, um dos maiores genocidas que o comunismo produziu. Durante a Segunda Guerra Mundial, para derrotar Hitler, Churchill teria feito aliança com o líder da então União Soviética por ser brilhante estrategista e não ter outra saída.

Essa história, contudo, parece ser mais uma daquelas mal contadas. Segundo artigo postado no Instituto Mises, Rethinking Churchill, o primeiro-ministro britânico via Stálin como mais do que simplesmente um grande sapo a engolir. Nutriu por ele simpatia e o abraçou como amigo, chamava-o de Tio Joe, dizia publicamente que o apreciava e chegou a presenteá-lo com uma espada de cruzado durante a Conferência de Teerã (1943). Lendo esse artigo sobre Churchill, de um insuspeito site de direita, pode-se concluir que, embora Churchill tenha tido papel importante no combate ao nazismo, sua trajetória política foi bem mais controversa do que a de Mandela.

Mandela foi um homem pragmático que buscou vencer o apartheid pelas vias possíveis, nos diferentes momentos de sua vida, muitas vezes de forma aparentemente contraditória. Foi um nacionalista negro e um não-racialista, um adepto das ações não-violentas e um integrante da luta armada, às vezes cabeça quente, às vezes o mais calmo dos homens, simpatizante de ideias marxistas e admirador das democracias ocidentais, parceiro íntimo dos comunistas e, durante sua presidência, igualmente parceiro íntimo dos mais poderosos capitalistas da África do Sul.

Dessa forma, Bill Keller, do New York Times, definiu Mandela, em seu artigo Nelson Mandela, Communist. Disse também que, durante um de seus inúmeros julgamentos, perguntado se era comunista, Mandela respondeu de forma a um tempo elusiva e perfeitamente clara:
Se, por comunista, você quer dizer um membro do Partido Comunista, uma pessoa que acredita na teoria de Marx, Engels, Lênin e Stálin e aderiu estritamente à disciplina  do partido, eu não me tornei comunista.
Obviamente, repetindo meu primeiro artigo sobre o líder sul-africano, as homenagens que o mundo prestou a Mandela não foram baseadas em sua trajetória de adepto da luta armada e por suas inclinações esquerdistas. O mundo o homenageou exatamente pela superação de tudo isso em prol da democratização e da integração racial da África do Sul. Após 27 anos de cadeia, o homem saiu da prisão disposto a transcender sua tragédia pessoal em benefício de seu povo e de seu país. Todas as pessoas de bom senso e sensibilidade política reconheceram nisso sua grandeza, exemplo raro de político no mundo inteiro, sem contudo deixar de apontar seus humanos erros e contradições. Apenas os neocons, em seu fanatismo e cegueira ideológica, procuraram defenestrá-lo e a todos que o homenagearam por sua trajetória excepcional.

Nesse sentido inclusive, registro até que ponto chegaram os adeptos dessa seita, pois o evento muito me impressionou. Tratou-se de caso envolvendo o jornalista Caio Blinder, do Manhattan Connection, que foi agredido, por uma conservadora histérica, em sua coluna da Veja, com a seguinte frase: "Você é um judeuzinho muito asqueroso, mesmo! Assim como os outros da sua laia, todos comunistas e conspiratórios!" Reproduzo o original abaixo.
Érica Medeiros-08/12/2013 às 23:01 
Você é um judeuzinho muito asqueroso, mesmo! Assim como os outros da sua laia, todos comunistas e conspiratórios!
Publicado com fins educacionais, CaioPS- lição encerrada e fracassada. Eu pediria aos leitores que não contestassem esta pessoa, pois não publicarei os comentários a respeito. Tampouco, os comentários dela doravante, abs, Caio
Ele a citou, em uma de suas postagens sobre Mandela, e, após identificar a pérola antissemita, deu-lhe o devido bloqueio. Repassou também o link do artigo que citei sobre o "comunismo" de Mandela, declarando:
Foi uma luta (a de Mandela) complexa e com contradições, algo que funde a cabeça de absolutistas que preferem simplificar ou rotular. Uma leitora da coluna criou celeuma com alguns comentários esbaforidos e infelizes. Disse, entre outras coisas, que sou mancomunado com a aristocracia esquerdista de Nova York. Para ser coerente, ofereço a todos um texto de um príncipe do New York Times, Bill Keller, ex-editor-chefe do jornal e ex-correspondente em Moscou e Johanesburgo. O artigo é sofisticado e não permite avaliações simplórias sobre o prontuário de Mandela, os motivos e nos brinda com um final de história intrigante. Boa leitura.

Exatamente: a  luta de Mandela foi complexa e com contradições, algo que funde a cabeça de absolutistas que preferem simplificar ou rotular. E como os absolutistas andam em voga no Brasil de hoje! Antes tínhamos só os socialistas bolivarianos patrulhando e demonizando todo o mundo que simplesmente não concorda com eles. Agora temos também os neocons fazendo a mesmíssima coisa, mostrando como todos os autoritários são no fundo farinha do mesmo saco. 

Mais uma razão, portanto, para celebrar pessoas como Mandela que se caracterizou por construir pontes sobre o impossível em vez de levantar ou reforçar muros intransponíveis ao futuro. Que seu exemplo sirva para o Brasil de hoje tão povoado de estúpidos antagonismos. Descanse em paz, Madiba! Mesmo! 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Mais um questiona o esquerdireitismo: Sou de esquerda ou de direita?

Contardo Calligaris
Contardo Calligaris (psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor) escreveu o ótimo artigo abaixo, Sou de Esquerda ou de Direita?, para sua coluna de ontem (12/12/13), na Folha de São Paulo, questionando essa divisão maniqueísta, pela qual muitos se batem, mas que está longe de ter uma definição precisa. 

Só não concordo quando diz que a direita nos EUA era libertária (como se espera da direita, ela não gostava que o governo se metesse na vida da gente) mas hoje adora tutelar os cidadãos (todos vulneráveis e meio incapazes, não é?) e tenta promover leis que regrem o comportamento de todos segundo seus "princípios".

Mesmo, nos EUA, os conservadores sempre integraram a direita (aliás, a direita nasce com eles na época da Revolução Francesa), e eles sempre adoraram e continuando adorando querer reger o comportamento de todos segundo seus "princípios". Pessoalmente, acho que os libertários (como, aliás, vem acontecendo) devem deixar a direita para os conservas e seguir um caminho independente. A escritora Ayn Rand já alertava sobre a contraproducência desse enlace para quem de fato defende a liberdade 
 não só econômica mas também individual.

No mais, o texto é ótimo e mostra bem o quanto é confuso, para qualquer pessoa mais exigente, essa polarização esquerda-direita neste início de século XXI.

Sou de esquerda ou de direita?

Li a pesquisa do Datafolha publicada na Folha de domingo passado, e tentei entender se sou de esquerda ou de direita. Não consegui concluir. As frases propostas à apreciação dos entrevistados me deixam hesitante; sempre preciso completá-las (com adversativas e reservas) para poder concordar ou discordar.

Por exemplo, o "governo deve ser o maior responsável por investir para a economia crescer". É uma ideia que deveria seduzir meu lado esquerdo. Mas não sei se houve uma época da minha vida em que eu não desconfiasse da intervenção do Estado na vida da gente. No Brasil de hoje, então, nem se fala: qualquer aumento da presença do governo agita visões pavorosas de corrupções crônicas e de burocracias acomodadas e ineficientes.

Em geral, a geração à qual pertenço, a dos baby boomers, não gosta de Estados e governos. Alguns de nós (uma pequena minoria) cresceram e militaram num isolamento cultural que os deixou à margem da revolução libertária dos anos 60 --isso, sobretudo em países que, na época, eram dominados por ditaduras, como o Brasil. Mas, para a grande maioria dos baby boomers, sonhar com justiça e dignidade para todos nunca significou confiar em Estados, governos, entidades coletivas, partidos e opiniões dominantes.

Conheci de perto (apesar do cheiro) alguns moradores de rua de Paris e Nova York que não se deixam levar para um abrigo nem nas piores noites do inverno, porque não aceitam ter que ouvir um sermão ou uma missa em troca de calor, sopa e colchão. Eles são meus heróis. Nossa tendência é outra: aceitamos facilmente a tutela moral de Estados e governos, como se fosse normal retribuir assim os benefícios da social-democracia.

Regra: o Estado que parece pagar a conta (embora ele pague com nossos impostos) sempre se sente autorizado a expandir sua tutela moral sobre nós. E eu tenho repulsa por qualquer tipo de tutela. Nisso e por isso, sou libertário. Como isso funciona com direita e esquerda?

Houve uma época em que, nos EUA, a direita era libertária (como se espera da direita, ela não gostava que o governo se metesse na vida da gente). Por exemplo, a direita libertária podia detestar gays e lésbicas, mas não por isso reconheceria ao Estado o direito de dizer o que se pode e o que não se pode na vida sexual e afetiva das pessoas.

Isso acabou: a direita de hoje adora tutelar os cidadãos (todos vulneráveis e meio incapazes, não é?) e tenta promover leis que regrem o comportamento de todos segundo seus "princípios".

Será que a esquerda, então, herdou o antigo espírito libertário da direita? Nem um pouco. Quando a direita começou a querer transformar suas crenças em legislação, a esquerda fez a mesma coisa, com um agravante: ela se tornou hipócrita (ela sempre declara querer o bem de todos, até dos que ela persegue).

Um exemplo. Hoje o Brasil recebe François Hollande, presidente da França. O governo (de esquerda) de Hollande é responsável por uma recente proposta de lei pela qual 1) é preciso abolir a prostituição e 2) o jeito é penalizar os clientes das prostitutas, com multas e prisão (leis parecidas já foram tentadas na Suécia e na Noruega, com resultados pífios e sinistros para as prostitutas).

Sugiro que nossa presidente ofereça a seu colega francês o livro de Adriana Piscitelli, "Trânsitos - Brasileiras nos Mercados Transnacionais do Sexo" (Uerj).

Além de ser um bom exemplo da qualidade de nossas pesquisas, o livro lembraria a Hollande que somos menos hipócritas que seu governo: sabemos que o verdadeiro problema que o governo francês quer resolver não é a prostituição (e ainda menos a prostituição forçada), mas a imigração de mulheres, que tentam ser livres trabalhadoras do sexo e que, em geral, não são vítimas nem de traficantes, nem de cafetões, nem de seus clientes.

Cher M. Hollande, bem-vindo ao Brasil. A França pode tomar decisões erradas, como todo mundo, mas, pela cultura e pelas ideias que ela representa sobretudo nos últimos dois séculos, ela não pode, não deve se permitir ser ridícula. Merci.

Agora, uma palavra, em aparte, a Dilma Rousseff: Presidente, pode ser que a gente já tenha decidido comprar os Rafales, mas os franceses não sabem disso. Será que poderíamos negociar? Vamos comprar seus caças, mas vocês deixem suas prostitutas em paz? Seria generoso, e alguns brasileiros e brasileiras na França agradeceriam.

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