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Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

"Tempestade perfeita" dos economistas significa que nosso bolso pode passar por séria crise


Economistas discutem a chamada "tempestade perfeita" que, resumidamente, segundo a economista Claudia Safatle, é o
Mercado externo praticamente fechado para novos créditos a países emergentes, economia da China em franca desaceleração, aperto do crédito doméstico pelos bancos privados, famílias endividadas, queda da produção industrial, fim do crescimento acelerado do emprego, inflação resistente e juros em alta. (A tempestade perfeita)
Abaixo também texto de Celso Ming e o áudio do Globo News Painel, deste último sábado, sobre o tema, com os economistas Luiz Gonzaga Beluzzo, da Facamp, Monica de Bolle, sócia-diretora da Galanto Consultoria e professora da PUC-RJ e Samuel Pessoa, sócio da Reliance Consultoria e pesquisador do Ibre/FGV.

Para nós, leigos, significa que podem vir raios e trovoadas para nossos bolsos. Um pouco de paciência com o tal do Beluzzo, chatinho mesmo, porque o áudio vale a pena.

Tempestade perfeita

Celso Ming - O Estado de S.Paulo

O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto vem advertindo, como na entrevista publicada nesta edição na página B4, que a economia brasileira corre o risco de ter de enfrentar uma tempestade perfeita se a presidente Dilma não der um passo decisivo para a recuperação da confiança.

A desconfiança é fato repisado, ainda que o governo a todo tempo tente desqualificá-la como obra de pessimistas profissionais. Mas não dá para negar os problemas. O crescimento econômico é insatisfatório, como ainda ontem atestou o IBC-Br, do Banco Central (veja o Confira): o governo federal gasta mais do que pode; as contas externas estão em deterioração e os dólares continuam saindo mais do que entrando; a inflação anual continua no sexto andar e por aí vai. Nesse ambiente pouco animador, o empresário trava seus investimentos por aqui e começa a sair do Brasil.

A tempestade perfeita, para o ex-ministro Delfim Netto, acontecerá se esse clima persistir na temporada de reversão da política monetária, fortemente expansionista, empreendida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). À medida que menos dólares forem emitidos (hoje são à proporção de US$ 85 bilhões por mês) e que a oferta de moeda estrangeira escassear, o câmbio interno poderá passar pelas turbulências já conhecidas.

Outro rombo que se abriria no casco do navio seria o rebaixamento da qualidade da dívida brasileira pelas agências de qualificação de risco, fator que provocaria rejeições de títulos e outros ativos do Brasil. Mas não precisaria tudo isso. Efeito parecido com esse poderia ser causado pelo simples rebaixamento da dívida da Petrobrás, que teria alto poder de contaminação na economia.

Para Delfim, bastaria que a presidente Dilma assumisse o compromisso firme de que o governo fará uma economia de 2% do PIB (cerca de R$ 96 bilhões) por ano, destinada a amortizar a dívida (superávit primário), para que a política econômica começasse a passar firmeza e, nessas condições, a tempestade poderia ser enfrentada sem avarias de monta para o navio. Nesse caso, teria de basear-se em cálculo transparente das contas públicas, sem os truques contábeis inventados em 2012 pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, o mesmo que vem denunciando a existência de ataques especulativos contra as finanças do governo.

A outra ideia destinada a aumentar a credibilidade do governo, sugerida também por Delfim, seria a aprovação da Lei Complementar que desse autonomia ao Banco Central. Mas a presidente Dilma tratou de esvaziar esse balão.

Se não por outras razões, pelo menos por ser trunfo eleitoral não desprezível, a presidente Dilma parece mesmo precisada de um par de asas que pudesse ser proporcionado por uma nova Carta ao Povo Brasileiro, o compromisso solene feito em 2002 pelo então candidato Lula à Presidência da República. Por enquanto, não há sinais disso. Mas, se os serviços de meteorologia confirmarem a formação da tal tempestade perfeita, o governo será pressionado a fazer alguma coisa.

Fonte: Estadão, 15 de novembro de 2013

Ouça abaixo o Globo News Painel, 07/12/2013

Economistas falam sobre o andamento e sobre o futuro da economia brasileira Debate com William Waack e três economistas: Luiz Gonzaga Beluzzo, da Facamp, Monica de Bolle, sócia-diretora da Galanto Consultoria e professora da PUC-RJ e Samuel Pessoa, sócio da Reliance Consultoria e pesquisador do Ibre/FGV.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Dois textos contra o esquerdireitismo: Tempo de radicais e Párias do Bom senso

Ser extremista é fácil porque não exige muito esforço intelectual. Basta tratar as coisas na base do preto ou branco, arrumar algum bode-expiatório, para culpar pelas mazelas do país e da vida, e sair combatendo esse suposto inimigo. Nesses tempos de guerra, também não há lugar para dubiedades, vacilos. Então, quem não estiver do seu lado estará contra você. Incluindo aí a realidade. Daí que melhor acabar com ela.

Assim se encontra a situação em que vivemos no Brasil de hoje: como sempre digo, um fla-flu permanente entre esquerdistas e direitistas, onde “ou se torce apenas pelo cordão vermelho ou pelo cordão azul”. Sério que faz tempo não via tanta gente estúpida assim reunida. Até as recentes celebrações pela vida e obra de Nelson Mandela viraram pretexto para as duas torcidas vomitaram seu besteirol infindável.

Felizmente, contudo, há luz no fim do túnel: cada vez mais pessoas de bom senso se dão conta desse fla-flu e buscam, ainda tateando, uma saída para o contexto preocupante. Cito dois textos que questionam essa tendência de polarização imbecil. Tempo de radicais é do Pedro Doria e Párias do bom senso do Luiz Caversan. Apreciem, nesse caso, sem moderação. 

Tempo de radicais

O diálogo político se tornou impossível. Ninguém mais busca o meio termo. E parte da culpa é da internet

O incômodo é visível. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o veterano jornalista Luiz Caversan anunciou que pretendia tirar férias de Facebook. O radicalismo das pessoas na rede está intolerável. Em um artigo recente, Frei Betto foi outro a se queixar dos radicais à esquerda e à direita. Cá no GLOBO, ontem, Ricardo Noblat desdenhou do país onde, on-line, “se torce apenas pelo cordão vermelho ou pelo cordão azul”. Míriam Leitão foi uma das primeiras, uns domingos atrás. Os radicais, em sua opinião, pioram a qualidade do debate. A polarização política é um fenômeno muito mais nocivo do que parece. Não é um fenômeno apenas brasileiro. E, não à toa, coincide com a popularização da internet. A tendência, aliás, é de que piore.

Em Israel, a esquerda foi sufocada e o governo de direita se radicalizou como nunca na história do país. Na Espanha, da virada do século para cá, o espaço de diálogo entre eleitores do socialista PSOE e do PP praticamente se extinguiu. Idem nos EUA, onde republicanos e democratas não se entendem desde o dolorido embate eleitoral que culminou com a questionável eleição de George W. Bush, em 2000. Este período, entre finais dos anos 1990 e o início da década seguinte é marcado pelo surgimento dos blogs e, com eles, as caixas de comentários. A partir daí, o crescimento das redes sociais. Não há coincidência.

Polarização não ocorre apenas quando o centro desaparece. A coisa é mais complexa. É natural que todos tenhamos paixões por certos temas. Pode ser o casamento gay para um, educação para outro, política econômica na cabeça do terceiro. Duas ou três questões costumam nos ser caras. Para as outras, na maioria das vezes somos ambivalentes, no máximo simpáticos a uma opção.

Quando o ambiente se polariza, porém, as pessoas se alinham a um ou outro grupo ideológico. Sentem-se na obrigação de defender até aquilo que não lhes é caro. O resultado é que as possibilidades de diálogo desaparecem. Afinal, quando tudo é muito importante, ninguém cede. Acordos tornam-se inviáveis.

Jogue “polarização política” no Google, porém, e poucos artigos científicos aparecerão. O tema mais definidor da política brasileira no momento é pouco estudado. Talvez porque, polarizadas, as pessoas que se interessam por política andam mais preocupadas em derrotar o outro lado do que dar um passo atrás e perceber que há algo de errado.

Nos EUA, onde o número de cientistas é inacreditável e tudo se estuda, já há pistas fartas. A primeira é que, para a maioria das pessoas, nada mudou. A população continua onde sempre esteve, não se radicalizou. Quem se radicalizou foi o pequeno grupo de eleitores que mais acompanha política. Como é para este grupo que políticos costuram seus discursos, também eles tornam-se mais radicais. Um estudo do professor Markus Prior, da Universidade de Princeton, avaliou se houve mudança na imprensa nas últimas décadas. Não a descobriu na imprensa tradicional: a cobertura dos fatos, nos EUA, se dá por um ponto de vista de centro. Nas páginas editoriais há uma tendência ligeira à esquerda, mas pouca. Não é assim, lá, para a imprensa que surgiu mais recentemente: canais a cabo de notícias, por exemplo, além de sites e blogs. Aí é tudo extremo, à direita ou à esquerda.

A internet cria o que o ativista Eli Pariser, autor do livro The Filter Bubble, chama de bolha. Lá, as pessoas procuram apenas aqueles sites onde lerão o que reitera suas crenças. Quando comentam em comunidades nas quais todos concordam, só há uma maneira de se destacar. Ou seja, sendo mais puro ideologicamente.

Na opinião de Pariser, aquela que já é uma tendência humana é amplificada pela maneira como a internet contemporânea funciona. Facebook e Google aprendem com aquilo que curtimos, clicamos, lemos, comentamos. Como querem nos ajudar a encontrar o que nos interessa, mostram mais do mesmo. E mais do mesmo é a reiteração da bolha. Lemos tanta gente com quem concordamos que o diálogo com os outros vai ficando mais difícil.

É uma febre. Depende de cada um escolher alimentá-la ou buscar o diálogo com quem discorda.

Fonte: Pedro Doria, O Globo, 26/11/2013

Párias do bom senso

No tempo de faculdade, em plena ditadura militar, havia, como se sabe, o que se convencionou chamar de movimento estudantil: diversas agremiações de tendências também diversas, mas todas pendendo à esquerda do espectro político, que faziam o que podiam (muito pouco na verdade) para se opor à opressão política, cultural, comportamental imposta pelo regime militar.

Você tinha que pertencer a alguma desses grupos (Libelu, Refazendo, Caminhando, outras menores e mais radicais...), caso contrário era identificado ou como inocente útil, jargão que definia quem ingenuamente se permitia ser manipulado pela ditadura, ou adesista mesmo, um perigo, posto que poderia eventualmente ser um delator, condição abominável quando pessoas eram mortas nos porões da polícia política.

De outro lado, os agentes da repressão, infiltrados ou não, entendiam que todos os que não fossem fiéis à ideologia fardada que regia o país eram subversivos em potencial, portanto precisavam ser identificados, monitorados, eventualmente punidos.

Não havia como querer ter um posicionamento público e ao mesmo tempo ser neutro, pensar diferente, procurar algo novo para você mesmo, era preto ou branco, ou o Brasil do AI-5 ou o Brasil do sonho revolucionário.

Quer dizer, até havia o comportamento derivado contracultura, que passou pelos movimentos beatnik, hippies e pós hippie, com pitadas do punk inglês então nascente e algum anarquismo. Era a pegada com a mais me identificava, embora fosse simpático e apoiasse tantas das posições dos grupos de esquerda, mas me recusasse a me alinhar incontinenti.

Grosso modo, quem não pertencia a nenhum dos grupos do movimento estudantil nem era adepto da ditadura, mas mantinha posições político-ideológica independentes acabava sendo tratado mais ou menos como pária.

Não adiantava você ser simpático a algumas posições da Libelu, mas gostar de certas propostas da Caminhando, tampouco frequentar ambientes do Refazendo sem levantar suspeitas.
Neste contexto, o bom senso cedia inexoravelmente ao "centralismo democrático", no qual você tinha que fazer o que a direção do grupo decidia. Ponto. Ou então vai ser de direita na vida, meu filho.

Em maior ou menos escala dependendo do grupo era assim, e talvez tivesse mesmo que ser assim, porque, como disse, do outro lado estava a farda, o camburão, o pau de arara, tortura, desaparecimentos, mortes.

Estou falando aqui de 1974/1980, ou seja, quase 40 anos atrás.

Nestas décadas que se seguiram houve de um tudo: o regime se abriu, a anistia chegou, os militares se foram, os exilados voltaram, houve a Constituinte, as eleições tornaram-se novamente diretas e legais, os comunistas também, acabou o bipartidarismo, teve Collor, teve impeachment, teve a transição mineira do Itamar, teve Sir-Ney, teve oito anos de tucanos, mais tantos anos de lulismo, o Brasil cresceu, a inflação de incontáveis dígitos se foi, veio o rótulo de emergente Bric, vive-se o estado democrático de direito tão sonhado durante tanto tempo.

PETRALHAS E TUCANÓIDES

Este resumo infiel e impreciso serve apenas para descrever um desalento, uma tristeza de constatar que depois de tudo isso cá estamos nós a viver sem nuances, sem meios termos, em meio a iras inconformadas, estimuladas sobretudo pela proteção covarde oferecida pelas redes sociais.

Mais uma vez, é preto ou é branco, é contra ou a favor, governo ou oposição, Dilma heroína, Dilma pulha.

Se você elogia qualquer coisa que o governo faça ou proponha, pobre de ti, será escorraçado como adesista, lulista, dilmista, petralha, canalha.

Se você faz crítica a alguma falha deste governo, danou-se: fascista, burguês, coxinha, tucanóide, daí para baixo.

Os ambientes de debate público, do botequim ao Face, tornaram-se o tanque onde se lava a roupa suja de uma história mal resolvida e de um percurso em que aparentemente muito pouco se aprendeu.

Assim como nos anos 70, quem ousa discordar é colocado à margem, como se fosse obrigado ou a ser revolucionário ou a ser fascista.

Não basta ter bom senso, não basta ser a favor do Brasil.

Mas a luta continua!

Fonte: Luiz Caversan, Folha de São Paulo, 28/09/2013

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Músicas em homenagem a Nelson Mandela


Lista de músicas em homenagem a Nelson Mandela. Fora a música tema do filme Invictus que já publiquei anteriormente, desta leva abaixo, a mais bonita, para mim é a Mandela Day do Simple Minds (de 1989). Seguem a letra e a música abaixo. Publico também a lista do Sérgio Martins (VEJA) das melhores homenagens musicais ao líder sul-africano.

Mandela Day
It was 25 years they take that man away
Now the freedom moves in closer every day
Wipe the tears down from your saddened eyes
They say Mandela's free so step outside
Oh oh oh oh Mandela day
Oh oh oh oh Mandela's free

It was 25 years ago this very day
Held behind four walls all through night and day
Still the children know the story of that man
And I know what's going on right through your land

25 years ago
Na na na na Mandela day
Oh oh oh Mandela's free

If the tears are flowing wipe them from your face
I can feel his heartbeat moving deep inside
It was 25 years they took that man away
And now the world come down say Nelson Mandela's free

Oh oh oh oh Mandela's free

The rising suns sets Mandela on his way
Its been 25 years around this very day
From the one outside to the ones inside we say
Oh oh oh oh Mandela's free
Oh oh oh set Mandela free

Na na na na Mandela day
Na na na na Mandela's free

25 years ago
What's going on
And we know what's going on
Cos we know what's going on

Fonte:Vagalume

U2: “Ordinary Love”



 The Specials: “Free Nelson Mandela”

 Hugh Masakela: “Mandela (Bring him back home)”

Santana: “Mandela”


Youssou N’Dour: “Nelson Mandela” 

Tracy Chapman: “Freedom Now” 

Simple Minds: “Mandela Day”


Johnny Clegg: “Asimbonanga” 


Invictus


Fonte da compilação: Amo la Musica, 06/12/2013

Lista de Sérgio Martins das melhores homenagens musicais ao líder sul-africano

Nelson Mandela, admirável mesmo e muito além do fla-flu esquerdireitista

Nélson Mandela
Atualização: Enquanto o mundo chora a morte da figura excepcional que foi Nelson Mandela, ocorrida ontem (05/12/2013), no Brasil do atraso eterno, o fla-flu esquerdireitista profana a imagem do grande líder.

Extremesquerdistas acham que se deve exortar Mandela por seus tempos de luta armada contra o apartheid e suas tendências comunistas e não por suas - segundo eles, claro - impotentes exortações morais de combate bem comportado, disciplinado e conciliador ao racismo (sic).  Para esses tipos, como Mandela acabou com o apartheid sem guerra civil, sua vitória de fato foi um fracasso.

Os direitistas extremistas, por sua vez, acham que Mandela não merece todas as comemorações que agora recebe porque foi comunista e promoveu ações violentas e sabotagens contra a tirania racista, razão pela qual foi preso e condenado à prisão perpétua.

Primeiro que faz diferença ter acreditado em "comunismo" antes e depois da Queda do Muro de Berlim. Muita gente boa acreditou no socialismo antes de se dar conta de seu fracasso social, político e econômico. Segundo, tendo ou não mantido alguma crença nessa canoa furada, o importante é que, ao sair da cadeia, Mandela chegou ao poder e instalou, em seu país, uma democracia constitucional e não uma tirania comunista ou uma ditadura personalista (e ele tinha a faca e o queijo na mão para se perpetuar no poder).

Sobretudo, ele promoveu a conciliação racial em seu país, abdicando de buscar justiça ou revanche contra os que lhe roubaram metade da vida, em prol da pacificação da África do Sul. Só para exemplificar, durante os 27 anos que passou na cadeia em condições deploráveis, ele teve tuberculose e câncer, além de problemas nos canais lacrimais por causa do trabalho forçado nas pedreiras. Transcender todo esse dano pessoal e a justa revolta por tantos anos de sofrimento em prol da paz e da justiça é para os raros e os muito bons. Se Mandela não foi herói - o que não quer dizer santo e perfeito - ninguém mais foi.

Que os esquerdireitistas não enxerguem isso, cada um com sua cegueira particular, só mostra, mais uma vez, como no fundo são tão parecidos.

Elogios a Mandela

O Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, escreveu o texto Elogios a Mandela, na edição do Estadão de 21/07/03, que merece registro não só porque resgata resumidamente a história do grande líder sul-africano como também porque o personagem merece mesmo todas as honras. Destaco o trecho:

Mandela é o melhor exemplo que temos - aliás muito raro nos nossos dias - de que a política não é apenas a tarefa suja e medíocre que tantos imaginam, da qual os malandros se valem para enriquecer e os vagabundos para sobreviver sem fazer nada, mas uma atividade que pode também melhorar a vida, substituir o fanatismo pela tolerância, o ódio pela solidariedade, a injustiça pela justiça, o egoísmo pelo bem comum, e que alguns políticos, como o estadista sul-africano, tornam o seu país, e o mundo, muito melhor do que como o encontraram.

Deixo também, ao fim do texto, a música e a letra do filme Invictus (veja a resenha), de Clint Eastwood, que também narra a trajetória de Mandela e suas estratégias para unir um país desfacelado pelos anos do famigerado apartheid.  Após 27 anos de prisão, Mandela poderia ter saído da cadeia desejoso de vingança contra os que o injustiçaram tão brutalmente, mas preferiu outro caminho, caminho que somente poucos e os muito bons conseguem trilhar. Imperdíveis o texto de Llosa e o filme de Eastwood.

Elogios a Mandela

Nelson Mandela, o político mais admirável destes tempos tumultuados, segue em um hospital de Pretória, após completar 95 anos na quinta-feira. Poderemos ter a certeza de que todos os elogios feitos a ele são justos, pois o estadista sul-africano transformou a história do seu país de uma maneira que ninguém imaginava concebível, e demonstrou com sua inteligência, habilidade, honestidade e coragem que, no campo da política, às vezes, os milagres são possíveis. 

Tudo isso foi sendo gestado, antes mesmo que na história, na solidão de uma consciência, na desolada prisão de Robben Island, onde Mandela ingressou, em 1964, para cumprir pena de prisão perpétua e trabalhos forçados. As condições em que o regime do apartheid mantinha seus presos políticos na ilha rodeada de um mar traiçoeiro e tubarões, em frente à Cidade do Cabo, eram atrozes. Uma cela tão minúscula que parecia um nicho ou o covil de uma fera, uma esteira de palha, uma sopa de milho três vezes ao dia, mudez obrigatória, visitas de meia hora de duração a cada seis meses, e o direito de receber e escrever somente duas cartas ao ano, nas quais jamais deveriam ser mencionados temas políticos nem da atualidade. Em tal isolamento, ascetismo e solidão transcorreram os primeiros nove anos dos 27 que Mandela passou na ilha.

Cela onde Nelson Mandela cumpriu pena
(Robben Island, Cape Town, Western Cape Province)
Em vez de suicidar-se ou enlouquecer, como muitos companheiros de prisão, nos nove anos Mandela meditou, reviu suas próprias ideias e ideais, fez uma autocrítica radical de suas convicções e atingiu aquela serenidade e sabedoria que a partir de então guiariam todas as suas iniciativas políticas. Embora nunca tenha compartilhado das teses dos resistentes que propunham uma 'África para os africanos' e queriam atirar ao mar todos os brancos da União Sul Africana, em seu partido, o Congresso Nacional Africano, Mandela, assim como Sisulu e Tambo, os dirigentes mais moderados, estavam convencidos de que o regime racista e totalitário só seria derrotado mediante ações armadas, sabotagens e outras formas de violência, e para tanto formou um grupo de comandos ativistas chamado Umkhonto we Sizwe, que enviava para Cuba, à China Popular, à Coreia do Norte e à Alemanha Oriental jovens militantes para que se adestrassem.

Deve ter levado muito tempo - meses, anos - para convencer-se de que toda essa concepção da luta contra a opressão e o racismo na África do Sul era equivocada e ineficaz, e era preciso renunciar à violência e optar por métodos pacíficos, ou seja, buscar uma negociação com os dirigentes da minoria branca - equivalente a cerca de 12% do país, que explorava e discriminava de maneira iníqua os 88% restantes - e convencê-la de que permanecera no país porque a convivência entre as duas comunidades era possível e necessária, quando a África do Sul fosse uma democracia governada pela maioria negra.

Naquela época, final dos anos 60 e início dos 70, pensar semelhante coisa era um exercício mental distante da realidade. A brutalidade irracional com que a maioria negra era reprimida e os esporádicos atos terroristas com que os resistentes respondiam à violência do Estado haviam criado um clima de rancor e ódio que fazia prever, mais cedo ou mais tarde, um desenlace de dimensões cataclísmicas no país.

A liberdade só poderia significar o desaparecimento ou o exílio para a minoria branca, particularmente para os africâners, os verdadeiros donos do poder. É espantoso pensar que Mandela, perfeitamente consciente das vertiginosas dificuldades que encontraria no caminho que traçara para si, decidiria empreendê-lo, e, mais ainda, que perseveraria nele sem sucumbir ao desalento um só instante, e, 27 anos mais tarde, concretizaria aquele sonho impossível: uma transição pacífica do apartheid para a liberdade, enquanto a maior parte da comunidade branca permanecia no país ao lado dos milhões de negros e mulatos sul-africanos que, convencidos por seu exemplo e suas razões, haviam esquecido os insultos e os crimes do passado, e perdoado.

Seria preciso recorrer à Bíblia, àquelas histórias exemplares do catecismo que nos contavam quando éramos crianças, para tentar entender o poder de convicção, a paciência, a vontade inquebrantável e o heroísmo que Nelson Mandela deve ter demonstrado durante todos aqueles anos para persuadir, primeiramente seus próprios companheiros de Robben Island, depois seus correligionários do Congresso Nacional Africano e, por último, os próprios governantes e a minoria branca, de que não era impossível que a razão substituísse o medo e o preconceito, que uma transição sem violência era igualmente factível e ela assentaria as bases de uma convivência humana em lugar do sistema cruel e discriminatório imposto à África do Sul por séculos. Creio que Nelson Mandela é ainda mais digno de reconhecimento por esse trabalho extremamente lento, hercúleo, interminável, graças ao qual suas ideias e convicções foram contagiando os seus compatriotas como um todo, do que pelos extraordinários serviços que prestaria depois, já no governo, aos seus concidadãos e à cultura democrática.

Formação. É preciso lembrar que o homem que assumiu essa admirável tarefa era um prisioneiro político, o qual, até o ano de 1973, quando foram abrandadas as condições carcerárias em Robben Island, vivia praticamente confinado numa minúscula cela e com apenas uns poucos minutos diários para trocar algumas palavras com os outros presos, quase privado de toda comunicação com o mundo exterior. Contudo, sua tenacidade e sua paciência tornaram possível o impossível. Enquanto na prisão já menos inflexível dos anos 70, pôde estudar e formar-se em Direito, suas ideias foram rompendo pouco a pouco os preconceitos totalmente legítimos que existiam entre os negros e mulatos sul-africanos e começou a ser aceita sua tese de que a luta pacífica na busca de uma negociação seria mais eficaz e permitiria alcançar a liberdade mais rapidamente.

Mas foi ainda mais difícil convencer de tudo isso a minoria que detinha o poder e julgava ter o direito divino de exercê-lo com exclusividade e para sempre. Esses eram os pressupostos da filosofia do apartheid proclamada por seu mentor intelectual, o sociólogo Hendrik Verwoerd, na Universidade de Stellenbosch, em 1948, e adotada de modo quase unânime pelos brancos nas eleições daquele mesmo ano. Como convencê-los de que estavam equivocados, de que deviam renunciar não apenas a semelhantes ideias, mas também ao poder, e resignar-se a viver numa sociedade governada pela maioria negra?

O esforço durou muitos anos, mas, no final, como a gota persistente que fura a pedra, Mandela foi abrindo portas na cidadela de desconfiança e temor, e, um dia, o mundo inteiro descobriu estupefato que o líder do Congresso Nacional Africano saía às vezes de sua prisão para ir tomar civilizadamente o chá das cinco com os que seriam os dois últimos mandatários do apartheid, Botha e de Klerk.

Quando Mandela subiu ao poder, sua popularidade na África do Sul havia se tornado indescritível, tanto na comunidade negra quanto na branca (lembro ter visto, em janeiro de 1998, na Universidade de Stellenbosch, o berço do apartheid, uma parede coberta de fotos de alunos e professores recebendo a visita de Mandela com entusiasmo delirante).

MARIO VARGAS LLOSA - O Estado de S.Paulo
Esse tipo de devoção popular mitológica costuma atordoar quem a recebe e fazer dele - como no caso de Hitler, Stalin, Mao, Fidel Castro - um demagogo e um tirano. Mas Mandela não se deixou envaidecer; continuou sendo o homem simples, austero e honesto que sempre foi e, para surpresa do mundo todo, negou-se a permanecer no poder, como seus compatriotas pediam. Aposentou-se e foi passar os seus últimos anos na aldeia indígena de onde se originara sua família.

Mandela é o melhor exemplo que temos - aliás muito raro nos nossos dias - de que a política não é apenas a tarefa suja e medíocre que tantos imaginam, da qual os malandros se valem para enriquecer e os vagabundos para sobreviver sem fazer nada, mas uma atividade que pode também melhorar a vida, substituir o fanatismo pela tolerância, o ódio pela solidariedade, a injustiça pela justiça, o egoísmo pelo bem comum, e que alguns políticos, como o estadista sul-africano, tornam o seu país, e o mundo, muito melhor do que como o encontraram. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Invictus Theme Song

Out of the night, that covers me
I'm unafraid, I believe
Beyond this place of wrath and tears
Beyond the hours that turned to years
I thank whatever, whatever gods may be

9000 days were set aside
9000 days of destiny
9000 days to thank gods wherever they maybe

It matters not, the circumstance
We rise above, we took a chance
And I thank whatever, whatever gods maybe

9000 days were set aside
9000 days of destiny
9000 days to thank gods, wherever they may be

A broken heart that turned to stone
Can break a man, but not his soul
9000 days were set aside
9000 days of destiny
9000 days to thank gods,
wherever they may be
I thank whatever, whatever gods may be

Ver resenha do filme Invictus e o poema de mesmo nome que foi fonte de inspiração para Mandela. 

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