8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Tanto nos EUA quanto no Brasil, fundamental lutar pelo Estado Laico


Desde a Carta sobre a Tolerância, aparecida em Londres em 1689, ano da Revolução Gloriosa, de autoria do filósofo inglês John Locke, que se prega a necessária separação dos assuntos do Estado daqueles da Igreja. Dizia o filósofo que enquanto os interesses de um se misturassem com os do outro não haveria progresso em direção à tolerância. Daí a necessidade de uma separação radical entre a política (então, a encargo do rei) e a religião (sob auspício do clero). “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, como teria dito o próprio Cristo.

No Brasil, formalmente ao menos, a separação do Estado e da Igreja vem desde a Constituição de 1891, estando essa separação consagrada no art. 19 da Constituição Federal de 1988. 

Entretanto, apesar desses avanços, como a religião e o estado mantiveram concubinato por tantos milênios da história humana, até hoje religiosos sonham em recriar os antigos laços. Afinal, o hábito faz o monge. Sem falar dos povos que ainda são governados por governos teocráticos, como nos países islâmicos. 

Daí que estamos novamente às voltas com ameaças ao estado laico (o estado não religioso) tanto em nosso país como no mundo. Fundamentalistas cristãos já se tornaram um flagelo tão grande na África quanto o vírus da AIDS e do Ebola. Nos EUA, como se vê pode ler no artigo abaixo, a "influência dos conservadores religiosos ultrapassou os rituais e passou a afetar uma série de aspectos da vida pública americana."

No Brasil, pastores deputados já estão há um tempo em circulação, e chegamos ao ponto de ter dois candidatos à presidência evangélicos, uma com chances de ganhar o pleito. Aliás, exatamente devido à sua formação evangélica, Marina Silva já alterou seu programa de governo de modo a não apoiar objetivamente nenhuma demanda da população LGBT.

Torna-se imprescindível portanto que os secularistas se organizem, a exemplo da American Humanist Association (AHA) americana, para entoar um versinho da época da Revolução Francesa que dizia:

“Apaguemos o vestígio
Do jugo supersticioso
A razão lhe toma o prestígio
A razão é bem precioso”.

(VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa Contra a Igreja. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989, p.53.)

É descabido que, em pleno século XXI, haja gente querendo determinar a vida da sociedade com base em livros de mitologia. Quem quiser seguir suas crenças ou crendices que as siga, mas não as queira impor ao conjunto da sociedade, sobretudo usando o Estado para tal. Repetindo as palavras de Locke, enquanto os interesses da religião se misturarem com os do Estado não haverá progresso em direção à tolerância. Não haverá, portanto, uma sociedade mais democrática e feliz.

Ateus dos EUA se organizam para influenciar política

Em contraposição à crescente direita religiosa, céticos tentam promover candidaturas com uma visão de Estado mais secular

WASHINGTON - Com o avanço da direita religiosa nos EUA, os descrentes decidiram sair do armário e se organizar para influenciar políticas públicas, principalmente nas áreas de educação, saúde e mudanças climáticas. Depois de estabelecer um grupo de lobby em Washington, os céticos de todo o gênero criaram um comitê para financiar candidatos às eleições legislativas de novembro comprometidos com uma visão secular de governo.

Nenhum integrante do Congresso americano é abertamente ateu, em um reflexo do rechaço a essa opção em um país no qual referências religiosas frequentam as manifestações políticas. O presidente dos EUA termina seus discursos solenes com “Deus salve a América” e todas as sessões do Senado e da Câmara são abertas por capelães oficiais, que juntos ganham salários anuais de US$ 345 mil, pagos com dinheiro público.

Na última década e meia, a influência dos conservadores religiosos ultrapassou os rituais e passou a afetar uma série de aspectos da vida pública americana. Em muitas escolas, a Teoria da Evolução começou a ser ofuscada pelo ensino do criacionismo, que apresenta a visão bíblica da origem do mundo. 

As restrições ao aborto aumentaram e o rechaço ao custeio de certos métodos anticoncepcionais por motivos religiosas foi chancelado pela Suprema Corte, que também considerou constitucional a realização de orações em encontros da comunidade para discutir políticas públicas. 

Sair do armário não é só uma figura de linguagem. Os militantes da não religião seguem os passos dos gays e dos ativistas que defendem direitos civis para ampliar a visibilidade. “Ao não sermos notados, ajudamos a criar uma atmosfera na qual todo o mundo nos EUA parece ser cristão. Os secularistas devem ser visíveis e participar do debate público, para que os deputados e senadores tenham de considerar o que seus eleitores ateus e agnósticos pensam, o que reduz o poder da direita religiosa”, disse o advogado David Niose, diretor da American Humanist Association (AHA), uma das principais entidades seculares dos EUA. 

Criada em 1941, a organização ganhou visibilidade na última década, em parte como resposta ao crescimento do fundamentalismo cristão. O número de associados que contribuem financeiramente para a entidade se multiplicou por seis, para 29 mil. Outros 300 mil são seguidoras da AHA no Facebook.
Um dos nossos objetivos é nos livrar do estereótipo negativo e criar uma atmosfera na qual as pessoas podem ser abertas em relação a suas crenças e saber que terão apoio de organizações como a nossa”, observou Bishop McNeill, coordenador do Freethought Equality Fund, um comitê que arrecadou US$ 25 mil em doações individuais de aproximadamente 500 pessoas. O grupo declarou apoio a 15 candidatos, nem todos ateus. Entre eles, há religiosos que professam uma agenda secular, na qual está a separação entre Estado e Igreja.
Apesar de minoritários, os secularistas são a fatia demográfica que cresce mais rapidamente nos EUA. Sua participação subiu de 15,3% da população, em 2007, para 19,6%, em 2012. A maior parte desse contingente diz não ter nenhuma convicção particular e não se identifica com os rótulos de “ateu” ou “agnóstico”. 

O que os une é a não filiação a uma religião, o que levou o Pew Research Center a batizá-los de “nenhuns”. Entre os jovens de 18 a 29 anos, o porcentual de “nenhuns” é de 32%, mais que o dobro dos 15% registrados entre pessoas de 50 a 64 anos. Na faixa de 30 a 49 anos, o índice é de 21%. “A maioria das pessoas da próxima geração não terá filiação religiosa”, aposta Don Wharton, ativista ateu de Washington. Segundo ele, o rótulo “humanista secular” tende a encontrar menos resistência que “ateu”. “Os ateus ainda são demonizados e vítimas de intolerância. Temos de mostrar que temos tantas preocupações éticas quanto os humanistas.”

Fonte: O Estado de São Paulo, por Claudia Trevisan, 31/08/2014

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Aumentar a participação popular através do voto distrital com recall

Fernando Lara Mesquista: voto distrital com recall, ou "retomada" permite eleitor cassar o mandato do representante que não honrar sua representação
Estes últimos tristes anos de quase hegemonia petista e esquerdista anacrônica serviram ao menos para que eu passasse a respeitar mais a democracia representativa, apesar de suas limitações. Quando ela se enfraquece, ou não se estabelece como devido, invariavelmente o que advem é a barbárie autoritária de algum tipo. Por isso, vejo com muita desconfiança essa conversa de democracia direta e popular que rola em nosso país atualmente.

No Brasil, precisamos é estabelecer a democracia de fato e não sonhar com democracias diretas, um mero eufemismo para que integrantes de movimentos sociais, dizendo-se representantes de quem não os elegeu nem sequer os conhece, passem a decidir os rumos do país a partir de conselhos populares. Qual sua escolha entre poder ao menos conhecer um fulano ou uma fulana e decidir se o/a elege seu representante ou não e ser "representada(o)" por gente que nunca viu mais gorda ou mais magra nem sabe que trem apita?

O que precisamos de fato, como bem diz Fernando Lara Mesquista, no artigo abaixo é fortalecer a democracia representativa e ampliar o poder dos eleitores por meio do voto distrital. Como diz o autor:
Essa solução, que pressupõe o restabelecimento do federalismo e da independência entre os três Poderes da República, que nós já tivemos e nos foram suprimidos, é o voto distrital com recall, ou "retomada", que arma a mão do eleitor para cassar, a qualquer momento, o mandato do representante que não honrar sua representação sem provocar nenhuma perturbação maior no bom andamento dos negócios públicos, o que põe todos os eleitores participando de forma transparente e inverte radicalmente a hierarquia das relações entre cidadãos e servidores públicos.

Nesse modelo, cada candidato só pode concorrer por um distrito definido e qualquer eleitor desse colégio eleitoral pode iniciar uma petição pela "retomada" do mandato condicionalmente concedido ao seu representante, a qual, se aprovada por seus pares numa votação circunscrita, o manda de volta para casa ou o deixa à disposição do Judiciário já como cidadão comum.
Isso põe os políticos na dependência da nossa boa vontade, e não o contrário, como é hoje, o que de saída os obriga a jogar a nosso favor, introduz a meritocracia no serviço público e abre as portas para todas as demais reformas que nos parecerem necessárias. Estas, então, poderão ser empurradas pela formidável arma da remoção expressa de todos os que se lhes opuserem.

Isso opera milagres! O resto é tapeação.
Um modelo honesto de participação popular

Há uma perigosa conversa de surdos no Brasil em torno dos conceitos de "democracia direta" e "governo de participação popular". A rejeição generalizada ao que a imprensa chama de "política tradicional" não significa a rejeição da democracia tradicional. É exatamente o contrário, pois nenhum dos elementos que definem esse regime está presente na ordem institucional brasileira: não somos iguais perante a lei, não elegemos nossos representantes na base de "um homem, um voto" nem vivemos numa meritocracia.
Enquanto o País não tomar consciência de que a droga institucional em que está viciado o define como um doente grave de insuficiência democrática, e não o contrário, não se disporá a curar-se. Continuará, a cada crise, aceitando doses crescentes dos venenos populistas que ingere no lugar do remédio democrático até que a overdose de migalhas de "direitos adquiridos" sem fazer força acabe por matar definitivamente a moral e a economia nacionais.
Até agora só o PT mostrou que sabe para que quer sua fórmula de "participação social", sintomaticamente decidida sem a participação de ninguém, que faz do Congresso Nacional eleito por todos os brasileiros uma espécie de "rainha da Inglaterra" submetida a Organizações Não Governamentais Organizadas pelo Governo na sequência da "cristianização" do Judiciário que se seguiu ao julgamento do mensalão.
É historicamente justificável, aliás, que só quem se alinhe no campo antidemocrático tenha know-how sólido sobre o que fazer na disputa pelo poder no Brasil, posto que democracia, ao contrário das bugigangas institucionais vendidas por nossos camelôs da política, requer, sim, muita prática e habilidade e nós, lusófonos, não temos nenhuma.
O PT não só é versado na práxis autoritária que dividimos com os outros povos latinos e católicos, como é ultraespecializado na vertente francamente antidemocrática dessa tradição representada pelo corporativismo ibérico, o expediente que mais refinou a prática de usar as expressões e as ferramentas da democracia para impedir sua entrada no território nacional e matar qualquer semente dela que, por acidente, chegue a germinar no solo pátrio.
As demais correntes políticas brasileiras - e tanto mais quanto mais sinceramente apegadas forem aos dogmas da tolerância e do respeito à diferença e, consequentemente, da liberdade de pensamento e expressão - tateiam no escuro da nossa completa ausência de experiência prática no assunto, agravada por nosso isolamento linguístico, na sua busca pelo aperfeiçoamento da nossa democracia, penumbra que a imprensa não tem ajudado a iluminar em razão da regra que se impõe de só mostrar das democracias mais avançadas o que produzem de pior.
Marina Silva não sabe qual tipo de "participação popular" deseja nem exatamente para quê, podendo facilmente tornar-se vítima de enganos fatais como aquele em que quase embarcou comprando por lebre o gato que Dilma vende no Decreto 8.243. Alertada, recuou e desde então trata de produzir o seu modelo de "participação" para não se mostrar surda à demanda posta por 76% do eleitorado, o que nos põe sob risco iminente.
Já Aécio, o único que não hesita na afirmação de sua fé antiautoritária, sabe que é gato a lebre de Dilma, mas não sabe apontar com precisão o que é que define essa falsificação. Na dúvida, abraça a metade inócua da solução certa com sua proposta de voto distrital "misto", apodo que lhe tira o componente mais forte de participação popular, e com isso perde não só a oportunidade de propor uma solução democrática consagrada capaz de revolucionar a política brasileira, como também a de acrescentar ao seu discurso a contundência reformista que lhe falta.
O primeiro pingo a ser reposto nos "is" para retomar essa questão em melhores termos é estabelecer definitivamente que, ao contrário do que sugere o blá-blá-blá geral, só a democracia "tradicional", que tem obrigatoriamente de ser representativa no contexto de multidões em que vivemos, garante a real participação da sociedade na definição do seu próprio destino político, desde que legitimada pelo sufrágio universal.
O segundo é lembrar que garantir o controle do representante pelo representado sempre foi o calcanhar de Aquiles do regime, tendo posto a perder suas duas primeiras tentativas de caminhar pela Terra - em Atenas e em Roma -, mas na terceira, iniciada na Inglaterra e consolidada em seu prolongamento americano, conseguiu-se, após uma série de tropeços, uma solução boa o bastante para reduzir a corrupção a ponto de extinguir a miséria e dar flexibilidade ao sistema de modo a produzir a mais próspera e progressista das sociedades que nossa espécie jamais reuniu.
Essa solução, que pressupõe o restabelecimento do federalismo e da independência entre os três Poderes da República, que nós já tivemos e nos foram suprimidos, é o voto distrital com recall, ou "retomada", que arma a mão do eleitor para cassar, a qualquer momento, o mandato do representante que não honrar sua representação sem provocar nenhuma perturbação maior no bom andamento dos negócios públicos, o que põe todos os eleitores participando de forma transparente e inverte radicalmente a hierarquia das relações entre cidadãos e servidores públicos.
Nesse modelo, cada candidato só pode concorrer por um distrito definido e qualquer eleitor desse colégio eleitoral pode iniciar uma petição pela "retomada" do mandato condicionalmente concedido ao seu representante, a qual, se aprovada por seus pares numa votação circunscrita, o manda de volta para casa ou o deixa à disposição do Judiciário já como cidadão comum.
Isso põe os políticos na dependência da nossa boa vontade, e não o contrário, como é hoje, o que de saída os obriga a jogar a nosso favor, introduz a meritocracia no serviço público e abre as portas para todas as demais reformas que nos parecerem necessárias. Estas, então, poderão ser empurradas pela formidável arma da remoção expressa de todos os que se lhes opuserem.
Isso opera milagres! O resto é tapeação.
* Jornalista, dá mais informações sobre o voto distrital com recall em www.vespeiro.com

Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2014

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Venezuela cada vez mais cubanizada: leitores óticos de impressões digitais para impedir que uma pessoa compre o mesmo produto duas vezes na mesma semana

Prateleiras onde deveriam estar sacos de pó de café: troca de produtos
 entre clientes é comum - Diego Braga Norte/Veja.com/VEJA
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decretou na noite desta quarta-feira a instalação de um mecanismo de “controle biométrico" para limitar as compras de produtos e alimentos nos supermercados e mercados públicos e privados do país. "A ordem já está dada, através da superintendência de preços, para que se crie um sistema biométrico em todos os estabelecimentos e redes distribuidoras e comerciais da República", disse Maduro durante mensagem em rede nacional de rádio e TV. A regulação do consumo nas redes públicas já vinha sendo aplicada sistematicamente na Venezuela desde o início do ano, mas é a primeira vez que o governo Maduro interfere nas redes privadas de supermercados do país. Em 2010, o então presidente Hugo Chávez desapropriou as lojas da cadeia de supermercados Exito, do grupo francês Casino.

Com a escassez crônica, o mercado negro – mantido por pessoas que estocam produtos básicos para revendê-los – na Venezuela é uma alternativa aos supermercados estatais vazios, porém limitar o consumo não é uma medida que ataca a origem do problema: a péssima gestão econômica do país. Há ainda outra questão problemática na medida anunciada por Maduro, pois limitar o consumo em redes privadas é um ato ilegal, que interfere na administração e nos possíveis lucros das empresas. A medida desastrada ainda penaliza justamente a parte mais afetada pela escassez, a população.

O mecanismo utilizará leitores óticos de impressões digitais para reconhecer cada comprador de produtos básicos. Segundo Maduro, "o sistema biométrico será perfeito" e servirá para evitar o que chamou de "fraude" envolvendo milhões de litros de gasolina e toneladas de alimentos subsidiados pelo governo, no momento em que a Venezuela enfrenta a falta de diversos produtos básicos e uma inflação anual que supera os 60%. 

O sistema visa a impedir que uma pessoa compre o mesmo produto duas vezes na mesma semana, em qualquer supermercado das redes governamentais e privadas da Venezuela. Vários funcionários do governo Maduro indicaram que no prazo de 90 dias haverá um "programa piloto" para iniciar a venda controlada de produtos básicos no país "de maneira ordenada e justa".

Maduro também anunciou "um sistema de referência" que processará a informação de tudo o que for distribuído e armazenado "para todos os produtos e insumos que movem a economia do país". O presidente ordenou ainda o "confisco, de maneira imediata, de todos os elementos" utilizados para contrabando, incluindo galpões e veículos, que serão revertidos para os programas estatais de alimentos. Maduro convocou as forças militares e policiais para deter todos os envolvidos em desvios e contrabando.

O sistema de controle de compras é a mais nova tentativa paliativa de Maduro para combater a escassez causada pela ingerência econômica de seu próprio governo. Desde março, as compras na rede estatal de supermercados – com preços subsidiados – são possíveis apenas dois dias por semana e com limite de produtos por consumidor. Os venezuelanos interessados são fichados e recebem senhas, que funcionam em sistema de rodízio. Nas segundas-feiras podem comprar aqueles com as senhas terminadas em 1 e 2, 3 e 4; às terças e quartas-feiras são os dias para os finais 5 e 6, 7 e 8. As quintas e sextas-feiras são reservadas aos consumidores com senhas que terminam em 9 e 0.

A Venezuela atravessou uma violenta onda de protestos entre fevereiro e final de maio devido à inflação, à falta de produtos básicos – como papel higiênico, açúcar, farinha ou leite – e à altíssima violência que provoca em média 65 mortes por dia no país. Os protestos foram repreendidos e resultaram na morte de mais de 40 pessoas, além de mais de 700 feridos.

Fonte: Veja, 21/08/2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Estado menor é estado melhor!



Não sei se é tolice imaginar que o Estado possa um dia tornar-se dispensável. Quem tem bola de cristal para saber como a humanidade se organizará no futuro? Mas é certo que, na atualidade, o Estado é realmente onipresente e inafastável. Por isso mesmo, tolice de fato é supor que, ao negá-lo, como fazem alguns libertários, de alguma forma, estaríamos diminuindo seu poder.

Para diminuir o poder do Estado, só mesmo promovendo uma cultura antiestatista, o que, em nosso país, resulta numa tarefa monumental, mas imprescindível. Entretanto, como uma viagem começa com o primeiro passo, é alentador notar que mais e mais pessoas estão se conscientizando da necessidade de termos um Estado menor.

Estado menor é estado melhor, mais sob controle da sociedade. Significa menos impostos, menos corrupção, menos autoritarismo. Mais liberdade econômca, política e sobretudo individual. Uma boa ideia portanto. Nessa linha segue o artigo do Hélio Schwartsman. Destaco:

.... parece-me muito mais razoável deixar que o cliente escolha o que quer comprar. Se ele só quer cobertura para emergências médicas, deve poder escolher um plano sem muitos badulaques e por um preço mais em conta. Se confia em são Pedro, deve poder adquirir uma passagem sem seguro contra intempéries. Não entendo por que a venda casada é um ilícito quando praticada por particulares, mas um "direito" quando imposta pelo Estado.

Excesso de Estado

Hélio Schwartsman

SÃO PAULO - O papel do Estado como agente regulador é simplesmente inafastável. Imagine como seria viver em cidades de milhões de habitantes sem papel-moeda, pesos e medidas uniformes e convenções mínimas, como a de que se deve trafegar pela direita da via. Libertários têm minha simpatia, mas é tolice imaginar que o Estado possa um dia tornar-se dispensável.

Admitir esse truísmo não implica aceitar que o poder público deva se meter em tudo. Economistas são rápidos em sacar múltiplas explicações para o fato de o Brasil ser um país onde as coisas são caras, mas raramente lembram da hiper-regulação.

Por aqui, donos de cinema precisam fornecer meia-entrada a estudantes e idosos, companhias aéreas têm de pagar hospedagem de quem ficou sem voo por causa da chuva e planos de saúde são obrigados a custear psicólogos, psicoterapeutas, fonoaudiólogos etc. Não tenho nada contra essas comodidades, mas elas têm custos que só quem crê que leis têm poderes mágicos não percebe que são repassados ao consumidor.

E aí parece-me muito mais razoável deixar que o cliente escolha o que quer comprar. Se ele só quer cobertura para emergências médicas, deve poder escolher um plano sem muitos badulaques e por um preço mais em conta. Se confia em são Pedro, deve poder adquirir uma passagem sem seguro contra intempéries. Não entendo por que a venda casada é um ilícito quando praticada por particulares, mas um "direito" quando imposta pelo Estado.

Essa longa introdução serve para justificar minha posição contrária à norma que obriga o comércio a não diferenciar entre pagamentos à vista e com cartão. Se o custo da segunda modalidade é maior que o da primeira, não faz sentido estendê-lo a quem paga à vista. Se o temor é o de que a "ganância dos capitalistas" leve a preços maiores para usuários de cartão, então o remédio é mais concorrência e não mais normas.

Fonte: FSP, 17/08/2014

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Para o PT e grande parte da esquerda, a democracia ainda não é um valor estratégico.


Como tenho observado em outros artigos, o PT não mais seduz o eleitorado com sua verborreia esquerdo-populista. Como não mais seduz, parte agora para uma intimidação cada vez mais explícita de jornalistas e financistas que ousam dizer a verdade sobre o estado da economia brasileira.

No texto abaixo de Fernando Gaberia, o jornalista afirma que essas intimidações, contudo, são de fato um tiro no pé do partido. 
Num país democrático, essas práticas (de intimidação), além de condenáveis, não são eficazes. Todo este universo de rancor acaba se voltando contra os agressores, que, como dizem os orientais, sempre se desequilibram no ataque. Os nove jornalistas atacados, nominalmente, por um dirigente do PT tiveram a solidariedade internacional, uma nota de apoio da organização Repórteres sem Fronteiras. 
O PT sabe que existe um nível de rejeição ao partido nas grandes cidades - em Vitória os petistas já não usam estrelas e bandeiras vermelhas, talvez nem barba. O que parece não perceber é como seus movimentos autoritários aumentam a rejeição. É como se um partido abrisse mão de seduzir e se focasse apenas em intimidar.
E conclui:
Não sei qual será o resultado das eleições. Mas acho que o PT faz tudo para merecer uma derrota, algo que lhe dê pelo menos a chance de refletir sobre o período sombrio que acabou instalando no Brasil.
Quem duvida que o PT faz tudo para merecer uma derrota eleitoral? Quanto ao resto, sinceramente quero mais é que o PT se exploda. Não tenho qualquer preocupação com o futuro da sigla e suas possíveis reflexões. Os petistas chegaram a um ponto sem volta faz tempo.

Mas vale o registro e naturalmente a leitura o texto do Gabeira.

Palácio do Planalto, Brasília

FERNANDO GABEIRA 

Internet é isto mesmo: um território livre onde se trocam informações, críticas e insultos. É raro uma pessoa pública nela encontrar apenas elogios. E raro um texto sobre ela que não desperte comentários sacanas. Wikipédias, desciclopédias, com informações truncadas, dizem o que querem e, se as pessoas acreditassem firmemente no que leem na rede, ficariam paralisadas caso encontrassem um personagem dos verbetes, o médico e monstro. Suas reações seriam como as de Alec Guines no Dr. Strangelove, de Stanley Kubrick: os gestos desmentiriam as palavras, o abraço se transfiguraria num soco, e vice-versa.

Num prefácio para o livro do treinador Rômulo Noronha sugeri a natação como uma das táticas para enfrentar comentários negativos. Você os lê, mergulha e, nos primeiros cem metros, começa a achar que não foram tão graves assim. Nos 400 metros, já admite que talvez possam ajudar você de alguma forma, na autocompreensão ou na aceitação do mundo.

Algo muito grave acontece quando os ataques nascem num computador do Palácio do Planalto, sede do governo federal. É o caso das inserções feitas na biografia dos jornalistas Carlos Sardenberg e Miriam Leitão.

Como sempre, o governo reagiu, a princípio, dizendo que era difícil rastrear a origem das notas, os dados foram desmanchados - a mesma tática usada para as gravações das câmeras naquele problema de Dilma Rousseff com uma diretora da Receita Federal. A segunda explicação também é clássica: o Wi-Fi do Planalto é usado por visitantes, pode ter sido alguém de fora - de preferência, da oposição.

Às vezes paro para pensar: por que o PT faz tanto mal a si próprio? Deixo o campo estritamente moral para raciocinar apenas de uma forma política. O caso do Santander é típico: uma nota realista sobre o comportamento do mercado provocou uma grande reação, sua autora foi demitida e o banco, forçado a se derreter em desculpas.

O mercado deve ser livre para fazer suas previsões. E arcar com as consequências. O mercado tinha uma visão negativa no primeiro mandato de Lula. E errou, pois o País iniciou um processo de crescimento.

A pressão contra o Santander, além de sugerir censura, amplificou a análise do banco, que em outras circunstâncias ficaria restrita aos clientes especiais. Assim mesmo, aos que se orientam politicamente por cartas bancárias. O governo conseguiu transformar uma simples análise num debate nacional, o que era um consenso entre analistas de mercado se tornou uma consistente crítica à política econômica de Dilma.

A julgar pelo digitador do Palácio do Planalto, as coisas estão pegando aí, na política econômica: os dois jornalistas atingidos são críticos das medidas do governo com base nas evidências.

No universo político, a artilharia sempre foi comandada pelos blogueiros mantidos por empresas do Estado. Eles cuidam de nos combater com dinheiro público e racionalizam essa anomalia com a tese de que uma verba muito maior é usada pelos meios de comunicação que criticam o governo.

Os intelectuais dissidentes em Cuba dão de barato que o governo os vigia, os boicota e promove campanhas para assassinar sua reputação. Mas é uma ditadura.

Num país democrático, essas práticas, além de condenáveis, não são eficazes. Todo este universo de rancor acaba se voltando contra os agressores, que, como dizem os orientais, sempre se desequilibram no ataque. Os nove jornalistas atacados, nominalmente, por um dirigente do PT tiveram a solidariedade internacional, uma nota de apoio da organização Repórteres sem Fronteiras.

O PT sabe que existe um nível de rejeição ao partido nas grandes cidades - em Vitória os petistas já não usam estrelas e bandeiras vermelhas, talvez nem barba. O que parece não perceber é como seus movimentos autoritários aumentam a rejeição. É como se um partido abrisse mão de seduzir e se focasse apenas em intimidar.

Esse é um jogo muito perigoso. Em primeiro lugar, porque há muitos homens e mulheres que não se intimidam. Em segundo, porque envenena uma atmosfera que já é medíocre com atos de campanha sem graça, muitos bebês no colo, Dilma comendo cachorro-quente. Come cachorro-quente, pequena. Olha que não há mais metafísica no mundo, senão cachorro-quente.

O PT conseguiu construir uma linguagem própria. O verbete aloprado é um descoberta para se distanciar de seus combatentes da guerra suja. Digo com conhecimento de causa. Depois das eleições de 2006, interroguei todos os chamados aloprados. Era estranho que aloprados tivessem coletado mais de R$ 1 milhão. Mais estranha, ao longo dos interrogatórios, a recusa em responder, a frieza matemática em usar os mecanismos legais em sua defesa. Aloprados?

Se um dia aparecer o aloprado do computador do Planalto, observem como se esquiva, como é difícil achar nele algum traço que o defina como aloprado, como resiste às provocações. Ele é resultado de uma cultura que domina a política brasileira desde 1992. A constante tentativa de liquidar o outro é uma arma típica de ditaduras. Infelizmente, para uma grande parte da esquerda, a democracia ainda não é um valor estratégico.

Não sei qual será o resultado das eleições. Mas acho que o PT faz tudo para merecer uma derrota, algo que lhe dê pelo menos a chance de refletir sobre o período sombrio que acabou instalando no Brasil.

Uma força verdadeiramente democrática, à esquerda, seria boa para o futuro.

Será que é preciso que Cuba desmorone, que a Venezuela fracasse mais claramente, para que os petistas se convençam de que esse não é o caminho?

Sei que assim procedendo me exponho ao Twitter de todos vocês. Mas é preciso combater essa cultura de ressentimento e mediocridade que leva um digitador do Palácio do Planalto a dedicar sua tarde ao ataque a jornalistas na Wikipédia.

Não é um aloprado, mas um caso extremo e talvez cristalino: revela, em toda a sua profundeza, o abismo em que nos lançaram.


Fonte: O Estado de São Paulo, 15 Agosto de 2014 

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