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A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 5 de maio de 2014

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A direita brasileira é conservadora e mal resolvida, a despeito de um de seus ícones ser uma espécie de Dercy Gonçalves de suspensórios


No artigo abaixo, Helio Saboya Filho aponta corretamente que, se a dita direita brasileira acerta em enaltecer o papel dos indivíduos e propor a redução do Estado, erra ao fazer tempestade em copo d'água por conta de picuinhas ligadas às questões da moral e dos costumes (no exemplo do texto, trata-se do episódio da "filósofa" Valéria Popozuda). 

Embora chame o economista Rodrigo Constantino - porque são amigos - (um dos mais deslavados oportunistas que já vi no cenário público brasileiro), "de jovem culto, dinâmico, que vem alcançando merecido sucesso em palestras, livros e artigos", Saboya também acerta quando aponta o quanto já deu o "interminável choramingo contra a hegemonia da esquerda na política (na imprensa, como visto, não há), um “coitadismo” em causa própria que desautoriza o discurso da meritocracia." 

Acerta ainda quando chama Olavo de Carvalho, o pancadão ultraconservador, de espécie de Dercy Gonçalves de suspensórios, e quando afirma que, se a espécie dos esquerdopatas sobrevive, há também destropatas  ressentidos e autoritários a reprovar.

De fato, a direita brasileira - fundamentalmente conservadora - indo dos toscos espécimens como Bolsonaro, padres Ricardos e pastores evangélicos, até aos mais letradinhos como Pondé, Reinaldo Azevedo e Constantino, mistura questões de macropolítica (economia, democracia, direitos civis, saúde, educação, segurança, etc.) com questões de micropolítica (questões específicas como religião e temas de moral e costumes), fazendo o célebre samba do conservador doido e ridicularizando a si mesma.

Entre os esquerdopatas e esses destropatas, a diferença é simplesmente de quem está ou não está no poder. Para quem quer um Brasil moderno e inclusivo, nenhum deles têm qualquer serventia. De fato, só servem para se retroalimentar de ódio e ressentimento, num fla-flu interminável que não leva a futuro algum.

Vozes da direita

Eleições se ganham por mérito; não há cotas para excluídos

O enfant terrible da direita, o economista Rodrigo Constantino, é um jovem culto, dinâmico, que vem alcançando merecido sucesso em palestras, livros e artigos, superando Olavo de Carvalho, oráculo direitista cujos excessos o converteram em uma espécie de Dercy Gonçalves de suspensórios.

Constantino, Diogo Mainardi, Denis Rosenfield, Luiz Felipe Pondé, Guilherme Fiuza e Reinaldo Azevedo fazem um respeitável contraponto ao colunismo de esquerda formado por Verissimo, Vladimir Safatle, Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim, Luiz Nassif e Emir Sader. (Omissões nas escalações são debitadas à falta de espaço, que sobra para todos na grande imprensa e na internet).

Na essência, o primeiro time desses formadores de opinião advoga a liberdade individual e a redução do Estado, e o segundo um Estado intervencionista e provedor. Para Pondé, “o Brasil hoje é um país rasgado entre uma cultura liberal, centrada no indivíduo e na valorização da autonomia e autorresponsabilidade, e uma autoritária, centrada no ‘coletivo’ e no culto do ressentimento e da dependência”.

A dimensão paquidérmica da máquina oficial e seus escândalos fazem praticamente irretorquíveis os argumentos de uma direita que, mesmo com material tão fértil a ser explorado, desperdiça energia com questões completamente insignificantes, polemizando bobagens com verniz de erudição e entusiasmo de hora do recreio.

Há alguns dias, em uma escola de Taguatinga, a cantora Valesca Popozuda foi citada como “pensadora contemporânea” por um professor que pretendia chamar atenção para “a influência da mídia na formação desses valores”.

A direita fez um charivari digno de quem se viu diante de um traseiro bolivariano a serviço da doutrinação marxista. Ora, nos EUA, uma universidade da Carolina do Sul criou um curso cuja matéria é a Lady Gaga e outra, de Nova Jersey, um curso sobre a cantora Beyoncé. E daí?

Por outro lado, no recente caso Petrobras, ícones do empreendedorismo independente que concorreram com seus votos para aprovar a polêmica operação Pasadena não sofreram quaisquer críticas por aqueles que pregam a iniciativa privada como a solução de todos os males que afligem a humanidade. Um silêncio difícil de explicar.

Finalmente, não há mais lenço (nem saco) para o interminável choramingo contra a hegemonia da esquerda na política (na imprensa, como visto, não há), um “coitadismo” em causa própria que desautoriza o discurso da meritocracia. Eleições se ganham por mérito; não há cotas para excluídos. E o mais incensado liberal acidental, Demóstenes Torres, saiu do Senado por feitos de gravidade mensaleira.

Se sobrevive a espécie dos esquerdopatas, há também destropatas que, ressentidos e autoritários, festejam o golpe militar, tietam Bolsonaros e Felicianos, e se arrepiam ao ver uma foto do Che Guevara. Será que não basta ter o Lobão como muso e a Sheherazade como musa?

Fonte: O Globo, 24/04/2014

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Ana Popovic, a branca da Sérvia que arrasa tocando e cantando o negro Blues

Nascido nos campos de algodão dos EUA, onde os negros escravos trabalhavam de sol a sol e cantavam para acompanhar seus fardos e seu fado, o blues traduzia o sofrimento de um povo cativo que sempre soube transformar a dor em poema. Tanto que "blue", além de azul, naturalmente, significa tristeza, melancolia, em inglês. Com o passar dos anos, porém, o blues, o estilo musical, transformou-se também em música dos corações partidos, e igualmente, da sensualidade, da ironia e da poesia.

Ramificou-se em vários tipos, partindo do original Delta blues (o blues de raiz do delta do Mississipi acústico) para o blues de Chicago (a fusão entre o blues acústico do Delta e a introdução da guitarra elétrica no blues) e o Texas Blues (um blues elétrico e rápido). E, dos EUA, sobretudo o blues eletrificado de Chicago e Detroit se espalhou  pelo mundo inteiro, não sem antes gerar outros filhos como o jazz e o rock (mistura do blues negro com o country branco).

Globalizado, o blues influenciou músicos em todo o mundo, dos ingleses Rolling Stones (um dos redescobridores desse estilo musical) e Eric Clapton, para falar nos mais conhecidos, até vejam só a última sensação do gênero, a guitarrista (sim, uma dama), uma senhora branca e sérvia (sic) que estará se apresentando agora em maio, nos dias 9, 10 e 11, no Samsung Galaxy Best of Blues Festival, no WTC Golden Hall, em São Paulo, ao lado de nomes como Jeff Beck, Buddy Guy, Joss Stone, Jonny Lang e Trombone Shorty. O nome dela é Ana Popovic e, além de cantar, no melhor estilo "negro", ainda arrasa na guitarra. (Ver aqui e aqui outra dama que arrasa nas cordas eletrificadas)

Abaixo, matéria sobre a Ana Popovic (cantando, me lembrou a Janis Joplin) e dois vídeos com ela mostrando porque o blues, nascido preto, pobre e cativo, brota, contudo, das vísceras de qualquer pessoa que tenha de fato um coração.

Guitarrista celebrada pelos mais renomados bluesmen, chega, enfim, Ana Popovic

Música é uma das atrações Samsung Galaxy Best of Blues Festival, que acontece em maio
Jotabê Medeiros 

A grande esperança do blues é mulher. E é bonita. E é branca. E é sérvia. Seu nome é Ana Popovic, e ela barbariza tanto com sua Fender Stratocaster 1964 quanto com seus vestidos curtíssimos e sua pose de modelo de propaganda de xampu.

Estrela do Samsung Galaxy Best of Blues Festival, no WTC Golden Hall, em São Paulo, nos dias 9, 10 e 11, ao lado de nomes como Jeff Beck, Buddy Guy, Joss Stone, Jonny Lang e Trombone Shorty, Ana é a loira eletrificada do novo blues. Pela primeira vez no Brasil para tocar (ela conta que já veio antes como turista para conhecer os carnavais de Salvador e Rio de Janeiro, e ficou três semanas), a guitarrista é a grande sensação dos festivais norte-americanos. Este ano, foi a única mulher convidada para a 8.ª edição do Experience Hendrix Tour – os outros eram Buddy Guy, Eric Johnson, Zakk Wilde, Bootsy Collins, Dweezil Zappa, David Hidalgo (dos Los Lobos), além do baixista Billy Cox (que tocou com Hendrix) e do baterista Chris Layton (que acompanhou Stevie Ray Vaughan).

Nos grandes festivais, ela lota as tendas – como sucedeu no ano passado no JazzFest de New Orleans. "Quando eu tinha dois anos, o blues me conquistou. Meu pai tinha uma grande coleção de discos e, desde que me lembro, sempre gostei do gênero. O blues é parte do que eu sou. Não sou americana, mantenho o meu toque europeu. E não uso botas nem chapéu, vou a discotecas dançar com meus amigos. Mas, tirando isso, todo o resto é o mesmo: eu toco a guitarra do blues, eu amo o mainstream do blues", disse a cantora ao Estado, anteontem, falando por telefone de sua casa, em Memphis, Tennessee.

Aos 37 anos, mãe de dois filhos, Ana Popovic contraria totalmente o estereótipo do blues sulista norte-americano, embora esteja totalmente ambientada ali. "Você não precisa ter nascido nos Estados Unidos para tocar blues. Há bluesmen em todo lugar, e fãs de blues em todo lugar. Eu cresci ouvindo Elmore James, Robert Johnson, Steve Ray Vaughan, Robert Cray, John Scoffield, Bukka White e também as bandas de rock, como Cream e Led Zeppelin. Claro, ouvi também o jazz europeu, Django Reinhardt e os outros. Mas, geralmente, eram artistas americanos, o Delta blues, o Texas blues, o rock sulista", ela lembra.

Ana é divertidíssima. Desafiada a relacionar todas as guitarras que tem, ela contabiliza seis ou sete instrumentos – a famosa Strato 1964, mais uma Telecaster 1971, mais uma peça vintage de 1957. "Não sou uma colecionadora de guitarras, tenho algumas boas para a estrada e outras para o estúdio. Sempre preferi sapatos", brinca.

Os guitarristas hendrixianos, entretanto, prestam muito mais atenção ao seu estilo do que aos seus sapatos. Vinte deles a "adotaram" na recente turnê Experience Hendrix, especialmente por conta de sua ousadia "old school" - expressa no álbum mais recente, Can You Stand the Heat?, produzido por Tony Coleman, baterista de B.B. King. "Fiz algo diferente porque eu gosto mais das canções meio desconhecidas de Hendrix, aquelas que não se tornaram hits. Sou um tipo meio lado B. Hendrix é um dos melhores ainda hoje. Adoro a energia dele, especialmente do seu trio", ela conta. Entre as canções que ela toca, estão House Burning Down, Belly Button Window e Can You See Me?

Ela nasceu em Belgrado e morou muitos anos em Amsterdã (onde sua família ainda tem residência), quando foi descoberta pelos americanos por conta do disco Comfort to the Soul, que lhe valeu uma indicação para o WC Handy Blues Awards como artista revelação. Agora, mudou-se de mala e cuia para o coração de Memphis.

"Eu vim a Memphis há dez anos, indicada por um selo para gravar um disco de blues (Comfort to the Soul). Conheci as pessoas na cidade, a gravação foi com uma banda fantástica. Os músicos daqui tocam divinamente. É um lugar bacana, o tempo é bom, minha banda vive por aqui. Eu já tinha vivido em New Orleans e Los Angeles, mas era muito conveniente fixar residência em Memphis". Para seu primeiro show na América Latina, ela promete uma fusão de blues, soul, funk e rock no festival, e quer muito conhecer os bluesmen brasileiros.

Samsung Galaxy Best of Blues 
WTC GOLDEN HALL. Avenida das Nações Unidas, 12.551. Dias 9 e 10, a partir das 19h. Dia 11, a partir das 18h30. DE R$ 150 a R$ 900. Classificação etária: 16 anos

Fonte: O Estado de S. Paulo, 25/04/2014

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Com a revogação do aumento da tarifa dos ônibus, o peso dos subsídios ao transporte coletivo ficou muito maior do que o previsto

Em junho do ano passado, devido às manifestações pelo tal passe livre, eu argumentava o seguinte:
Por trás dos abusos dos manifestantes, existe o tal movimento passe livre que prega serviço de transporte gratuito para todos. Como tal coisa é impossível, pois tudo tem custo (serviços públicos são pagos por nós mesmos através de impostos), é necessário parar para apreciar melhor o assunto.
Pois é! O tal movimento passe livre se dizia e se diz anarquista, mas reivindica do Estado que dê à população até transporte gratuito. Estranhos anarquistas esses, já que libertários são essencialmente antiestatistas, acham que essa entidade chamada Estado, mais fonte de problemas do que soluções, não deveria sequer existir, que as sociedades deveriam se autogerir sem poderes centralizados. Coerentemente, portanto, sendo anarquistas, deveriam procurar soluções não-estatais para o problema do transporte público. Conclusão: o tal movimento passe livre só é anarquista da boca pra fora. Na verdade, trata-se de mais um dos grupúsculos de extrema-esquerda, em sua bizarra luta anticapitalista, que circulam pela arena política brasileira.

O fato é que pedir ao Estado que reduza tarifas de transporte público implica em três coisas: o Estado aumentar impostos para repor o valor reduzido; o Estado realocar recursos em outras áreas ou, raramente, o Estado cortar na própria carne (eliminando secretarias, por exemplo). Pressionado pelas manifestações de junho, o poder público cedeu populisticamente aos apelos pela redução da tarifa dos transportes públicos. O resultado já se pode ver, como demonstra editorial do Estadão desse sábado último.

Destaco:
Com a revogação do aumento, em resposta ao movimento, o peso dos subsídios ao transporte coletivo ficou muito maior do que aquilo que o Estado e a Prefeitura de São Paulo julgavam tolerável, ainda que com sacrifício.
... quanto mais demorar o descongelamento, mais grave será o problema. O reajuste terá de ser maior, assim como crescerá o rombo financeiro. E não se terá como evitar o seu reflexo na segurança do sistema de transporte coletivo. Tudo à custa da população que, em última instância, é quem paga a conta com seus impostos.
Em suma, passadas às eleições, ganhe quem ganhar (e que Deus se lembre que já foi brasileiro e nos livre do PT), haverá aumentos inevitáveis e altos das tarifas de transporte público e de luz. E nós, que não pedimos passe livre porque sabemos que isso é conversa mole pra boi dormir, vamos pagar também pelas delinquências juvenis de pseudoanarquistas e governos irresponsáveis.

O preço da tarifa congelada

O Estado de S.Paulo

Como era inevitável, já começam a aparecer as consequências do congelamento da tarifa dos meios de transporte coletivo da capital em R$ 3, o que vem lembrar às autoridades estaduais e municipais - responsáveis respectivamente pelo sistema metroferroviário e o serviço de ônibus - que em algum momento, que não vai tardar, terão de enfrentar o problema. Tarefa difícil, pois não haverá como escapar das decisões corajosas e impopulares que o caso exige.

O prejuízo do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) aumentou no ano passado, como mostram estudos das duas empresas, segundo reportagem do Estado. E o governo reconhece que uma das causas disso é a revogação do reajuste da tarifa, que de R$ 3,20 voltou para R$ 3, em resposta às manifestações de rua de junho passado. Os números impressionam. A subvenção para a CPTM, por exemplo, aumentou 43,7%, indo de R$ 537,5 milhões em 2012 para R$ 772,2 milhões no ano passado. Quanto ao Metrô, ele não recebe subvenção direta, mas compensações como a referente à gratuidade para idosos.

Quanto ao prejuízo, o da CPTM foi de R$ 507,4 milhões ante R$ 217,2 milhões no período considerado, um aumento de 133%. O do Metrô foi igualmente muito grande, pois passou de R$ 28,6 milhões para R$ 76,4 milhões. Prejuízos dessa ordem só podem ser explicados pela contenção da tarifa em níveis claramente irrealistas. O reajuste de R$ 0,20 já ficara abaixo da correção exigida pela inflação registrada entre um aumento e outro.

Ele foi, aos olhos do governo estadual e da Prefeitura, o máximo de concessão possível para evitar reações dos usuários. Mas, mesmo assim, os protestos não só vieram, como adquiriram dimensões impressionantes, com as manifestações que, a partir de São Paulo, se espalharam pelas principais cidades do País. Com a revogação do aumento, em resposta ao movimento, o peso dos subsídios ao transporte coletivo ficou muito maior do que aquilo que o Estado e a Prefeitura de São Paulo julgavam tolerável, ainda que com sacrifício.

Para enfrentar essa situação, o Metrô afirma em nota oficial que, "diante do congelamento das tarifas, a empresa, em sintonia com as diretrizes do governo do Estado para a racionalização e eficiência da utilização dos recursos, intensificou as ações de combate ao desperdício e promoveu a renegociação de contratos". Em outras palavras, está cortando tudo que é possível para fazer economia. O mesmo faz a CPTM. Segundo o secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, o ponto principal desse esforço, "a economia forte que nós fizemos, foi nas licitações, com reduções de até 40% no valor das obras".

Mas nada disso livra o governo de dois problemas. Em primeiro lugar, embora ele insista em que os cortes de gastos estão sendo feitos de forma a não prejudicar a segurança do sistema, é muito difícil de evitar que, conjugados com a superlotação dos trens do metrô e da CPTM, eles não a afetem. Certamente não é por acaso que as panes no sistema metroferroviário se tornaram mais frequentes.

Em segundo lugar, é evidente que, por mais importantes que possam ser as economias, elas não conseguirão cobrir por tempo muito longo os custos acarretados pelo congelamento da tarifa. Segundo o governador Geraldo Alckmin, "não tem nenhuma notícia de aumento de passagem" neste ano. Com a Copa do Mundo, as eleições e o temor de novas manifestações, não seria mesmo de esperar outra coisa. E tudo que vale para ele vale igualmente para o prefeito Fernando Haddad. Mesmo às voltas com subsídios ao serviço de ônibus, que com a tarifa congelada chegaram às alturas de R$ 1,6 bilhão, também ele certamente não a aumentará logo.

Mas, não importa por que motivos, quanto mais demorar o descongelamento, mais grave será o problema. O reajuste terá de ser maior, assim como crescerá o rombo financeiro. E não se terá como evitar o seu reflexo na segurança do sistema de transporte coletivo. Tudo à custa da população que, em última instância, é quem paga a conta com seus impostos.

Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2014

terça-feira, 29 de abril de 2014

Para o PT, o Brasil é um país de todos. De todos os que concordam com a sua política.

Fernando Gabeira é uma das figuras públicas brasileiras que melhor demonstra que "ou evoluir ou morrer". Foi da esquerda extremista e pegou em armas contra a ditadura militar. Depois, no exílio, passou para a esquerda mais libertária e ecológica, voltou ao país e apoiou o PT (como muitos de nós apoiamos o partido nos idos dos anos 80) e, posteriormente, desapontado, tornou-se um dos maiores críticos da famigerada sigla. Faz parte, com Ferreira Gullar, Arnoldo Jabor, entre outros, de um pessoal que caiu na real, sem perder a esperança de melhorar a sociedade onde vivemos.

No texto abaixo, Bom dia, Cinderela, com boa ironia, Gabeira diz que o PT, com o objetivo de escamotear a realidade, sonha em calar quem não está dormindo. Destaco:
Controlar as evidências, determinar as sentenças pela escolha de ministros simpáticos à causa, tudo isso é a expressão de uma vontade autoritária que vê a oposição como vê os números desfavoráveis: algo que deva ser banido do mundo real. A visão de que o País seria melhor sem uma oposição, formada por inimigos da Petrobrás e por gente que torce contra a Copa, empobrece e envenena o debate político.
Hoje, em vez de contestar fatos, o PT estigmatiza a oposição como força do atraso. Ele se comporta como se a exclusão dos adversários da cena política e cultural fosse uma bênção para o Brasil. A concepção de aniquilar o outro não é vivida com culpa por certa esquerda, porque ela se move num script histórico que prevê o aniquilamento de uma classe pela outra. O que acabará com os adversários é a inexorável lei da história, eles apenas dão um empurrão.
E completa:
O PT comanda um estranho caso de governo cujo discurso nega o próprio slogan: Brasil, um país de todos. De todos os que concordam com a sua política.
 Boa leitura!

Bom dia, Cinderela
Fernando Gabeira

As pesquisas eleitorais recentes mostram Dilma Rousseff em queda. Quando se está caindo, a gente normalmente diz opa!. Não creio, porém, que Dilma vá dizer opa! e recuperar o equilíbrio. Além dos problemas de seu governo, ela é mal aconselhada por Lula nos dois temas que polarizam a cena política: Petrobrás e Copa do Mundo.

São cada vez mais claras as evidências de que se perdeu muito dinheiro em Pasadena. Lula, no entanto, não acredita nas evidências, mas nas versões. Se o seu conselho é partir para a ofensiva quando se perdem quase US$ 2 bilhões, a agressividade será redobrada quando a perda for de US$ 4 bilhões e, se for de US$ 6 bilhões, o mais sábio será chegar caindo de porrada nos adversários antes que comecem a reclamar.

Partir para a ofensiva na Copa do Mundo? Não é melhor deixar isso para os atacantes Neymar e Fred? Desde o ano passado ficou claro que muitas pessoas não compartilham o otimismo do governo nem consideram acertada a decisão de hospedar a Copa.

O governo acha que sufoca as evidências. O próximo passo desse voluntarismo é controlar as evidências. O papel do IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, começa a ser deformado pelo aparelhamento político. Pesquisas que contrariam os números de desemprego são suspensas. E o Ipea foi trabalhar estatísticas para Nicolás Maduro, que acredita ver Hugo Chávez transmutado em passarinho e, com essa tendência ao realismo mágico, deve detestar os números.

Controlar as evidências, determinar as sentenças pela escolha de ministros simpáticos à causa, tudo isso é a expressão de uma vontade autoritária que vê a oposição como vê os números desfavoráveis: algo que deva ser banido do mundo real. A visão de que o País seria melhor sem uma oposição, formada por inimigos da Petrobrás e por gente que torce contra a Copa, empobrece e envenena o debate político.

Desde o mensalão até agora o PT decidiu brigar com os fatos, e isso pode ter tido influência na queda de Dilma nas pesquisas. O partido foi incapaz, embora figuras como Olívio Dutra o tenham feito, de reconhecer seus erros. Está sendo incapaz de admitir os prejuízos que sua política de alianças impôs à Petrobrás ou mesmo que a Copa do Mundo foi pensada num contexto de crescimento e destinava-se a mostrar nossa exuberância econômica e capacidade de organização a todo o planeta. Gilberto Carvalho revelou sua perplexidade: achava que a conquista da Copa seria saudada por todos, mas as pessoas atacaram o governo por causa dela.

Bom dia, Cinderela. O mundo mudou. Dilma e o PT não perceberam, no seu sono, que as condições são outras. Brigar com os fatos num contexto de crescimento econômico deu a Lula a sensação de onipotência, uma crença do tipo "deixa conosco que a gente resolve na conversa". Hoje, em vez de contestar fatos, o PT estigmatiza a oposição como força do atraso. Ele se comporta como se a exclusão dos adversários da cena política e cultural fosse uma bênção para o Brasil. A concepção de aniquilar o outro não é vivida com culpa por certa esquerda, porque ela se move num script histórico que prevê o aniquilamento de uma classe pela outra. O que acabará com os adversários é a inexorável lei da história, eles apenas dão um empurrão.

Sabemos que a verdade é mais nuançada. O governo mantém excelentes relações com o empresariado que financia por meio do BNDES e com os fornecedores de estatais como a Petrobrás. Não se trata de luta de classes, mas de quem está se dando bem com a situação contra quem está ou protestando ou pedindo investigações rigorosas contra a roubalheira, na Petrobrás ou na Copa.

A aliança do governo é aberta a todos os que possam ser controlados, pois o controle é um objetivo permanente. Tudo o que escapa, evidências, vozes dissonantes, estatísticas indesejáveis, tudo é condenado à lata de lixo da História. Felizmente, a História não se faz com líderes que preferem partir para cima a dialogar diante de evidências negativas, tanto na Petrobrás como na Copa ou no mensalão. Nem com partidos incapazes de rever sua tática diante de situações econômicas modificadas.

Dilma, com a queda continuada nas pesquisas, sai da área de conforto e cai no mundo em que os candidatos dependem muito de si próprios e não contam com vitória antecipada pelo peso da máquina. Será a hora de pôr de novo em xeque a onipotente tática de eleger um poste. Nem o poste nem seu inventor hoje conseguem iluminar sequer um pedaço de rua. Estão mergulhados no escuro e comandarão um exército de blogueiros amestrados para nublar as redes sociais. Com a máquina do Estado, o prestígio de Lula, muita grana em propaganda e na própria campanha eleitoral, o governo tem um poderoso aparato para enfrentar a realidade. Mas essa abundância de recursos não basta. Num momento como este no País, será preciso horizonte, olhar um pouco adiante das eleições e estabelecer um debate baseado no respeito às evidências.

Esse é um dos caminhos possíveis para recuperar o interesse pela política. No momento, a resposta ao cinismo é a indiferença com forte tendência ao voto em branco ou nulo. Embora a oposição também seja parte do jogo, a multidão que dá as costas para a escolha de um presidente é uma obra do PT que subiu ao poder, em 2002, prometendo ampliar o interesse nacional pela política, mas conseguiu, na verdade, reduzi-lo dramaticamente. Para quem se importa só com a vitória eleitoral, essa questão da legitimidade não conta. Mas é o tipo de cegueira que nos mantém no atraso político e na ilusão de que adversários são inimigos. O PT comanda um estranho caso de governo cujo discurso nega o próprio slogan: Brasil, um país de todos. De todos os que concordam com a sua política.

Até nas relações exteriores o viés partidário sufocou o nacional, atrelando o País aos vizinhos, alguns com sonhos bolivarianos, e afastando-o dos grandes centros tecnológicos. Contestar esse caminho quase exclusivo é defender interesses americanos; denunciar corrupção na empresa é ser contra a Petrobrás; assim como questionar a Copa é torcer contra o Brasil.

Bom dia, Cinderela, acorde. Em 2014 você pode se afogar nos próprios mitos.

Fonte: O Estado de S.Paulo, 25/04/2014

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