8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Clipping legal: Dona Odete e você!

Acusada de homicídio por defender a própria vida e matar, com três tiros, o bandido que invadiu seu apartamento, uma idosa de 87 anos responderá por homicídio e por posse ilegal de arma. A situação é kafkiana e mais uma demonstração dos equívocos das campanhas de desarmamento que, sob a desculpa esfarrapada de diminuir a violência, apenas deixam os cidadãos mais vulneráveis tanto aos bandidos quanto ao Estado opressor. Excelente texto do Denis Rosenfield no Estadão.

Dona Odete e você!

Denis Lerrer Rosenfield

Dona Odete tem 87 anos, usa bengala e tem dificuldade para ouvir e enxergar. Precisa de óculos e aparelho auditivo, desfazendo-se deles ao deitar. Mora sozinha, no 2.º andar de um prédio, em Caxias, no Rio Grande do Sul. Tudo nela aparenta uma pessoa indefesa, não fossem a força de vontade que a habita e sua capacidade, intacta, de defender a sua vida, de exercer numa situação-limite a liberdade de escolha.

Ademais, dona Odete é uma pessoa religiosa, que costuma rezar todos os dias, acreditando em Deus e louvando-o, como é a regra em pessoas de fé. O seu pensamento tem, portanto, uma relação com o absoluto, procurando nele se elevar. Pode-se dizer que dona Odete é uma pessoa comum no sentido conservador do termo, nada a predispondo a nenhum tipo de violência.

Ora, é essa mulher que foi exposta a uma situação completamente inusitada, devendo, hoje, responder a um processo por homicídio e por porte ilegal de arma. Provavelmente, terá de ir a júri, salvo se um juiz (e/ou um promotor) sensato der um basta à insensatez a que está submetida. Diga-se que os policiais não são tampouco responsáveis por essa situação, na medida em que devem seguir a lei. Caberia, então, a pergunta: Qual lei? Qual a sua inspiração, os ditos direitos humanos e o politicamente correto irmanados na injustiça?

Dona Odete dormia quando foi acordada pelos ruídos de um estranho que tinha entrado em seu apartamento. Na verdade, ele o invadiu a partir do telhado de uma escola vizinha, tendo de lá pulado para a janela de sua sala. Ao ver uma senhora indefesa dormindo, não prestou maior atenção, pois não via nela "perigo" algum.

Digamos, uma banalidade, pois às vezes uma banalidade é cheia de significação, considerando principalmente o Brasil de hoje, onde criminosos são tratados com máxima consideração pelos ditos representantes dos direitos humanos, enquanto suas vítimas são relegadas ao esquecimento.

O bandido portava uma faca, que certamente não seria usada para descascar batatas. Não iria, evidentemente, preparar uma janta para a senhora. Trazia consigo uma arma branca que seria utilizada segundo sua própria conveniência. Aliás, a sua força física também jogava a seu favor, pois a senhora acordada, movendo-se sem óculos e sem seu aparelho auditivo, foi quase estrangulada.

Note-se, além disso, que tal indivíduo já tinha sido condenado pela Justiça e estava sob liberdade provisória. Ele tinha uma ficha corrida policial, enquanto a senhora, como se dizia antigamente e se deveria dizer atualmente, é uma pessoa de bem.

Ocorre que dona Odete tinha em seu apartamento um revólver calibre 32, herdado de sua família, arma que estava guardada há mais de 35 anos. Ou seja, segundo a legislação brasileira, ela detinha uma posse ilegal de arma de fogo. Deveria ter entregue sua arma numa dessas campanhas do desarmamento, ficando literalmente desarmada, como uma cidadã dócil ao Estado e aos ditos direitos humanos. Hoje, estaria num caixão, esquecida por todos, salvo por seus familiares. A situação é a seguinte: se obedecesse à lei, estaria morta; desobedecendo-a, conseguiu sobreviver.

De posse do revolver "ilegal", reagiu à investida do invasor e conseguiu acertá-lo com três tiros, matando-o naquele instante. Ato seguinte, telefonou para seus familiares, que acionaram a polícia e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que, quando chegaram, se depararam com o quadro da senhora e de seu algoz, que, no chão, já não apresentava mais nenhum perigo.

Ocorre que a dona Odete nada mais fez do que usar o seu direito de legítima defesa, exercendo a sua liberdade de escolha numa situação-limite, a que se faz entre a vida e a morte. Assinale-se, aqui, o exercício da liberdade de escolha, traduzindo-se pela conservação de sua própria vida. Mas, para que esse direito possa ser exercido, são-lhe necessários os seus instrumentos e condições correspondentes, no caso, uma arma.

O esdrúxulo da situação é que dona Odete terá de responder por homicídio e por posse ilegal de arma. Ela, ao se defender, ao optar por sua própria vida contra um bandido, é legalmente acusada. A alternativa é: ou ela está certa e a lei está errada (exigindo a modificação desta) ou a lei está certa e ela deveria estar morta. A alternativa é excludente.

Imaginem, agora, se o bandido a tivesse estrangulado ou matado a golpes de faca. Certamente não seria preso em flagrante e estaria perambulando pelas ruas. Se preso, responderia por seu processo em liberdade e sempre teria à sua disposição um defensor público, além de algum representante dos ditos direitos humanos que sairia em seu socorro. Hipótese tanto mais plausível se tivesse a habilidade de inventar uma boa história de vítima social, tornado a sua vítima - a idosa assassinada - uma mera consequência de sua condição. O assassino seria a vítima e a verdadeira vítima, um mero número de um registro policial. Os direitos humanos não seriam para ela, nem morta, de nenhum auxílio.

Sempre haverá uma estatística do politicamente correto para colocar o criminoso como vítima inocente das armas de fogo. Será "esquecido" que foi ele que invadiu uma moradia, habitada por uma senhora idosa, para roubar ou matá-la, segundo as circunstâncias. Teria sido a arma de fogo que o matou. Pretensa conclusão: torna-se ainda mais necessária uma campanha do desarmamento, pois as armas continuam produzindo vítimas!

Dona Odete pode ser você. Desarmado, sem nenhuma condição de exercer o legítimo direito à defesa de sua própria vida, em sua própria casa. Você está numa situação ilegal, caso tenha uma arma não registrada. E registrá-la, além de caro, é uma operação raramente bem-sucedida. A lei, nessa circunstância, não o protege. Em caso de encontrar um bandido em sua casa, renda-se a ele, entregue a sua própria vida, abdique da liberdade de escolha.

É essa a mensagem do politicamente correto? Renunciar à liberdade de escolha?

* PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL:DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

terça-feira, 19 de junho de 2012

Querem o poder, esses ineptos, e primeiro de tudo o palanquim do poder: muito dinheiro!

Querem o poder, esses ineptos, e primeiro de tudo
 o palanquim do poder: muito dinheiro!
 

Do novo ídolo

Frederico Nietzsche 

“Ainda em algumas partes há povos e rebanhos; mas entre nós, irmãos, entre nós há Estados.

Estados? Que é isso? Vamos! Abri os ouvidos, porque vos vou falar da morte dos povos.

Estado chama-se o mais frio dos monstros. Mente também friamente, e eis que a mentira rasteira sai da sua boca: “Eu, o Estado, sou o Povo”.

É uma mentira! Os que criaram os povos e suspenderam sobre eles uma fé e um amor, esses eram criadores: serviam a vida.

Os que armam laços ao maior número e chamam a isso um Estado são destruidores; suspendem sobre si uma espada e mil apetites.

Onde há ainda povo não se compreende o Estado que é detestado como uma transgressão aos costumes e às leis.

Eu vos dou este sinal: cada povo fala uma língua do bem e do mal, que o vizinho não compreende. Inventou a sua língua para os seus costumes e as suas leis.

Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal, e em tudo quanto dizmente, tudo quanto tem roubou-o.

Tudo nele é falso; morde com dentes roubados. Até as suas entranhas são falsas.

Uma confusão das línguas do bem e do mal: é este o sinal do Estado. Na Verdade, o que este sinal indica é a vontade da morte; está chamando os pregadores da morte

Vêm ao mundo homens demais, para os supérfluos inventou-se o Estado!

Vede como ele atrai os supérfluos! Como os engole, como os mastiga e remastiga!

“Na terra nada há maior do que eu; eu sou o dedo ordenador de Deus” — assim grita o monstro. E não são só os que têm orelhas compridas e vista curta que caem de joelhos! 

Ai! também em vossas almas grandes murmuram as suas sombrias mentiras! Aí eles advinham os corações ricos que gostam de se prodigalizar!

Sim; adivinha-vos a vós também, vencedores do antigo Deus. Saistes rendido do combate, e agora a vossa fadiga ainda serve ao novo ídolo!

Ele queria rodear-se de heróis e homens respeitáveis. A este frio monstro agrada-lhe acalentar-se ao sol da pura consciência. 

A vós outros quer ele dar tudo, se adorardes. Assim compra o brilho da vossa virtudee o altivo olhar dos vossos olhos. 

Convosco quer atrair os supérfluos! Sim; inventou com isso uma artimanha infernal, um corcel de morte, ajaezado com adorno brilhante das honras divinas.

Inventou para o grande número uma morte que se preza de ser vida, uma servidão à medida do desejo de todos os pregadores da morte.

O Estado é onde todos bebem veneno, os bons e os maus; onde todos se perdem a si mesmos, os bons e os maus; onde o lento suicídio de todos se chama “a vida”.

Vede, pois, esses supérfluos! Roubam as obras dos inventores e os tesouros dos sábios; chamam a civilização ao seu latrocínio, e tudo para eles são doenças e contratempo.

Vede, pois, esses supérfluos. Estão sempre doentes; expelem a bilis, e a isso chamam periódicos. Devoram-se e nem sequer se podem dirigir.

Vede, pois, esses adquirem riquezas, e fazem-se mais pobres. Querem o poder, esses ineptos, e primeiro de tudo o palanquim do poder: muito dinheiro!

Vede trepar esses ágeis macacos! Trepam uns sobre os outros e arrastam-se para o lodo e para o abismo.

Todos querem abeirar-se do trono; é a sua loucura — como se a felicidade estivesse no trono! — Freqüentemente também o trono está no lodo.

Para mim todos eles são doidos e macacos trepadores e buliçosos. O seu ídolo, esse frio monstro, cheira mal; todos eles, esses idólatras, cheiram mal.

Meus irmãos, quereis por agora afogar-vos na exalação de suas bocas e de seus apetites? Antes disso, arrancai as janelas e saltai para o ar livre!

Evitai o mau cheiro! Afastai-vos da idolatria dos supérfluos.

Evitai o mau cheiro! Afastai-vos do fumo desses sacrifícios humanos!

Ainda agora o mundo é livre para as almas grandes. Para os que vivem solitários ou aos pares ainda há muitos sítios vagos onde se aspira a fragrância dos mares silenciosos.

Ainda têm franca uma vida livre as almas grandes. Na verdade, quem pouco possui tanto menos é possuído. Bendita seja a nobreza!

Além onde acaba o Estado começa o homem que não é supérfluo; começa o canto dos que são necessários, a melodia única e insubstituível. 

Além, onde acaba o Estado... olhai, meus irmãos! Não vedes o arco-íris e a ponte do Super-homem?”

Assim falava Zaratustra

Assim Falava Zaratustra, de Frederico Nietzsche, em tradução  de José Mendes de Souza

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Em busca da verdade: Documentário Reparação para Todos na íntegra

Na quinta-feira à noite, dia 14/06, na Assembleia Legislativa de São Paulo, durante abertura do seminário Direito à Verdade, Informação, Memória e Cidadania, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, afirmou que A Comissão da "Verdade" não será o último passo no processo da chamada Justiça de transição (!?) que está em curso no País. Na avaliação do advogado, a dita comissão da verdade deverá estimular ações judiciais contra agentes de Estado acusados de violações de direitos humanos. Ele também defende a ideia de se rever a atual interpretação da Lei da Anistia, que teria sido imposta ao País pelos militares (sic). Disse ele, segundo artigo de Roldão Arruda, no Estadão:

"A Comissão da Verdade não veio para botar uma pedra em cima da história. Muito pelo contrário. A Comissão da Verdade poderá gerar novos efeitos no campo da reparação, novas memórias e, quem sabe, potencializar os mecanismos de Justiça", disse. "Ninguém poderá impedir que o Ministério Público Federal, no exercício de suas funções, tenha acesso à documentação produzida pela comissão para ingressar com ações."

A luta armada lutava pela ditadura do proletariado

Todas as pessoas que têm um pouco de educação histórica e política no Brasil sabem que essa orwelliana Comissão da Verdade não tem a intenção de trazer realmente a verdade relativa ao período autoritário dos regimes militares. Há sim, de fato, a intenção de punir, à revelia da Lei da Anistia, os militares ainda vivos envolvidos nos atos de repressão da época da ditadura. Por outro lado, existe também a intenção inequívoca de institucionalizar a versão da esquerda, atualmente no poder, de que principalmente sua ala ligada à luta armada combatia pela democracia em nosso país no período militar.

Nada mais falso. Principalmente a esquerda armada pretendia implantar uma ditadura do proletariado no Brasil. Essa esquerda era inclusive treinada e financiada pelos regimes autoritários comunistas, a saber, a União Soviética, a China maoísta e a Cuba castrista. Entre as inúmeras formas de comprovar tal fato, podem-se inclusive citar as declarações dos velhos partidários dessa anacrônica e nefasta ideologia ditas ainda hoje. Cito o exemplo da fala de Luiza Erundina, na última sexta, dia 15/06 (FSP), ao ser apresentada como vice na chapa do petista Haddad à prefeitura de Sâo Paulo, quando defendeu a implantação do modelo socialista no país, afirmando que a classe trabalhadora não deve disputar apenas "espaço de poder no Estado burguês". Declarou a absurda: "É o socialismo que garante a realização plena do ser humano. É em nome dessa utopia que estamos aqui."

A utopia de dona Erundina custou mais de 100 milhões de mortos no século passado aos países em que se instalou. Onde estes regimes, todos totalitários, ainda persistem, a população vive escravizada, sem direito algum, e em péssimas condições de vida (alguns morrendo de fome inclusive, como na Coréia do Norte).

Reparação: sem bandidos nem mocinhos

Por isso mesmo, mais do que nunca, avaliações equilibradas sobre a realidade histórica do período da ditadura militar são mais do que bem-vindas. É o caso do documentário Reparação a respeito do atentado contra o consulado americano em São Paulo, em 1968, realizado por ativista da luta armada, que vitimou o jovem Orlando Lovecchio Filho. O documentário conta com análises e depoimentos, entre outros, do historiador Marco Antonio Villa e dos sociólogos Demétrio Magnoli e Fernando Henrique Cardoso (saudoso presidente). Destaco as falas do historiador Marco Antonio Villa que, com imparcialidade, nos apresenta um panorama da situação política do Brasil à época, desmistificando qualquer tentativa de apresentar a História na base da luta entre bandidos (os militares) e a esquerda (os mocinhos). Seguramente, uma boa forma de conhecer com mais objetividade a verdadeira história de nosso país tão distorcida nos últimos anos. 

Reparação foi dirigido pelo cineasta Daniel Moreno, em 2008, produzido pela Terra Nova filmes, e agora está disponível na Internet. Para mais informações sobre o documentário, acesse sua página no Facebook e assista a entrevista de Daniel Moreno ao Augusto Nunes da Veja. Divulgue também o documentário para o maior número de pessoas que puder. 

sábado, 16 de junho de 2012

Clipping legal: Dom Sebastião voltou

Lula, crápula-mór

Mais um bom texto do historiador Marco Antonio Villa, desta feita sobre o crápula-mór deste país, a pior coisa que aconteceu ao Brasil desde sua fundação: Lula da Silva. Falo sério que nunca tive tanta ojeriza a alguém como a esse sujeito. Se eu tivesse que resumir tudo que detesto em uma pessoa, ele é a encarnação desse resumo.

Dom Sebastião voltou

Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo
Luiz Inácio Lula da Silva tem como princípio não ter princípio, tanto moral, ético ou político. O importante, para ele, é obter algum tipo de vantagem. Construiu a sua carreira sindical e política dessa forma. E, pior, deu certo. Claro que isso só foi possível porque o Brasil não teve - e não tem - uma cultura política democrática. Somente quem não conhece a carreira do ex-presidente pode ter ficado surpreso com suas últimas ações. Ele é, ao longo dos últimos 40 anos, useiro e vezeiro destas formas, vamos dizer, pouco republicanas de fazer política.

Quando apareceu para a vida sindical, em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, desprezou todo o passado de lutas operárias do ABC. Nos discursos e nas entrevistas, reforçou a falácia de que tudo tinha começado com ele. Antes dele, nada havia. E, se algo existiu, não teve importância. Ignorou (e humilhou) a memória dos operários que corajosamente enfrentaram - só para ficar na Primeira República - os patrões e a violência arbitrária do Estado em 1905, 1906, 1917 e 1919, entre tantas greves, e que tiveram muitos dos seus líderes deportados do País.

No campo propriamente da política, a eleição, em 1947, de Armando Mazzo, comunista, prefeito de Santo André, foi irrelevante. Isso porque teria sido Lula o primeiro dirigente autêntico dos trabalhadores e o seu partido também seria o que genuinamente representava os trabalhadores, sem nenhum predecessor. Transformou a si próprio - com o precioso auxílio de intelectuais que reforçaram a construção e divulgação das bazófias - em elemento divisor da História do Brasil. A nossa história passaria a ser datada tendo como ponto inicial sua posse no sindicato. 1975 seria o ano 1.

Durante décadas isso foi propagado nas universidades, nos debates políticos, na imprensa, e a repetição acabou dando graus de verossimilhança às falácias. Tudo nele era perfeito. Lula via o que nós não víamos, pensava muito à frente do que qualquer cidadão e tinha a solução para os problemas nacionais - graças não à reflexão, ao estudo exaustivo e ao exercício de cargos administrativos, mas à sua história de vida.

Num país marcado pelo sebastianismo, sempre à espera de um salvador, Lula foi a sua mais perfeita criação. Um dos seus "apóstolos", Frei Betto, chegou a escrever, em 2002, uma pequena biografia de Lula. No prólogo, fez uma homenagem à mãe do futuro presidente. Concluiu dizendo que - vejam a semelhança com a Ave Maria - "o Brasil merece este fruto de seu ventre: Luiz Inácio Lula da Silva". Era um bendito fruto, era o Messias! E ele adorou desempenhar durante décadas esse papel.

Como um sebastianista, sempre desprezou a política. Se ele era o salvador, para que política? Seus áulicos - quase todos egressos de pequenos e politicamente inexpressivos grupos de esquerda -, diversamente dele, eram politizados e aproveitaram a carona histórica para chegar ao poder, pois quem detinha os votos populares era Lula. Tiveram de cortejá-lo, adulá-lo, elogiar suas falas desconexas, suas alianças e escolhas políticas. Os mais altivos, para o padrão dos seus seguidores, no máximo ruminaram baixinho suas críticas. E a vida foi seguindo.

Ele cresceu de importância não pelas suas qualidades. Não, absolutamente não. Mas pela decadência da política e do debate. Se aplica a ele o que Euclides da Cunha escreveu sobre Floriano Peixoto: "Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país sem avançar - porque era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas tradições...".

Levou para o seu governo os mesmos - e eficazes - instrumentos de propaganda usados durante um quarto de século. Assim como no sindicalismo e na política partidária, também o seu governo seria o marco inicial de um novo momento da nossa história. E, por incrível que possa parecer, deu certo. Claro que desta vez contando com a preciosa ajuda da oposição, que, medrosa, sem ideias e sem disposição de luta, deixou o campo aberto para o fanfarrão.

Sabedor do seu poder, desqualificou todo o passado recente, considerado pelo salvador, claro, como impuro. Pouco ou nada fez de original. Retrabalhou o passado, negando-o somente no discurso.

Sonhou em permanecer no poder. Namorou o terceiro mandato. Mas o custo político seria alto e ele nunca foi de enfrentar uma disputa acirrada. Buscou um caminho mais fácil. Um terceiro mandato oculto, típica criação macunaímica. Dessa forma teria as mãos livres e longe, muito longe, da odiosa - para ele - rotina administrativa, que estaria atribuída a sua disciplinada discípula. É um tipo de presidência dual, um "milagre" do salvador. Assim, ele poderia dispor de todo o seu tempo para fazer política do seu jeito, sempre usando a primeira pessoa do singular, como manda a tradição sebastianista.

Coagir ministros da Suprema Corte, atacar de forma vil seus adversários, desprezar a legislação eleitoral, tudo isso, como seria dito num botequim de São Bernardo, é "troco de pinga".

Ele continua achando que tudo pode. E vai seguir avançando e pisando na Constituição - que ele e seus companheiros do PT, é bom lembrar, votaram contra. E o delírio sebastianista segue crescendo, alimentado pelos salamaleques do grande capital (de olho sempre nos generosos empréstimos do BNDES), pelos títulos de doutor honoris causa (?) e, agora, até por um museu a ser construído na cracolândia paulistana louvando seus feitos.

E Ele (logo teremos de nos referir a Lula dessa forma) já disse que não admite que a oposição chegue ao poder em 2014. Falou que não vai deixar. Como se o Brasil fosse um brinquedo nas suas mãos. Mas não será? Marco Antonio Villa, historiador,  é professor da Universidade Federal de São Carlos ( (UFSCAR)

Fonte: Estadão

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Doris Lessing sobre as origens do politicamente correto

Doris Lessing
Em 1992, a escritora britânica Doris Lessing, prêmio Nobel de Literatura de 2007, redigiu um artigo, chamado Perguntas que não se deveria fazer a um escritor, sobre o chamado "politicamente correto" que, já naquela época, começava a mostrar sua face autoritária e persecutória. 

Nesse artigo, Lessing afirma que o "politicamente correto" é um legado do (então) recém-finado comunismo, um legado, contudo, não perceptível pela maioria das pessoas. Ela busca, consequentemente, visibilizar esse legado rastreando os sinais da maldita herança comunista nas ideias, na linguagem e no comportamento da sociedade do período citado. Traduzi trechos do artigo e os editei no texto abaixo. Depois da tradução, postei o link para o site do The New York Times de onde retirei o original intitulado Questions You Should Never Ask a Writer. 

O legado comunista nas ideias politicamente corretas

Doris Lessing identifica, nas perguntas que lhe faziam sobre os temas de seus livros (de onde o título de seu artigo), um dos legados do comunismo. Diz ela:

"Todos os entrevistadores fazem esta pergunta aos escritores: 'Você acha que um escritor deveria...?' 'Os escritores deveriam...?' A pergunta sempre tem a ver com um posicionamento político, trazendo implícita a ideia de que todos os escritores deveriam fazer a mesma coisa. Essas frases têm uma longa história embora desconhecida das pessoas que as usam casualmente (?)."

"Uma forma muito comum de se fazer crítica literária, não identificada como oriunda do comunismo, embora o seja, é a que acredita na necessidade de haver um tema engajado para justificar a produção de um livro. Todo escritor já ouviu alguém dizer que um romance, um conto, é 'sobre' uma coisa ou outra. Escrevi uma história, The Fifth Child (O Quinto Filho), que foi rotulada como sendo sobre o problema palestino, pesquisa genética, feminismo, antissemitismo e assim por diante.

Uma jornalista francesa entrou em meu escritório e nem bem sentou já foi dizendo: ' Naturalmente, O Quinto Filho é sobre a AIDS.'

Boa maneira de matar uma conversa, posso lhes assegurar. Mas o interessante é analisar o hábito de se criticar um trabalho literário dessa forma. Eu receberia olhares espantados se dissesse que 
redigiria um panfleto, caso quisesse escrever sobre a AIDS e o problema palestino. Afirmar que um trabalho de imaginação tenha que ser 'realmente' sobre algum problema é, novamente, uma herança do realismo socialista. Nessa perspectiva, escrever uma história simplesmente pelo amor à produção literária é ser frívolo, para não dizer reacionário.


A exigência de que os enredos tenham que ser 'sobre' alguma coisa vem do pensamento comunista e, recuando antes dele, do pensamento religioso, com seu pendor por livros de autoajuda tão simplistas como mensagens em amostras grátis."


O legado comunista na linguagem politicamente correta 

Doris Lessing identifica o legado comunista nos jargões utilizados pela imprensa, no pernosticismo da linguagem acadêmica e nos termos dos ativistas. Conforme à escritora, tratam-se de "palavras confinadas à esquerda, como animais encurralados":

"Não é uma ideia nova afirmar que o comunismo degradou a linguagem e, com ela, o pensamento. Há um jargão comunista reconhecível em cada sentença. Na Europa, apenas poucas pessoas da minha geração não fizeram piadas sobre termos, entre outros, como 'passos concretos', 'contradições', 'interpenetração de opostos'. 

Percebi, pela primeira vez, que esses slogans destruidores de mentes tinham o poder de ganhar asas e voar para bem longe de suas origens ao ler um artigo, no Times de Londres, dos anos 50, onde se dizia: 'A manifestação do sábado passado foi uma prova irrefutável da situação concreta....' Palavras confinadas à esquerda, como animais encurralados, passaram para o uso comum e, com elas, suas ideias. Até na imprensa conservadora e liberal podia-se ler artigos inteiros de teor marxista, sem que os próprios autores se dessem conta disso. 

Retornando ao exemplo das perguntas que entrevistadores fazem a escritores, ela identifica outros termos herdeiros do comunismo:

"Todos os entrevistadores fazem esta pergunta aos escritores: "Você acha que um escritor deveria...?" "Os escritores deveriam...? A pergunta sempre tem a ver com um posicionamento político, trazendo implícita a ideia de que todos os escritores deveriam fazer a mesma coisa. Estas frases têm uma longa história embora desconhecida das pessoas que as usam casualmente (?). Outro exemplo do gênero é o termo 'engajamento', muito em voga algum tempo atrás. Fulano de tal é um escritor engajado?

'Conscientizar' é outro termo que entrou na moda depois de 'engajamento'. Tem mão dupla: por um lado, significa oferecer informação e apoio moral a quem realmente necessita; por outro, restringir a informação somente à propaganda aprovada pelo instrutor. Termos como 'engajamento', 'conscientizar' e 'politicamente correto' são apenas a continuidade daquele velho molestamento conhecido como linha partidária.

Neste trecho, Lessing atribui a linguagem vazia e obscura da academia à influência do comunismo.


"Mesmo até cinco, seis anos atrás, publicações como o Izvestia, Pravda e milhares de outros jornais comunistas pareciam programados para preencher o máximo de espaço possível sem de fato dizer nada. Naturalmente porque era perigoso tomar posições que poderiam ter que ser defendidas. Agora esses jornais redescobriram o uso do idioma, mas se pode encontrar a herança deixada pela linguagem vazia e morta daqueles tempos na academia e particularmente em algumas áreas da Sociologia e da Psicologia.

Um jovem amigo meu, do Iêmen do Norte, economizou todo o dinheiro que podia para viajar à Grã-Bretanha a fim de estudar Sociologia. Pedi para ver seu material de estudo, e ele me mostrou um calhamaço tão mal escrito e num jargão tão feio e vazio que era difícil de entender. Havia centenas de páginas com ideias que poderiam facilmente ser resumidas em dez. 

Sim, eu sei que o estilo obscuro do meio acadêmico não começou com o comunismo – como Swift, por exemplo, nos informa – mas o pedantismo e a verborragia do comunismo têm suas raízes na academia alemã. E agora ambos se tornaram uma espécie de vírus que contaminou o mundo inteiro. 

É um dos paradoxos do nosso tempo que ideias capazes de transformar sociedades, plenas de insigths sobre como o animal humano realmente se comporta e pensa, sejam frequentemente apresentadas em linguagem incompreensível."

O legado comunista no comportamento politicamente correto

Neste trecho, Lessing exemplifica a influência do legado comunista no comportamento das pessoas ligadas ao politicamente correto

Um amigo professor universitário me relatou que, quando estudantes começaram a matar aulas de genética e a boicotar palestrantes visitantes cujos pontos de vista não coincidiam com sua ideologia (deles), decidiu convidá-los para debater e ver um vídeo sobre fatos atuais. Uma meia dúzia desses estudantes apareceu, com seus uniformes de jeans e camiseta, sentou-se em silêncio enquanto meu amigo tentava argumentar com eles, manteve os olhos baixos enquanto ele passava o vídeo e, depois, como uma única pessoa, saiu sem dizer uma palavra. Tal demonstração espelha o comportamento comunista, embora a meia dúzia citada não tenha consciência disso. Trata-se de uma representação visual das mentes fechadas dos jovens ativistas comunistas do passado.

E, na Grã-Bretanha, cada vez mais vemos, em câmaras municipais ou escolas, funcionários, diretores, orientadores pedagógicos e professores sendo perseguidos por grupos de "caça-às-bruxas" mediante as táticas mais sujas e cruéis. Eles acusam suas vítimas de racistas ou de qualquer outra coisa tida como reacionária. Ao apelar para seus superiores, contudo, as vítimas dessas perseguições conseguem provar que a campanha contra elas era injusta. Estou certa de que milhões de pessoas, após o chão comunista ter ruido a seus pés, estão em busca frenética, mesmo que de forma inconsciente, por outro dogma."

Relativizando o politicamente correto (ou a cauda que sacode o cão)

Apesar das críticas ao legado comunista, como algo essencialmente negativo, que identifica no politicamente correto, Doris Lessing consegue ver algo de positivo nessa perspectiva, uma avaliação com a qual concordo:

"O politicamente correto tem um lado bom? Sim, ao nos impelir a reexaminar nossas atitudes, o que é sempre útil. O problema é que, como em todos os movimentos populares, os radicais, a princípio à margem, acabam assumindo a liderança dos movimentos; a cauda começa a sacudir o cão. Para cada mulher ou homem que tranquila e razoavelmente usa o politicamente correto para examinar suas suposições, há vinte demagogos cuja real motivação é o desejo de poder sobre os outros, não menos demagogos porque se veem como antirracistas ou feministas ou seja lá o quer for."

The End

Vi a indicação para esse texto da Doris Lessing no blog do professor de filosofia Orlando Tambosi tempos atrás. Como ando particularmente interessada no tema, resolvi traduzir o texto e transformá-lo na postagem acima. Vale lembrar que Doris Lessing foi adepta do comunismo, quando jovem, o que a credencia para reconhecer no "politicamente correto" as sombras dessa velha ideologia autoritária. Lessing, aliás, escreveu The sweetest Dream, em 2001, traduzido para o português como O Sonho Mais Doce (Cia das Letras), onde ela fala a respeito das ilusões de sua geração, com destaque exatamente para o comunismo. Vale a leitura.  

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