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terça-feira, 30 de agosto de 2022

Mary Shelley: aniversário da criadora do clássico de terror e ficção Frankenstein, o Prometeu Moderno

Mary Shelley, a mãe do Dr. Frankenstein e sua criatura

Quem foi Mary Shelley?

A escritora Mary Shelley publicou seu romance mais famoso, Frankenstein, em 1818. Ela escreveu vários outros livros, incluindo Valperga (1823), O Último Homem (1826), o autobiográfico Lodore (1835) e Mathilde, publicado postumamente.

Vida pregressa

Shelley nasceu Mary Wollstonecraft Godwin em 30 de agosto de 1797, em Londres, Inglaterra. Ela era filha do filósofo e escritor político William Godwin e da famosa feminista Mary Wollstonecraft – autora de The Vindication of the Rights of Woman (1792). Infelizmente para Shelley, ela nunca conheceu a mãe, que morreu logo após seu nascimento. Seu pai William Godwin ficou encarregado de cuidar de Shelley e de sua meia-irmã mais velha Fanny Imlay, que era filha de Wollstonecraft com um soldado.

A dinâmica familiar logo mudou com o casamento de Godwin com Mary Jane Clairmont em 1801. Clairmont trouxe seus dois filhos para a união, e ela e Godwin mais tarde tiveram um filho juntos. Shelley nunca se deu bem com sua madrasta que não lhe deu educação formal, ao contrário de sua meia-irmã Jane (mais tarde Claire) que foi mandada para a escola.

Embora privada de educação formal, Mary fez bom uso da extensa biblioteca de seu pai. Muitas vezes podia ser encontrada lendo, às vezes junto ao túmulo da mãe. Ela também encontrou na escrita uma saída criativa dos problemas familiares. De acordo com The Life and Letters of Mary Wollstonecraft, Mary explicou que "Quando criança, eu escrevia; e meu passatempo favorito, durante as horas que me davam para recreação, era 'escrever histórias'".

Esposo

Em 1814, Mary começou um relacionamento com o poeta Percy Bysshe Shelley que era um aluno dedicado de seu pai. Ele ainda era casado com sua primeira esposa quando fugiu da Inglaterra com a adolescente Mary naquele mesmo ano. O casal estava acompanhado de Jane, meia-irmã de Mary. A fuga de Mary levou a uma ruptura com seu pai, que não falou com ela por algum tempo.

Escrevendo 'Frankenstein' e outras obras

Mary e Percy viajaram pela Europa por um tempo, apesar dos problemas financeiros e da perda de sua primeira filha em 1815. No verão seguinte, os Shelleys estavam na Suíça com Jane Clairmont, Lord Byron e John Polidori. O grupo se divertiu em um dia chuvoso lendo um livro de histórias de fantasmas. Lord Byron sugeriu que todos tentassem escrever sua própria história de terror. Foi nessa época que Mary Shelley começou a trabalhar no que se tornaria seu romance mais famoso,

Frankenstein, ou o Prometeu Moderno.

Mais tarde naquele ano, Mary sofreu a perda de sua meia-irmã Fanny, que cometeu suicídio. Outro suicídio, desta vez da esposa de Percy, ocorreu pouco tempo depois, permitindo que. Mary e Percy Shelley finalmente pudessem se casar em dezembro de 1816. Ela publicou um diário de viagem de sua fuga pela Europa, History of a Six Weeks' Tour (1817), enquanto continuava a trabalhar em seu conto de um dos monstros mais famosos da história da ficção literária. Em 1818, Frankenstein, ou o Prometeu Moderno estreou como um novo romance de um autor anônimo. Muitos pensaram que Percy Bysshe Shelley o havia escrito porque havia escrito a introdução. O livro provou ser um grande sucesso. Nesse mesmo ano, os Shelleys se mudaram para a Itália.

Embora Mary parecesse dedicada ao marido, não teve um casamento fácil: adultério e a morte de mais dois de seus filhos marcaram a união. Apenas um de seus filhos, nascido em 1819, Percy Florence, sobreviveu até a idade adulta. Em 1822, outra tragédia abalou a vida de Mary: seu marido se afogou quando estava navegando com um amigo no Golfo de Spezia.

Anos depois

Ficou viúva aos 24 anos, Shelley trabalhou duro para sustentar a si mesma e ao filho. Ela escreveu vários outros romances, incluindo Valperga e o conto de ficção científica The Last Man (1826). Ela também se dedicou a promover a poesia de seu marido e preservar seu lugar na história literária. Por vários anos, Shelley enfrentou alguma oposição do pai de seu falecido marido, que sempre desaprovou o estilo de vida boêmio do filho.

Morte

Shelley morreu de câncer no cérebro em 1º de fevereiro de 1851, aos 53 anos, em Londres, Inglaterra. Foi enterrada na Igreja de São Pedro em Bournemouth, com os restos cremados do coração de seu falecido marido.

Legado

Só cerca de um século depois de seu falecimento, um de seus romances, Mathilde, foi finalmente lançado na década de 1950. Seu legado mais duradouro, no entanto, continua sendo o conto clássico de Frankenstein. A luta entre o criador e sua criatura tem sido fonte inesgotável da cultura popular em séries e filmes, como na ótima série Penny Dreadful, e nos filmes desde 1931, com o clássico ator Boris Karllof até o último Eu, Frankenstein com Aaron Eckhart. Com informações de The Biography.com 

terça-feira, 5 de abril de 2022

Luto na Literatura: Lygia Fagundes Telles partiu no domingo aos 98 anos

Lygia Fagundes Telles em retrato feito em seu apartamento na cidade de São Paulo, em abril de 2013
Lygia Fagundes Telles em retrato feito em seu apartamento na cidade de São Paulo, em abril de 2013 Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Lygia Fagundes Telles, a dama da literatura brasileira, morreu na manhã deste domingo, 3, aos 98 anos de idade. Com uma capacidade ímpar de se comunicar em público com o curioso das coisas literárias, deixou um vasto legado de obras, desde seu primeiro livro, Porão e Sobrado, publicado em 1938 e financiado pelo pai, até o mais recente, Um Coração Ardente, que já completa 10 anos de seu lançamento.

Livro que tornou Lygia conhecida nacionalmente
Tornou-se nacionalmente conhecida pelo público com seu primeiro romance, Ciranda de Pedra, lançado em 1954. E também pela crítica - Antonio Cândido, por exemplo, considerava essa obra o marco de sua maioridade como escritora.

Contos como Antes do Baile Verde (1970), Seminário dos Ratos (1977), A Estrutura da Bolha de Sabão (1978), A Disciplina do Amor (1980), Mistérios (1981), A Noite Escura e Mais Eu (1998), Invenção e Memória (2000) também são uma ótima sugestão àqueles que pretendem conhecer um pouco mais da escrita da autora.

A escritora considerava esta sua melhor obra (veja o vídeo)

Relembre a obra de Lygia Fagundes Telles abaixo:

Romances de Lygia Fagundes Telles
  • Ciranda de Pedra, 1954
  • Verão no Aquário, 1964
  • As Meninas, 1973
  • As Horas Nuas, 1989
As Meninas abordou temas tabu na década de 70,
como a tortura e a lesbianidade

Contos de Lygia Fagundes Telles
  • Porão e Sobrado, 1938
  • Praia Viva, 1944
  • O Cacto Vermelho, 1949
  • Histórias do Desencontro, 1958
  • Histórias Escolhidas, 1964
  • O Jardim Selvagem, 1965
  • Antes do Baile Verde, 1970
  • Seminário dos Ratos, 1977
  • Filhos Pródigos, 1978 (reeditado como A Estrutura da Bolha de Sabão, 1991)
  • A Disciplina do Amor, 1980
  • Mistérios, 1981
  • Venha Ver o Pôr do Sol e Outros Contos, 1987
  • A Noite Escura e Mais Eu, 1995
  • Oito Contos de Amor, 1996
  • Invenção e Memória, 2000
  • Durante Aquele Estranho Chá: Perdidos e Achados, 2002
  • Conspiração de Nuvens, 2007
  • Passaporte para a China: Crônicas de Viagem, 2011
  • O Segredo e Outras Histórias de Descoberta, 2012
  • Um Coração Ardente, 2012


Clipping Entre contos e romances, relembre a obra de Lygia Fagundes Telles, Estado de São Paulo, 03/04/2022

quinta-feira, 24 de março de 2022

Historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco critica identitarismo e excesso de termos do atual debate público

A escritora Elisabeth Roudinesco, em Paris em 25 de março de 2017.
• Créditos: Eric Fougere - Corbis

Autora francesa lança 'Eu Soberano' e afirma que há uma efervescência de termos, como cisgênero, branquitude, interseccionalidade, que obscurecem a realidade.

Elisabeth Roudinesco
notabilizou-se como historiadora da psicanálise, autora de biografias sobre Sigmund Freud e Jacques Lacan e de um Dicionário da Psicanálise. Com Eu Soberano – Um Ensaio sobre as Derivas Identitárias, recém-lançado no Brasil (Zahar, 304 págs., R$ 74), ela faz sua intervenção no debate incandescente sobre a questão identitária. O livro é um libelo contra as “designações identitárias” que, segundo ela, reduzem o ser humano a uma experiência específica e tentam acabar com a natureza do que é distinto. A autoafirmação de si, escreve Roudinesco no prefácio do livro, leva à hipertrofia do eu, em que “cada um tenta ser si-mesmo como um rei, e não como um outro” e consolida tendências de isolamento. Em contraponto, diz ela, é preciso reforçar a existência de uma identidade universal, que é múltipla e inclui o estrangeiro. No livro, Roudinesco fala com admiração da obra de Gilberto Freyre, da mestiçagem e da existência de um “hibridismo barroco” no Brasil.

O ensaio é uma genealogia do que Roudinesco chama de “derivas identitárias” – a metamorfose de movimentos sociais que, no começo do século 20, buscavam a emancipação, o progresso e a transformação do mundo para melhor em movimentos de afirmação de identidade, que buscam exprimir indignação ou o desejo de visibilidade e reconhecimento. Para ilustrar os perigos dos sectarismos identitários, Roudinesco evoca sua participação em um colóquio sobre psicanálise em 2005 no Líbano, país com 17 comunidades religiosas, cada uma com sua legislação e jurisdições próprias, e habituado a viver em guerra. Ao ser questionada por um anfitrião se seria cristã ortodoxa, por causa do sobrenome, Roudinesco teve de responder que seu pai era judeu-romeno, sua mãe era de uma família protestante de origens alemãs, mas ela era ateia, sem ser anticlerical, e se identificava apenas como cidadã francesa. Tempos depois, um dos participantes do colóquio e o filho do anfitrião morreriam em atentados a bomba em Beirute. Apesar da crítica às “derivas identitárias”, Roudinesco enfatiza que o maior perigo é o ressurgimento do identitarismo de extrema-direita, ancorado numa tradição de racismo e antissemitismo com profundas raízes no Ocidente.

A seguir, trechos da entrevista de Roudinesco ao Estadão sobre o livro.

Palestra da psicanalista Elisabeth Roudinesco em auditório da PUC São Paulo, em 2010
Foto: Tiago Queiroz/Estadão
ESP: Seu ensaio começa com uma história pessoal no Líbano, em que a senhora fez questão de se identificar como francesa. Sua motivação para o livro tem a ver com a defesa dessa condição de cidadã de um país do Ocidente, tão questionado pelos movimentos identitários?

ER: Ao citar o que ocorreu no Líbano, quis mostrar que mesmo eu já fui confrontada por uma designação identitária. No Líbano, houve uma situação extravagante porque foi a primeira vez em que eu tive que afirmar que era francesa, não por uma questão de identidade, mas por cidadania. A motivação do livro, porém, foi a de dizer algumas coisas que precisam ser esclarecidas. Há muito tempo, eu queria escrever algo sobre o que está acontecendo no mundo intelectual, que é a substituição da busca da emancipação pela afirmação identitária. Essa transformação se apoia notadamente em pensadores franceses que eu conheci, sobretudo Michel Foucault e Jacques Derrida, e que contribuíram para ilustrar o pensamento crítico. A designação identitária, porém, tem algo fortemente criticável porque ela coloca o sujeito em apenas um território como se nós fizéssemos parte de uma raça, de um gênero, de uma religião. É um perigo porque embute a retração dos valores universais de cada sujeito. Eu não reivindico os valores do Ocidente, mas os valores universais.

ESP: Sua intenção foi então recuperar a obra desses grandes intelectuais franceses que estariam sendo reinterpretados de uma forma equivocada?

ER: Não é propriamente o desejo de recuperar, mas de refletir sobre a transformação da obra deles. A reivindicação identitária mostra o conjunto do Ocidente como imperialista e colonizador, mas esquece que houve lutas anticoloniais dentro dos países ocidentais. Jean-Paul Sartre, que foi de uma geração bem anterior a Foucault e Derrida, encarnou a luta contra o colonialismo francês, mas foi arrastado para a lama com a tese de que os anticolonialistas franceses não tinham o direito de ser anticolonialistas porque eram franceses, ocidentais, brancos. Isso me ofende, porque sempre fui anticolonialista e venho de uma família anticolonialista. Além desse ponto de partida, outra motivação para o ensaio é mostrar que houve passos para trás com várias dessas derivas identitárias. A questão do gênero foi revolucionária ao introduzir a noção de que ele é uma construção social e psíquica e não apenas uma diferença anatômica de sexo, mas houve uma guinada no sentido contrário quando se passou a negar o sexo em detrimento do gênero. Ambos, sexo e gênero, são necessários.

ESP: A senhora considera então que muitas dessas derivas identitárias estão promovendo retrocessos?

ER: Sim. A noção de “negritude”, por exemplo, passou a ser racializada. Quando Aimé Césaire (poeta de origem martinicana) dizia que era negro e permaneceria sempre negro, ele não afirmava isso do ponto de vista da raça, mas, sim, do sentido do pertencimento a uma história e a uma cultura. Todas essas derivas, além disso, são acompanhadas de uma linguagem obscura. Há uma efervescência de terminologias, como cisgênero, branquitude, interseccionalidade, que obscurecem a situação real. O excesso de jargões é sempre um mau sinal. Um pensador que inova, é claro, inventa conceitos, mas há um certo limite para criar neologismos. Nesse caso, nós chegamos a um ponto de exagero.

Pintura sem título de 2014 do artista americano Kerry James Marshall sobre negritude    Foto: Metropolitan Museum of Arts
ESP: Apesar dessa linguagem obscura, e mesmo sendo minoritários na opinião pública, como a senhora assinala em seu livro, os movimentos identitários ganharam as ruas e inflamaram o debate público, tanto à esquerda como à direita. Como tais movimentos ganharam essa dimensão?

ER: Eles são muito ativistas. Além disso, há uma midiatização desse fenômeno. Na França, ganharam também repercussão na sociedade por causa dos debates memoriais sobre a guerra da Argélia. Estamos enfim nos apoderando da verdade de nossa história para reconhecer os crimes cometidos pela colonização. Mas esses movimentos identitários permanecem minoritários e, na minha opinião, não têm futuro. Esse fenômeno não vai durar. As derivas identitárias são sintomas de um mundo que está em transformação. Por isso, são derivas. Não são coisas bem instaladas. Acredito que se trata de uma crise do pós-colonialismo, do pós-comunismo. É uma crise que tem aspectos positivos, viu? As derivas identitárias colocaram o problema das minorias. Mas, no combate da história, estão condenadas porque elas se tornaram punitivas com a cultura do cancelamento, o boicote aos espetáculos e, sobretudo, com a releitura das obras de arte.

ESP: A senhora relaciona a eclosão das angústias identitárias à ascensão de uma cultura do narcisismo. Essa cultura foi reforçada pelas redes sociais?

ER: Sim. Tomei a expressão “cultura do narcisismo” de empréstimo de Christopher Lasch (historiador americano) e de Adorno, da Escola de Frankfurt. Eles – e os psicanalistas também – notaram como o narcisismo tinha se tornado um fenômeno social muito importante no final do século 20. Nós substituímos Édipo por Narciso. Quando Freud começou com a psicanálise, vivíamos em uma sociedade de frustração, onde a liberdade sexual não existia. A partir dos anos 60, com a liberação sexual nas sociedades ocidentais, com o sujeito confrontado a ele mesmo e não mais às proibições do começo do século 20, percebeu-se que as pessoas passaram a ter outras patologias: as depressões e os narcisismos.

A pensadora Elisabeth Roudinesco, durante a programação do Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, no ano de 2016 Foto: Fronteiras do Pensamento
ESP: A senhora escreve que o coração de todo sistema identitário repousa numa espécie de vergonha de si mesmo. Pode explicar isso?

ER: A gente vê claramente essa vergonha de si próprio, que retorna sob uma vontade narcisista, em alguns movimentos identitários, como o dos indígenas da República (partido político francês que se descreve como antirracista, antissionista e antiimperalista). É muito visível em um livro de Houria Bouteldja (porta-voz do partido até 2020, que já foi acusada de antissemitismo e homofobia, entre outras controvérsias). Ela expressa vergonha por seus pais, imigrantes argelinos que foram assimilados na sociedade francesa. A vergonha de suas origens, que retorna sob a forma de um ódio ao outro, é uma indicação de necessidade de tratamento psíquico. Não se pode permanecer pelo resto da vida na identificação de uma posição de vítima. É preciso sair dessa posição vitimista em algum momento. Isso é válido também para o movimento Me Too.

ESP: A senhora diz no livro que o reducionismo identitário reconstrói tudo o que ele pretende combater. Por essa lógica, pode haver racismo contra brancos?

ER: O termo “racismo contra brancos” foi usado pela extrema-direita – aqui na França e em toda a parte – para atacar autênticos militantes antirracistas. Certamente, não estou de acordo com isso. Mas nós somos obrigados a refletir sobre o que é o racismo. Todas as sociedades conhecem o racismo em todos os sentidos da palavra. Se pensamos no racismo como o ódio e a vontade de exterminar o outro, sim, nesse sentido, há movimentos extremistas negros que são racistas antibranco, como há movimentos extremistas brancos, como a Ku Klux Klan, nos EUA, que são racistas antinegros. É preciso pensar o racismo como uma questão universal. Por exemplo, há ódio aos judeus em países onde não há judeus. Na Europa, há racismo contra negros em lugares onde não há negros. Então, eu sou favorável a lutar contra todas as formas de racismo, não importa de onde elas vêm, sabendo que a história do racismo foi, em primeiro lugar, a dominação dos negros pelos brancos – ou seja, a história da colonização contra os colonizados. Lutar contra o racismo e o antissemitismo não deve ser também o apanágio de quem é negro ou judeu. Não é preciso ser negro ou judeu para lutar contra o antissemitismo ou o racismo. Tem que haver a mobilização de todo mundo.
Cartaz de apoio ao movimento #MeToo, em Tóquio
Foto: REUTERS/Issei Kato - 28/04/2018
ESP: A senhora aponta também a emergência do identitarismo de extrema-direita, que brande a defesa do nacionalismo e ganhou grande força na França, com dois candidatos, Marine Le Pen e Éric Zemmour, com chances de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais em abril. Como analisa esse fenômeno – em particular, a novidade política representada por Zemmour, um judeu de origem argelina?

ER: Estamos numa situação em que nós, na Europa e na França, acordamos velhos demônios. O verdadeiro perigo identitário é esse: a extrema-direita, os populismos, os nacionalismos – é isso que leva às guerras, como a da Ucrânia, porque Putin é de extrema-direita e quer ressuscitar uma Rússia imperial. Éric Zemmour encarna o pior do pior na França. Zemmour é adepto da teoria racista da “grande substituição” e diz defender os valores ditos judaico-cristãos da Europa contra as “invasões islâmicas”. Por trás do seu racismo contra os árabes há também antissemitismo porque todo racista é também antissemita. Análises já feitas mostram como Zemmour repete o discurso de Édouard Drummont (jornalista que protagonizou, durante o caso Dreyfus, alguns dos mais virulentos ataques aos judeus franceses). Zemmour, evidentemente, tem vergonha da judeidade. Ele tenta reabilitar a colaboração do regime de Vichy na França com o nazismo, com a mentira de que o Marechal Pétain salvou os judeus franceses. Até Marine Le Pen abandonou essa tese infame.

ESP: Outro citado no seu livro é Michel Houellebecq. Nos anos 70, a senhora fez trabalhos de crítica literária. Como analisa a obra dele?

ER: Houellebecq faz parte de uma corrente literária muito particular existente na França. Nós a chamamos de literatura de abjeção porque ela tem uma olhar sobre o mundo em que tudo é abjeto, os personagens cultivam a abjeção e um horror de tudo. É uma literatura que se origina da extrema-direita. As primeiras obras de Houellebecq eram muito interessantes porque havia uma espécie de crítica muito violenta da sociedade de consumo e da classe média. Mas, nos três últimos livros, a partir de Submissão, fiquei impressionada com o empobrecimento literário, uma redução da literatura a engajamentos ideológicos. Essa é a pior coisa que pode acontecer à literatura. Com um engajamento político muito forte, não se faz boa literatura – e isso vale também para a extrema-esquerda. Faz-se boa literatura quando se sabe trabalhar com a forma. Eu penso que Houellebecq é cada vez menos um bom escritor. Ele se tornou um ideólogo da extrema-direita, que está perdendo seu talento.

Clipping Elisabeth Roudinesco critica identitarismo e excesso de terminologias que pautam o debate público, por Guilherme Evelin, O Estado de S.Paulo, Aliás, 19 de março de 2022  

terça-feira, 22 de março de 2022

Os longos 90 anos do sufrágio feminino no Brasil e algumas de suas protagonistas

I Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro: evento contou com presença da sufragista americana Carrie Chapman Catt (ao centro, ao lado de Bertha Lutz) Arquivo Nacional
Estudar, trabalhar, votar, divorciar-se. As brasileiras do começo do século 19 não tinham nenhum desses direitos.

Até 1830, pra se ter ideia, a lei permitia que os maridos castigassem fisicamente as esposas, uma herança das Ordenações Filipinas, um conjunto de leis de origem espanhola adotada por Portugal e implantada no Brasil colônia.

Até 1962, as mulheres casadas precisavam de autorização formal dos maridos para trabalhar - o Código Civil de 1916 via a mulher como incapaz para realizar certas atividades.

Nas escolas, até 1854 as meninas aprendiam corte, costura e outras "prendas domésticas", enquanto aos meninos se ensinava ciências, geometria e operações mais avançadas de matemática. Depois que o currículo foi unificado no ensino básico, ainda foram necessárias várias décadas até que as mulheres tivessem acesso mais amplo às universidades, algo que só ocorreu depois de 1930.

O direito de votar veio em 1932 - com a promulgação do decreto nº 21.076 no dia 24 de fevereiro, há exatos 90 anos -, como mais um capítulo de uma história longa, que vai muito além do acesso às urnas.

Participantes do II Congresso Internacional Feminista no Recreio dos Bandeirantes (RJ): conquista do foto teve muitas protagonistas
Conheça, a seguir, 4 mulheres protagonistas desse processo.

Nísia Floresta, uma das precursoras dos movimentos de lutas por direitos das mulheres
Nísia Floresta: o acesso à educação

Uma das precursoras dos movimentos pela conquista dos direitos das mulheres no Brasil viveu um século antes da promulgação do voto feminino.

Dionísia de Faria Rocha, que se tornaria conhecida pelo pseudônimo Nísia Floresta Brasileira Augusta, nasceu em Papari, no interior do Rio Grande do Norte, em 1810.

Numa época em que a vida das mulheres estava circunscrita basicamente à esfera doméstica, como esposas e mães, Nísia foi um ponto fora da curva. Foi do Rio Grande do Norte para Pernambuco, para o Rio Grande do Sul, para o Rio de Janeiro.

Amantine Lupin (George Sand)
Viveu anos na Europa, onde transitava por círculos de intelectuais com nomes como Almeida Garret, Alexandre Herculano, Alexandre Dumas, Victor Hugo e Amandine Dupin - que se apresentava como George Sand, pseudônimo masculino que usava para assinar seus livros, algo que não era incomum naquela época.

Teve 15 livros publicados e escreveu uma tradução livre da obra Vindication of the Rights of Woman, da escritora inglesa Mary Wollstonecraft, intitulada Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens.

Vanguardista, Wollstonecraft chegou a publicar um livro em resposta aos escritos do filósofo Jean Jacques Rousseau, que afirmava, em Émile, ou da Educação, que a mulher, por ser intelectualmente inferior ao homem, deveria receber uma educação superficial, com ênfase maior na educação moral.

Ainda que não repetisse o discurso de rompimento da intelectual inglesa, Nísia defendia que as mulheres tivessem acesso à mesma educação que os homens.

Foi professora e fundou, em 1838, no Rio de Janeiro, um colégio para meninas com um currículo que ia bem além das aulas de corte, costura e boas maneiras previstas na lei. O programa do Colégio Augusto incluía latim, francês, italiano e inglês - tanto gramática quanto literatura -, geografia e história.

Apesar de não ter eliminado as aulas de "prendas femininas", o fato de dar às meninas instrução bem mais ampla que o comum da época fez da escola alvo de duras críticas dos jornais cariocas durante os 18 anos em que esteve em funcionamento.

Na edição de 2 de janeiro de 1847 do jornal O Mercantil, um comentário sobre os exames finais em que várias alunas haviam sido premiadas com distinção alfinetava: "trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos". O trecho foi destacado pela pesquisadora Constância Lima Duarte, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em sua tese de doutorado (Nísia Floresta: Vida e Obra).

As escolas praticamente não existiam no Brasil colônia, muito menos o ensino obrigatório - a educação estava nas mãos da igreja Católica, que em seus conventos e seminários lecionava a poucos alunos.

Com a vinda da Corte para o Brasil, em 1808, o ensino começa a se difundir no país, especialmente entre as famílias ricas, que costumavam contratar professoras estrangeiras (francesas e portuguesas, principalmente) para que ensinassem aos filhos dentro de casa.

A primeira grande legislação sobre educação só é promulgada depois da independência, em 1827, durante o período do Primeiro Império. É ele que estabelece que o ensino para meninos e meninas deveria ser diferenciado.

Em matemática, por exemplo, os cursos para meninas só deveriam cobrir as quatro operações básicas - somar, subtrair, multiplicar e dividir -; enquanto aqueles para meninos incluíam geometria, frações, proporções, números decimais. A lei só unificaria os currículos quase 30 anos depois, em 1854.

A pesquisadora Mônica Karawejczyk, que há 15 anos estuda a questão do voto feminino no Brasil, pontua que Nísia não chegou a defender o voto feminino.
Ela pedia outras coisas porque aquela era uma época em que a mulher não tinha direito a quase nada. Só em 1827 tiveram direito ao ensino primário, e mesmo assim não era igual [ao currículo masculino]."
A educação, entretanto, é um grande catalisador das transformações que aconteceriam nas décadas seguintes - e, por isso, o ativismo de Nísia e de outras mulheres nesse sentido é considerado fundamental para os avanços que vieram depois.
No momento em que a mulher tem acesso à educação, quando começa a ler, se instruir, começa a querer outras coisas: 'Por que ele tem direito e eu não tenho?', 'Por que ele pode fazer Medicina e eu não?' A partir daí, começa a haver uma maior conscientização sobre essas questões", ressalta a pesquisadora, autora do livro Mulher Deve Votar?: o Código Eleitoral de 1932 e a Conquista do Sufrágio Feminino Através das Páginas dos Jornais Correio da Manhã e A Noite.

Leolinda de Figueiredo Daltro
Leolinda de Figueiredo Daltro: o primeiro partido feminino

Uma mulher que fez muitas dessas perguntas foi a baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que nasceu cerca de 50 anos depois de Nísia, em 1859.

Também professora, seu principal foco no âmbito do magistério eram os indígenas. Leolinda defendia que eles fossem incorporados à sociedade brasileira por meio do ensino laico, desligado da igreja - em uma época em que praticamente todas as iniciativas nesse sentido eram dominadas por agremiações católicas, como os jesuítas.

Após a proclamação da República, nos anos 1890, chegou a percorrer o interior do país por alguns anos alfabetizando comunidades indígenas.

Já separada do segundo marido e com 5 filhos - os quais sustentava com seu salário -, a própria forma como levava a vida afrontava os costumes da época. E foi experimentando as barreiras que se colocavam às mulheres pelo simples fato de serem mulheres que Leolinda se voltou para as questões de gênero.

Em setembro de 1909, foi impedida de apresentar um trabalho no primeiro Congresso Brasileiro de Geografia por ser mulher, relata a historiadora Eliane Rocha em sua tese de doutorado (Entre a Pena e a Espada - A Trajetória de Leolinda Daltro: 1859-1934). Por essa mesma razão, nunca foi nomeada oficialmente como "catequista leiga ou diretora de índios", cargos aos quais sempre almejou.
Ela percebeu que precisaria mudar as leis para poder se inserir no espaço público", destaca Karawejczyk, que também escreveu sobre Leolinda em sua tese de doutorado (As Filhas de Eva Querem Votar: dos Primórdios da Questão à Conquista do Sufrágio Feminino no Brasil).
Assim, morando no Rio de Janeiro, em 1910 ela funda o Partido Republicano Feminino (PRF), o primeiro com esse perfil montado no Brasil - e não formalmente reconhecido como partido, já que nem direito a voto as mulheres tinham ainda (uma das demandas, claro, do PRF).

Leolinda Daltro (segunda, da esq. para dir.) em evento do PRF, em foto publicada no jornal O Malho
Ela e todas aquelas mulheres começaram a frequentar as sessões parlamentares, vaiavam, aplaudiam. Elas tiveram muita coragem de se colocar e exigir esses direitos políticos", diz a pesquisadora.
Por causa do estilo confrontativo, Leolinda era constantemente chamada pelos desafetos - e por boa parte da imprensa - de "Pankhurst brasileira", uma referência a Emmeline Pankhurst, uma das fundadoras do movimento sufragista na Inglaterra.

Emmeline Pankhurst T
  • he Women's Library 
  • LSE Library
  • Líder do Women's Social and Political Union (União Social e Política das Mulheres, WSPU), a britânica é um dos nomes mais célebres do que ficou conhecido como suffragettes, grupo que tinha um estilo de atuação mais combativo.

    Para pressionar os políticos e chamar atenção da opinião pública, as suffragettes faziam ações que iam desde interromper discursos de autoridades até acorrentar-se a portões de prédios públicos e atear fogo nas caixas de correio.
    Evento da WSPU com lema da entidade ao fundo: 'ações, não palavras' ('deeds not words')

    No Brasil, as sufragistas do PRF eram constantemente alvo de campanhas difamatórias e ridicularizadas nos jornais, ligadas pela opinião pública ao que Karawejczyk chama de "mau feminismo" - em oposição ao "bom feminismo" que caracterizaria o grupo da geração posterior à de Leolinda, como Bertha Lutz (leia mais abaixo).

    Leolinda "invadia espaços exclusivamente masculinos e expunha-se pessoalmente às críticas, sempre buscando chamar atenção para as desigualdades e injustiças", escreveu a historiadora Teresa Cristina de Novaes Marques, que há mais de 20 anos se dedica a pesquisar a história das mulheres, em um artigo na revista Gênero em 2012.

    Entre os exemplos, a pesquisadora cita o episódio do Congresso Pan-Americano realizado no Rio de Janeiro em 1906, em que a ativista levou consigo um grupo de sete indígenas para assistir ao evento.

    Nos anos 1920, Leolinda começa a se afastar aos poucos da vida pública. Isso não impediu, entretanto, que ela não apenas votasse nas eleições de 1933, como também se candidatasse a deputada federal - sem conseguir, contudo, se eleger.

    Bertha Lutz era filha do médico Adolfo Lutz
    Bertha Lutz: o primeiro congresso feminista

    A bióloga Bertha Maria Júlia Lutz tinha o estilo oposto do de Leolinda. Avessa ao conflito direto, preferia os pronunciamentos públicos, cartas à imprensa e a busca de apoio de lideranças masculinas - e fazia questão de deixar clara essa distância.

    A professora da Universidade de Brasília (UnB) Teresa Cristina de Novaes Marques conta que se surpreendeu quando começou a pesquisar no Arquivo Nacional os documentos da Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF) - fundada por Bertha - e não localizou uma menção a Leolinda, a não ser um pequeno obituário.
    Para mim era tão natural, eu achava que iria encontrar uma homenagem a dona Leolinda como sendo a precursora", comenta a historiadora, autora do livro Bertha Lutz.

    Mas ela [Leolinda] era uma pessoa tóxica para os propósitos da Bertha, porque atraía uma imprensa jocosa."
    Essas e outras nuances têm vindo à tona nas últimas décadas, à medida que mais pesquisadores se dedicam a reconstruir a história dos movimentos de luta pelos direitos das mulheres no Brasil e lá fora.

    Nascida em 1894, Bertha entra em cena em um momento em que o movimento feminista da América Latina vinha se internacionalizando e já estava integrado às redes europeias.

    Ela mesma tinha vivido em Paris, na França. Formou-se na prestigiosa Universidade Sorbonne e, em 1918, volta ao Brasil. No Rio de Janeiro, começa a trabalhar como assistente do pai, o célebre médico de ascendência suíça Adolfo Lutz, na seção de zoologia do Instituto Oswaldo Cruz.

    Em um período em que a Ciência é monopolizada por homens, ela teve dificuldade para se estabelecer como cientista - um dos fatores, inclusive, que a impele para a atividade política.
    A Bertha é uma pessoa estudada, mas não é uma pessoa de dinheiro - essa ressalva é importante. Então ela precisava trabalhar. Por que ela entra no feminismo? Porque quer ter uma oportunidade de trabalho digna para sua formação", destaca Marques.
    Em 1919, funda então a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM), que tinha, entre seus objetivos, articular a aprovação do sufrágio feminino.

    Em 1922, participa de uma grande conferência feminista em Baltimore, nos Estados Unidos, a Conferência Pan-Americana de Mulheres - onde se encontra com a sufragista americana Carrie Chapman Catt, com quem se correspondia por cartas e que elegeria como uma espécie de mentora.

    Naquele mesmo ano, a LEIM vira a Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF) e organiza o Primeiro Congresso Internacional Feminista do Brasil, no Rio de Janeiro.

    A ideia era marcar as celebrações do centenário da independência, para que elas e o evento tivessem uma projeção na imprensa", conta Marques.

    Àquela altura, a demanda pelo voto feminino estava longe de ser um assunto novo para os políticos brasileiros. Há décadas aparecia nas discussões do Legislativo, inclusive durante a Assembleia Constituinte que redigiu a primeira Constituição da República de 1891, quando prevaleceu a posição daqueles que eram contrários ao direito do sufrágio às mulheres.

    Ante as tentativas mal-sucedidas, a pressão foi crescendo com os anos. A partir da década de 1920, mulheres em diferentes regiões do país chegaram a entrar na Justiça para reivindicar o alistamento eleitoral - isso porque a legislação brasileira era ambígua, não afirmava expressamente que o voto era proibido às mulheres.

    Entre elas estiveram Diva Nolf Nazário e Adalzira Bittencourt em São Paulo e Celina Guimarães e Júlia Barbosa no Rio Grande do Norte, como relata Marques no livro O Voto Feminino no Brasil, disponível para download gratuito e com mais de 100 mil acessos desde que foi publicado.

    Em 1930, o Brasil assiste ao golpe de Estado que coloca Getúlio Vargas no poder. No ano seguinte, as representantes da federação conseguem uma audiência com o presidente e, finalmente, em 1932, o voto feminino aparece no decreto do novo Código Eleitoral, publicado em 24 de fevereiro.

    Naquele momento ainda não houve, contudo, popularização do voto. Tanto para mulheres quanto para homens, ele era restrito aos cidadãos alfabetizados, regra que, na prática, excluía boa parte da população pobre.

    Almerinda Gama Foto: CPDOC – FGV

    Almerinda Gama: feminismo sindicalista

    A datilógrafa e escritora Almerinda Farias Gama foi uma das filiadas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Sua trajetória, contudo, foi bastante diferente da de Bertha.

    Ela veio de uma família com muitas mulheres. E mulheres que arrimam [eram o sustento da casa]. A tia era uma médica influente em Belém - então ela tinha exemplos de mulheres fortes", diz Marques, que orientou o mestrado da pesquisadora Patrícia Cibele da Silva Tenório sobre a ativista.

    Almerinda faz treinamento para ser datilógrafa e se aborrece quando começa a procurar emprego e percebe que repetidamente lhe oferecem salários inferiores aos pagos aos homens.

    Em busca de melhores condições, deixa o Pará e parte para o Rio de Janeiro, onde morava seu irmão. Lá, conhece o movimento feminista e se aproxima da FBPF, atraída por pautas como a de igualdade salarial defendidas pelas associadas.

    Entre as muitas funções que desempenhou na federação, era o "elemento de ligação" entre a entidade e a imprensa carioca, conta a pesquisadora.
    Ela era uma pessoa dinâmica. Não só datilografava, escrevia também - já escrevia na imprensa paraense. Então ela conhecia o pessoal da imprensa."
    Almerinda entrava nas redações e conversava com os jornalistas na esperança de convencê-los a publicar "notinhas" sobre a federação.
    E aquela simpatia que dona Almerinda era…as pessoas cediam", diz a historiadora.
    Em paralelo, teve uma trajetória importante como sindicalista. Ajudou a fundar e foi a primeira dirigente do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Distrito Federal. Como líder sindical, foi a única mulher a votar como delegada eleitora na Assembleia Nacional Constituinte de 1933.

    Em 1934, afasta-se da federação, entre outras razões, por achar que ela vinha perdendo seu caráter mais combativo, como relata Tenório em sua dissertação (A Vida na Ponta dos Dedos: A trajetória de Vida de Almerinda Farias Gama (1899-1999) - feminismo, sindicalismo e identidade política).

    A partir daí, segue trabalhando como datilógrafa e passa a atuar cada vez mais próximo dos sindicatos e de um núcleo do movimento negro em Madureira, no subúrbio do Rio.

    Perto dos 50 anos, Almerinda consegue finalmente erguer sua casa própria, no bairro do Méier, também no subúrbio do Rio - um espaço que acabou usando para acolher muitos migrantes e quem precisasse de "pouso" no Rio de Janeiro.
    Muita gente passou pela casa da dona Almerinda, que era uma casa de portas abertas", destaca Marques.
    A Bertha era uma pessoa que fazia política pelos canais tradicionais - escrevia, se manifestava, pedia audiência. A dona Almerinda fazia política com suas escolhas pessoais."
    Clipping 90 anos do sufrágio feminino no Brasil: 4 ícones da longa luta das mulheres pelo direito ao voto, por  Camilla Veras Mota, BBC News Brasil, 24/02/2022 

    terça-feira, 15 de março de 2022

    15% dos militares da Ucrânia são mulheres. Conheça suas histórias!

    Irina Sergueieva, primeira mulher voluntária a ser admitida nas forças de defesa territorial da Ucrânia- Sergei Supinsky - 11.mar.22/AFP
    Mulheres ucranianas, antes vetadas no Exército, combatem russos na linha de frente
    Elas são 15% dos militares do país; voluntárias que lutaram no Donbass em 2014 pressionaram por reconhecimento e mudança na lei  Por Flávia Mantovani

    Quando lutou contra separatistas russos na região do Donbass em 2014, a ucraniana Andriana Susak cobria a cabeça com uma balaclava para esconder seu gênero, já que mulheres estavam proibidas de combater. Hoje oficial do Exército, ela exibe abertamente nas redes sociais o uniforme camuflado cheio de insígnias —e posta como homenagem fotos de outras militares que não têm medo de mostrar o rosto.

    Até 2016, as Forças Armadas da Ucrânia não aceitavam mulheres em posições de combate, pois eram regidas por leis da era soviética, que proibiam a elas funções que afetassem a saúde reprodutiva. No Donbass, Susak se registrou como costureira voluntária, mas desafiou os comandantes e foi para a linha de frente. Quando engravidou, em 2015, permaneceu nas trincheiras até os cinco meses de gestação.

    Ela é uma das retratadas no documentário "Batalhão Invisível" (2017), sobre seis pioneiras que lutaram no front como voluntárias no leste da Ucrânia, registrando-se como cozinheiras, secretárias e enfermeiras. Dirigido por três mulheres, o filme foi parte de uma campanha mais ampla que contribuiu para que a Ucrânia passasse a permitir, em 2016, o alistamento feminino em 62 posições de combate.

    Hoje, elas são ao menos 32 mil, de acordo com números do fim de 2021, ou 15% de todo o Exército ucraniano —proporção aparentemente maior do que a dos oponentes russos; em maio de 2020, o ministro da Defesa de Moscou disse que havia cerca de 41 mil mulheres alistadas, 4,2% do total.

    O perfil das mulheres nas Forças Armadas de Kiev é variado, segundo Anastasiia Banit, do Instituto para Programas de Gênero, ONG responsável pelo documentário "Batalhão Invisível" e por outras iniciativas em prol de militares ucranianas.

    Quando a Rússia atacou a Ucrânia em 2014, nosso Exército não estava pronto, então precisava de muitos voluntários, o máximo possível. É por isso que muitas pessoas comuns que não tinham nada a ver com a esfera militar, mulheres também, ingressaram", diz.

    Soldadas em Kyiv. As mulheres ucranianas têm se tornando presença crescente no exército desde 2014. AP
    Havia mulheres jovens e velhas, com experiências profissionais extraordinárias em tempos de paz ou sem experiência nenhuma, com filhos e sem, casadas e solteiras. Estamos aqui para dar apoio a todas."
    Segundo ela, nos últimos seis anos, o contingente feminino dobrou. Mudanças na legislação, impulsionadas pelos movimentos de veteranas, contribuíram para tanto.

    Em 2018, o governo aprovou uma lei que garante às mulheres direitos iguais aos dos homens nas Forças Armadas. Em 2019, elas passaram a poder estudar em academias militares, nas quais são treinadas para serem oficiais, e no mesmo ano aquelas que lutaram no leste ucraniano em 2014 foram reconhecidas como veteranas, com acesso a benefícios sociais. Em 2020, os uniformes militares passaram a contar com roupas de baixo femininas, em vez das masculinas que eram padrão.

    Hoje, algumas bases militares possuem consultoras de gênero, que trabalham para convencer oficiais mais conservadores a seguirem políticas de equidade em seus batalhões. Mas casos de discriminação persistem: em agosto, o Ministério da Defesa queria que as mulheres marchassem em um desfile de salto alto, em vez de botas. Parlamentares de oposição e grupos feministas protestaram.
    Os saltos sempre foram incluídos nos uniformes militares femininos na Ucrânia, mas só agora vemos que as pessoas começam a entender como esses elementos estereotipados são desnecessários", afirma Banit. "Alguns postos ainda são proibidos. Elas enfrentam o sexismo de chefes e companheiros, às vezes da família e da sociedade. Tivemos avanços, mas livrar-se de preconceitos em uma esfera tão masculina é uma longa jornada."
    Segundo ela, até recentemente a ONG vinha trabalhando para prevenir a violência sexual no Exército, com a criação, por exemplo, de um atendimento virtual para apoio psicológico e canal de denúncia para casos de assédio, violência ou abuso sexual. Hoje, a equipe lida com necessidades mais emergenciais, que surgiram após a invasão russa do fim de fevereiro.

    No fim de 2021, quando a Rússia começou a mobilizar tropas na fronteira, o Ministério da Defesa ucraniano pediu que mulheres de 18 a 60 anos se alistassem, e muitas receberam treinamento militar. Cursos de autodefesa em cidades do leste também passaram a ser mais procurados por mulheres.

    A agência de notícias Reuters acompanhou uma mãe de 44 anos, gerente de uma construtora, e uma estudante de direito de 23 que passavam os fins de semana aprendendo tiro, artes marciais e primeiros socorros em um desses cursos na cidade de Kharkiv. Segundo o instrutor, um veterano de guerra, a demanda pelas aulas aumentava a cada novo indício de agressão russa.

    Primeira voluntária a ser contratada como militar na Ucrânia, em 2017, a tenente Irina Sergueieva hoje treina novos combatentes em uma garagem subterrânea em Kiev. Em entrevista à AFP, ela contou que nos primeiros dias após a invasão russa, muitas mulheres —e homens também— se ofereceram para pegar em armas e defender o país, mas sem entender de fato o que teriam que enfrentar.
    Percebi que muitas dessas jovens estavam romantizando um pouco tudo isso", afirmou, complementando que teve que dizer a algumas delas, "gentilmente", que 'não, você pode não ser preparada para isto'."

    Primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska
    Em um conflito marcado pela forte propaganda nas redes sociais de ambos os lados, mulheres também têm sido exibidas como heroínas em posts. A primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, homenageou-as com a foto de uma militar em uma trincheira, em sua conta com 2,5 milhões de seguidores no Instagram.

    Antes da guerra, escrevi que a Ucrânia tem 2 milhões de mulheres a mais do que homens. Essa estatística agora assumiu um significado totalmente novo, porque significa que nossa oposição também tem um rosto feminino", escreveu.
    Outro exemplo é o vídeo-selfie de uma soldado não identificada que viralizou no Twitter. Caminhando, com a luz do sol ao fundo, ela se emociona e diz:
    Ainda estou viva, o sol está brilhando, os pássaros estão cantando. Tudo vai ficar bem. Longa vida à Ucrânia".
    A comoção gerou também notícias falsas, como a de que a miss Ucrânia Anastasiia Lenna teria se juntado ao Exército para lutar contra os russos. O boato ganhou força quando viralizou uma foto que ela publicou nas redes segurando uma arma. Depois, ela própria postou um vídeo esclarecendo que a arma era de airsoft, hobby que já tinha sido mencionado.
    Não sou uma militar. Sou apenas uma mulher, um ser humano normal", disse, acrescentando que a intenção era "inspirar as pessoas" e "mostrar que as ucranianas são fortes, confiantes e poderosas".
    Para Anastasiia Banit, o melhor Exército é aquele "com profissionais que realmente querem proteger seu país e sabem o que estão fazendo", independentemente do gênero.
    Cortar as mulheres desse campo significa diminuir o número de membros potencialmente habilidosos e valiosos. O Exército que inclui mulheres é a única maneira que um Exército deve ser."
    Clipping Mulheres ucranianas, antes vetadas no Exército, combatem russos na linha de frente, por Flávia Mantovani, FSP 12/03/2022

    terça-feira, 11 de janeiro de 2022

    Nara Leão: a tímida revolucionária da Bossa Nova que marcou toda a música brasileira.

    Nara e seu violão

    A série O Canto Livre de Nara Leão ficou bem legal. A Nara era de uma geração anterior a minha. Quando estava inaugurando a Bossa Nova, eu era uma menina, mas como ela percorreu várias décadas de cantorias, acabou sendo minha contemporânea também.

    O que não sabia sobre ela - e aprendi com a série - é que, por trás da aparência frágil e tímida - Nara era cheia de personalidade e pioneirismo. Era eclética e furava as bolhas dos movimentos musicais, sendo considerada traíra de muitos. Largou a Bossa Nova pra ir cantar música de protesto e dos cantores do morro. Depois, pra horror dos nacionalistas puristas da MPB, se aproximou da Jovem Guarda e gravou disco com músicas do Roberto e do Erasmo Carlos. Em seguida desembocou na Tropicália, ostentando seu lado disruptor. E no fim da vida voltou à Bossa Nova, fechando um ciclo. Revelou inúmeros cantores, cantoras e compositores importantes para a cultura brasileira.

    A série é uma aula de História não só da MPB mas também do Brasil através da trajetória artística e pessoal de uma mulher notável. Foi feita com colaboração do neto dela, José Bial, filho da cineasta Isabel Diegues, filha de Nara, com o jornalista Pedro Bial. Isabel também colaborou com a produção que ficou a cargo do Conversa.Doc e teve a direção do Renato Terra.

    Me emocionei bastante principalmente pelo canto da Nara ser em boa parte trilha sonora da minha própria vida. Mas as novas gerações também precisam conhecer a Nara e sua importância para nossa música, hoje em dia tão avacalhada (como tudo o mais neste país aliás). Certamente vão gostar dela e saber que o Brasil já foi bem mais criativo e inteligente. A discografia e mais informações sobre a cantora podem ser acessados em seu site oficial (aqui).

    A série está no Globoplay.


    terça-feira, 19 de outubro de 2021

    Dia do professor foi criado por iniciativa de Antonieta de Barros, primeira deputada negra do Brasil

    Antonieta foi a primeira mulher a ocupar um cargo no Legislativo em Santa Catarina — Foto: Reprodução/ NSC TV
    A partir de 1963 o Dia do Professor passou a ser comemorado oficialmente em 15 de outubro em todo o Brasil. Mas a data já era celebrada em Santa Catarina desde 1948 por iniciativa de Antonieta de Barros, a primeira mulher negra a ser eleita deputada no país. Professora por formação e filha de uma ex-escrava, ela teve papel fundamental na luta pela igualdade racial e pelos direitos das mulheres.

    O dia 15 de outubro foi escolhido como Dia do Professor em referência à data em que o imperador D. Pedro I instituiu o Ensino Elementar no Brasil, em 1827. No ano de 1947, o professor paulista Salomão Becker já havia proposto a criação de um dia de confraternização e homenagem aos professores. No ano seguinte, Antonieta de Barros apresentou à Assembleia Legislativa catarinense o projeto de lei que criava o Dia do Professor. Somente 15 anos depois é que a data passou a ser oficializada em todo o Brasil, após a assinatura de um decreto do presidente João Goulart.

    Projeto de lei de Antonieta de Barros — Foto: Reprodução Alesc/Divulgação

    A trajetória de vida de Antonieta de Barros é admirável. Nascida em Florianópolis, em 1901, ela teve uma infância difícil. Após ser libertada da escravidão, sua mãe trabalhou como lavadeira e, para completar o orçamento, transformou sua casa em pensão para estudantes. O pai de Antonieta, um jardineiro, morreu quando ela ainda era menina.

    Foi convivendo com os estudantes na pensão de sua mãe que Antonieta se alfabetizou. Aos 17 anos, entrou na Escola Normal Catarinense, concluindo o curso em 1921. No ano seguinte, fundou o Curso Particular Antonieta de Barros, voltado para a educação da população carente.

    Antonieta também trabalhou como jornalista, sendo fundadora do periódico A Semana, que circulou entre 1922 e 1927. Por meio de suas crônicas, divulgava ideias ligadas às questões da educação, dos desmandos políticos, da condição feminina e do preconceito.

    Em 1934, na primeira vez em que as mulheres brasileiras puderam votar e se candidatar, filiou-se ao Partido Liberal Catarinense, elegendo-se deputada estadual. Uma das principais bandeiras de seu mandato foi a concessão de bolsas de estudo para alunos carentes. Ela exerceu o mandato até 1937, quando começou o período ditatorial de Getúlio Vargas. No mesmo ano, sob o pseudônimo Maria da Ilha, escreveu o livro Farrapos de Ideais.

    Em 1947, após o fim da ditadura Vargas, ela se elegeu deputada novamente, desta vez pelo Partido Social Democrático, cumprindo o mandato até 1951. Antonieta nunca deixou de exercer o magistério. Ela dirigiu a escola que levava seu nome até morrer, em 1952.

    Clipping Primeira deputada negra do Brasil criou o Dia do Professor em 1948, History, sem data. 

    terça-feira, 5 de outubro de 2021

    Jogos Heraeanos: as Olimpíadas das mulheres gregas

    Uma escultura de bronze de uma atleta de c. 560 AC. Crédito: Caeciliusinhorto / Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0

    Os Jogos Olímpicos são o evento esportivo mais espetacular e histórico do mundo. Os Jogos normalmente reúnem mais de cem países competindo em 35 esportes diferentes e 400 eventos.

    Os Jogos Olímpicos modernos evoluíram a partir dos jogos antigos realizados no início do século 8 a.C. na cidade de Olímpia, na Grécia Antiga, de onde provém seu nome. Esta versão inicial da competição foi reservada exclusivamente para os homens, como uma demonstração de sua força, habilidade e resistência.

    Mas os textos do antigo geógrafo grego Pausânias descrevem jogos também para mulheres, chamados Jogos Heraeanos,  realizados no século II d.C.

    A História dos Jogos Heraeanos
    Templo Olympia Hera
    As ruínas do Templo de Hera em Olímpia. Crédito: Ingo Mehling / Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0
    Existem bem poucos registros históricos dos Jogos Heraeanos, mas acredita-se que eles tenham ocorrido logo após os Jogos Olímpicos tradicionais, por volta de 776 a.C. Ambas as versões dos jogos foram realizadas no estádio de Olímpia.

    Os Jogos Heraeanos, em homenagem à deusa grega Hera, aconteciam a cada quatro anos. Os jogos, associados à adolescência, eram considerados um rito de passagem das jovens para a idade adulta.

    A competição inicialmente incluía apenas esportes de corrida. Os Jogos Heraenos não incluíam esportes de combate, que eram básicos nos jogos masculinos. Os Jogos Heraeanos incluíam:

    Stadion: corrida de velocidade de curta distância na pista do estádio (177 metros)
    Diaulos: duas corridas de velocidade consecutivas ao longo da pista do estádio (354 metros)
    Hípios: quatro corridas consecutivas por todo o comprimento do estádio (708 metros)
    Dolichos: uma corrida de resistência de 18 a 24 voltas ao redor do estádio (cerca de 5 quilômetros)

    As vencedoras de cada corrida eram coroadas com folhas de oliveira, e os animais, sacrificados em nome de Hera. Os gregos acreditavam que as vencedoras seriam dotadas de força especial comendo a carne dos animais sacrificados.

    As vencedoras também podiam dedicar retratos e estátuas a Hera e comemorar seus feitos atléticos inscrevendo seus nomes nas colunas do templo da deusa.

    Mulheres vestindo o quíton

    As mulheres dos Jogos Heraeanos competiam vestindo um quíton, uma espécie de túnica usada pelos antigos gregos, enquanto os homens participavam das competições completamente nus.

    Tanto os jogos masculinos quanto os femininos foram interrompidos em 393 d.C., quando o imperador romano Teodósio proibiu os jogos pan-helênicos e outros festivais religiosos que eram celebrados na Grécia antiga.

    A história de Cinisca e o atletismo das mulheres espartanas

    As mulheres espartanas não eram forçadas a usar vestidos longos, um costume comum na maior parte da Grécia. Podiam usar túnicas curtas, uma característica da moda feminina local tida como símbolo da liberdade, força e agilidade pelas quais as mulheres de Esparta eram conhecidas.

    A sociedade espartana se manteve firme na crença de que mulheres atléticas davam à luz a filhos fortes. Assim, as mulheres espartanas podiam andar a cavalo e viajar como quisessem bem como caçar e usar túnicas curtas.

    Daí se acreditar que a maioria das participantes dos Jogos Heraeanos era espartana.

    Cinisca, filha de Arquidamo II, Rei de Esparta, a primeira mulher a vencer os Jogos Olímpicos. Ela era a dona de uma carruagem que venceu a corrida de carruagem nos Jogos. Crédito: Sophie de Renneville / Wikimedia Commons / Domínio Público

    Na verdade, Cinisca, filha de Arquidamo II, o rei de Esparta, foi a primeira mulher na história a vencer os jogos olímpicos masculinos.

    Cinisca venceu as corridas de carruagem de quatro cavalos nos Jogos Olímpicos de 396 e 392 a.C, com carruagem de sua propriedade. Ela foi homenageada com uma estátua de bronze com sua imagem, e sua carruagem e seus cavalos foram exibidos no Templo de Zeus em Olímpia.

    A inscrição na estátua diz:

    Reis de Esparta, que são meu pai e irmãos, e
    Cinisca, vitoriosa com uma carruagem de cavalos de patas velozes,
    ergueram esta estátua. Eu me declaro a única mulher
    em toda a Grécia que ganhou esta coroa.
    Apelleas, filho de Kallikles, a esculpiu.

    Tradução do grego antigo :

    Σπάρτας μὲν βασιλῆες ἐμοὶ: πατέρες καὶ ἀδελφοί, ἅρματι δ’ὠκυπόδων ἵππων: νικῶσα Κυνίσκα εἰκόνα τάνδ’ ἔστασεν μόναν: δ’ἐμέ φαμι γυναικῶν Ἑλλάδος ἐκ πάσας τόν [-]: δε λαβεν στέφανον. Ἀπελλέας Καλλικλέος ἐπόησε.

    Clipping The Heraean Games: When Greek Women Held Their Own Olympicspor Luisa Rosenstiehl, tradução de Míriam Martinho, Greek Reporter, 26/08/2021

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