8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

Mostrando postagens com marcador literatura de ficção. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador literatura de ficção. Mostrar todas as postagens

sábado, 24 de abril de 2010

Cântico negro - José Régio

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

sexta-feira, 19 de março de 2010

A fábula da galinha explorada: em defesa da meritocracia!



A fábula da galinha explorada pela "coletividade" corre a blogosfera. Alguns dizem que o autor foi o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan, mas, de fato, não se sabe quem a escreveu.

O que ninguém duvida - principalmente quem já participou de trabalhos coletivos - é que ela retrata muito bem a realidade dos chamados movimentos sociais hoje e de uma suposta mentalidade socialista. 

A versão que reproduzo abaixo (pois já há várias versões da historinha), retirei do site do Vanguarda Popular. Nada como uma simples fábula para explicar o que muitas vezes textos teóricos não conseguem esclarecer. Divirtam-se!

Uma galinha achou alguns grãos de trigo e disse aos vizinhos:

- Se plantarmos este trigo, teremos pão para comer. Alguém me quer ajudar a plantá-lo?
- Eu não! - disse a vaca.
- Nem eu, tenho mais que fazer! - emendou o pato.
- Eu também não - retorquiu o porco.
- Eu muito menos - completou o bode.
- Então, eu mesma planto - disse a galinha.

E assim o fez. O trigo cresceu alto e amadureceu, com grãos dourados.

- Quem vai me ajudar a colher o trigo? - quis saber a galinha.
- Eu não - disse o pato.
- Não faz parte das minhas funções - disse o porco.
- Não, depois de tantos anos de serviço - exclamou a vaca.
- Eu me arriscaria a perder o seguro-desemprego - disse o bode.
- Então, eu mesma colho - disse a galinha, e colheu o trigo, ela própria.

Finalmente, chegara a hora de preparar o pão.

- Quem me vai ajudar a cozer o pão? - indagou a galinha.
- Eu fugi da escola e nunca aprendi a fazer pão - disse o porco.
- Eu não posso por em risco meu auxílio-doença - continuou o pato.
- Caso só eu ajude, é discriminação - resmungou o bode.
- Só se me pagarem hora extra - exclamou a vaca.
- Então, eu mesma faço - exclamou a pequena galinha. Ela assou cinco pães, e pôs todos numa cesta para que os vizinhos pudessem ver.

De repente, todo mundo queria pão, e exigiu um pedaço. A galinha simplesmente disse:

- Não! Vou comer os cinco pães sozinha.
- Lucros excessivos, sua agiota burguesa! - gritou a vaca.
- Sanguessuga capitalista! - exclamou o pato.
- Eu exijo direitos iguais! - bradou o bode.
O porco grunhiu: - A Paz, o Pão e a Educação são para todos! Direitos do Povo!

Pintaram faixas e cartazes dizendo “Injustiça Social” e marcharam em protesto contra a galinha, gritando palavras de ordem: “Fascista”, “O pão é nosso!”, “Exijo a minha cota de pães!”, “Morte aos padeiros que lucram com a fome!”.

Chamado um fiscal do governo, disse à pobre galinha:
- Você, galinha, não pode ser assim tão egoísta. Você ganhou pão a mais, tem de pagar muito imposto.
- Mas eu ganhei esse pão com meu próprio trabalho e suor - defendeu-se a galinha. Os outros não quiseram trabalhar! - retorquiu sentida.
- Exatamente - disse o funcionário do governo - essa é a vantagem da livre iniciativa. Qualquer pessoa, numa empresa, pode ganhar o que quiser. Pode trabalhar ou não trabalhar. Mas, de acordo com a nossa moderna legislação, a mais avançada do Mundo, os trabalhadores mais produtivos têm que dividir o produto do trabalho com os que não fazem nada. Além disso, existe a mais-valia, o Imposto de Renda, o IPTU, o IPVA, o IPI, ICMS, etc., etc., o mensalão, etc., etc., que têm de ser pagos para garantir a nossa Saúde, a nossa Educação e a nossa Justiça! Todas elas as melhores do Mundo!

E todos viveram felizes para sempre, inclusive a pequena galinha, que sorriu e cacarejou: "eu estou grata", "eu estou grata". Mas os vizinhos sempre se perguntavam por que a galinha nunca mais fez um pão.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Aleluia dilacerada



Que faço eu aqui
Entre essas mulheres vazias,
Em meio a essa conversa estéril,
Em meio a esse papo inútil;
Entre essas mulheres sôfregas,
E sua fala ácida de inveja, de cio?

Que faço eu aqui
Entre essas mulheres tolas,
Essas beldades decadentes,
Como um império que avista seus bárbaros,
Como uma Tróia que abraça o cavalo
Grávido de destruidores?

Que faço eu aqui
A essa hora pensando nela?
Por que o descuido me trouxe essa lembrança?
Ela que só me deixou perplexidade e fel
E roubou as flores da minha primavera.

Ah, sim, tudo que aprendi com o amor
Foi atirar em alguém que sacou primeiro,
Que me acertou em cheio porque eu não esperava
De quem dividia minha mesa e cama
Algo assim traiçoeiro.

Ah, o Amor, essa Aleluia dilacerada,
essa marcha sem bandeira e sem vitória
por uma avenida esvaziada.
Essa lança que trespassa a carne
E atinge a alma que ferida se rende...
E dança.

Míriam Martinho

São Paulo, 11/12/2009
Nota: poesia inspirada em Hallelujah de Leornard Cohen

sábado, 30 de maio de 2009

NÃO ME PROVOQUE

Não me provoque,
tenho armas escondidas...     
Não me manipule,
nasci pra ser livre...
Não me engane,
posso não resistir...
Não grite,
tenho péssimo hábito de revidar...
Não me magoe,
meu coração já tem muitas mágoas...
Não me deixe ir,
posso não mais voltar...
Não me deixe só,
tenho medo da escuridão...
Não tente me contrariar,
tenho palavras que machucam...
Não me decepcione,
nem sempre consigo perdoar...
Não espere me perder,
para sentir minha falta..."

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Lugar de Mulher - pelo 8 de março

Confesso que ando meio sem pique para comemorar o dia internacional da mulher seja pelo porre capitalista de tantas propagandas comerciais para você comprar num sei o quê em homenagem às mulheres (sic) seja pelo porre esquerdista de ver as questões da mulher novamente subordinadas à luta contra a burguesia, o neoliberalismo, a crise econômica e outras tantas desse pessoal que - como a Folha de São Paulo tão bem alcunhou - é cínico e mentiroso. Domingo haverá passeata cheia de bandeiras vermelhas na avenida.

Porém, todavia, contudo, como ainda há muito por fazer em termos de direitos das mulheres, achei que devia de qualquer forma lembrar a data, mas estava sem saber o que dizer que não fosse de caráter "ativista", quando uma colega me enviou o cordel abaixo da Salete Maria, do blog
Cordelirando. Achei os versos muito bons, inclusive porque desfolham essa mulher abstrata da militância e do dia 8 nas múltiplas mulheres reais que são de todo tipo e que estão em todo o lugar. De fato, nosso lugar é- como diz o cordel - onde quer que a gente sobreviva.

Lugar de Mulher

Do ponto onde me encontro, na janela dum sobrado
Daqui donde me defronto, com meu presente e passado
Fico metendo a colher do ‘meu lugar de mulher’
Neste mundão desgarrado
Do meu ângulo obtuso, num canto da camarinha
Afrouxo um parafuso, liberto uma andorinha
Desmancho uma estrutura, arranco uma fechadura
Desmonto uma ladainha
Reza a história do mundo, que mulher tem seu lugar
É um discurso ‘corcundo’,e prenhe de bla-bla-blá
Eu que ando em toda parte,divulgo através da arte
Outro modo de pensar:
Lugar de mulher é quarto,sala, bodega e avião
Lugar de mulher é mato,cidade, praia e sertão
Lugar de mulher é zona, do Estado do Arizona
À Vitória de Santo Antão
Lugar de mulher é sauna, capela, bonde, motel
Lugar de mulher é fauna, terreiro, campus, quartel
Lugar de mulher é casa, seja na Faixa de Gaza
Ou no Morro do Borel
Lugar de mulher é cama, seresta, parque, novena
Lugar de mulher é lama, escola, laje, cinema
Lugar de mulher é ninho, dos becos do Pelourinho
Às águas de Ipanema
Lugar de mulher é roça, riacho, circo, cozinha
Lugar de mulher é bossa, reisado, feira, lapinha
Lugar de mulher é chão, das ruelas do Sudão
Às veredas da Serrinha
Lugar de mulher é mangue, deserto, vila, mansão
Lugar de mulher é gangue, novela, birô, oitão
Lugar de mulher é mar, das praias do Canadá
Ao céu do Cazaquistão
Lugar de mulher é ponte, trincheira, jardim, salão
Lugar de mulher é fonte, indústria, baile, fogão
Lugar de mulher é mina, do solo de Teresina
Ao Morro do Alemão
Lugar de mulher é barro, palco, metrô e altar
Lugar de mulher é carro, camarote, rede, bar
Lugar de mulher é trem, dos caminhos de Belém
À serra do Quicuncá
Lugar de mulher é show, favela, brejo e poder
Lugar de mulher é gol, ringue, desfile e lazer
Lugar de mulher é creche, das bandas de Marrakech
Às vilas do ABC
Lugar de mulher é serra, obra, beco e parlamento
Lugar de mulher é guerra, missa, teatro e convento
Lugar de mulher é pia, das tendas de Andaluzia
À Santana do Livramento
Lugar de mulher é tudo, por onde possa passar
Seja pequeno ou graúdo, seja daqui ou de lá
Lugar de mulher é Terra, mas não onde o gato enterra
O que precisa ocultar
Lugar de mulher é dentro, mas também pode ser fora
Lugar de mulher é centro, que a margem não ignora
Lugar de mulher é leste, norte, sul, também oeste
De noite, tarde e aurora
De minha perspectiva, mulher não tem ‘um’ lugar
Onde quer que sobreviva, pode ser seu habitat
Lugares existem zil, eu mesma sou do Brasil
E vivo no Ceará!

Salete Maria

domingo, 25 de janeiro de 2009

Feliz aniversário, São Paulo!


Berço do movimento homossexual no Brasil, berço sobretudo da organização lésbica brasileira, berço da primeira manifestação lésbica contra o preconceito em nosso país, berço da primeira caminhada lésbica, São Paulo é a cidade do meu coração, ainda que tenha nascido em outra cidade maravilhosa.

Tudo em São Paulo é grande, seu tamanho, sua pujança, seus problemas. Mas a maior grandeza de Sampa é mesmo sua diversidade, de povos, de culturas, de etnias, e sobretudo sua eterna capacidade de se abrir para inúmeras possibilidades, oportunidades.

Para você, minha bela-feia, minha bela-fera, em homenagem aos seus 455 aninhos, seu hino feito por alguém que - como eu - veio de outro sonho feliz de cidade, mas soube lhe traduzir como ninguém daqui mesmo.

Sampa, Caetano Veloso



Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Canção da tarde no campo




Caminho do campo verde
estrada depois de estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a tarde é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vais fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
Subo monte, desço monte.
meu peito é puro deserto.

Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.

©Cecília Meireles

Imagem: Márcio Camargo

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sympahty for the devil - Simpatia pelo Diabo


A invenção de Deus

A humanidade inventou Deus
porque existe o desespero
porque existe a incerteza
porque existe o imponderável.

Por causa dessa incomensurável solidão
Que é a única coisa que nos acompanha
até a hora da nossa morte. Amém!
--------------------------------
Daí que minha simpatia vai para Lucífer ou Lilith (como queiram)!

Sympathy for the devil - Rolling Stones


(M. Jagger/K. Richards)

Please allow me to introduce myself
I'm a man of wealth and taste
I've been around for long, long years
Stole many man's soul and faith

And I was 'round when Jesus Christ
Had his moment of doubt and pain
Made damn sure that Pilate
Washed his hands and sealed his fate

Pleased to meet you
Hope you guess my name
But what's puzzling you
Is the nature of my game

I stuck around St. Petersburg
When I saw it was a time for a change
Killed the Czar and his ministers
Anastasia screamed in vain

I rode a tank
Held a general's rank
When the blitzkrieg raged
And the bodies stank

Pleased to meet you
Hope you guess my name, oh yeah
Ah, what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah
(woo woo, woo woo)

I watched with glee
While your kings and queens
Fought for ten decades
For the gods they made
(woo woo, woo woo)

I shouted out,
"Who killed the Kennedys?"
When after all
It was you and me
(who who, who who)

Let me please introduce myself
I'm a man of wealth and taste
And I laid traps for troubadours
Who get killed before they reached Bombay
(woo woo, who who)

Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby
(who who, who who)

Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
But what's confusing you
Is just the nature of my game
(woo woo, who who)

Just as every cop is a criminal
And all the sinners saints
As heads is tails
Just call me Lucifer
'Cause I'm in need of some restraint
(who who, who who)

So if you meet me
Have some courtesy
Have some sympathy, and some taste
(woo woo)
Use all your well-learned politesse
Or I'll lay your soul to waste, um yeah
(woo woo, woo woo)

Pleased to meet you
Hope you guessed my name, um yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, um mean it, get down
(woo woo, woo woo)

Woo, who
Oh yeah, get on down
Oh yeah
Oh yeah!
(woo woo)

Tell me baby, what's my name
Tell me honey, can ya guess my name
Tell me baby, what's my name
I tell you one time, you're to blame

Oh, who
woo, woo
Woo, who
Woo, woo
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah

What's my name
Tell me, baby, what's my name
Tell me, sweetie, what's my name

Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah
Woo woo
Woo woo

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

ANIMA ANIMUS


























Mora em mim
Um menino tímido,
Um malandro sacana,
Um Brad Pitt sem fama
Que quer na cama
Uma mulher de seios à espreita,
Numa camisola branca,
De dedos frágeis, boca rubra,
De pernas longas entreabertas,
Com uma vulva ávida e agridoce,
Com seu mar negro onde mergulho fundo
Como quem não quer mais voltar para esse mundo
Onde tudo me atordoa.

Míriam Martinho

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A implosão da Mentira - Affonso Romano de Sant'Anna

Fragmento 1
Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes.
Alegremente mentem.
Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.

Mentem. Mentem e calam.
Mas suas frases falam.
E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.

Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade pela mentira,
nem à democracia pela ditadura.

Fragmento 2
Evidente/mente
a crer nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo permanente.

Mentem. Mentem caricatural-
mente.
Mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.

Mentem deslavadamente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho.
Mentem com a cara limpa
e nas mãos o sangue quente. Mentem
ardente/mente como um doente
em seus instantes de febre. Mentem
fabulosa/mente
como o caçador que quer passar
gato por lebre. E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.

E assim cada qual
mente industrial?mente,
mente partidária? mente,
mente incivil? mente,
mente tropical? mente,
mente incontinente?mente,
mente hereditária?mente,
mente, mente, mente.

E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país de mentira
—diária/mente.

Fragmento 3

Mentem no passado. E no presente
passam a mentira a limpo. E no futuro
mentem novamente.

Mentem fazendo o sol girar
em torno à terra medieval/mente.
Por isto, desta vez, não é Galileu
quem mente.
mas o tribunal que o julga
herege/mente.

Mentem como se Colombo
partindo do Ocidente para o Oriente
pudesse descobrir de mentira
um continente.

Mentem desde Cabral, em calmaria,
viajando pelo avesso, iludindo a corrente
em curso, transformando a história do país
num acidente de percurso.

Fragmento 4
Tanta mentira assim industriada
me faz partir para o deserto
penitente/mente, ou me exilar
com Mozart musical/mente em harpas
e oboés, como um solista vegetal
que absorve a vida indiferente.

Penso nos animais que nunca mentem.
mesmo se têm um caçador à sua frente.
Penso nos pássaros
cuja verdade do canto nos toca
matinalmente.

Penso nas flores cuja verdade das cores
escorre no mel
silvestremente.
Penso no sol que morre
diariamente
jorrando luz, embora
tenha a noite pela frente.

Fragmento 5
Página branca onde escrevo. Único espaço
de verdade que me resta. Onde transcrevo
o arroubo, a esperança, e onde tarde
ou cedo deposito meu espanto e medo.

Para tanta mentira
só mesmo um poema
explosivo-conotativo
onde o advérbio e o adjetivo não mentem
ao substantivo
e a rima rebenta a frase
numa explosão da verdade.

E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode
implosiva.

Poema publicado em 1980, pelo autor, em vários jornais, mas também em algumas antologias como A Poesia Possível, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1987.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Realidade














Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorgeio de ninho…
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho…

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada…
E a minha cabeleireira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho…

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…

Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei… se te perdi…

(Florbela Espanca )

terça-feira, 5 de agosto de 2008

SONETO DE DEVOÇÃO - Vinicius de Moraes

Sambesi - Joachim Schneider
Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez... — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites