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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O fato é que a direita não tem respostas a dar para as demandas da maioria da população

Social-democracia, inimiga da liberdade?

O artigo de Murray N. Rothbard, reproduzido abaixo e tirado do site do Instituto Ludwig von Mises - Brasil, explica o porquê da prevalência da social-democracia e de sua provável continuidade por um bom tempo, ao contrário do pretendido por seu autor. No texto, Rothbard aponta a social-democracia como a atual grande inimiga dos defensores da "liberdade", elenca seus apoiadores (as massas assistencializadas, empresários, políticos, intelectuais, a mídia) e sugere ações para derrotar esse vilão “traiçoeiro e liso". 

Na caracterização dos agentes de mudanças da esquerda social-democrata, criados em substituição ao proletariado dos comunistas, figurariam "todos os tipos de grupos vitimológicos (negros, feministas, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc) que [teriam aceitado] esse papel". Com essa caracterização, o autor reduz as demandas da maioria da humanidade (só considerando as mulheres temos a maioria dos seres humanos) a uma estratégia de grupos que se dizem perseguidos (mas não seriam) e que vivem lutando por supostos "direitos iguais", embora de fato visem privilégios. Em outras palavras, a maioria da humanidade realmente não enfrentaria agruras nem problemas. Suas reivindicações seriam na verdade embustes criados pelos intelectuais fabianos (antes eram os comunistas) como pretexto para avolumar o estado e atentar contra a tradição, a família e as liberdades individuais. Nesse ponto, a gente se faz de sonsa e pergunta: liberdades individuais de quem, cara pálida, se não leva em consideração os anseios da maioria da população? Naturalmente, a liberdade do autor (e de seus assemelhados) que escreveu o texto mirando-se no espelho como um Narciso apaixonado. 

O fato é que a direita, do autor do texto (quiçá a direita em geral), não tem respostas para dar aos problemas da maioria da população. Ou melhor, como resposta, nega que os problemas existam, relegando-os a uma estratégia social-democrata (ou comunista) de oposição à liberdade e à tradição (que oximoro esse par!) e a favor do estado interventor, regulador e controlador. Entretanto, vamos combinar, ao contrário dos clichêzinhos libero-conservadores, a esquerda não coletivizou os indivíduos coisa nenhuma. A esquerda não fabricou artificialmente os grupos sociais discriminados como forma insidiosa de solapar a liberdade dos pobrezinhos conservadores. Simplesmente existem grupos discriminados, marginalizados. Ponto. E, se a gente for buscar os reais responsáveis pela criação desses grupos, chegaremos sem dúvida aos próprios conservadores.

O máximo de que se pode acusar as esquerdas, com propriedade, é de instrumentalizar as demandas legítimas da população como apoio a sua estratégia de poder,  como forma de atrelar essas demandas a seu âmbito de ação. E elas fazem isso com tanta desenvoltura exatamente porque não encontram concorrência (pelo menos a considerar esse texto e outros congêneres que já li da dita direita). Não há quem reconheça as demandas legítimas da população e procure dar a elas uma solução que não passe pela via de um estado interventor, regulador e controlador. Enfim, continuamos necessitando de um outro caminho entre a esquerda retrógrada, cooptadora e estatista que nos assola e a direita cega, socialmente insensível e reacionária tão bem representada por esse texto. No momento, parece que estamos simplesmente num mato sem cachorro.

Adendo em 17/01/2016 - Coincidentemente, o economista liberal Paulo Guedes, em entrevista à ÉPOCA desta semana, falou a respeito do liberalismo na mesma perspectiva que abordei:
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa predominância do pensamento de esquerda no país?
Guedes - O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular, milenar e que assassinou politicamente as versões mais ingênuas do liberalismo? A solidariedade. Porque o Lula foi eleito quatro vezes? Porque ele entendeu que a solidariedade é importante. Então, os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter os dois. O liberalismo, criado no século XVIII e predominante no século XIX, foi assassinado, merecidamente, no século XX, porque não pensou na solidariedade. Aí vem o socialismo, absolutamente ignorante em matéria econômica. Desastroso. União Soviética, China, o capeta. Um fracasso do ponto de vista de liberdade política, aprisionando milhões de pessoas no mundo inteiro, guerra civil, Gulag, Revolução Cultural. Essa indignação da Dilma com os militares é muito merecida. Agora, se estivesse sido do lado de lá, ela não estaria como presidente hoje, porque o sistema varria os dissidentes muito mais rápido. Mas eles tinham uma coisa que sempre falaram e sempre falarão: “la solidariedad de los hermanos, la igualdad, el socialismo”. Quando os liberais se esqueceram disso, acreditando que isso é voluntário, a gente dá se quiser, dá o voucher saúde, o voucher educação, dá igualdade de oportunidade e, se tudo falhar, deixa ir para o saco, perderam o bonde. A solidariedade está além de direita e esquerda. É um traço humano.
O grande inimigo da atualidade - e como lutar contra ele
Murray N. Rothbard
Qual o principal inimigo da atualidade, contra o qual os defensores da liberdade devem lutar fervorosamente?

Qual foi o arranjo sócio-econômico que ascendeu vigorosamente com a derrocada do comunismo, que se estabeleceu praticamente sem rivais, que é protegido e defendido fervorosamente pela "mídia respeitável" e que representa uma ameaça tanto às liberdades individuais e econômicas quanto à família e à tradição?

A social-democracia.

Não apenas a social-democracia, em todos os seus formatos e disfarces, é onipresente e já demonstrou ser mais longeva que seu parente mais violento, o comunismo, como também os social-democratas — agora que Stalin e seus herdeiros estão fora do caminho — são implacáveis em sua avidez para a conquista do poder total. 

Os bolcheviques, comunistas, foram substituídos pelos seus primos mencheviques, social-democratas.

Por serem defendidos pela "Mídia Respeitável" e por adornarem seus reais objetivos de poder absoluto em uma linguagem polida e politicamente correta, os social-democratas são inimigos traiçoeiros e lisos. Exatamente por isso eles têm de ser combatidos vigorosamente.

Mas apenas apontar o dedo para a social-democracia não basta. Uma coisa é reconhecer o arranjo inimigo; outra coisa, tão essencial quanto, é reconhecer os integrantes deste arranjo.

E esta é uma questão que não pode de modo algum ser deixada para depois. Ao contrário, aliás: ela deve ser abordada antes de qualquer plano de ação. 

Como operam

Os marxistas, que sempre dedicaram uma enorme quantidade de tempo pensando em uma estratégia para seu movimento, sempre se fizeram a seguinte pergunta: quem é o agente da mudança social? O marxismo clássico encontrou uma resposta fácil: o proletariado. 

Porém, com o passar do tempo — e com a recusa do proletariado em ser este agente da mudança —, as coisas foram se tornando menos definidas, e o agente da mudança social passou por sucessivas alterações: camponeses, mulheres oprimidas, minorias, e todos os tipos de grupos vitimológicos (negros, feministas, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc) que aceitassem este papel.

Atualmente, a questão relevante está do outro lado da moeda: quem são os vilões que dão sustento à social-democracia? Quem são os agentes das mudanças sociais negativas? Mais ainda: quais grupos da sociedade representam as maiores ameaças para a liberdade? 

Basicamente, sempre foram apresentadas duas respostas: (1) as massas que vivem de assistencialismo e que, por isso, são apologistas do estado; e (2) as elites que controlam o poder (políticos e grandes empresários ligados a esses políticos).

Ainda em minha juventude, concluí que o maior perigo sempre foi a segunda opção — a elite dominante —, e pelos seguintes motivos.

Em primeiro lugar, mesmo que as massas dependentes do estado tenham o potencial para se rebelar de forma violenta e passar a agir como se seu sustento fosse um direito inalienável ("direito", no caso, nada mais é do que um dever impingido aos pagadores de impostos), o fato é que tais massas simplesmente não têm tempo para se dedicar à política e às peripécias e trapaças do jogo político. O cidadão pertencente a este grupo passa a maior parte do seu tempo cuidando de seus afazeres rotineiros, interagindo com seus amigos e se divertindo com a família. Apenas muito esporadicamente ele irá se interessar por política ou se engajar politicamente em uma causa.

As únicas pessoas que têm tempo para se dedicar à política são os profissionais: burocratas, políticos e grupos de interesse (lobistas e grandes empresários) que dependem diretamente das regras estipuladas por políticos e burocratas. Estes últimos (lobistas e grandes empresários), em particular, usufruem trânsito livre junto a políticos e burocratas do governo, os quais, em troca de propinas e doações de campanha, concedem a esses empresários uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um livre mercado. Os privilégios mais comuns são restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros

(E estamos aqui desconsiderando os privilégios ilegais, como as fraudes em licitações e o superfaturamento em prol de empreiteiras, cujas obras são pagas com dinheiro público).

Em troca desses privilégios (legais e ilegais), os grandes empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e burocratas com amplas doações de campanha e propinas.

Dado que tais pessoas ganham muito dinheiro com o jogo político, elas são intensamente interessadas no assunto, e dedicam vinte e quatro horas de seus dias pensando em novas maneiras de espoliar a população em benefício próprio. Sendo assim, estes grupos de interesse sempre representarão um perigo muito maior para a nossa liberdade e propriedade do que as massas desinteressadas.

Esta foi a constatação básica dos seguidores da Teoria da Escolha Pública. Os únicos outros grupos interessados em política em tempo integral são aqueles que se interessam em estudar o assunto, ideólogos como nós, um segmento nada volumoso da população. Portanto, o problema está tanto na elite que controla o aparato estatal quanto na elite cuja riqueza depende diretamente das políticas implantadas por este aparato estatal. 

Um segundo ponto crucial é que a social-democracia, com seu estado fiscalmente voraz e obeso, divide a sociedade em dois grupos: a elite dominante, que necessariamente é a minoria da população, e que é sustentada pelo segundo grupo — nós, o resto da população. Neste quesito, sempre recomendo um dos mais brilhantes ensaios já escritos sobre filosofia política: Disquisition on Government, de John C. Calhoun. Segundo Calhoun:
[O] inevitável resultado desta iníqua ação fiscal do governo será a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos — e, obviamente, arcam exclusivamente com o fardo de sustentar o governo —, e a outra formada por aqueles que recebem sua renda por meio do confisco da renda alheia, e que são, com efeito, sustentados pelo governo. Em poucas palavras, o resultado será a divisão da sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.
Porém, o efeito disso será que ambas as classes terão relações antagonistas no que diz respeito à ação fiscal do governo e a todas as políticas por ele criadas. Pois quanto maiores forem os impostos e os gastos governamentais, maiores serão os ganhos de um e maiores serão as perdas de outro, e vice versa. E, por conseguinte, quanto mais o governo se empenhar em uma política de aumentar impostos e gastos, mais ele será apoiado por um grupo e resistido pelo outro.

O efeito, portanto, de qualquer aumento de impostos será o de enriquecer e fortalecer um grupo [os consumidores líquidos de impostos] e empobrecer e enfraquecer o outro [os pagadores líquidos de impostos].

Logo, quanto mais inchado se torna o governo, maior e mais intenso passa a ser o conflito entre essas duas classes sociais.

No entanto, dado que uma elite minoritária é capaz de governar, tributar e explorar a maioria do público sem sofrer retaliações, isso nos leva ao principal problema da teoria política: o mistério da obediência civil. Afinal, por que a maioria do público aceita se submeter a essa gente, sem oferecer resistência? 

Esta indagação foi respondida por três grandes teóricos políticos: Étienne de la Boétie, teórico libertário francês de meados do século XVI, David Hume e Ludwig von Mises. Eles demonstraram que, exatamente pelo fato de a elite dominante estar em minoria, a coerção por si só não pode funcionar no longo prazo. Até mesmo na mais despótica das ditaduras, o governo irá se manter apenas se contar com o apoio da maioria da população. No longo prazo, o que é preponderante são as ideias, e não a força — e qualquer governo tem de ter legitimidade na mente do público.

Essa verdade foi perfeitamente demonstrada durante o colapso da União Soviética. Quando os tanques foram enviados para capturar Boris Yeltsin, eles foram persuadidos a apontar suas armas para o outro lado e a defender Yeltsin e o Parlamento russo. Em linhas gerais, estava claro que o governo soviético havia perdido toda a legitimidade e apoio entre a população. Para um libertário, foi particularmente fantástico assistir à morte de um estado, particularmente um estado monstruoso como a União Soviética. Até o final, Gorbachev continuou emitindo decretos, como sempre fez, mas a diferença é que ninguém mais prestava atenção e nem dava a mínima. O antes todo poderoso Supremo Soviético (a legislatura da URSS) continuava se reunindo frequentemente, mas ninguém se dava ao trabalho de comparecer. Glorioso!

Quem garante o consentimento dos espoliados

Mas ainda não resolvemos o mistério da obediência civil. Se a elite dominante está tributando, espoliando e explorando o público, por que o povo não se rebela? Por que ele tolera tudo isso? Por que ele simplesmente não retira seu consentimento?

Resposta: não se deve jamais ignorar o papel crucial dos intelectuais, a classe que molda as opiniões da sociedade. Se as massas soubessem como o estado realmente opera, elas imediatamente retirariam seu consentimento. Elas rapidamente perceberiam que o rei está nu, e que elas estão sendo espoliadas. É para evitar essa "tragédia" que os intelectuais entram em cena.

A elite dominante, seja ela os monarcas de antigamente, os comunistas de pouco tempo atrás ou os social-democratas da atualidade, necessita desesperadamente de exércitos de intelectuais que teçam apologias para o poder estatal. O estado governa por determinação divina; o estado assegura o bem comum e o bem-estar geral; o estado nos protege dos bandidos que estão sempre à espreita; o estado garante o pleno emprego; o estado ativa o multiplicador keynesiano; o estado garante a justiça social. Como demonstrou Karl Wittfogel em sua grande obra, Oriental Despotism, nos impérios asiáticos, os intelectuais lograram êxito com a teoria de que o imperador ou o faraó era uma entidade divina. Se o soberano é Deus, poucos se atreverão a desobedecer ou a questionar suas ordens.

Podemos ver como os regentes do estado se beneficiam dessa sua aliança com os intelectuais; mas o que os intelectuais ganham com esse arranjo? 

Intelectuais são pessoas que acreditam que, em um livre mercado, auferem uma renda muito aquém de sua sabedoria. Para se aproveitar disso, o estado, para favorecer estes egos tipicamente hiperinflados, está disposto a oferecer aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato estatal; e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígios. O estado está disposto a pagar a esta gente tanto para tecerem apologias ao poder estatal quanto para preencher a miríade de postos de trabalho nas universidades, na burocracia e no aparato regulatório do estado. Com efeito, o estado democrático moderno criou uma maciça superabundância de intelectuais.

Em séculos passados, as igrejas formavam a classe exclusiva de formadores de opinião da sociedade. Daí a importância para o estado e seus burocratas de formar uma aliança entre o estado e a igreja, e daí a importância para libertários da separação entre estado e igreja, o que na prática significa não permitir que o estado conceda a um grupo o monopólio da tarefa de moldar as opiniões da sociedade. 

No século XX, obviamente, a igreja foi substituída, e o papel de moldar opiniões — ou, naquela adorável frase, de "fabricar o consentimento" — foi entregue a um enxame de intelectuais, acadêmicos, cientistas sociais, tecnocratas, cientistas políticos, assistentes sociais, jornalistas e a toda a mídia em geral. 

Portanto, para resumir o problema: na social-democracia, as elites dominantes — políticos, burocratas e grandes empresários — se uniram aos intelectuais e à mídia, e, com o apoio e o trabalho destes, conseguiram iludir e confundir as massas, doutrinando-as com uma "falsa consciência", como diriam os marxistas, fazendo-as aceitar passiva e alegremente seu domínio. Aquilo que em arranjos mais honestos seria visto como espoliação e exploração, na social-democracia é visto como "bem comum", "desenvolvimentismo" e "justiça social".

O que fazer

Sendo assim, o que podemos fazer a respeito? 

Uma estratégia endêmica aos libertários e aos liberais clássicos é aquela que pode ser chamada de modelo hayekiano, em homenagem a F.A. Hayek. Eu chamo de "educacionismo". 

Ideias, segundo este modelo, são cruciais; e ideias perpassam toda uma hierarquia, começando com os filósofos do alto escalão, de onde descem para os filósofos menos proeminentes, depois para os acadêmicos, e finalmente chegam aos jornalistas e políticos, de onde então atingem as massas. Por essa estratégia, o que deve ser feito é converter os filósofos do alto escalão para as ideias corretas. Ato contínuo, eles irão converter os outros filósofos menos proeminentes, e daí por diante, em uma espécie de "efeito-goteira", até que as massas inevitavelmente serão convertidas e a liberdade será finalmente alcançada.

O problema com essa estratégia do gotejamento é que ela é muito suave e refinada, dependente de mediações e persuasões serenas nos austeros corredores da intelectualidade. Essa estratégia combina bem com a personalidade de Hayek, que nunca foi exatamente um combatente intelectual agressivo.

É claro que ideias e persuasão são importantes, mas há várias falhas cruciais nesta estratégia hayekiana. 

Em primeiro lugar, obviamente, essa estratégia irá, na melhor das hipóteses, levar várias centenas de anos para surgir algum efeito, e muitos de nós estamos um tanto impacientes para isso. Mas o tempo não é de modo algum o único problema. Várias pessoas já observaram os misteriosos bloqueios neste gotejamento feitos pela mídia. Por exemplo, vários cientistas sérios têm uma visão bem distinta a respeito das questões ambientalistas que hoje estão em voga; no entanto, são sempre os mesmos histéricos de esquerda que são exclusivamente citados nas reportagens da mídia. O mesmo ocorre às enfadonhas abordagens sobre racismo, homofobia e "direitos das minorias". Sendo assim, por que esperar que uma mídia que invariavelmente distorce as coisas para o lado politicamente correto irá repentinamente vir para o lado da razão? Já está cristalino que a mídia, principalmente a 'mídia respeitável e influenciável', possui e sempre terá uma forte inclinação progressista.

De modo geral, o modelo hayekiano do gotejamento ignora um ponto crucial: o fato de que — e eu espero não estar retirando seu prazer de viver — intelectuais, acadêmicos e a mídia não são exatamente motivados pela verdade. É verdade que as classes intelectuais podem fazer parte da solução, mas elas também são uma grande parte do problema. Como vimos, os intelectuais fazem parte da classe dominante, e seus interesses econômicos, bem como seus interesses em termos de prestígio, poder e admiração dependem inteiramente da continuidade do atual sistema social-democrata.

Outra estratégia é aquela comumente perseguida por vários institutos conservadores e liberais: a persuasão silenciosa feita diretamente nos corredores do poder, sem passar pela comunidade acadêmica. Tal estratégia é chamada de "estratégia fabiana", e os institutos saem divulgando relatórios pedindo uma redução de 5 pontos percentuais na alíquota de importação e de 2 pontos percentuais na alíquota do imposto de renda, além de uma pequena redução das regulamentações e da burocracia. Os defensores dessa estratégia apontam para o sucesso da sociedade fabiana, a qual, por meio de suas detalhadas pesquisas empíricas, suavemente submeteu o estado britânico a um gradual crescimento do poder socialista.

O defeito desta estratégia, no entanto, está no fato de que aquilo que funciona para aumentar o poder estatal não funciona para fazer o inverso. Afinal, os fabianos estavam estimulando as elites dominantes a aumentar seu poder, que era exatamente o que elas queriam. Por outro lado, tentar encolher o estado vai fortemente contra sua natureza, e o resultado mais provável é que o estado acabe cooptando e 'fabianizando' os institutos que tentem reduzir seu poder. 

Esse tipo de estratégia pode, é claro, ser pessoalmente muito agradável para os membros desses institutos, e pode acabar garantindo alguns contratos lucrativos ou até mesmo alguns confortáveis empregos na máquina pública para essas pessoas. E esse é exatamente o problema.

Portanto, além de se esforçar para converter os intelectuais para a nossa causa, a ação mais adequada a ser empreendida tem necessariamente de ser uma estratégia baseada na confrontação, na coragem e na ousadia. Uma estratégia que gere dinamismo e entusiasmo; uma estratégia que agite as massas, que as desperte de sua letargia e que exponha as elites arrogantes que estão nos subjugando, nos controlando, nos tributando e nos espoliando.

Logo, a estratégia adequada tem de se basear naquilo que chamo de "populismo liberal": um movimento intelectual empolgante, dinâmico, tenaz, obstinado e confrontador; um movimento que continuamente desafie e chame para o debate público os principais quadros da social-democracia, para expô-los pelo que realmente são; um movimento que desperte e inspire não apenas as massas exploradas, mas também todos os poucos quadros intelectuais da direita. 

Nesta era em que as elites intelectuais são todas social-democratas e hostis a idéias não-progressistas, é necessário um movimento carismático e dinâmico, cujos membros tenham a habilidade de contornar a mídia e saibam se comunicar diretamente com as massas exploradas que dão sustentação ao regime.

Conclusão

Em todas as questões cruciais, os social-democratas se opõem à liberdade e à tradição, posicionando-se sempre a favor do estado interventor, regulador e controlador. 

No longo prazo, social-democratas são mais perigosos do que comunistas, e não apenas porque eles são mais resistentes e protegidos, mas também porque seu programa e seu apelo retórico são muito mais insidiosos, dado que eles sabem combinar o charme das ideias socialistas com as atraentes "virtudes" da democracia, tudo cuidadosamente envolto em uma linguagem politicamente correta que promete liberdade de expressão e proteção aos "membros credenciados" de todos os tipos de grupos vitimológicos, aquela gente que se diz perseguida e que vive lutando por "direitos iguais" — sendo que o 'iguais' significa na verdade 'superiores'. 

Por muito tempo, os social-democratas obstinadamente se recusaram a aceitar a lição libertária de que liberdades civis e econômicas são indissociáveis; porém, agora, mais maduros e experientes, eles polidamente fingem defender a existência de algum tipo de "mercado", desde que este seja devidamente tributado, regulado e restringido por um maciço estado interventor e assistencialista. Em suma, há pouca distinção entre os atuais social-democratas e os antigos "socialistas de mercado" da década de 1930, que alegavam ter solucionado aquele defeito fatal do socialismo apontado por Ludwig von Mises: a impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo, que impedia que os planejadores socialistas calculassem preços e custos, impossibilitando-os de planejar uma economia moderna e funcional.

No arsenal coletivista que dominou o cenário mundial do século XX, havia vários programas estatistas concorrentes: dentre eles, o comunismo, o fascismo, o nazismo e a social-democracia. Os nazistas e os fascistas estão mortos e enterrados; o comunismo ainda existe apenas em alguns países sem nenhuma importância. Restou somente a mais insidiosa forma de estatismo: a social-democracia. 

Em meio a uma cultura capturada por ideias progressistas e programas sociais esquerdistas, é necessária uma estratégia ousada para frustrar os planos dos social-democratas de alcançarem uma completa e irreversível tomada do poder.

Fonte: O Instituto Ludwig von Mises - Brasil ("IMB"), 31/12/2015

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ventos de mudança na América latina, e o liberalismo como a “doutrina mais dos meios que dos fins”

Diálogo de convertidos
Com experiências pessoais como militantes de extrema esquerda, Roberto Ampuero e Mauricio Rojas publicam um xeque mate às utopias estatistas

por Mario Vargas Llosa

Esta semana, duas coisas esplêndidas ocorreram na América Latina. A primeira foi o triunfo de Mauricio Macri na Argentina, uma severa derrota para o populismo do casal Kirchner que abre uma promessa de modernização, prosperidade e fortalecimento da democracia no continente; é, também, um duro golpe para o chamado “socialismo do século XXI” e para o Governo da Venezuela, a quem o novo mandatário eleito pelo povo argentino criticou sem complexos por sua violação sistemática dos direitos humanos e seus atropelos à liberdade de expressão. Tomara que essa vitória dê uma alternativa genuinamente democrática e liberal à demagogia populista e inaugure na América Latina uma etapa em que não voltem a conquistar o poder caudilhos tão nefastos para seus países como o equatoriano Correa, o boliviano Morales e o nicaraguense Ortega, que devem neste momento estar profundamente afetados pela derrota de um Governo aliado e cúmplice de seus abusos.

A outra excelente notícia é o lançamento no Chile do livro Diálogo de Conversos (Editorial Sudamericana, inédito no Brasil), escrito por Roberto Ampuero e Mauricio Rojas, que é, também no plano intelectual, um xeque-mate às utopias estatistas, coletivistas e autoritárias do presidente venezuelano Maduro e companhia e dos que ainda acreditam que a justiça social possa chegar à América Latina através do terrorismo e das guerras revolucionárias.

Roberto Ampuero e Mauricio Rojas acreditaram nessa utopia na juventude e militaram – o primeiro na Juventude Comunista e o segundo no Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR). Contribuíram assim para criar o clima de crepitação social e caos econômico e político que foi o Governo de Salvador Allende e a Unidade Popular. Com o golpe militar de Pinochet e o início de uma era de repressão, tortura e terror no Chile, ambos tiveram que fugir e se refugiaram na Europa. Ampuero foi à Alemanha Oriental e de lá a Cuba. Rojas rumou para a Suécia. No exílio, continuaram militando na esquerda mais radical contra a ditadura. Mas a distância, o contato com outras realidades políticas e ideológicas e, no caso de Ampuero, conhecer e padecer em carne própria o “socialismo real” (de pobreza, burocratização, censura e asfixia política) os levaram àquela “conversão” à democracia primeiro e ao liberalismo depois. Sobre isso dialogam no livro, que, embora seja um ensaio político e de filosofia social, é lido com o interesse e a curiosidade com que se leem os bons romances.

Ambos falam com extraordinária franqueza e fundamentam tudo o que dizem e acreditam com experiências pessoais, o que dá a seu diálogo uma autenticidade e um realismo de coisa vivida, de reflexões e convicções calcadas na história real e que estão, por isso, a anos-luz do ideologismo tão frequente nos ensaios políticos, sobretudo da esquerda, ainda que também da direita, que se move num plano abstrato, de confusa e presunçosa retórica, e que parece totalmente divorciado do aqui e agora.

A “conversão” de Ampuero e Rojas não significa sua transferência com armas e bagagem ao inimigo de outrora: nenhum dos dois se tornou conservador nem reacionário. Ao contrário. Ambos são muito conscientes do egoísmo, da incultura e do quanto é relativa a defesa da democracia feita por uma certa direita que no passado apoiou as ditaduras militares mais corruptas, que confundia liberalismo com mercantilismo e que só entendia a liberdade como o direito de se enriquecer por qualquer meio. E ambos, também, embora sejam muito categóricos ao condenar o estatismo e o coletivismo, que empobrecem os povos e cerceiam a liberdade, reconhecem a generosidade e os ideais de justiça que animam muitas vezes esses jovens equivocados a acreditar, como Che Guevara e Mao, que só alcançamos o verdadeiro poder empunhando um fuzil.

Seria bom que alguns liberais recalcitrantes, que veem no livre mercado a panaceia milagrosa, lessem neste Diálogo de Conversos os argumentos com que Mauricio Rojas, que aproveitou tão bem a experiência sueca – onde chegou a ser por um tempo deputado do Partido Liberal – defende a necessidade de que uma sociedade democrática assegure a igualdade de oportunidades para todos através da educação e da regulação fiscal. O objetivo é que o conjunto da população tenha oportunidade de poder realizar seus ideais e desapareçam esses privilégios que no subdesenvolvimento (e, às vezes, no países avançados) estabelecem uma desigualdade de origem que anula ou dificulta extraordinariamente que alguém nascido em setores desfavorecidos possa competir realmente e ter sucesso no campo econômico e social. Para Mauricio, que defende ideias muito sutis para o que chama de “moralizar o mercado”, o liberalismo é mais a “doutrina dos meios que dos fins”, pois, como pensava Albert Camus, não são estes últimos os que justificam os meios, mas o contrário: os meios indignos e criminosos corrompem e envilecem sempre os fins.

Roberto Ampuero conta, numa das mais emotivas páginas o que significou para ele, após viver na quarentena intelectual de Cuba e da Alemanha Oriental, chegar aos países livres do Ocidente e ter acesso aos livros censurados e proibidos. Mauricio Rojas confirma a experiência recordando como foi, nas salas e bibliotecas da Universidade de Lund, viver a transformação ideológica que o fez passar de Marx a Adam Smith e Karl Popper.

Ambos se referem extensamente à situação do Chile, a esse curioso fenômeno que levou o país que mais progrediu na América Latina – fazendo retroceder a pobreza e com o surgimento de uma nova e robusta classe média graças a políticas democráticas e liberais – a um questionamento intenso desse modelo econômico e político. E os dois concluem, com razão, que o desenvolvimento econômico e material aproxima um país da justiça e de uma vida mais livre, mas não da felicidade, e que inclusive pode distanciá-lo ainda mais dela se o egoísmo e a ganância se transformarem no norte exclusivo e excludente da vida. A solução não está em voltar aos velhos esquemas e enteléquias que empobreceram e violentaram os países latino-americanos, e sim em reformar e aperfeiçoar sem trégua a cultura da liberdade, enriquecendo as conquistas materiais com uma intensa vida cultural e espiritual, que humanize cada vez mais as relações entre as pessoas, estimule a solidariedade e a vontade de serviço entre os jovens e amplie sem trégua essa tolerância para a diversidade, permitindo que os cidadãos cada vez mais escolham seu destino e pratiquem costumes e crenças sem outra limitação que não causar danos aos demais.

Faz tempo que não aparecia em nossa língua um ensaio político tão oportuno e estimulante. Tomara que Diálogos de Conversos tenha os muitos leitores que merece.

Fonte: El País, 28/11/2015

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Mais um livro sobre o absurdo Estado tupiniquim: Patrimonialismo Brasileiro em Foco


Mais um livro sobre o problema central do Brasil: nosso Estado patrimonialista que, entra século, sai século, continua a persistir como característica forte do poder público e da mentalidade dos governantes nacionais. Trata-se de Patrimonialismo Brasileiro em Foco de Antonio Paim. Ver a resenha abaixo.

Arraigado Patrimonialismo
Não é infrequente atribuir boa parte das mazelas do Estado brasileiro ao patrimonialismo, que, entra século, sai século, continua a persistir como característica forte do poder público e da mentalidade dos governantes nacionais. No entanto, raras vezes o debate sobre a apropriação do Estado por uma elite burocrática versa sobre as reais causas do problema, sem conseguir apontar soluções consistentes e viáveis.

Diante desse cenário, o livro Patrimonialismo Brasileiro em Foco (Vide Editorial, 2015), de Antonio Paim, com a colaboração de Antonio Roberto Batista, Paulo Kramer e Ricardo Vélez Rodríguez, pode contribuir significativamente para o debate do tema. O propósito do texto é claro:
...urge (...) disciplinar a discussão do problema, sem o que não lograremos maiores êxitos nessa batalha. Defrontam-nos com uma longa e arraigada tradição que não será ultrapassada de modo fácil e seguro”.
Os autores tipificam o patrimonialismo como “o encastelamento em determinados núcleos do aparelho burocrático estatal de indivíduos que se valiam da circunstância para se locupletarem e, por que não dizê-lo, cuidar do próprio enriquecimento”. Eles querem “averiguar as possibilidades de outras estratégias”, tendo em vista que a privatização – tanto no Brasil, promovida nos anos 1990, como em outros países – não teve êxito em reduzir o poder econômico do Estado. E o que é mais grave: o retrocesso ocorrido nos últimos anos, com o fortalecimento do patrimonialismo durante os governos Lula e Dilma Rousseff.

A análise oferecida no livro desvela uma realidade habitualmente pouco notada: o patrimonialismo não faz distinções sociais. A dependência do Estado afeta pobres e ricos. Tanto os que recebem o Bolsa Família como os que recebem favores de uma eletiva desoneração tributária são dependentes do Estado e manipulados por ele. Naturalmente, as situações econômicas e sociais são muito díspares, mas a relação política com o poder público tem as mesmas cores – é uma relação de dominação, mantida pela oferta de ganhos de curto prazo.

O patrimonialismo produz uma inversão do papel do Estado. Ao invés de promover a autonomia individual e coletiva, o Estado busca manter todos subservientes aos seus interesses. Nesse sentido, o olhar sobre a eficácia das políticas públicas – tanto as assistenciais quanto as de desenvolvimento da indústria, por exemplo – deve ser o de “quantos saem” delas, e não apenas “quantos estão” nelas incluídos. O número de beneficiados pouco indica a qualidade e a legitimidade do investimento feito nessas políticas públicas.

Vê-se aí a tensão entre o curto e o longo prazo. Os benefícios obtidos no presente podem ser grilhões que impeçam um futuro qualitativamente superior. Mantém-se assim a dependência da sociedade ante o Estado, seja pela precariedade da situação social das famílias que recebem a bolsa assistencial do governo, seja pela falta de competitividade da indústria brasileira. Todos ficam à mercê das benesses do poder público, distribuídas não por critérios republicanos, mas como resultado de escolhas político-partidárias, que apenas fortalecem os ocupantes da burocracia estatal.

Aqui talvez esteja a falta mais grave dos governos petistas: desperdiçaram os anos de bonança da economia brasileira, que deveriam ser usados para a promoção de uma real independência dos indivíduos, no sentido de construção e fortalecimento de uma situação social e econômica de autonomia. O que se viu foi exatamente o oposto – a manutenção da situação de dependência, seja entre os favorecidos pelos programas sociais, seja entre os agraciados com as desonerações tributárias. A burocracia estatal saiu mais forte, a sociedade – cada indivíduo – saiu mais fraca.

Como alerta Antonio Paim, o agravamento da dependência estatal foi também resultado das equivocadas mudanças nos marcos regulatórios de importantes setores da economia. Um dos casos citados é o do petróleo. Em 2010 abandonou-se o sistema de concessão pelo sistema de partilha. Além de elevar as possibilidades de corrupção, a mudança do marco regulatório diminuiu a eficiência do setor, como se viu com a drástica redução do ritmo de crescimento da produção de petróleo. Entre 1988 e 2006 a produção praticamente dobrou, saltando de 1 milhão de barris/dia para 1,9 milhão; oito anos depois, no entanto, a produção diária era de 2,109 milhões de barris/dia.

O livro lembra que os governos petistas, a despeito de terem delegado certas obras à iniciativa privada, mantiveram-na atrelada ao seu domínio por meio de juros subsidiados do BNDES. Não houve um efetivo avanço institucional – mudaram-se as regras, mas a lógica permaneceu a mesma. Segundo os autores,
o enfraquecimento do patrimonialismo, através de reformas econômicas – notadamente a privatização –, dar-se-á na medida em que possibilitem a emergência de forças sociais cujos interesses possam contrapor-se aos da burocracia estatal”.
Não foi o que se viu nos últimos anos.

Ao longo da análise dos casos da Rússia – se as reformas econômicas de Boris Yeltsin foram capazes de enfraquecer o Estado patrimonialista – e da Europa – com as tensões entre os diversos países relativas à configuração e ao papel da União Europeia –, transparece a constatação de que o enfraquecimento do patrimonialismo ultrapassa o tema econômico. Há profundas questões políticas e culturais envolvidas, que não são superadas de “modo fácil e seguro”.

A atual crise brasileira pode ajudar a vislumbrar a necessária reforma do Estado. Os inegáveis méritos da Constituição de 1988, restabelecendo a democracia e garantindo direitos fundamentais, não podem enevoar a realidade de que o modelo de Estado ali proposto, além de insustentável, tem fortes veios patrimonialistas, ao colocar a sociedade como menor de idade, dependente da boa vontade do poder público. Boa coisa não é.
Nicolau da Rocha Cavalcante, advogado e jornalista

Fonte:
Estado de SP, 13/11/2015

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Estado petista: folha de salários da União, fora 142 estatais, passará este ano de R$ 100 bilhões

Estado petista: um enorme cabide de empregos para um bando de parasitas

O jornalista Fernão Lara Mesquita comenta, no texto abaixo, o enorme cabide de empregos em que se transformou o Estado brasileiro nas mãos do PT com seus funcionários públicos donos de salários de até R$152 mil em plena crise econômica. Os dados, retirados de reportagem do O Globo, mostram o quanto o corte em áreas vitais, como saúde e educação, e o aumento de impostos, reivindicado por Dilma, são absurdos.

 A libertação está nos fatos

Poucas vezes terá havido situação semelhante à deste nosso banquete de horrores no qual 90% dos comensais declaram-se com nojo da comida que lhes tem sido servida mas são obrigados a continuar a traga-la simplesmente porque não sabem pedir outro prato.

Na 2a feira, 19, O Globo publicou nova reportagem da série “Cofres Abertos” sobre a realidade do estado petista. O título era “Remuneração em ministério vai até R$ 152 mil”.


Eis alguns dados:

Lula acrescentou 18,3 mil funcionários à folha da União em oito anos. Em apenas quatro Dilma enfiou mais 16,3 mil. Agora são 618 mil, só na ativa. 103.313 têm “cargos de chefia”. Os títulos são qualquer coisa de fascinante. Ha um que inclui 38 palavras. “Chefe de Divisão de Avaliação e Controle de Programas, da Coordenação dos Programas de Geração de Emprego e Renda…” e vai por aí enfileirando outras 30, com o escárnio de referir um acinte desses à “geração de emprego e renda”…

O “teto” dos salários é o da presidente, de R$ 24,3 mil. Mas a grande tribo só de caciques constituída não pelos funcionários concursados ou de carreira mas pelos “de confiança”, com estrela vermelha no peito, ganha R$ 77 mil, somadas as “gratificações” que podem chegar a 37 diferentes. No fim do ano tem bônus “por desempenho”. A Petrobras distribuiu mais de R$ 1 bi aos funcionários em pleno “petrolão”, depois de negar dividendos a acionistas. A Eletronorte distribuiu R$ 2,2 bilhões em “participação nos lucros” proporcionados pelo aumento médio de 29% nas contas de luz dos pobres do Brasil entre os seus 3.400 funcionários. Houve um que embolsou R$ 152 mil.

A folha de salários da União, sem as estatais que são 142, passará este ano de R$ 100 bilhões, 58% mais, fora inflação, do que o PT recebeu lá atrás.


Essa boa gente emite 520 novos “regulamentos” (média) todo santo dia. Existem 49.500 e tantas “áreas administrativas” divididas em 53.000 e não sei quantos “núcleos responsáveis por políticas públicas”! Qualquer decisão sobre água tem de passar pela aprovação de 134 órgãos diferentes. Uma sobre saúde pública pode envolver 1.385 “instâncias de decisão”. Na educação podem ser 1.036. Na segurança pública 2.375!

E para trabalhar no inferno que isso cria? Quanto vale a venda de indulgências?

Essa conversa da CPMF como única alternativa para a salvação da pátria face à “incompressibilidade” dos gastos públicos a favor dos pobres não duraria 10 segundos se fatos como esses fossem sistematicamente justapostos às declarações que 100 vezes por dia, os jornais, do papel à telinha, põem no ar para afirmar o contrário. Se fossem editados e perseguidos pelas televisões com as mesmas minúcia, competência técnica e paixão com que seus departamentos de jornalismo fazem de temas desimportantes ou meramente deletérios verdadeiras guerras-santas, então, a Bastilha já teria caído.

Passados 10 meses de paralisia da nação diante da ferocidade do sítio aos dinheiros públicos e ao que ainda resta no bolso do brasileiro de 2a classe, com a tragédia pairando no ar depois do governo mutilar até à paraplegia todos os investimentos em saúde, educação, segurança pública e infraestrutura, a série do Globo é, no entanto, o único esforço concentrado do jornalismo brasileiro na linha de apontar com fatos e números que dispensam as opiniões de “especialistas” imediatamente contestáveis pelas opiniões de outros “especialistas” para expor a criminosa mentira de que este país está sendo vítima.

Nem por isso deixou de sofrer restrições mesmo “dentro de casa” pois apesar da contundência dos fatos, da oportunidade da denúncia e da exclusividade do que estava sendo apresentado, a 1a página do jornal daquele dia não trazia qualquer “chamada” para o seu próprio “furo” e nem as televisões da casa o repercutiram. O tipo de informação sem a disseminação da qual o Brasil jamais desatolará da condição medieval em que tem sido mantido, tornou-se conhecida, portanto, apenas da ínfima parcela da ínfima minoria dos brasileiros alfabetizados que lê jornal que tenha folheado O Globo inteiro daquele dia até seus olhos esbarrarem nela por acaso e que se deixaram levar pela curiosidade página abaixo.

É por aí que se agarra insidiosamente ao chão essa cultivada perplexidade do brasileiro que, em plena “era da informação”, traga sem nem sequer argumentar aquilo que já não admitia que lhe impingissem 200 anos atrás mesmo que a custa de se fazer enforcar e esquartejar em praça pública.

Do palco à platéia, Brasília vive imersa no seu “infinito particular“. Enquanto o país real, com as veias abertas, segue amarrado ao poste à espera de que a Pátria Estupradora decida quem vai ou não participar da próxima rodada de abusos, os criminosos mandam prender a polícia e a platéia discute apaixonadamente quem deu em quem, entre os atores da farsa, a mais esperta rasteira do dia.

Deter o estupro não entra nas cogitações de ninguém. A pauta da imprensa – e com ela a do Brasil – foi terceirizada para as “fontes” que disputam o comando de um sistema de opressão cuja lógica opõe-se diametralmente à do trabalho. Os fatos, substância da crítica que pode demolir os “factóides“, esses todos querem ocultados.


Perdemos as referências do passado, terceirizamos a “busca da felicidade” no presente, somos avessos à fórmula asiática de sucesso quanto ao futuro. Condenamo-nos a reinventar a roda em matéria de construção de instituições democráticas porque a que foi inventada pela melhor geração da humanidade no seu mais “iluminado” momento e vem libertando povo após povo que dela se serve, está banida das nossas escolas e da pauta terceirizada pela imprensa a quem nos quer para sempre amarrados a um rei e seus barões. Como o resto do mundo resolve os mesmos problemas que temos absolutamente não interessa aos “olheiros” dos nossos jornais e TVs no exterior que, de lá, só nos mostram o que há de pior…

A imprensa nacional está devendo muito mais à democracia brasileira do que tem cobrado aos outros nas suas cada vez mais segregadas páginas de opinião.

Fonte: Vespeiro, por Fernão Lara Mesquita, 24/10/2015

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Dilma diz ter dado as pedaladas fiscais para atender os mais pobres, mas de fato foi para pagar os mais ricos das grandes empresas

Míriam Leitão demonstra porque, de fato, Dilma não pedalou para atender aos pobres. A maior parte da dívida é com programas da bolsa empresário através dos subsídios para as grandes empresas no Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES.

Ao contrário, Dilma, ao permitir a volta da inflação, provocou queda do poder de compra das famílias brasileiras e encolhimento das vendas, atingindo mais diretamente os mais pobres.  Manter a taxa de inflação sob controle é a primeira política social real a se fazer. Vejam o texto abaixo com os destaques.

Destaque: 

Os governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma adotaram políticas criadas pelo governo militar. Tudo foi refeito: política de escolha de grupos vencedores, dinheiro barato financiado com os impostos do resto da população, fechamento da economia para reduzir a competição, regulação tendenciosa que beneficiava alguns em detrimento de outros. Na economia, nada foi mais parecido com o governo militar do que os governos do PT.
 Agora, Lula e Dilma estão usando mais uma vez o discurso populista para justificar o fato de o governo ter desrespeitado a Lei de Responsabilidade Fiscal, com o argumento de que o fizeram para atender aos pobres. Os números mostram o contrário. Das pedaladas de R$ 40 bilhões, R$ 6 bilhões foram de atrasos à Caixa Econômica para o pagamento de programas como Bolsa Família. A maior parte da dívida é com programas do bolsa empresário.
A quem se destina

por Míriam Leitão
A maior parte das pedaladas fiscais não foi feita para beneficiar os pobres, mas sim os muito ricos através dos subsídios para as grandes empresas no Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES. No Banco do Brasil, os atrasos são dos empréstimos para empresas do agronegócio. Nesses dois bancos se concentra a maior parte da dívida.

O grande empresariado bateu palmas e fez fila para pegar recursos do PSI. O programa gerou essa dívida de R$ 24,5 bilhões acumulada com o BNDES. Mas o custo não é só esse. O PSI é com taxa supersubsidiada. Mas todos os empréstimos do BNDES são com taxas mais baixas do que as que o Tesouro paga. Foram transferidos para o banco, para que ele emprestasse, outros R$ 500 bilhões. Sobre essa dinheirama há custos que continuarão pesando no bolso do contribuinte nos próximos anos, talvez décadas.

As despesas do Tesouro para carregar a dívida contraída para transferir recursos para o BNDES ou as contas da equalização de taxas de juros provam que a política econômica do PT se destinou aos mais ricos. O discurso demagógico de pedalada feita para favorecer os pobres é desmentido pelos fatos. O gasto com as grandes empresas foi infinitamente maior do que com os programas de transferência de renda.

Os governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma adotaram políticas criadas pelo governo militar. Tudo foi refeito: política de escolha de grupos vencedores, dinheiro barato financiado com os impostos do resto da população, fechamento da economia para reduzir a competição, regulação tendenciosa que beneficiava alguns em detrimento de outros. Na economia, nada foi mais parecido com o governo militar do que os governos do PT.

Agora, Lula e Dilma estão usando mais uma vez o discurso populista para justificar o fato de o governo ter desrespeitado a Lei de Responsabilidade Fiscal, com o argumento de que o fizeram para atender aos pobres. Os números mostram o contrário. Das pedaladas de R$ 40 bilhões, R$ 6 bilhões foram de atrasos à Caixa Econômica para o pagamento de programas como Bolsa Família. A maior parte da dívida é com programas do bolsa empresário.

O governo Dilma prejudicou também os mais pobres quando foi leniente com a inflação. Deixou que a taxa ficasse tempo demais perto do teto da meta e segurou artificialmente os preços administrados para elevá-los após as eleições. O resultado foi inflação perto de 10%, queda do poder de compra das famílias brasileiras e encolhimento das vendas.

A inflação sempre atingirá mais diretamente os mais pobres, por isso a primeira política social é manter a taxa sob controle. A estabilização foi um poderoso instrumento de inclusão e permitiu que políticas sociais tivessem resultado, aumentando o movimento de retirada de brasileiros da pobreza. Quando o governo permite uma taxa que chega a este nível calamitoso de agora — com o PIB encolhendo 3% — a consequência direta é retirar renda da população, principalmente dos mais pobres.

Por ação, através dos programas de subsídio às grandes empresas, e por omissão, ao deixar a inflação subir, o governo está fazendo o oposto do que deveria fazer. Está usando mais recursos públicos para os ricos; tirando renda dos mais pobres através da inflação.

Por isso, a conversa do ex-presidente Lula e a nota do Planalto são mais do que demagógicas. São falsas. As pedaladas não foram feitas para pagar os beneficiários do Bolsa Família porque faltou dinheiro. Como já disse aqui, outros programas tiveram, em 2014, por razões eleitorais, um aumento súbito, que foi revogado no ano seguinte. Mas, além disso, os números mostram a quem se destina a maior parte dos subsídios e subvenções pagos pelo Tesouro: às grandes empresas.

A ilusão de que o PT pudesse fazer o ajuste fiscal, corrigindo os erros que cometeu, já se desfez. Os gritos de “fora Levy” na reunião da CUT mostram que não há o que o ministro da Fazenda possa fazer. O partido não aceita ajuda para corrigir a bagunça que fez porque não acredita em responsabilidade fiscal. Foi por isso que a lei foi ferida tantas vezes nos últimos anos. Na opinião emitida por Lula na CUT, o país deve continuar desajustado. Faltou dizer quem paga a conta da desordem petista na economia.

Fonte: O Globo, 15/10/2015

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A culpa é do capitalismo que nos sustenta

O trecho que Gustavo Franco cita de Marx, em seu texto abaixo, é do Manifesto Comunista de 1848.

No período anterior à revolução burguesa, a expectativa de vida em geral ficava na faixa dos 30 anos.

Neste nosso século, dependendo do lugar (os mais "capitalistas", claro), a expectativa de vida chega aos 83 anos.

No Manifesto Comunista citado, Marx afirmava:

[A burguesia] demonstrou o que a atividade humana pode realizar. Construiu maravilhas maiores que as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas. [...] a burguesia logra integrar na civilização até os povos mais bárbaros. [...] Durante sua dominação, que ainda não completou um século, a burguesia desenvolveu forças produtivas mais maciças e colossais que todas as gerações anteriores. Dominação das forças da natureza, maquinaria, aplicação da química na indústria e na agricultura, navegação a vapor, estradas de ferro, telégrafo elétrico, desbravamento de regiões inteiras [...].
Marx descrevia a situação vigente em 1848. Falava da revolução industrial. O que diria do mundo de hoje, o da revolução da informação, da bioengenharia, da inteligência artificial?

Por que então tanto preconceito com o mais bem-sucedido sistema econômico que a humanidade já inventou? Por causa da usura? Não havia usura antes do capitalismo? Pela exploração de uns sobre outros? Não havia exploração antes da vigência do capitalismo? Pela pobreza que supostamente seria causada pelo capitalismo que de fato é responsável pela riqueza do mundo? Não havia pobreza antes do capitalismo? Sim e, ao contrário de hoje, generalizada. De fato, com o advento da economia de mercado e das democracias liberais, nunca antes a humanidade, embora de forma não homogênea, teve tanta riqueza e tanta mobilidade social. 

Não se trata de encarar o capitalismo ou a economia de mercado (prefiro esta definição) como alguma panaceia universal, algum totem indiscutível. Trata-se de parar de demonizar esse sistema econômico, como se faz no Brasil, por ignorância ou má-fé, buscar entendê-lo e tornar o país capaz de se integrar no mundo globalizado. No mínimo, porque, até agora, a humanidade não inventou nada melhor para substituí-lo.

Precisamos falar sobre capitalismo

por Gustavo H. B. Franco
No Brasil, pouca gente sabe definir o que é, mas muitos odeiam o capitalismo. O Instituto Millenium (uma ONG dedicada a promover os valores da liberdade, democracia e economia de mercado), um dia desses, colocou uma pessoa na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, perguntando aos transeuntes o que pensavam sobre o assunto. Três de cada quatro entrevistados ficaram nervosos com a pergunta, recuavam temerosos do microfone, ou resmungavam desconfortos variados como “aqui no Brasil não tem isso não”, “sei não senhora” e que tais. 

O restante das respostas, inclusive de uma professora do ensino médio, refletiu o que se esperaria obter de uma região outrora conhecida como a Brizolândia.

Em um belo livro recentemente lançado (Capitalismo: modo de usar) Fábio Giambiagi concentra essa mesma mensagem na sua epígrafe, uma fala de Fernando Henrique Cardoso dirigida a Armínio Fraga antes de sua sabatina no Senado, como parte de sua nomeação para a presidência do Banco Central. Sem pretender precedência, registro apenas que ouvi esse conselho igualzinho nas duas ocasiões em que fui sabatinado. Eis a sabedoria:
O Brasil não gosta do sistema capitalista. Os congressistas não gostam do capitalismo, os jornalistas não gostam do capitalismo, os universitários não gostam do capitalismo.” 
Como explicar essa estranha hostilidade ao sistema econômico que prevalece em todo o planeta, excetuadas algumas comunidades primitivas isoladas no Caribe e na Ásia, e cujo indiscutível e extraordinário sucesso aniquilou qualquer concorrência?

Afinal, o capitalismo é o sistema econômico baseado na propriedade privada, na liberdade de empreender, na letra da lei, e na centralidade do mercado para estabelecer os preços. Que há de tão errado com isso?

O fato é que são reveladoras as respostas ouvidas na Brizolândia. Em primeiro lugar, destaque-se a apatia, muito provavelmente incentivada por valores nossos, mal cultivados. Hierarquias e privilégios parecem mais naturais no Brasil que a igualdade diante da lei e a impessoalidade. Valores “maiores” parecem prevalecer sobre os da contabilidade ou da sustentabilidade: os balanços fecham no Palácio, os patrimônios “não têm preço”, prejuízos “não importam”, e a criatividade permeia as partidas dobradas. E, por fim, o mercado, a meritocracia e a competição são coisas para nossos inimigos, pois é o que se passa na “rua” e não na “casa”, como ensina Roberto da Matta. 

Em segundo lugar, trata-se do sucesso do capitalismo como se houvesse dúvida sobre isso. O próprio Marx em seu famoso manifesto, em 1848, as eliminou ao afirmar que “a burguesia, em seu reinado de apenas um século, gerou um poder de produção mais massivo e colossal do que todas as gerações anteriores reunidas”. O erro estava em prever o colapso do sistema, ou exagerar nos efeitos colaterais.

Sobre desigualdade, é preciso cuidado com um sofisma muito comum. O progresso material não é igual em diferentes regiões do planeta, ou mesmo dentro de um país. Muitas regiões do continente africano vivem hoje do mesmo jeito que viviam há 500 anos, e nessa ocasião os nativos da região hoje conhecida como a Califórnia estavam nessa mesma faixa de renda. 

Em nossos dias, diante da brutal diferença de bem-estar entre essas regiões, pode-se distinguir ao menos dois tipos de reações: de um lado, os que se encantam com o desenvolvimento californiano e procuram emular seus valores, e de outro, os que afirmam que esses 500 anos de capitalismo aprofundaram a desigualdade (fato estatístico indiscutível, eis que uma das regiões simplesmente ficou estacionada) ou que, um tanto mais canhestramente, os californianos ficaram ricos explorando os africanos, ou os mexicanos. Ou seja, o vilão é quem deu certo, e o sucesso é sempre pecaminoso, segundo a Brizolândia.

O fato é que, contrariamente aos países onde as virtudes burguesas - empreendedorismo, parcimônia, iniciativa e integridade - são louvadas, nosso capitalismo meio patrimonialista sempre foi visto como um jogo de cartas marcadas, onde os valores a cultivar eram outros: conexões com o governo, imprevidência, reservas de mercado e malandragem.

Um “capitalismo pela metade” pode produzir um sucesso pela metade (ou um “meio fracasso”, um país eternamente do futuro), com distorções imensas, como ocorreu no Brasil dos anos 1980, e mesmo um retrocesso, como na Argentina. As nações podem simplesmente fracassar.

Em um famoso discurso no Senado em junho de 1989, o senador Mário Covas, um homem de centro-esquerda e inatacáveis credenciais nacionalistas, proclamou que o Brasil precisava de um “choque de capitalismo”. Era um desabafo a propósito da democracia que ele tanto lutara para reconstruir, e que vivia, naquele mês, uma inflação de 28,6%. A democracia não deveria levar o país à insensatez econômica. Covas disputava a presidência, e no primeiro turno obteve apenas 11,5% dos votos, ficando em quarto lugar. Em dezembro, quando ocorreu o segundo turno, a inflação rompeu oficialmente a barreira da hiperinflação: 51,5% naquele mês. 

Covas estava correto em que havia algo de muito errado nesse nosso “anticapitalismo” patológico e fora de época, mas o paciente não estava convencido do tratamento. Ainda era forte a demanda por mágica.

Diversos choques se seguiram, mas o de capitalismo só avançou mesmo com o “não choque” representado pelo Plano Real e suas reformas: privatização, responsabilidade fiscal, abertura e as outras que, em seu conjunto, trouxeram a inflação brasileira para níveis de primeiro mundo. Quem poderia imaginar que o sucesso do Plano Real seria o resultado de reformas com o intuito declarado de fazer do Brasil uma economia de mercado por inteiro?

Não obstante, as reformas enfrentaram enorme resistência, essa é a maldição da Brizolândia: uma minoria de perdedores do processo de modernização é capaz de bloquear o que é novo, pois a maioria beneficiada permanece mergulhada na apatia. Os ganhos são dispersos, e os custos concentrados em minorias despojadas de seus privilégios, o velho problema das reformas e a razão pela qual elas são implementadas por estadistas e não por gerentonas ou líderes populistas.

É caprichosa a História, que organiza uma volta ao passado pela ascensão de um líder operário, a quem coube interromper o avanço do capitalismo no Brasil antes que começasse a modernizar demais as coisas. O Brasil mergulha num conservadorismo metido a progressista, cuidadoso e inercial no início, mas que adquire uma feição mais concreta já mais perto de 2008, quando entramos para valer num capitalismo companheiro, ou de quadrilhas e boquinhas.

Não é a inflação que explode, mas a corrupção, uma outra expressão para o fracasso desse capitalismo “pela metade” sobre o qual não vale a pena gastar nem dois tostões de sociologia. Que o digam Joaquim Barbosa e Sergio Moro. Bobos fomos nós em levar a sério a “nova matriz” e outras ridículas vestimentas heterodoxas de que se serviu o cronismo caudilhesco que aqui se implantou. Não era keynesianismo, nem estruturalismo, mas apenas desonestidade, inclusive intelectual.

Fonte: Estado de São Paulo, 27/09/2015

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Fundos DI, Tesouro Direto e títulos de bancos superam o retorno da poupança

Fundos DI, Tesouro Direto e títulos de bancos superam o retorno da poupança
Em agosto, a poupança superou a inflação, porém continua o pior investimento do ano. Abaixo dicas de outros investimentos que têm batido a poupança.

4 investimentos simples e seguros que batem a poupança

São Paulo - O rendimento da poupança tem sido bem inferior ao de outros investimentos , mas tem quem deixe o dinheiro aplicado na caderneta por pura falta de conhecimento sobre as outras opções de aplicações disponíveis no mercado.

Para te ajudar na tarefa de explorar boas oportunidades de investimento, ou deixar a preguiça de lado (se esse for o caso) e, enfim, buscar um retorno melhor para o seu dinheiro, EXAME.com listou algumas aplicações que podem ser boas alternativas para quem sempre quis se divorciar da poupança, mas tem medo de se aventurar por outros mares.

São investimentos com baixo risco, pouco complexos e com rendimentos que deixam a poupança no chinelo. Veja a seguir.

Tesouro Selic

O Tesouro Selic (antes chamado de LFT) é um título público, negociado por meio da plataforma de negociação online Tesouro Direto. Ele paga ao investidor a variação da taxa básica de juros - a taxa Selic - durante o período da aplicação.

Como o emissor dos títulos é o governo, ele tem baixíssimo risco de crédito, que seria o risco de o emissor desonrar o pagamento. “O risco é menor do que o da poupança, já que, enquanto a poupança conta com a segurança do FGC [Fundo Garantidor de Crédito], o Tesouro Direto conta com a segurança do governo”, diz André Moraes, analista da XP Investimentos.

Ainda que alguns investidores questionem se o risco de calote dos títulos públicos é de fato baixo, economistas dizem que a probabilidade de o governo desonrar os pagamentos dos títulos é remota. Apenas para citar um dos argumentos que reforça o baixo risco de crédito do Tesouro, como os títulos são emitidos em reais, no limite o governo poderia emitir papel-moeda para honrar os pagamentos (veja por que o risco de calote do Tesouro é baixíssimo).

Diferentemente de outros títulos públicos, o Tesouro Selic também não apresenta risco de prejuízo ao ser vendido antes do prazo, já que ele paga a variação da taxa Selic, que é sempre positiva. No máximo ele pode ter um pequeno deságio, que seria uma taxa deduzida da variação da Selic paga para compensar o Tesouro pela venda antes do prazo em um momento de baixo interesse pelo papel.

Mas nada que se compare ao risco de prejuízos dos outros títulos, que ao serem vendidos antes do vencimento podem gerar perdas significativas do valor investido (conheça os riscos de cada título).

Outra grande vantagem, comum a todos os títulos públicos, é que eles são muito democráticos: o investidor que aplica 100 reais tem exatamente a mesma rentabilidade de quem aplica 1 milhão de reais.

O investimento também é bem acessível. O investidor pode comprar apenas uma fração de um título, desde que não compre menos de 1% de um título e não invista menos de 30 reais. Como o Tesouro Selic é atualmente vendido por 7.058,52 reais, com 70,58 reais (1% do título) já é possível fazer a aplicação (veja os preços dos títulos à venda).

É importante tomar cuidado com as taxas de administração cobradas pelas instituições financeiras autorizadas a negociar os títulos públicos, chamadas de agentes de custódia. Enquanto algumas isentam o investidor do pagamento dessa taxa, outras chegam a cobrar até 2% ao ano, o que compromete os ganhos (confira a lista de agentes de custódia e as taxas cobradas por cada um deles).

Uma das principais desvantagens dos títulos públicos é o desconto de Imposto de Renda (IR): aplicações feitas em até 180 dias são tributadas à alíquota de 22,5%; de 181 dias a 360 dias o imposto cai para 20%; de 361 a 720 dias vai para 17,5%; e acima de 721 dias é aplicada a menor alíquota, de 15%. 

Ainda assim, o rendimento do Tesouro Selic em um ano (quando o desconto de IR é de 20%) é de 11,48%, considerando a Selic atual, de 14,25% ao ano. Ou seja, fica bem acima dos 7,56% ao ano da poupança (rentabilidade da caderneta nos últimos 12 meses, segundo a Calculadora do Cidadão, do Banco Central), que é isenta de IR.

Certificado de Depósito Bancário (CDB)

Ao aplicar em um CDB, o investidor empresta dinheiro ao banco e é remunerado por isso, enquanto o banco utiliza os recursos captados para emprestá-los a outros clientes. Assim, o banco pega o seu dinheiro em uma ponta e empresta na outra, pagando uma taxa menor para captar do que aquela cobrada para emprestar, o que garante seu lucro.

O mais comum é que os CDBs sejam pós-fixados e atrelados à taxa DI, o que significa que eles pagam ao investidor certo percentual dessa taxa, que fica muito próxima à taxa Selic.

Moraes, analista da XP Investimentos, afirma que os CDBs podem ser uma boa alternativa à poupança, sobretudo pelo baixo risco. “Esse investimento tem exatamente a mesma segurança que a poupança porque ambos contam com a garantia do Fundo Garantidor de Crédito [FGC], mas o retorno do CDB chega a ser o dobro do retorno da caderneta”, diz.

O FGC é uma entidade mantida pelos próprios bancos para garantir a segurança do mercado financeiro. Em caso de quebra do banco, ele reembolsa ao investidor o seu prejuízo, mas até o limite de 250 mil reais por conta e por CPF. Ou seja, se o investidor aplicar 300 mil reais em um só banco, mesmo que o valor seja dividido entre títulos diferentes, o limite de reembolso é de apenas 250 mil reais.

Além disso, como a proteção é válida por conta, mesmo que duas pessoas sejam titulares de uma conta conjunta o reembolso em caso de prejuízo será de 250 mil reais e não de 500 mil reais.

Ainda que os CDBs sofram desconto do Imposto de Renda (IR) – enquanto LCIs e LCAs são isentas, como será visto a seguir – o banco pode oferecer uma rentabilidade mais alta para os CDBs do que para os investimentos isentos porque os valores captados com esse título não precisam ser destinados para uma linha de crédito específica, como ocorre com as LCIs e LCAs.

É importante, portanto, comparar a rentabilidade líquida do CDB (descontado o IR), para verificar se sua remuneração é superior a de outros investimentos que são isentos.

Vale ressaltar que o CDB é um produto cujas taxas de remuneração costumam ser negociadas com o banco. Assim, se você for um cliente antigo, ou tiver um bom volume de recursos para investir, não deixe de tentar negociar uma taxa maior.

Os bancos menores costumam oferecer taxas mais atraentes, já que eles têm mais risco de quebrar e não captam clientes com a mesma facilidade dos bancos grandes e mais conhecidos. Nos bancos médios é possível encontrar facilmente CDBs que pagam mais de 100% da taxa DI, já nos bancos médios normalmente é oferecido um percentual de 90% da taxa, ou menor.

Outra vantagem dos CDBs é que muitos oferecem liquidez diária, ou seja, permitem o resgate do valor investido a qualquer momento. No entanto, as melhores remunerações são obtidas nos CDBs de longo prazo, com vencimento em um, dois ou três anos.

No caso do banco Sofisa, por exemplo, um CDB com liquidez diária paga 100% do CDI, já um CDB com prazo de três anos, que só permite o resgate no vencimento, rende 110% do CDI.

Os CDBs também costumam ser muito acessíveis. No banco Sofisa, por exemplo, é possível investir com apenas 1 real.
Letra de Crédito do Agronegócio (LCA)

A LCA é o título emitido pelos bancos para financiar participantes da cadeia do agronegócio. Sua principal vantagem é a isenção de IR, benefício concedido pelo governo como forma de incentivar o crédito ao setor.

Já as desvantagens da LCA são os prazos de vencimento mais longos e a exigência de aportes maiores do que o CDB. Alguns bancos exigem aportes de dezenas de milhares de reais para a LCA, ou podem nem oferecer esta opção. No entanto, bancos como o Sofisa já oferecem LCAs com aportes mínimos de 1 real.

André Moraes, analista da XP, afirma que, por mais que a oferta de CDBs seja mais abundante e as LCIs e LCAs tenham ficado mais escassas nos últimos anos, o investidor ainda consegue encontrar esses títulos sem grande dificuldade no mercado. “É possível encontrar produtos na prateleira com boas taxas, de até 97% da taxa DI, e com aportes mínimos de 10 mil reais”, diz.

As LCAs também contam com a proteção do FGC, assim possuem o mesmo risco de crédito que a poupança, que também é protegida pela entidade.

A baixa liquidez, ou seja, a dificuldade de resgatar os recursos antes do prazo deve ser um ponto a ser considerado. “Algumas LCAs têm prazos de vencimento superiores a um ano ou dois e o investidor não consegue resgatar os recursos antes desse prazo”, diz Moraes.

Assim, por mais que a rentabilidade da LCA seja superior a de outras opções, como os CDBs, a aplicação pode não valer a pena para investidores que não têm certeza se realmente podem abrir mão dos recursos durante o prazo do investimento.
Letra de Crédito Imobiliário (LCI)

Muito semelhante à LCA, a LCI também conta com isenção de IR e é o título emitido pelos bancos para obtenção de recursos destinados a financiamentos do setor imobiliário. Sua desvantagem pode ser o aporte inicial elevado e o prazo mais longo.

Assim como as LCAs, é mais comum que os bancos exijam aportes elevados para investimentos em LCIs. Mas, novamente, vale ressaltar que alguns bancos podem aceitar aportes menores, como o Sofisa, que permite ao investidor aplicar em LCIs com apenas 1 real.

A remuneração da LCI, assim como do CDB e da LCA, pode variar muito de acordo com a estratégia de cada banco. Se por ventura o banco precisar captar recursos para fornecer crédito a um empreendimento imobiliário, por exemplo, ele pode emitir LCIs com taxas superiores às taxas da LCA e do CDB.

Por isso, é importante pesquisar entre diferentes bancos as taxas oferecidas e comparar as rentabilidades dos CDBs, LCIs e LCAs para checar qual título oferece o maior rendimento - lembrando que, ao comparar o rendimento com o CDB é importante descontar o IR cobrado.

A LCI tem o risco de crédito semelhante ao da poupança e da LCA, já que também conta com a proteção do FGC. 
Fundos DI

Os fundos referenciados DI são tipos de fundos que aplicam majoritariamente em investimentos que acompanham as variações da taxa DI. Eles oferecem baixo risco, já que os investimentos atrelados à taxa DI costumam ser conservadores.

Apesar de não contarem com a proteção do FGC, como os fundos possuem CNPJ próprio, por mais que a instituição responsável pelo fundo vá à falência, o fundo não é afetado, apenas passa a ser gerido por outra instituição.

William Eid, professor da Fundação Getúlio Vargas cita como principal vantagem dos fundos sua facilidade. “A partir de 100 reais é possível investir em fundos DI, enquanto LCIs, LCAs e CDBs, principalmente nos grandes bancos, exigem aportes maiores”, afirma.

As desvantagens do investimento são a taxa de administração e o desconto de IR, cobrado por meio do sistema de tributação conhecido como "come-cotas", no qual o imposto é cobrado duas vezes ao ano (em maio e novembro) e é deduzido por meio da redução do número de cotas do fundo - daí seu apelido. 

Ainda que esses fundos possam atingir o rendimento de 100% da taxa DI, como alguns CDBs e o Tesouro Selic, com o desconto da taxa de administração eles podem facilmente perder dessas outras aplicações. As taxas variam bastante, mas costumam partir de 1% e chegam a até 5% ao ano, taxa considerada caríssima.

Outro problema dos fundos DI é que não existe nenhuma garantia de que o fundo conseguirá atingir a uma rentabilidade de 100% da taxa DI, portanto cabe ao investidor buscar um gestor com bom histórico, que seja capaz de bater a taxa DI.

Por conta dessas desvantagens, André Moraes defende que os fundos DI são interessantes apenas para investidores que querem deixar toda a responsabilidade para o gestor.

“Eles são indicados somente para investidores que não querem se preocupar de forma alguma com prazos, onde investir, etc. Por mais que o gestor do fundo seja muito bom, por causa da taxa de administração ele nem sempre ele consegue superar a taxa DI, enquanto CBDs, LCIs e LCAs, superam facilmente", diz Moraes.
Comparativo

Confira na tabela a seguir uma comparação entre os rendimentos de cada uma das aplicações citadas acima em prazos de um ano e dois anos e o investimento mínimo de cada uma delas. 

No caso dos CDBs, LCIs e LCAs foram considerados percentuais da taxa DI comumente oferecidos no mercado, mas os rendimentos podem variar de acordo com o banco. E no caso dos fundos DI foi considerada uma rentabilidade de 100% da taxa DI, mas, da mesma forma, dependendo da gestão, o fundo pode apresentar uma rentabilidade superior ou inferior à apresentada abaixo.

Aportes e rendimentosTesouro SelicCDBLCILCAFundos DI
Investimento mínimoR$ 70,58 (1% do título que atualmente custa R$ 7.058,52R$ 1,00**R$ 1,00**R$ 1,00**R$ 100,00
Rendimento em um ano*11,48% (investimento por instituições que não cobram taxa de administração)11,76% (CDBS que pagam 100% do DI)12,75% (LCI que paga 90% do DI)12,75% (LCA que paga 90% do DI)10,93% (fundo DI que rende 100% da taxa DI, com taxa de administração de 1% ao ano)
Rendimento em 25 meses*(quando o IR cai para 15%)26,50% (investimento por instituições que não cobram taxa de administração)27,19% (CDBS que pagam 100% do DI)28,39% (LCI que paga 90% do DI)28,39% (LCI que paga 90% do DI)25,40% (fundo DI que rende 100% da taxa DI, com taxa de administração de 1% ao ano)
*Para facilitar o cálculo, todos os rendimentos da tabela consideraram uma taxa DI igual à atual taxa Selic, de 14,25% ao ano. Apesar de ficar próxima à taxa Selic, no entanto, a taxa DI costumam ficar um pouco abaixo da taxa básica de juros.

**1 real é o investimento mínimo exigido pelo Banco Sofisa, mas outros bancos costumam exigir aportes maiores, sobretudo no caso das LCIs e LCAs, que costumam exigir investimentos de pelo menos 10 mil reais.


Diversifique

Ainda que as aplicações citadas estejam entre as mais conservadoras do mercado, nenhum investimento está totalmente livre de riscos.

Por isso vale a pena seguir a velha e boa dica de não colocar todos os ovos numa cesta só. Assim, você não corre o risco de concentrar todos os recursos em um investimento e perder 100% do dinheiro se o improvável ocorrer, afinal outros investimentos podem segurar a onda.
Fonte: Exame, por Priscila Yazbek, 20/08/2015

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