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quinta-feira, 10 de março de 2022

Guerra da Ucrânia aproximou a esquerda jurássica da direita bolsonarista no apoio ao ditador Putin


Invasão da Ucrânia pela Rússia lembra o discurso e a política insana de Hitler

No texto abaixo, originalmente intitulado A esquerda da Guerra Fria e a invasão da Ucrânia, Wilson Gomes, doutor em Filosofia e professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA, tenta explicar porque boa parte da esquerda brasileira apoia, lado a lado com Bolsonaro & Cia, a infame guerra do autocrata Putin contra a soberana vizinha Ucrânia.

Com esse objetivo, ele salienta o fato de que parte expressiva da esquerda é profundamente autoritária e, na mesma medida, dogmática. Que a contragosto "aceitou" a democracia liberal porque sua "revolução" naufragou pelas mãos dos socialismos reais fracassados, mas  que permanece presa à ideia dimperialismo capitalista como o grande inimigo geopolítico da humanidade. Essa ideia não deixa de ser gozada, pois a Rússia atual é um país capitalista governado por um sujeito que, embora tenha sido da polícia política da URSS comunista, a sinisttra KGB, tem um perfil de direitista conservador.

Pessoalmente, acho que a esquerda brasileira é majoritariamente anacrônica, retrógrada, mofada,  autoritária e brega. Mesmo os movimentos sociais que, nos idos dos anos 70 e 80, como o feminista, gay e negro, tinham um caráter libertário e destoavam dessa esquerda "Guerra Fria", descambaram para a patrulha ideológica da sociedade, sempre buscando cancelar quem discorda de sua agenda, impor uma espécie de novilíngua e a reescritura da História. Parecem mais um capítulo perdido da obra-prima de George Orwell, 1984, que foi encontrado recentemente e anexado ao original.

Então, hoje é a esquerda democrática que ocupa a periferia do conjunto da esquerda local e subsiste na base da honrosa exceção que apenas confirma a regra do autoritarismo como parte do DNA da turma.

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várias esquerdas e cada vez mais diversas entre si. É um fato, não um juízo de valor. Afinal, o que faz alguém se colocar à esquerda no espectro ideológico não uniformiza cada compreensão do mundo, cada valor ou cada princípio.

Como já disse outras vezes, a esquerda é aquela posição em um regime republicano que responde a duas decisões fundamentais:
  • A igualdade política, base da democracia, precisa produzir também (mais) igualdade social;
  • A forma institucional da comunidade política, o Estado, é um instrumento básico para a promoção da justiça social.
Se você defende a todo custo a liberdade e a igualdade políticas, é um democrata. Se você, além disso, não abre mão de direitos e garantias fundamentais, nem de viver em um Estado de Direito, então é um liberal-democrata. Mas se, enfim, considera que uma sociedade justa é aquela em que, além disso, a igualdade social é uma meta essencial, você é de esquerda. Quanta igualdade social é imprescindível haver, quanto o Estado precisa considerar isso a sua prioridade, se afinal se trata de igualdade de bens ou igualdade de oportunidades, é discutível, e daí decorrem variações, mas ninguém é de esquerda se achar que as desigualdades fazem parte da paisagem ou não podem ou devem ser resolvidas.

Fora esse combinado social, o resto são diferenças. E enganos. Há quem ache, por exemplo, que uma vez que a esquerda, por definição, é a favor da mudança social e contra qualquer tipo de injustiça, todo indivíduo de esquerda é progressista. Não é. Uma fração da esquerda é muito conservadora do ponto de vista moral. Outros gostam de pensar que, posto que a esquerda é uma posição que naturalmente atrai os intelectuais e descende do Iluminismo, todo mundo na esquerda tem mente aberta, é flexível e confia na força dos argumentos como forma de persuasão. Nada mais falso. Uma parte expressiva da esquerda é profundamente autoritária e, na mesma medida, dogmática.

Por fim, dado que a esquerda em geral está sempre pronta para defender liberdades civis e políticas, ou para se bater pela igualdade entre as pessoas, nos acostumamos a imaginar que as pessoas que se dizem de esquerda sejam todas convictamente democráticas. Um constrangedor engano, pois uma franja da esquerda, se tiver que escolher a igualdade econômica e a democracia, escolherá sempre pelo socialismo. Muitos são democratas relutantes, na espera de uma “coisa melhor” que nunca chegou, outros abrem facilmente mão da democracia, de alguns ou vários dos princípios que a constituem, desde que alguns dos valores da própria esquerda se materializem.

Isso é particularmente notável na esquerda de 2ª geração (2G) marxista, que acrescentou aos dois combinados fundamentais da esquerda pré-maxista mais um par de convicções. Esta esquerda, nascida no século 19, mas cujo imaginário foi lapidado no século 20, entre a Revolução Bolchevique e a Guerra Fria, é mais socialista que republicana. É uma esquerda que só aceitou com resignação e relutância a democracia liberal quando a Revolução não veio e/ou quando os socialismos reais fracassaram.

Pois na esquerda 2G toda democracia autêntica tem que ser direta (contra o Governo Representativo); todas as genuínas forças da sociedade estão na base social (basismo); propriedade e lucro são anátemas, vez que são frutos do sangue do trabalhador (anticapitalismo); tem que haver alinhamento e simpatia automáticos com as formas de luta dos trabalhadores (trabalhismo); a igualdade política e as liberdades são menos importantes do que a igualdade social; o imperialismo capitalista é o grande inimigo geopolítico do homem (anti-imperialismo seletivo).

Claro, a esquerda gosta de pensar que a direita é um campo fértil para o conservadorismo. E é verdade. Ou que a direita é que facilmente descamba para a autocracia, que acolhe as posições mais autoritárias e mais dogmáticas e coisas do gênero. Também é verdade. Mas é só aparecer uma oportunidade e as tendências conservadoras, autoritárias, dogmáticas e até autocráticas que também estão presentes na esquerda vão escorrer pela esfera pública, à vista de todos.

A guerra na Ucrânia tem sido um bom experimento para isso, e uma parte da esquerda, justamente a esquerda 2G, está penosamente mostrando as suas dificuldades. Anos e anos em que foi lavrada a convicção de que o capitalismo e o imperialismo são os problemas políticos centrais da humanidade, tornou uma geração da esquerda incapaz de condenar com nitidez e decisão a invasão da Ucrânia pela Rússia.

E quando falo “geração de esquerda”, me refiro ao software em funcionamento no aparelho mental das pessoas, não à idade dos envolvidos. Nesse sentido, Lula e Leonardo Boff são da mesma geração que Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, por exemplo.

Pois bem, a esquerda 2G acha que invadir um país é uma coisa deplorável, todos fizeram questão de afirmar isso. Isto posto, alguma coisa no seu DNA lembra que os russos estão associados ao bem e os norte-americanos ao mal, que a Otan é o imperialismo ocidental, que o capitalismo do Ocidente quer só explorar os povos.

Aí, pronto, como condenar a Rússia, coitada, espremida em seu espaço vital, sob constante avanço e provocação do Oeste Europeu e dos Estados Unidos? Como aceitar embargos contra a Rússia sem que a memória ative automática e inconscientemente os sentimentos e convicções sobre o embargo a Cuba? Então, dá-lhe racionalizações para evitar a dissonância cognitiva entre algumas das suas mais arraigadas crenças – pelas quais, inclusive, orientam o seu afeto – e os fatos desconcertantes de uma invasão brutal e moralmente injustificada, que Putin levou a termo como parte de um sombrio projeto de poder.

Em um de seus discursos insanos, Putin diz que a guerra é para salvar a Ucrânia
Foi assim que depois das ressalvas que agora são obrigatórias, sobre o erro da invasão russa, Leonardo Boff declarou no Twitter:
A OTAN incorporou a Polônia, os países bálticos e outros da área do Pacto de Varsóvia. É o expansionismo dos USA usando os vassalos europeus. Por trás da crise da Crimeia estão estas traições. Se ela entrar na OTAN os mísseis da OTAN alcançarão a Rússia em segundos. E a segurança?”.
E quando a ONU condenou a invasão e sanções foram aplicadas, Boff protestou e admoestou:
Estimo que o Ocidente (USA/NATO) está exagerando nas sanções c/a Rússia. Cuidado que o autoritário líder russo possa se sentir uma fera acuada e se defenda com todos os meios até com os mais letais para a humanidade. A Rússia não é um Iraque ou Afeganistão, fracos. É uma potência nuclear”.
E mesmo Lula, que retardou o máximo possível um juízo sobre o conflito, provavelmente escutando seus consultores de confiança, foi claro na desaprovação da invasão, mas o fez em nome do pacifismo, dos custos da guerra, da confiança na cooperação. E não esqueceu do essencial doisladismo de quem precisa ao mesmo tempo condenar o imperialismo norte-americano:
É inadmissível que um país se julgue no direito de instalar bases militares em torno de outro país. E é absolutamente inadmissível que um país reaja invadindo outro país”.
Alguém notou que nenhuma palavra foi dita sobre a Ucrânia, apenas geopolítica realista, mas com uma repreensão ao imperialismo que instalou bases “em torno” da pobre Rússia. Mesmo argumento de Boff:
Vocês tolerariam um canhão diante da porta de sua casa?”.
Causa espécie, a este ponto do conflito e do que nós sabemos sobre ele, o esforço de explicar os feitos de Putin como reação, uma vez que estava acossado pela Otan e pelo poder militar do Ocidente Europeu, que chegou ao ponto de colocar mísseis no jardim do pobre homem.

Mas a racionalização alcança também a desqualificação da Ucrânia pelas mais variadas e coloridas razões. Houve quem destacasse o fato de o presidente do país invadido ser um comediante profissional, um ator, um populista, de pouco valor. Houve quem, como Guilherme Boulos, destacasse que a Ucrânia está do outro lado da batalha ideológica:
 Mas é fato que, desde 2014 a Ucrânia tem forças políticas relevantes de extrema-direita. A principal facção delas se chama Movimento Azov, organização paramilitar integrada por células neonazistas acusadas de tortura, saques, estupros e limpeza étnica”.
E houve quem sublinhasse o fato de que o país não podia ter provocado Putin fazendo amizade com a Otan.

Com isso, estava pronto o discurso para uma condenação, relutante, seguida de uma conjunção adversativa: Tudo bem, Putin não devia ter jogado mísseis nem invadido, mas, contudo, porém, todavia… e aí segue a lista do que justifica mísseis sobre criancinhas e tanques varrendo o país. O que que não faltou foi gente da esquerda 2G sublinhando o infame mas, que oferece uma desculpa ao indesculpável, uma atenuante ao que só poderia ser condenado.

Questões relacionadas à contraposição entre a tirania de Putin e a liberdade dos ucranianos, o direito de autodeterminação dos povos, o perigo do aumento das autocracias no Leste Europeu e na Ásia, a expansão da extrema-direita, nada disso entra na conta.

A mola que move o julgamento é o sentimento anticapitalista e adversário do imperialismo norte-americano (o imperialismo russo não cabe na equação). A paixão desta franja da esquerda pela democracia demonstra-se mais uma vez, principalmente, nominal, pois quando se trata de defendê-la concretamente, a convicção fraqueja se há outros valores e outras memórias a que a esquerda da Guerra Fria continua apegada.

Por sorte, nem toda a esquerda se esgota aqui. Mas essa é já uma outra história.

Clipping A esquerda da Guerra Fria e a invasão da Ucrânia, por Wilson Gomes, Cult, 04/03/2022

terça-feira, 1 de março de 2022

Rússia (merecidamente) sitiada na economia

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, se reúne com autoridades da área econômica do país para discutir os efeitos das sanções do Ocidente | Alexey NIKOLSKY / SPUTNIK / AFP

Míriam Leitão
A jornalista Míriam Leitão explica abaixo como as sanções contra a Rússia estão fazendo efeito. Ao final, entrevista da jornalista Renata Lo Prete com a colega Míriam sobre o mesmo assunto.

O ataque do Ocidente à Rússia de Vladimir Putin, na área financeira, foi sem precedentes, e o país foi arremessado de volta à crise de 1998, quando as moedas dos países emergentes sofreram colapsos seriais. Certamente o presidente Vladimir Putin subestimou a reação dos grandes países, nos quais depositou suas reservas. No fim do dia, o quinto da guerra que declarou contra a Ucrânia, seu Exército estava às portas de Kiev, seu Banco Central estava de joelhos, e sua população estava numa corrida contra o rublo. Putin acumulou US$ 630 bilhões de reservas para descobrir que o Manifesto Comunista, que deve ter lido nos tempos de espião soviético, continha o melhor alerta: “Tudo o que era sólido desmancha no ar”.

Mas como desmancham-se as reservas? Dados do próprio Banco Central russo mostram que US$ 463 bilhões das reservas, ou 73% do total, estão em moeda estrangeira, e apenas 14% desse valor estão em moeda chinesa, yuan. Pelo menos 60% das reservas estão em dólar, libra esterlina, euro. Em ouro, ela tem US$ 132 bilhões, mas ainda não está claro como pode transacionar o metal se as principais economias do mundo — à exceção da China — estão fechadas com as sanções contra a Rússia. Há depósitos em papéis do FMI, que foram bloqueados. A decisão de mirar o Banco Central russo e congelar esses ativos deixa o BC sem acesso à artilharia que acumulou para enfrentar este momento. Putin teve êxito nas duas vezes em que atacou países, na Geórgia, em 2008, e na anexação da Crimeia, em 2014, porque, após a desvalorização do rublo, a moeda se estabilizou. Mas agora houve uma mudança quantitativa e, portanto, um salto qualitativo nas sanções. Desta vez atingiram o país.

A reação foi clássica. O BC russo mais que dobrou a taxa de juros e determinou que as empresas exportadoras convertam em rublos 80% de suas receitas. Ou seja, entreguem os dólares. Estão forçadas a aceitar o rublo. Nas ruas, contudo, longas filas se formaram em frente aos bancos e os correntistas tentavam tirar a maior quantidade de dólares possível. Nas crises de confiança que atingem moedas, empresas e famílias querem um porto seguro, em geral, dólar, dinheiro na mão.

Reservas são depósitos em bancos de outros países, em dinheiro ou aplicações em títulos emitidos pelos governos ou por empresas privadas. Os preferidos como reserva de valor são os títulos do Tesouro americano. Quando tantos países grandes impedem o país, dono das reservas, de transacionar com aqueles papéis ou depósitos, o que parecia sólido desmancha-se.

Nas últimas horas houve uma avalanche de decisões. A Suíça aderiu às sanções, a Noruega, que tem o maior fundo soberano do mundo, avisou que sairá de ativos russos, a S&P classificou os papéis como lixo. Sucessivas empresas — Shell, BP, Daimler, Equinor — anunciaram o rompimento de parcerias com empresas russas. O país foi sendo cortado do espaço aéreo, do sistema financeiro, da economia produtiva, dos esportes. Quando Putin ameaçou usar o seu arsenal nuclear, os governos ocidentais superarem suas divisões sobre a suspensão ou não da Rússia do Swift e adotaram algo mais pesado: acertar direto o Banco Central russo. O BCR ainda mantém ferramentas para acalmar o mercado. Pode aumentar mais os juros, fornecer liquidez aos bancos, fazer um controle explícito de capitais, impor feriados bancários.

Apesar de todo o embargo, a Rússia continua recebendo dólares do canal das exportações de energia e justamente para a Europa, seu principal mercado. Além disso, a Rússia tem a China. Única grande economia a não impor sanções e, em certa medida, a apoiá-la. Mas até que ponto? Economistas e empresários que falam com os chineses avaliam que a China não quer ser o fiador de Vladimir Putin. A visão é a de que “não há nada que a China possa ganhar”. Vai ajudar, vai aliviar o sufoco, mas não resgatá-la.

A elite russa mostrou sinais de fissura. Celebridades, empresários, pessoas ligadas a famílias de assessores de Putin começaram a falar publicamente contra a guerra. O conflito no front econômico não interessa a nenhum dos oligarcas que sustentam Putin, centenas deles diretamente atingidos. A Rússia está sangrando financeiramente. Numa situação assim todos perdem. Mas não fica barato também para quem impõe as sanções. Não há um lugar longe o suficiente desta guerra de Vladimir Putin.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Clipping Rússia sitiada na economia, por Míriam Leitão, coluna do Globo, 01/03/2022


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