terça-feira, 1 de março de 2022

Rússia (merecidamente) sitiada na economia

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, se reúne com autoridades da área econômica do país para discutir os efeitos das sanções do Ocidente | Alexey NIKOLSKY / SPUTNIK / AFP

Míriam Leitão
A jornalista Míriam Leitão explica abaixo como as sanções contra a Rússia estão fazendo efeito. Ao final, entrevista da jornalista Renata Lo Prete com a colega Míriam sobre o mesmo assunto.

O ataque do Ocidente à Rússia de Vladimir Putin, na área financeira, foi sem precedentes, e o país foi arremessado de volta à crise de 1998, quando as moedas dos países emergentes sofreram colapsos seriais. Certamente o presidente Vladimir Putin subestimou a reação dos grandes países, nos quais depositou suas reservas. No fim do dia, o quinto da guerra que declarou contra a Ucrânia, seu Exército estava às portas de Kiev, seu Banco Central estava de joelhos, e sua população estava numa corrida contra o rublo. Putin acumulou US$ 630 bilhões de reservas para descobrir que o Manifesto Comunista, que deve ter lido nos tempos de espião soviético, continha o melhor alerta: “Tudo o que era sólido desmancha no ar”.

Mas como desmancham-se as reservas? Dados do próprio Banco Central russo mostram que US$ 463 bilhões das reservas, ou 73% do total, estão em moeda estrangeira, e apenas 14% desse valor estão em moeda chinesa, yuan. Pelo menos 60% das reservas estão em dólar, libra esterlina, euro. Em ouro, ela tem US$ 132 bilhões, mas ainda não está claro como pode transacionar o metal se as principais economias do mundo — à exceção da China — estão fechadas com as sanções contra a Rússia. Há depósitos em papéis do FMI, que foram bloqueados. A decisão de mirar o Banco Central russo e congelar esses ativos deixa o BC sem acesso à artilharia que acumulou para enfrentar este momento. Putin teve êxito nas duas vezes em que atacou países, na Geórgia, em 2008, e na anexação da Crimeia, em 2014, porque, após a desvalorização do rublo, a moeda se estabilizou. Mas agora houve uma mudança quantitativa e, portanto, um salto qualitativo nas sanções. Desta vez atingiram o país.

A reação foi clássica. O BC russo mais que dobrou a taxa de juros e determinou que as empresas exportadoras convertam em rublos 80% de suas receitas. Ou seja, entreguem os dólares. Estão forçadas a aceitar o rublo. Nas ruas, contudo, longas filas se formaram em frente aos bancos e os correntistas tentavam tirar a maior quantidade de dólares possível. Nas crises de confiança que atingem moedas, empresas e famílias querem um porto seguro, em geral, dólar, dinheiro na mão.

Reservas são depósitos em bancos de outros países, em dinheiro ou aplicações em títulos emitidos pelos governos ou por empresas privadas. Os preferidos como reserva de valor são os títulos do Tesouro americano. Quando tantos países grandes impedem o país, dono das reservas, de transacionar com aqueles papéis ou depósitos, o que parecia sólido desmancha-se.

Nas últimas horas houve uma avalanche de decisões. A Suíça aderiu às sanções, a Noruega, que tem o maior fundo soberano do mundo, avisou que sairá de ativos russos, a S&P classificou os papéis como lixo. Sucessivas empresas — Shell, BP, Daimler, Equinor — anunciaram o rompimento de parcerias com empresas russas. O país foi sendo cortado do espaço aéreo, do sistema financeiro, da economia produtiva, dos esportes. Quando Putin ameaçou usar o seu arsenal nuclear, os governos ocidentais superarem suas divisões sobre a suspensão ou não da Rússia do Swift e adotaram algo mais pesado: acertar direto o Banco Central russo. O BCR ainda mantém ferramentas para acalmar o mercado. Pode aumentar mais os juros, fornecer liquidez aos bancos, fazer um controle explícito de capitais, impor feriados bancários.

Apesar de todo o embargo, a Rússia continua recebendo dólares do canal das exportações de energia e justamente para a Europa, seu principal mercado. Além disso, a Rússia tem a China. Única grande economia a não impor sanções e, em certa medida, a apoiá-la. Mas até que ponto? Economistas e empresários que falam com os chineses avaliam que a China não quer ser o fiador de Vladimir Putin. A visão é a de que “não há nada que a China possa ganhar”. Vai ajudar, vai aliviar o sufoco, mas não resgatá-la.

A elite russa mostrou sinais de fissura. Celebridades, empresários, pessoas ligadas a famílias de assessores de Putin começaram a falar publicamente contra a guerra. O conflito no front econômico não interessa a nenhum dos oligarcas que sustentam Putin, centenas deles diretamente atingidos. A Rússia está sangrando financeiramente. Numa situação assim todos perdem. Mas não fica barato também para quem impõe as sanções. Não há um lugar longe o suficiente desta guerra de Vladimir Putin.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Clipping Rússia sitiada na economia, por Míriam Leitão, coluna do Globo, 01/03/2022


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