sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Gravidade: saga de superação contada com requinte técnico e imagens deslumbrantes

Sandra Bullock e George Clooney em Gravidade

Estreei no 4D, com o filme Gravidade, bem à altura da nova tecnologia. O filme é uma maravilha técnica de imagens deslumbrantes que só mesmo o 3D ou o 4D podem trazer em sua plenitude ao espectador. Então, havendo a possibilidade, assistir preferencialmente em 4D, para chacoalhar um bocado na poltrona e levar lufadas de ar no rosto ao ritmo da história que rola na tela. Se não, em Imax ou simplesmente 3D.

Quanto ao filme, o roteiro é quase um fio de tão simples. Equipe de astronautas do ônibus espacial Explorer, fazendo consertos no telescópio Hubble, é atingida por onda de destroços de um satélite que mata praticamente a todos. Apenas dois da equipe sobrevivem a princípio. Depois apenas uma, a doutora Ryan Stone (Sandra Bullock em atuação inspirada), lutando desesperadamente pela sobrevivência em meio a percalços sem fim. No começo, à deriva no espaço sideral, em claustrofóbico traje de astronauta, seu objetivo é alcançar uma das estações espaciais, em órbita ao redor da Terra, a partir da qual tomar uma cápsula espacial de volta ao planeta.

Gravidade, portanto, relata uma história comum (quantas histórias de sobreviventes já não se viu?), mas contada com um requinte técnico impressionante, imagens muito belas filmadas de perspectivas inusitadas e um ritmo a um tempo frenético e angustiante. No filme do diretor mexicano Alfonso Cuarón, as imagens são soberanas seja nos grandes planos ou nos detalhes, "falando" bem mais do que seus dois personagens. No aspecto simbólico, apresenta a saga de superação dos dramas pessoais da protagonista através de sua luta renhida pela sobrevivência, por sua vida ameaçada até os últimos minutos da história.

Cenas de 2001 - Uma Odisseia no Espaço e Gravidade
Gravidade faz de quebra referência a duas obras-primas da ficção científica: 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968) e Alien - O Oitavo Passageiro (1979). Há quem fale em outras referências, mas fico com estas duas mais evidentes. Óbvio que 2001 tem uma abordagem cerebral, filosófica, que Gravidade, um filme marcadamente sensorial, não tem. Entretanto, ambos tematizam de forma mais ou menos profunda a solidão e a fragilidade humanas diante das adversidades e da imensidão do espaço sideral. Apesar da distância de décadas e técnicas, ambos têm imagens grandiosas e parecidas da Terra vista do espaço, das naves e estações orbitais, dos astronautas à deriva entre as estrelas. Mesmo uma das cenas internas, quando a doutora Ryan flutua pelo interior de uma das estações orbitais em forma de tubo, me fez lembrar uma cena de 2001.

Protagonistas de Alien e Gravidade em momento relax

A referência a Alien fica por conta do roteiro. Em ambos, quem protagoniza a história é uma mulher, única sobrevivente de uma tripulação atingida por um desastre. Em Alien, o desastre é o monstro. Em Gravidade, o desastre são os destroços de um satélite que se multiplicam no choque com outros satélites e estações espaciais. Ambos os desastres vão exigir das heroínas da história uma coragem e tenacidade capazes de superar o medo e as dúvidas quanto à própria condição de lidar com forças que parecem destinadas a sobrepujá-las.

Também ambos os contextos em que atuam são marcados pela claustrofobia. Pelos corredores escuros e estreitos da nave Nostromo prestes a explodir, a tenente Ripley se arrasta quase sem fôlego, com o alien à espreita, para alcançar a nave auxiliar onde supõe estará livre do monstro. Ironicamente na amplidão do espaço sideral, a doutora Ryan também se vê quase sem ar, pois o oxigênio, em seu traje de astronauta, desce a níveis críticos enquanto ela luta, prestes a desmaiar, para chegar a uma das estações espaciais e abrir sua porta salvadora.

Há até uma cena similar. No porto temporariamente seguro da nave auxiliar ou do módulo espacial, as heroínas vão dar um respiro e se sentir relaxadas o suficiente para despir o macacão ou traje de astronauta e ficar só de calcinha (ou shorts) e camiseta. Nesses trajes mínimos, a doutora Ryan inclusive flutua meio adormecida em posição fetal. Naturalmente, trata-se apenas de um tempinho antes da luta pela sobrevivência recomeçar.

A diferença entre as duas protagonistas de Alien e Gravidade reside no grau ou tipo de feminismo de cada uma. Ripley derrota o Alien e sobrevive unica e exclusivamente graças a sua própria capacidade e determinação. Nenhum homem a ajuda ou orienta. Aliás, pelo contrário, em toda a quadrilogia Alien, as referências ao sexo masculino não são nada lisonjeiras. Em Gravidade, porém, a doutora Ryan conta com a inestimável orientação do comandante Matt Kowalsk, interpretado por George Clooney, astronauta experiente que, até em sonho, dá dicas fundamentais para a sobrevivência da novata Stone. Kowalsk parece até um mestre Zen que, mesmo diante da morte iminente, não deixa de admirar a beleza do pôr-do-sol na Terra visto lá de cima.  

Essas similaridades que aponto entre Gravidade (2013) e as obras-primas de Stanley Kubrick (2001 - Uma Odisseia no Espaço, 1968) e  Ridley Scott (Alien, 1979), contudo, não desmerecem em nada o trabalho do diretor  Alfonso Cuarón. Boas citações engrandecem qualquer obra. Gravidade supera esses dois clássicos da ficção científica na perícia técnica, na plasticidade e na verossimilhança. Tudo no filme parece muito real, a despeito de possíveis, mas mínimas, imprecisões científicas e de descrever uma situação que a maioria das pessoas jamais viverá (quantos são os astronautas no mundo?).

Supera os dois clássicos também no apelo aos sentidos e aos sentimentos. Não tem a racionalidade de 2001 ou o terror literalmente visceral de Alien, mas tem a capacidade de fazer o espectador sentir a vertigem de girar no espaço sem rumo e trombar com detritos e estações espaciais (principalmente em 4D). Sobretudo tem a capacidade de emocionar, ainda que com um leve sentimentalismo. Em Alien, vertem-se lágrimas também, mas de puro terror. Em Gravidade, dentro de um dos módulos espaciais, as lágrimas da doutora Ryan, que flutuam em nossa direção pelo efeito 3D, são daquelas que a gente chora pelas mesmas razões da personagem (por saudades de casa, pelo choro de uma criança, o latido de um cachorro, por nossas perdas, pelo medo da morte). 

Em suma, Gravidade se afirma por seus méritos próprios como um novo patamar técnico e artístico não só para os filmes de ficção-científica como para o cinema em geral. Já pode constar no panteão da sci-fi ao lado dos citados 2001- Uma Odisseia no Espaço, Alien, O Oitavo Passageiro e também de Blade Runner, Matrix, entre outros clássicos do gênero. É forte concorrente ao Oscar 2014 pelos prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz. Comentaristas dizem inclusive que se trata da melhor atuação da carreira de Sandra Bullock. Como não acompanho o trabalho da atriz, não tenho como confirmar ou negar essa análise. Mas que ela está muito bem no papel não resta dúvida. Parece que, assim como sua personagem, vive um caso de superação. Enfim, Gravidade é para se ver e rever. Imperdível. 

À guisa de ilustração desse artigo posto vídeos com imagens de Gravidade naturalmente (com depoimentos do diretor e dos atores inclusive) mas também de 2001 e de Alien. Lamento a edição que fizeram da cena em que a tenente Ripley, em Alien, despe-se, na nave auxiliar, mas não encontrei outra. Um mané se empolgou com a Sigourney Weaver de calcinha e deu conotações eróticas a uma cena onde tal elemento não existe. Só para comparar com a imagem da doutora Ryan em situação análoga.

2 comentários:

Fiquei com uma necessidade URGENTE de VER o um e REVER os outros...

Não perca, Fátima! É muito bom! Bjk

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