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Quando Deus era mulher:

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Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

sexta-feira, 18 de abril de 2025

As garotas atropeladas, a imprensa irresponsável e os apologistas da imprudência

O artigo 254 do Código de Trânsito Brasileiro afirma que
é proibido ao pedestre VI – desobedecer à sinalização de trânsito específica
A imprensa brasileira anda de mal a pior. Quando não é chapa-branca, é desinformativa. Há mais de 2 anos, vivemos com o factoide da tentativa de golpe bolsonarista que não aconteceu. A cúpula bolsonarista até cogitou, planejou uma quebra institucional, em dezembro de 22, mas nada foi executado por falta de apoio. E se nada foi executado, por óbvio não houve sequer tentativa. A baderna da turba bolsonarista do dia 8/1/23 foi vandalismo, alguma pichação e micagens em frente de quartel, mas nada disso é capaz de produzir um golpe de estado. Acusam os bolsonaristas de um crime impossível, com a ajuda da imprensa sucursal de governo e de juízes politiqueiros.

Casamento de imprudências

Agora, duas jovens, Isabelli Helena de Lima Costa e Isabela Priel Regis, de 18 anos, foram atropeladas, em 9 de abril de 2025, na Avenida Goiás de São Caetano do Sul, cidade do ABCD paulista com um dos maiores índices de desenvolvimento humano do país. A tragédia decorreu da imprudência das moças, que atravessaram a faixa de pedestres com o sinal fechado para elas, e da irresponsabilidade de um celerado, Breno dos Santos Sampaio, de 26 anos, dirigindo a altíssima velocidade dentro de perímetro urbano (mais de 100 por hora). A culpa do sujeito é inequívoca. Quanto maior a velocidade, maior o risco de se produzir acidentes fatais.

Se bem que, num aparte, já presenciei uma mulher ser atropelada na Av. Paulista (em frente à Faculdade Cásper Líbero), em meio a um congestionamento, porque ela decidiu cruzar a avenida entre os carros e não na faixa de pedestres. Na primeira andada a mais que os carros deram, ela foi atingida, embora a velocidade máxima fosse de uns 40 por hora.

Imprensa irresponsável negligenciando imprudência de pedestre

Então, no caso das garotas de São Caetano, não vi ninguém questionar a culpa do motorista. Problema é que a imprensa resolveu passar pano total para a imprudência das garotas. As manchetes se tornaram exclusivamente do tipo “duas jovens foram mortas na faixa de pedestres por motorista que dirigia em alta velocidade em São Caetano do Sul.” O “detalhe”, nada irrelevante para entender a tragédia, de que elas atravessaram a avenida de três faixas com o sinal vermelho ou desapareceu ou ficou perdido no meio de textos mais preocupados em dizer que o pedestre tem preferência na faixa de pedestres mesmo com o sinal vermelho para ele. Em outras palavras, a culpa do desastre teria sido exclusivamente do motorista por estar correndo demais, embora o sinal estivesse verde para ele.

A história de que o pedestre tem preferência absoluta na faixa de pedestres está mal contada e induz as pessoas a erro. Quando há semáforo em ruas e avenidas, tanto motoristas quanto pedestres TÊM QUE RESPEITAR O SINAL correspondente. Os carros só podem seguir com o semáforo verde, os pedestres só podem atravessar com o sinal verde para eles. Apenas no caso de o pedestre ter atravessado direitinho no sinal verde para ele, mas no final de sua travessia o sinal mudar para o vermelho, os carros devem esperar até que termine sua passagem, mesmo que o semáforo esteja verde para os veículos. Obviamente, trata-se da situação em que os carros estão esperando no semáforo sua hora de passar, atrás da faixa de pedestres.

No caso das garotas, contudo, elas começaram a travessia com o sinal vermelho para elas - um primeiro carro já passou em boa velocidade em sua frente nessa trajetória - e foram atropeladas quando o sinal continuava vermelho. Mesmo depois da colisão, o sinal levou ainda alguns segundos para ficar verde para os pedestres. Isso significa que o sinal estava verde para o motorista (como ele afirma), ou mudando para o amarelo (como afirma a polícia) no momento da colisão. Como disse, a culpa do motorista é inequívoca, por estar trafegando em alta velocidade em via urbana, o que facilitou a tragédia, mas não é possível nem responsável ignorar a imprudência das garotas. Imprudência seguramente derivada do hábito que pedestres têm no Brasil de atravessar ruas e avenidas com sinal vermelho para eles.

Os surreais apologistas da imprudência

Entretanto, seja por esse mau hábito de não respeitar sinal vermelho e/ou por causa da história mal contada de que o pedestre sempre tem razão mesmo quando tenta se jogar embaixo de um carro, um bocado de gente parece ter se identificado com o comportamento imprudente das garotas e decidiu transformar o sem noção do motorista no único vilão da história. Algo que, objetivamente falando, só teria sentido se o motorista tivesse perdido o controle do carro, por estar em altíssima velocidade, invadido a calçada onde estavam as moças, que estariam responsavelmente esperando o sinal abrir para elas, e as atropelado ali mesmo. Casos assim já aconteceram de fato e não são, infelizmente, incomuns, acrescidos muitas vezes do agravante do motorista estar bêbado.

Não foi o que aconteceu, claro, no caso em pauta, mas, no clima histérico e maniqueísta que transforma qualquer assunto em briga de torcida nas redes sociais, as gurias viraram as inocentes mártires do trânsito insano do país, o motorista, um monstro digno de linchamento e qualquer pessoa apontando que essa dicotomia não se sustenta virou passadora de pano para o criminoso assassino de donzelas. A situação foi tomando ares cada vez mais surreais com gente afirmando que identificar a participação das gurias no próprio infortúnio era a demonstração de que o Brasil é um país bárbaro, desumano que jamais atingirá a civilização. É para acabar.

Lembrei do choque civilizatório que sofri quando estive em Genebra, na Suíça, a terra dos relógios, chocolates e bancos. Foram vários os choques, entre eles, para não sair muito do tema dessa postagem, o comportamento dos suíços em frente a uma faixa de pedestres. Fiquei parada com eles e uma amiga brasileira na calçada de uma dessas faixas esperando o sinal ficar verde para atravessar uma rua de duas mãos relativamente larga. Não vinha viva alma de carro em nenhuma das direções da rua, e eu já querendo atravessar, mas nenhum nativo moveu um músculo nesse sentido, e, por constrangimento, nem eu. Só quando o sinal abriu mesmo, o pessoal atravessou a faixa diante de um ou dois carros que enfim haviam aparecido.

Isso foi há muito tempo e não sei se, hoje, com a política de imigração em massa criando sérios problemas culturais e sociais na Europa, continua havendo essa demonstração de civilidade em Genebra. Você pode até achar exagerado pedestre não atravessar rua mesmo não havendo carro algum à vista, mas isso sim é exercício de civilidade, mesmo porque a gente não fica horas parada na calçada, ao contrário do que os apologistas da imprudência andaram dizendo em torno da tragédia envolvendo as garotas.


Nota: Por coincidência, entrando hoje, dia 21/04/2025, no X, me deparei com esse vídeo do perfil Rafael Zattar impressionado com o fato dos europeus, no caso espanhóis, não cruzarem a faixa mesmo não avistando carro por perto. Então, parece que os europeus permanecem civilizados. 

Como já disse anteriormente, esse pessoal identificado com a imprudência das gurias, certamente pelo costume de também atravessar ruas com o sinal fechado, saiu dizendo que qualquer pessoa teria atravessado a faixa porque ninguém iria ficar plantado numa esquina tarde da noite sem ver carro à vista. Que era hipócrita e idiota (sic) quem argumentava que elas deveriam pelo menos ter olhado melhor antes de atravessar porque as gurias não poderiam calcular que numa via com limite de 50 a 60 por hora iriam se deparar com um motorista a mil por hora e não tinham como avistá-lo(sic).

Sério que há tempos não lia tal cascata de bobagens falaciosas e, ainda por cima, vinda de gente resmungando que o Brasil está condenado à barbárie enquanto, ao mesmo tempo, referenda, paradoxalmente, comportamentos irresponsáveis no trânsito. Para começar, ninguém fica plantado na calçada em frente de faixa de pedestres em qualquer horário. O tempo médio de espera para atravessar, segundo o Estatuto do Pedestre, deve ser de um minuto e meio, mas a ONG  Instituto Corrida Amiga encontrou um tempo de espera de abertura de dois minutos e 11 segundos, em uma pesquisa com 167 semáforos analisados em 21 cidades de seis Estados. A partir dessa pesquisa, a ONG também relatou que o sinal verde para os pedestres atravessarem leva uma média entre 7 a 10 segundos aberto, tempo ínfimo considerando a diversidade etária e de mobilidade física dos pedestres. Não por menos, quando na travessia em semáforo, como comentei anteriormente, os motoristas devem esperar o pedestre concluir a passagem mesmo que o sinal já esteja verde para os carros. De qualquer forma, desde quando 2 minutos de espera para atravessar uma avenida pode ser encarado como ficar plantado numa esquina, principalmente considerando que disso pode depender sua vida? E, no caso das jovens, elas estavam numa avenida bem iluminada com bastante gente circulando ainda, apesar de ser cerca de 23:00. Não havia qualquer pressão extra para que arriscassem a vida cruzando a faixa de pedestres no vermelho.

Quanto a chamar de idiota e hipócrita a sensata ponderação de que as garotas ao menos deveriam ter olhado melhor antes de atravessar porque supostamente elas não teriam como identificar o perigo do motorista a mil por hora, vale lembrar que, primeiro, exatamente porque não há como saber  que tipo de motorista está trafegando e em que velocidade, não se deve atravessar faixa de pedestres no vermelho. Aliás, qual o sentido de ir para uma faixa de pedestres para passar no vermelho? Em termos de segurança, são duas atitudes que se anulam. Depois, que, no caso das das jovens de São Caetano, elas só olharam uma vez na direção de onde vinham os carros antes de iniciar a travessia. Nenhuma outra vez, embora a recomendação das autoridades de trânsito aos pedestres é de sempre atravessar em sua faixa respectiva, respeitar a sinalização de trânsito, olhar para ambos os lados antes de atravessar e não correr.

Isabelli e Isabela morreram atropeladas em São Caetano do
  Sul ao atravessarem a faixa de pedestres com o sinal vermelho

 Os vídeos sinceros e as responsabilidades devidas

Observando dois vídeos que registraram mais do que a travessia propriamente dita das jovens rumo ao atropelamento, percebe-se em um (abaixo) que elas vêm caminhando pela calçada enquanto alguns carros e uma moto, que estavam parados no semáforo, iniciavam a partida porque o sinal de pedestres já estava no vermelho. Quando elas chegaram na faixa de pedestres, o sinal continuava vermelho para elas, mas elas apenas deram uma olhada na direção de onde vinham os carros e iniciaram a travessia. Aí temos o primeiro carro que passa em boa velocidade na frente delas, e o próximo que as atropela. Apenas um segundo antes da colisão, a garota de blusa preta olha na direção da trajetória dos carros quando parece se dar conta do veículo que ia atropelá-la (de arrepiar). A outra nem isso. Então, procede a ponderação de que, ao menos, deveriam ter olhado melhor ao travessar. Quem sabe não teriam tido tempo de evitar a colisão quando ainda estavam na segunda faixa, sendo que o atropelamento foi na terceira?

No segundo vídeo, seguindo a marcação de tempo das imagens, elas foram atropeladas aos 7 segundos da travessia, e, 5 segundos depois, o sinal passa para o verde e permanece verde durante os 17 segundos restantes da gravação. Não dá para saber por quanto tempo o sinal fica verde ao todo porque o vídeo não vai até a nova mudança para o vermelho. No entanto, pode-se concluir que se elas tivessem esperados 12 segundos para atravessar no verde, elas não teriam cruzado com o celerado a mais de 100 p/hora. Elas somente teriam visto o carro passar voando, mas não teriam sido suas vítimas.

Portanto, mais uma vez, a tragédia que se abateu sobre as jovens começou, em primeiro lugar, com sua decisão imprudente de cruzar a avenida no vermelho e terminou com a irresponsabilidade do motorista trafegando a mais de 100 por hora em via urbana. Elas foram as protagonistas da tragédia, ele, o coadjuvante. Como elas morreram na flor da vida, o cara sobreviveu (o acidente poderia ter sido  fatal para ele também) e, em relação ao carro, o ser humano sempre é a parte mais frágil da situação, foi fácil transformar o motorista no boneco de Judas da história e o sair malhando a torto e a direito sem ver mais nada. Além disso, pelo histórico que se levantou dele, já vinha acumulando multas por excesso de velocidade e carma suficiente para produzir uma fatalidade, o que ampliou seu linchamento virtual. No entanto, com mais distanciamento emocional, repito, constata-se de forma irrefutável, pela marcação do tempo do vídeo, como já citado, que elas teriam sobrevivido a ele se tivessem esperado 12 segundos pelo sinal verde porque ele passou aos 7. O que custa esperar 12 segundos para garantir até possíveis 2.524.608.000 segundos de vida (80 anos)?

Como disse no início do texto, a imprensa foi muito irresponsável por espalhar a visão enviesada de que o pedestre tem a preferência em qualquer circunstância, mesmo atravessando no vermelho numa faixa de pedestres. Fiquei de cara ao ver um vídeo da Globo onde inclusive o repórter reconhecia que as garotas tinham atravessado no vermelho, mas como se fosse algo naturalíssimo e não tivesse a ver com a tragédia, embora haja sido o cerne dela. A imprensa perdeu a grande chance de enfatizar junto à população, com toda a delicadeza necessária pela dor das famílias das moças, que pedestres também precisam respeitar o sinal por uma questão de sobrevivência inclusive.

Parece que a péssima apuração dos fatos para a criação das reportagens, o espírito lacrador e a mentalidade maniqueísta, dicotômica e histérica vigentes em redes sociais, fora a malfadada sinalização de virtude,  ajudaram a produzir um clima nada propício, ao contrário do que andaram dizendo, a amenizar a barbárie do trânsito brasileiro com a qual motoristas e pedestres contribuem.  Só para citar um exemplo que questiona o mantra do “pedestre sempre tem preferência (duh!)” como desculpa para tudo, o artigo 254 do Código de Trânsito Brasileiro afirma que, entre outras coisas, é proibido ao pedestre V – andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea; VI – desobedecer à sinalização de trânsito específica podendo até arcar com multa (que não creio que seja cobrada, mas deveria). Pedestre sempre tem preferência? Depende de onde ele está circulando (A legislação brasileira rege as normas que devem ser seguidas nas estradas, e os pedestres têm deveres assim como os automóveis).

Por fim, ainda houve os que levantaram uma suposta falta de empatia na indicação da participação das jovens na própria tragédia. Mas não é possível ter empatia com os mortos, só com os vivos. Pelos mortos, a gente tem respeito, quando se dão ao respeito, ou luto compassivo quando se vão, por exemplo, tão jovens por um ridículo descuido. O verdadeiro respeito que devemos ter por Isabelli Helena de Lima Costa e Isabela Priel Regis é no sentido de alertar a todas as pessoas, como deveria ter feito a imprensa, para que não cometam o mesmo erro que elas cometeram a fim de salvar suas vidas. Perder a vida por não esperar 12 segundos por uma mudança de sinal é de partir o coração em muitos pedaços. Quanto ao motorista, Breno dos Santos Sampaio, por sua participação nesse drama, espera-se que, no mínimo, perca a carta de habilitação mas também pague por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar, de acordo com o Código Penal, no Art. 121). 

Código de Trânsito Brasileiro:

Art.70 Capítulo IV – DOS PEDESTRES E CONDUTORES DE VEÍCULOS NÃO MOTORIZADOS


Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições deste Código.

Parágrafo único. Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos.

Portanto, faz-se necessário ressaltar que nos locais em que há sinalização semafórica, tanto o condutor como o pedestre, devem corresponder com as respectivas luzes.

Ou seja, se a luz do semáforo estiver vermelha para os condutores, significa que está no momento do pedestre atravessar; enquanto que quando a luz do semáforo estiver verde para os condutores, significa que os pedestres precisam esperar para alterar a sinalização. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Penny Dreadful: revendo uma das melhores séries de terror e fantasia

Sir Malcom Murray, Vanessa Ives, Ethan Chandler (à frente),
Dorian Gray, Dr. Frankenstein 
(atrás)

Decidi rever Penny Dreadful, oito anos após seu final em 19 de Junho de 2016, pois ela entrou no catálogo da Paramount + no ano passado e já fazia algum tempo que vinha programando reassisti-la. Embora o impacto tenha sido menor do que na primeira audiência, asseguro que ela continua uma das melhores séries de horror e fantasia que conheço. Inclusive entendi melhor o enredo agora do que da primeira vez, quando me pareceu um pouco confuso. Imperdível não só para os aficionados do gênero como também para quem aprecia simplesmente um trabalho bem-feito.

A série foi muito curta, apenas três temporadas, e me pareceu na época que poderia ter rendido mais uma temporada ao menos, sem risco de perder sua qualidade característica. A propósito, qualidades foram sua marca registrada: roteiro originalíssimo (costurando a história dos monstros da literatura gótica numa única história), atores incríveis, boa pesquisa de época, figurino, cenários, fotografia e efeitos especiais de primeira. A principal nota destoante de toda essa cascata de qualidades me pareceu exatamente o "the end", numa terceira temporada um pouco inferior às duas primeiras. Foi como se, na pressa de terminar a série, porque foi prevista para apenas três temporadas mesmo ou porque era muito cara e não estava compensando, a história tivesse que obrigatoriamente se encaixar nessa necessidade, culminando num final um tanto distante do brilhantismo da obra no geral e mesmo um pouco contraditório com a evolução da personagem principal.

Penny Dreadfuls originais
Mesmo assim, em apenas três temporadas, Penny Dreadful, que o diretor John Logan afirmou ter sido um soneto, fez e aconteceu, inspirada nos reais penny dreadfuls, livretos baratíssimos (centavos), que contavam histórias macabras, em circulação nas terras da rainha do século XIX (a partir de 1830). A série reuniu, num mesmo roteiro, tendo como cenário a Inglaterra vitoriana (em meio ao avanço científico e o processo de industrialização), personagens baseados em figuras icônicas do período, como exploradores da África, egiptólogos e prostitutas e em personagens clássicos  da literatura de terror. 

Assim desfilaram, na telinha, figuras como o desbravador ou explorador do novo mundoSir Malcom Murray (Timothy Dalton), seu mordomo africano Sembene (Danny Sapani), o egiptólogo Ferdinand Lyle (Simon Russell Beale) e a prostituta Brona Croft (Billie Piper). Ao lado deles,  personagens clássicos do horror como o Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadaway) e suas criaturas Calibã/John Clare e Lily (Rory Kinnear e Billie Piper novamente), Dorian Gray (Reeve Carney), o lobisomem americano Ethan Chandler (Josh Hartnett) e o lobisomem apache Kaetenay (Wes Studi), bruxas (inspiradas nas das peças Macbeth e A Tempestade de Shakespeare), com destaques para Madame Kali (Evelyn Poole) e Joan Clayton (Patti LuPone que também reaparece como a psicoterapeuta Florence Seward), vampiros, vários, incluindo obviamente Drácula (Christian Camargo), Dr Jekill/Mister Hide (Shazad Latif), além de, claro, o eixo de toda a história, a médium perseguida e atormentada pelo mal, Vanessa Ives (Eva Green dando showzaço). Todos se encaixando com a maior naturalidade numa história sombria, melancólica e passional.

Vanessa Ives (Eva Green)
Além da  intertextualidade dos romances góticos do século XIX, Penny Dreadful faz também referências, em vários episódios, a poetas românticos como Percy Shelley, John Keats, William Wordsworth e John Clare, este último inclusive tendo o nome incorporado pela criatura do Dr. Frankenstein. Aliás, é principalmente pela voz da criatura de Frankestein, um aficcionado de poesia, que a série  apresenta seus momentos mais tocantes. Um exemplo no vídeo abaixo de um encontro entre Vanessa Ives e John Clare (a criatura de Frankenstein) onde ambos declamam o poema "Eu Sou", do poeta John Clare, que os representa tão bem.

Na cena desse encontro, Vanessa pergunta à criatura de Frankenstein se ele sabia que tinha o mesmo nome de um poeta morto. Ele responde que sabia sim e pergunta a Vanessa se ela gostava de poesia, ao que ela responde que todas as pessoas tristes gostavam de poesias, as felizes, gostavam de canções. A criatura então diz que a história do poeta John Clare sempre o havia emocionado. Que ele só tinha 1,52, era bem baixinho, por isso considerado bizarro. Por causa disso, o poeta provavelmente sentia uma afinidade singular com os excluídos, os odiados. Os animais feios. As coisas quebradas. Em seguida, ele declama a parte inicial do poema Eu sou, e Vanessa a parte final. Coloquei a tradução do poema abaixo.

I Am!

John Clare

I am! yet what I am who cares, or knows?
My friends forsake me like a memory lost.
I am the self-consumer of my woes,
They rise and vanish in oblivious host,
Like shadows in loves frenzied stifled throes
And yet I am—and live—like vapor tossed.

I long for scenes where man has never trod, 
A place where woman never smiled or wept;
There to abide with my Creator, God,
And sleep as I in childhood sweetly slept
Untroubling and untroubled where I lie
The grass below; above, the vaulted sky.

Eu sou — mas ninguém conhece ou se importa com o que sou
Meus amigos me abandonam como uma memória perdida;
Eu sou o autoconsumidor de minhas aflições;
Elas surgem e desaparecem no exército do esquecimento,
Como sombras nas agonias frenéticas e sufocadas do amor:
E ainda assim eu sou, e vivo — como vapores que se dissipam.

Anseio por cenários onde o homem nunca pisou,
Um lugar onde a mulher nunca sorriu ou chorou,
Para ali habitar com meu Criador, Deus;
E dormir como eu dormia docemente na infância,
Tranquilo e imperturbável onde eu deito,
A grama abaixo — acima, o céu abobadado.

 De fato, destoando do terror tradicional, Penny Dreadful, embora não fuja totalmente ao estilo, se dedica mais a tematizar as agruras da existência humana, em particular as agruras daqueles à margem da sociedade bem estabelecida (apesar de alguns personagens serem imortais). Os conflitos entre o desejo de as pessoas viverem plenamente sua individualidade e as pressões da sociedade em contrário, em particular no caso das mulheres, os amores correspondidos e não correspondidos, possíveis e impossíveis, em suas múltiplas formas, as ambições, as culpas, o sexo, as perdas, a morte sempre à espreita  e, sobretudo, a solidão.

Reeve Carney, perfeito como Dorian Gray
Do sempre rico, jovem e belo dândi Dorian Gray (e o ator Reeve Carney está perfeito no papel) à criatura meio desfigurada do dr. Victor Frankestein, todos os personagens sofrem de uma solidão profunda seja por suas singularidades "monstruosas" rejeitadas pela sociedade seja por seu destino inexorável. Mesmo Gray, que tem um ar blasé e vive na busca incessante de novas emoções para suportar o tédio de sua vida especial, revela por um momento que o preço da imortalidade era a eterna solidão, já que todos ao seu redor envelheciam, adoeciam e morriam e apenas ele permanecia sozinho e imutável como seus retratos na parede (temporada 3, ep. 9).

Outro tópico que a série tematiza, ao retratar a Inglaterra do séc. XIX, é o da passagem de uma sociedade rural, natural, religiosa, com a Bíblia como bússola, para uma sociedade urbana, fabril, de motores a vapor, iluminada por lampiões e lamparinas a óleo ou gás e já por alguma eletricidade, com a ciência desbancando a religião de seu lugar de mestra sobre a origem de tudo. Aparentemente, isso seria uma evolução, uma saída de uma era de superstições para a era da Razão que explicaria os fenômenos objetivamente.

Entretanto, Penny Dreadful nos leva a perguntar  se, entre essas duas eras ainda parcialmente coexistentes, não haveria mais em comum do que sonham as vãs filosofias. Seriam as torturas que Vanessa Ives sofre das e dos mensageiros do diabo, que a quer como esposa, piores das que ela sofre da moderna psiquiatria que tenta normalizá-la apelando até para a trepanação (cirurgia no cérebro)? Não me parece coincidência também que a bruxa boa Joan Clayton que ajudara Vanessa a conhecer e a controlar seus poderes reapareça como a psicoterapeuta Florence Seward que igualmente busca ajudar Vanessa, mas não com tanto sucesso como sua parenta bruxa.

É também nos porões de um hospício, com os insanos presos por correntes às paredes, que os dois cientistas da série, ninguém menos que Dr. Frankenstein e Dr. Jekyll, usam os doentes como cobaias para novas drogas visando deixá-los menos doidos mas também mais dóceis, algo que Dr. Jekyll sonhava em fazer com sua criatura rebelada, Lily, por quem se apaixonara mas que o rejeitava. De fato, Penny Dreadful mantém o questionamento original, dos romances de onde esses dois personagens emergem, sobre a ambição dos cientistas em adulterar a ordem natural das coisas, das consequências da curiosidade científica sem considerar suas implicações éticas. Do século XX, com o nazista Dr. Mengele fazendo experimentos em crianças judias, ao século XXI, com a suposta medicina transgênero, impedindo o desenvolvimento natural de crianças e adolescentes, com bloqueadores de puberdade e cirurgiais mutiladoras e esterilizantes, essa discussão não poderia ser mais atual. Todo o século tem novos Frankensteins?


Por fim, Penny Dreadful aborda também a questão da sexualidade, seja a da homossexualidade seja a da sexualidade feminina, e a condição da mulher no século XIX. A homossexualidade aparece na figura do egiptólogo Ferdinand Lyle e na dos homens com quem o bissexual Dorian Gray se relaciona, a travesti Angelique e Ethan Chandler. Também num triângulo amoroso entre Dorian, Lily e Justine, garota prostituída que o casal Dorian-Lily salva da morte.

O Lupus Dei, Ethan Chandler, e Vanessa Ives
A abordagem da condição e da sexualidade femininas estão presentes principalmente na história da protagonista Vanessa Yves e na da prostituta tornada criatura do Dr. Frankenstein, Brona Croft/Lily. Vanessa cresce numa família da elite da época, mas desde pequena destoou do modelo de mulher  vigente, sendo muito ousada e livre para a era vitoriana. Popularmente se diria que tinha parte com o diabo, mas a série acaba mostrando que ela tinha mesmo, sendo acossada pelo dito em diferentes formas e por diferentes vias. Uma dessas vias preferenciais era a luxúria, o grande pecado capital da moça  e fonte de eterna culpa (culpa aguçada por ser católica). Foi por um ato de luxúria que perdeu sua amiga de infância Mina, pela luxúria os demônios a possuíram a ponto de ela ficar com receio até de se relacionar com o Lupus Dei, o Lobo de Deus, Ethan Chandler, por quem de fato se apaixonou. Quando conseguiu se relacionar com outro homem foi só para descobrir no fim que era o Drácula em pessoa. Desditosa Vanessa que, após superar tantos sofrimentos e se tornar guerreira, merecia escapar desse destino de tragédia grega incrementado por uma Inglaterra puritana.

Lily Frankenstein
A irlandesa Brona Croft, ao contrário de Vanessa, cresceu na pobreza e não viu outra solução para sobreviver senão se prostituir. Nós a encontramos já bem doente de tuberculose (uma doença fatal da época bem como a cólera) mas ainda na ativa, atendendo o cliente Dorian Gray, como modelo de fotos nuas, com quem também transa, e tendo um casete com Ethan Chandler, o lobisomem americano, em uma espelunca onde os dois párias se encontraram por acaso. Chandler se afeiçoa realmente por Brona e decide levá-la a uma apresentação de teatro (a peça era baseada em um Penny Dreadful) onde ele a apresenta a Vanessa Ives e a Dorian Gray que também estavam presentes. Dorian a reconhece e a constrange, e Vanessa a cumprimenta calorosamente. 

Aqui, temos o início de uma falha dessa série tão detalhista. Depois desta cena do teatro, a saúde de Brona piora, e ela fica de cama. Por outro lado, na história do Dr. Frankenstein, a primeira criatura do doutor a quem este rejeitara desde o nascimento, John Clare, reaparece ameaçando o médico de matar todos seus conhecidos se ele não lhe produzisse uma companheira. Frankenstein estava com essa dívida quando é contatado por Chandler, que conhecera via Vanessa Ives, para atender Brona. Frankenstein vai atendê-la e usa de pretexto para ficar sozinho com a doente e abreviar-lhe o inevitável desfecho. Depois leva o corpo para seu laboratório a fim de realizar seu vudu científico e ressuscitá-la.

Brona ressuscita sem memória (temp. 2, episódio 1), e Frankenstein a rebatiza de Lily (a flor da ressurreição e renascimento), a educa e por ela se apaixona, consumando o relacionamento. Decide inclusive vesti-la como as damas de sua época e convida Vanessa Ives para ajudá-lo com a escolha das roupas. Em outra ocasião, convida Vanessa para conhecer Lily, apresentando-a como sua prima que viera do campo. Incompreensivelmente, Vanessa que já havia sido apresentada a Brona no episódio do teatro não a reconhece em Lily. E, claro, a ressuscitada só mudara a cor do cabelo para louro, em mais nada (temp. 2, episódio 5). Fora que Vanessa era bastante observadora. No episódio posterior (6), o casal Victor-Lily é convidado para um baile na casa de Dorian Gray que, ao ser apresentado a Lily, logo vê nela a Brona com quem transara. E esse encontro dos dois vai mudar o que Lily vinha sendo ou fingindo ser desde seu renascimento: uma moça tímida, totalmente dependente de Frankenstein, que fazia o tipo bela, recatada e do lar. 

Ao estreitar seu relacionamento com Dorian, ela parece também se dar conta de sua nova realidade de criatura imortal e  poderosa,  deixa Frankenstein por Dorian e passa a recrutar prostitutas para formar um exército de mulheres sequiosas por vingança contra os homens que delas abusaram. Com o tempo, Dorian começa a se enfadar com tantas prostitutas em sua casa e com a crescente desatenção de Lily e resolve entregá-la de volta a Frankenstein para que ele usasse uma droga, de autoria do Dr. Jekyll, a fim de deixá-la dócil como quando a criara. 

Mas Lily diz que preferiria morrer a viver como a esposa recatada de Frankenstein, que ela era a soma de uma mulher tão cheia de dor e indignação que se transformara na fera que ele desprezava. E que ele deveria deixá-la ser quem era. Que havia feridas que nunca saravam, cicatrizes que nos faziam ser quem somos e sem as quais não existimos. Então, ela conta como perdera a filha porque numa noite gelada teve que se prostituir e deixara a criança perto de uma lareira. O cliente que encontrara, porém, acabou espancando-a a ponto de desmair. Quando recobrou os sentidos e retornou à espelunca onde morava, a lareira havia apagado e a menina morrido de frio. A história comoveu de tal forma Frankenstein que ele desistiu de torná-la uma senhora respeitável e a libertou.

Lily segue então para a mansão de Dorian não se sabe se para confrontá-lo, rever seu exército de prostitutas, o fato é que lá chegando se depara com Justine morta e a ausência das outras mulheres. Lamentando a morte de Justine, teve de ouvir Dorian adverti-la sobre os perigos da paixão. "A paixão desfaz o melhor de nós e leva à tragédia. É sempre assim para aqueles entre nós que amam demais." E fala da solidão dos imortais - como citei anteriormente - que vê todos a seu redor envelhecerem, adoecerem, morrerem, menos eles próprios. De como com o tempo o imortal perde o interesse em se apaixonar, em se conectar, como um músculo que se atrofia por falta de uso. Lily rebate que uma vida sem paixão, sem afeição, não valia a pena ser vivida. Aproxima-se de Dorian, beija-o delicadamente na boca, o que agrada ao dândi, mas para surpresa dele, trata-se de um beijo de adeus. Lily lhe diz "adeus, Dorian. Espero que eles (os retratos na parede) cuidem de você" e sai. E Dorian retruca enquanto ela se afasta, "você voltará e eu estarei aqui, eu sempre estarei aqui."

Assim Lily deixa os homens da sua vida para trás (Frankenstein, Dorian), homens que, cada um a seu modo, tentaram criá-la e recriá-la de acordo com seus desejos. Deixa-os para seguir um caminho próprio onde a autodeterminação bem como a paixão deveriam estar presentes. Interessante observar que Brona/Lily são as únicas personagens que não tem uma ligação direta com Vanessa Ives, a protagonista da série ao redor da qual toda a história se desenrola. Cruzaram-se apenas nas duas vezes em que respectivamente o lobisomem Chandler e o dr. Frankenstein as apresentaram a Vanessa. Entretanto, Lily, uma criatura criada para ser companheira de outra criatura frankensteniana, se sai melhor do que a protagonista da história, pois supera a todos que tentaram domá-la levando suas cicatrizes que a faziam ser quem era e sem as quais não existia. Uma história a ser escrita por ela mesma, um caminho aberto. 

Penny Dreadful pinta um panorama da Inglaterra vitoriana através da literatura da época, como os penny dreadfuls, da literatura gótica, dos poetas românticos, para falar, através dos médicos e monstros, dos problemas existenciais humanos, da solidão humana, em particular a dos marginalizados,  excluídos,  não-amados, dos animais feios, das coisas quebradas. Para quem está acostumado com o terror tradicional, com muita gosma, vísceras expostas, sangue em borbotões e sustos baratos, ela pode parecer até enfadonha. 

Não que toda essas características do terror não apareçam na série, mas elas são secundárias na trama que não visa meramente assustar. Todos os monstros revelam seu lado humano. Mesmo, entre as bruxas más, encontra-se uma bruxa boa. A curiosa exceção são os vampiros que representam na série o puro mal,  sendo em geral repulsivos, mais próximos da versão original do personagem como o Nosferatu (que, aliás, está nos streamings em sua versão 2024). Digo curiosa exceção porque dos personagens do horror, os vampiros têm sido os mais humanizados dos monstros góticos desde Drácula de Bram Stoker. Na infinidade de filmes e séries em que aparecem já há mais de um século, destaca-se mais o aspecto erótico e existencial da criatura, em luta com seus instintos, por não querer matar inclusive, do que o do predador insaciável. Vê-se isso principalmente no anódino Crepúsculo, True Blood, Diários do Vampiro, etc. onde alguns representantes da espécie querem até ser humanos de novo. Em compensação, a criatura de Frankeinstein, tão mais difícil de humanizar, é uma das personagens mais sensíveis de Penny Dreadful.

A série dark que virou cult foi escrita e produzida por John Logan (foto ao lado), cuja longa filmografia inclui filmes do 007, Gladiador, O Último Samurai entre outras obras (ver aqui)

Para ler ou reler a história original dos monstros góticos que Logan tão bem entrelaçou em sua Penny Dreadful, ver abaixo:
Frankenstein ou o Prometeu Moderno, Mary Shelley (1818, 1831)
O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde/ O médico e o monstro) Robert Louis Stevenson (1886)
O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde (1890)
Drácula, Bram Stoker (1897)
 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

"1984" é uma crítica aos regimes totalitários em geral, mas cai como uma luva na esquerda atual

Fido Nesti: Divulgação
No artigo 1984': livro de George Orwell é uma crítica 'contra a esquerda?, postado no site da BBC Brasil, o jornalista Edison Veiga lista algumas opiniões sobre a obra-prima do escritor inglês buscando provar que o romance criticou fundamentalmente os regimes totalitários e não a esquerda.
  
Difícil Orwell não ter pensado no nazifascismo quando escreveu o incrível "1984". Inclusive porque combateu o fascismo na Guerra Civil Espanhola. Entretanto, "1984" mirou mesmo foi a esquerda totalitária do período, tanto que o partido do mundo distópico do romance se chama Socing (abreviatura de Socialismo Inglês) e não Fascing (seria abreviatura de fascismo inglês).

Acho inclusive que sua obra visionária critica mais a esquerda de hoje do que a do passado. (Num aparte, embora ainda exista a esquerda democrática, ela parece respirar por aparelhos. Como enquanto há vida há esperança, esperemos que saia do coma.) 

(Wikimedia Commons/Reprodução) Queda do Muro de Berlim, 9/11/1989
A esquerda de hoje, contudo, é majoritariamente uma cruza do capeta entre as viúvas do Muro de Berlim, eternamente carpindo o fim de seus regimes totalitários do coração e sonhando em ressuscitá-los de alguma forma, e a esquerda identitária, woke, uma degeneração dos muito justos movimentos civis do passado, por exemplo, de mulheres, negros, gays, degeneração promovida pelas teorias pós-modernas, a saber teoria queer, teoria crítica racial, teoria decolonial, multiculturalismos, etc. 

Sara Milliken tem obesidade mórbida e
não é nada bonita para ter sido eleita miss
O resultado dessa cruza infernal é uma esquerda contrailuminista, regressiva, antiocidental, antidemocrática, antissemita, antimulher, antihomossexual. Ninguém descreve melhor essa esquerda do que o "1984": o minuto de ódio está aí multiplicado por horas de marchas antissemitas pelo mundo afora e outras formas de rancor intenso. O duplipensar esta aí na afirmação de paradoxos, na quebra do pensamento lógico, na visceral hipocrisia esquerdista. A novilíngua esta aí na linguagem neutra dos múltiplos gêneros, na obscuridade da linguagem das teses das ciências humanas que viraram uma espécie de armazém de secos e molhados, onde se encontra de tudo, menos ciência. O Ministério da Verdade, estaí na permanente reescritura do passado e do presente tão típicas dos governos de esquerda e seus "jornalistas e pensadores". 

Alguém pode argumentar que essas degenerações também são vistas na extrema-direita. Não posso discordar. Autoritários de qualquer coloração ideológica praticam ao menos algumas das variantes do menu orwelliano. Mas o fato é que quem está me obrigando a aceitar que "existem" mulheres do sexo masculino e homens do sexo feminino, que obesidade mórbida é algo belo a ponto de virar miss, que há index proibitório de palavras de etimologias supostamente racistas que não devo usar, que simplesmente constatar a verdade, por exemplo sobre o Islã, me torna uma fóbica qualquer, uma criminosa do pensamento, é a dita esquerda. E isso não há como negar.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Hatikva: uma canção de melancólica esperança

Cantora Meyolia interpreta Hatikva
(uma das mais belas versões do hino de Israel)
A guerra Hamas-Israel, deflagrada pelo brutal ataque dos terroristas do Hamas contra civis israelenses, e a consequente paradoxal onda de antissemitismo no Ocidente, me obrigaram a aprofundar minhas pesquisas sobre os conflitos do Oriente Médio. Pra variar, me deparei com um festival de mentiras cabeludas promovidas pelos islâmicos com suas quintas-colunas ocidentais, a esquerda contrailuminista atual. Assunto pra outro momento porém.

Nessas também, me deparei com o hino nacional de Israel, Hatikva, A Esperança, letra de um poeta judeu, chamado Naftali Herz Imber, escrita em 1877, e música de Shmuel Cohen, composta entre 1887 e 1888, posteriormente adotada em 1948 pelo nascente estado de Israel. Imber nasceu na cidade de Zloczov, então parte do Império Austríaco, hoje Ucrânia. Quando da fundação do primeiro assentamento judaico chamado Petach Tikva (em hebraico, Portal da Esperança), na Palestina Otomana, Imber escreveu o poema Tikvatenu, Nossa esperança, cujos primeiros versos e refrão, adaptados posteriormente, se converteriam no hino Hatikva, musicado pelo romeno Shmuel Cohen, jovem imigrante em Rishon LeZion (perto de Telaviv), com base numa música popular cigana da Romênia.

O que mais me impressionou no hino foi o fato dele não parecer hino. Hinos costumam ser solenes, retumbantes, instigantes, grandiloquentes. Vamos pegar, como exemplo, quatro hinos conhecidos, o nosso, o da França, o dos EUA e do Reino Unido. Quatro hinos bonitos: o brasileiro ufanista pelas belezas do país e pronto a defendê-lo sem temer a própria morte; a Marselhesa, uma convocação às armas contra o jugo da tirania; o dos EUA sobre o triunfo do país contra os britânicos com a ajuda de deus; o dos britânicos, solene, pomposo, em saudação à rainha (agora ao rei) por quem se pede a derrota dos inimigos do Reino Unido. Anexo abaixo os quatro, com as letras em português, à guisa de comparação. Todos falam de lutas (mesmo que em hipótese como o brasileiro), guerras e a derrota dos adversários.

O hino de Israel, contudo, soa mais como uma canção que me pareceu, em seu início, uma mistura de cantiga de ninar e de roda que depois se eleva, como um cântico religioso, num voo de melancólica esperança. Nada de ufanismo, lutas renhidas, derrota de inimigos. Apenas o anseio de 2000 anos dos judeus de serem um povo livre em sua terra. Tudo simples, conciso e lindo. Deixo abaixo a versão mais bonita que ouvi, a mais minimalista. Acrescento também agora uma gravação do Hatikva, de 20 de abril de 1945, na voz de sobreviventes do campo de concentração de Bergen-Belsen, na Baixa Saxônia, Alemanha, recém liberado pelos britânicos (de arrepiar). Há também outras versões do hino, com orquestras e corais, que soam mais tradicionais. A letra é mais ou menos assim:

Enquanto no fundo do coração
Palpitar uma alma judia
E dirigindo-se ao Oriente
Um olhar avistar Sion (Sião),
Nossa esperança não terá se perdido,
a esperança de 2000 anos
de ser um povo livre em nossa terra:
a terra de Sion (Sião) e Jerusalém. 

(repete)

Am Yisrael Chai

Reedição de 13/01/24 do original em 02/01/24

domingo, 20 de agosto de 2023

Toda vez que o futebol feminino aparece o macho brasileiro enlouquece (Copa 2023)

A Espanha ganhou a Copa do Mundo Feminina 2023

Toda vez que o futebol feminino aparece o macho brasileiro enlouquece. Não é questão simplesmente de dizer não gosto. É uma necessidade de desqualificar as jogadoras que só Freud explica. Não só ele, eu também tenho uma explicaçãozinha para dar.

O futebol é para os homens um ritual de virilidade, a chance de poderem ser homoafetivos sem serem homossexuais. Muitas fotos de futebol masculino mostram jogadores se encoxando e até pegando nas respectivas malas. Não, não é exagero meu, eu vi várias dessas imagens.
Boa parte das jogadoras de futebol é lésbica, mas não se vê 
esse tipo de apalpação no futebol feminino
O fato é que, apesar dos xingamentos homofóbicos, talvez porque um jogador gay explicite o que a maioria esconde, o futebol masculino é o festival da broderagem, um poderoso viagra. Então, o futebol feminino vira um insulto a esse clube do bolinha, uma espécie de disfunção erétil.

Mas isso é particularmente ridículo quando a gente lembra que a ainda maior potência do mundo, os EUA, é o país do futebol...feminino. Lá o show de broderagem fica por conta do futebol americano, aquela pega pra capar pros caras levarem a bola para o final do campo adversário (sei lá!).

Esse futebol que o homem brasileiro considera patente dos machos, nos EUA, é coisa de mulher. Maioria das mulheres que joga futebol estão por lá. Desde menininhas começam a jogar e continuam jogando pelas high schools e universidades, muitas se profissionalizando.

O soccer masculino diz-se que só agora está tendo mais público por causa da grande presença hispânica no país, mas de forma nenhuma é uma tradição. Então, esportes não são inerentes a sexo x ou y, embora, claro, devam ser adaptados às diferenças físicas entre os sexos em algumas circunstâncias.

Aqui no Brasil o futebol feminino foi proibido até 1983 e seu desenvolvimento não pode ser comparado ao masculino que os homens praticam desde sempre e pelo qual são altamente remunerados. Particularmente não costumo acompanhar esportes a não ser em competições internacionais, embora tenha tido uma namorada fanática por futebol.

Eu mesma acho um esporte chatinho porque podem se passar 90 minutos sem se ver um ponto sendo feito e, pior, sem nem muitas tentativas a gol. Só quando os times estão muito motivados, geralmente em copas, por exemplo, a coisa se anima. Então, não sou expert no esporte e não consigo ver grandes diferenças entre o futebol feminino e masculino, fora as diferenças inerentes a cada sexo. Mas em discurso sexista sou perita e acho q os brothers deviam disfarçar um pouco o despeito porque tá feio demais. 

Nota de último tempo: A Copa do Mundo Feminina 2023, na Austrália e Nova Zelândia, foi a maior de todas e levou a anfitriã Austrália à maior torcida já vista pelo futebol feminino. O país inteiro se uniu para torcer pelas Matildas a seleção local, que infelizmente não foram para a final. E a rainha da Espanha, país vencedor, foi pessoalmente cumprimentar as jogadoras vencedoras de seu país. Manés brasileiros, chupem. O futebol feminino venceu.

Ver aqui Porque os EUA são o país referência do futebol feminino

Ver aqui o jogo final Espanha x Inglaterra

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