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Mulheres samurais

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Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Governos chefiados por mulheres viram exemplo de combate à pandemia do coronavírus

Angela Merkel
Chanceler alemã, Angela Merkel, chega ao Parlamento Foto: AFP / Bernd von Jutrczenk 
As respostas dos países à crise do coronavírus têm sido variada e de resultados heterogêneos, mas as de maior sucesso têm em comum governos chefiados por mulheres. Em dois exemplos, Alemanha e Nova Zelândia, as estratégias foram diferentes, mas o êxito foi parecido, em comparação a outras grandes economias.

No primeiro caso, na Alemanha, o governo da chanceler Angela Merkel realizou um vasto número de testes, ofereceu milhares de leitos de UTI e equipou seu pessoal de saúde com as proteções necessárias para lidar com a pandemia. O país foi atingido duramente pelo vírus, mas com uma taxa de mortalidade baixa, cerca de 1,6%. Em comparação, na Itália, ela foi de 12%, na Espanha e no Reino Unido, de 10%.

A Nova Zelândia, liderada por Jacinda Ardern, também se destacou com apenas 9 mortes. Muito graças a sua geografia e tamanho: o país tem apenas 5 milhões de habitantes, menos do que a cidade de São Paulo. No entanto, a liderança de Ardern também contribuiu. Ela determinou testes em massa e tomou a rápida decisão de fechar fronteiras e ordenar o isolamento no início da pandemia.

O que é importante não é a questão de gênero do líder, mas a habilidade do país de eleger o melhor candidato, independentemente do sexo”, escreveu a colunista Emma Burnell do jornal Independent.

Jacinda Ardern
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, carrega sua filha recém-nascida, Neve Te Aroha Ardern Gayford, ao lado de seu marido, Clarke Gayford, ao deixar o Hospital de Auckland. Foto: REUTERS/Ross Land - 24 de Junho de 2018
Uma das respostas mais rápidas à pandemia foi a da presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen. No dia 31 de dezembro, no mesmo dia em que soube do surgimento de um vírus em Wuhan, até então desconhecido, ela determinou que todos os passageiros retornando da cidade deveriam ser investigados. Somente alguns dias depois é que a Organização Mundial da Saúde (OMS), organismo do qual Taiwan não faz parte, viria a declarar que o vírus era transmissível entre humanos.

Em janeiro, dois meses antes de a OMS declarar a pandemia, Tsai apresentou 124 medidas para evitar que o vírus se espalhasse sem ter de recorrer ao isolamento total, que viria a ser adotado em vários países mais tarde. Hoje, Taiwan contabiliza um saldo de 393 casos e apenas 6 mortes.

A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, recebeu apoio depois de recusar os apelos do presidente da China, Xi Jinping Foto: Billy H.C. Kwok/The New York Times.
Na Finlândia, Sanna Marin, a chefe de Estado mais jovem do mundo, de 34 anos, comanda uma cruzada contra a pandemia usando as redes sociais e influenciadores digitais, que vem ajudando o país a manter números baixíssimos de infectados – apenas 3 mil. O sucesso da premiê finlandesa é tão grande que uma pesquisa recente indicou que seu desempenho durante a crise recebeu a aprovação de 85% dos eleitores.

A jovem Sanna Marin após a eleição que a definiu como primeira-ministra.
Foto: Vesa Moilanen/ Lehtikuva /Reuters
De acordo com reportagem da revista Forbes, a Islândia, sob a liderança da jovem primeira-ministra Katrín Jakobsdóttir, também é um caso à parte. Seu governo está oferecendo testes gratuitos para todos os cidadãos, com ou sem sintomas – o país já testou 10% da população. O país registrou 1,7 mil casos e apenas 8 mortos. O governo islandês instituiu também um sistema completo de rastreamento de casos, permitindo que não fosse necessário o isolamento ou fechamento de escolas.

Clipping Governos liderados por mulheres viram exemplo de combate à pandemia, Estadão, 15/04/2020




terça-feira, 14 de abril de 2020

Cientistas brasileiras foram pioneiras no sequenciamento do genoma do coronavírus

Ester Cerdeira Sabino (à esq.) e Jaqueline Goes de Jesus fazem parte da equipe que fez o sequenciamento do sequenciamento do genoma do novo coronavírus, que teve casos confirmados no Brasil em fevereiro (Foto: USP Imagens; Currículo Lattes)
Ester Cerdeira Sabino (à esq.) e Jaqueline Goes de Jesus fazem parte da equipe que fez o sequenciamento do genoma do novo coronavírus, que teve casos confirmados no Brasil a partir de fevereiro (Foto: USP Imagens; Currículo Lattes)

No início de março, duas brasileiras lideraram o trabalho que sequenciou o genoma do novo coronavírus em apenas dois dias, quando a média mundial vinha sendo de 15 dias.

Quem comandou a equipe foi Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da Fapesp. Jaqueline desenvolve pesquisas na área de arboviroses emergentes e integra um projeto itinerante de mapeamento genômico do vírus Zika no Brasil.

A coordenadora geral da “missão” é Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP e coordenadora do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), que é apoiado pela Fapesp e pelos britânicos Medical Research Council e Fundo Newton.

Os pesquisadores conseguiram um resultado tão rápido porque se prepararam. Eles sabiam que a doença poderia chegar ao Brasil e se prepararam para acelerar o processo de sequenciamento.

Segundo Ester Sabino, assim que o primeiro surto de COVID-19 foi confirmado na China, em janeiro, a equipe do projeto se mobilizou para obter os recursos necessários para sequenciar o vírus quando ele chegasse no Brasil.
Usamos essa metodologia para monitorar a evolução do vírus zika nas Américas, mas, nesse caso, só conseguimos traçar a origem do vírus e a rota de disseminação um ano após o término da epidemia. Desta vez, a equipe entrou em ação assim que o primeiro caso foi confirmado”, contou Ester.
O sequenciamento foi realizado com o primeiro caso identificado no país, de um paciente de 61 anos vindo da Itália para São Paulo. O resultado foi publicado e disponibilizado para pesquisadores do mundo inteiro e já foi possível descobrir que o vírus do brasileiro é semelhante ao de um genoma sequenciado do coronavírus na Alemanha.

Com esse sequenciamento, é possível desenvolver mais rapidamente vacinas e tratamentos mais eficientes. “Por meio desse projeto foi criado uma rede de pesquisadores dedicada a responder e analisar dados de epidemias em tempo real. A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e não apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, disse Ester Sabino à Agência FAPESP.

Outros pesquisadores que participaram do sequenciamento do novo coronavírus

Ao lado dessas duas mulheres que fizeram história estão vários outros pesquisadores que elas fazem questão de lembrar, como Claudio Tavares Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz, Dr. Nuno Faria, Dr. Oliver Pybus, Dra. Sarah Hill e o doutorando Darlan Candido, da Universidade de Oxford, Dr. Joshua Quick e Dr. Nicholas Loman, da Universidade de Birmingham, o mestre Filipe Romero, da UFRJ, a mestre Pâmela Andrade, as estudantes Mariana Cardoso e Camila Maia a bióloga Thais Coletti, a farmacêutica Erika Manuli e as biomédicas Ingra Morales e Flavia Sales. 

Clipping Cientistas brasileiras são as mais rápidas no mundo a sequenciar genoma do coronavírus, por Rafael Melo, Razões para Acreditar (via revista Galileu e Jornal da USP), 02/03/2020

quinta-feira, 5 de março de 2020

Saiba como conhecer os principais museus do mundo via Google Arts and Culture

A noite Estrelada - Van Gogh - Moma
Já imaginou poder visitar museus sem sair de casa? Isso é possível graças a tecnologia. O Google Arts and Culture permite ver peças de arte de museus do Brasil e do mundo. O projeto do Google conta com a colaboração de diversos museus.

Por meio da plataforma é possível fazer passeios virtuais dentro das galerias dos principais museus do mundo. Além disso, é possível abir obras raras em alta definição pelo computador.

O Google Arts and Culture utiliza a mesma tecnologia do Street View, para apresentar as galerias com passeios panorâmicos. A proposta é oferecer uma experiência imersiva aos usuários.

Segundo André Luiz Pinto dos Santos, professor especialista nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais do Centro Universitário Internacional Uninter, é possível, por exemplo, acessar o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo sem sair de sua casa.
A Pinacoteca possui um dos acervos mais importantes das artes produzidas no Brasil. O edifício está localizado no Jardim da Luz, no centro da cidade de São Paulo, e conta com pinturas de relevância para a história nacional, como é o caso da natureza-morta 'Bananas e Metal' - quadro produzido em 1887 por Pedro Alexandrino (1856 – 1942), tido pela crítica como o pintor de naturezas-mortas mais importante do país entre o final do século XIX e início do século XX", explica.
Além disso, a plataforma possibilita ao internauta dar zoom nas obras de artistas, a tal ponto que chega a ser possível inclusive notar as ações de restauro e intervenções sofridas.

Alguns dos museus disponíveis na plataforma são: MoMa The Museum of Modern Art, em Nova York, EUA; Uffizi Galery, em Florença, Itália; Van Gogh Museum e Anne Frank House, em Amsterdã, Holanda; Masp - Museu de Arte de São Paulo; Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, Brasil, entre outros.
A Virgem, Gustav Klimt - Galeria Nacional de Praga
Clipping Saiba como conhecer museus do mundo todo sem sair de casa, Revista Vida e Arte,  24/02/2020

terça-feira, 3 de março de 2020

O século 21 deve ser o século da igualdade entre mulheres e homens, segundo secretário-geral da ONU

O secretário-geral da ONU, António Guterres, explica seu compromisso com a igualdade de gênero na The New School, em Nova Iorque. Foto: ONU/Mark Garten
O secretário-geral da ONU, António Guterres, explica seu compromisso com a igualdade de gênero na The New School, em Nova Iorque. Foto: ONU/Mark Garten
O século 21 deve ser o século da igualdade entre mulheres e homens, disse na quinta-feira (27) o secretário-geral da ONU, António Guterres, em um apelo para transformar o mundo, garantindo a participação igualitária para todos.

Falando a professores e alunos da The New School, uma universidade na cidade de Nova Iorque, o chefe da ONU declarou-se feminista orgulhoso e pediu aos homens em todos os lugares apoio aos direitos das mulheres.
Assim como a escravidão e o colonialismo eram uma mancha nos séculos anteriores, a desigualdade das mulheres deveria nos envergonhar no século 21. Porque não é apenas inaceitável; é estúpido”, disse.
Para o chefe da ONU, a desigualdade de gênero e a discriminação contra mulheres e meninas continuam sendo uma injustiça em todo o mundo.
Desde a ridicularização das mulheres como histéricas ou hormonais, até o julgamento rotineiro das mulheres com base em sua aparência; dos mitos e tabus que cercam as funções corporais naturais das mulheres, ao ‘mansplaining’ e à culpabilização da vítima — a misoginia está em toda parte”, disse ele.
No cerne da questão está o poder, pois as estruturas de poder dominadas por homens sustentam tudo, desde economias nacionais, sistemas políticos, mundo corporativo e além. Mas ele ressaltou que o patriarcado também tem impacto sobre homens e meninos, prendendo-os em rígidos estereótipos de gênero, enquanto uma mudança sistêmica está muito atrasada.
É hora de parar de tentar mudar as mulheres e começar a mudar os sistemas que as impedem de alcançar seu potencial. Nossas estruturas de poder evoluíram gradualmente ao longo de milhares de anos. Uma evolução adicional está atrasada. O século 21 deve ser o século da igualdade para as mulheres”, afirmou.
Problemas criados pelo homem, ‘soluções lideradas por humanos’

O desmantelamento da desigualdade de gênero transformará o mundo, afirmou o chefe da ONU, e é fundamental para resolver desafios globais como conflitos e violência, assim como a crise climática.

Também ajudará a diminuir a desigualdade digital, levar a uma globalização mais justa e aumentar a representação política.
A oportunidade dos problemas criados pelo homem — e eu escolho essas palavras deliberadamente — é que eles têm soluções conduzidas por humanos”, disse ele.
Enquanto as Nações Unidas completam 75 anos este ano, o organismo global está adotando amplas medidas para apoiar os direitos das mulheres, continuou ele.

O mês passado marcou o início de uma Década de Ação para alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), destinados a construir sociedades pacíficas, prósperas e inclusivas, além de proteger o planeta.

A Década de Ação visa transformar instituições e estruturas, ampliar a inclusão e impulsionar a sustentabilidade.
Revogar leis que discriminam mulheres e meninas; aumentar a proteção contra a violência; diminuir a desigualdade na educação e no acesso às tecnologias digitais das meninas; garantir acesso total aos serviços e direitos de saúde sexual e reprodutiva e acabar com as disparidades salariais entre homens e mulheres são apenas algumas das áreas que estamos mirando”, disse ele.
No nível pessoal, o secretário-geral da ONU se comprometeu a aprofundar seu compromisso de destacar e apoiar a igualdade entre mulheres e homens durante o restante de seu mandato.

Ele tomará medidas em nível global, como exigir mudanças de governos que têm leis discriminatórias, e dentro da ONU, fortalecendo o trabalho sobre os vínculos entre a violência contra as mulheres e a paz e a segurança internacionais.
A igualdade entre mulheres e homens é uma questão de poder; poder que tem sido zelosamente guardado pelos homens por milênios. Trata-se de um abuso de poder que está prejudicando nossas comunidades, nossas economias, nosso meio ambiente, nossos relacionamentos e nossa saúde”, disse Guterres.
Clipping  ‘O século 21 deve ser o século da igualdade para as mulheres’, diz chefe da ONU

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Francisco Félix de Souza, ex-escravo, foi um dos maiores traficantes de escravos africanos

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Vida de Francisco Félix de Souza revela como negros negociavam negros
No mundo em preto e branco do atual movimento negro, somente brancos podem ser racistas porque o racismo contra negros é estrutural, tem desdobramentos sócio-políticos, econômicos e culturais que não afetam brancos por serem brancos. Com essa perspectiva, o juiz João Moreira Pessoa de Azambuja, da 11.ª Vara de Goiânia, absolveu um jovem negro da acusação, feita pelo Ministério Público Federal, de ter ‘praticado e incitado a discriminação de raça ou cor’ ao fazer ‘reiteradas declarações pregando, com incitação ao ódio, a separação de raças, inclusive citando mulheres negras que se relacionam com homens brancos (como nojentas)’. Claro que se trata de uma falácia tal ponto de vista, porque, no mínimo, negros podem ser sim racistas contra brancos em nível de discurso, em nível de injúria racial, como nesse caso. Negar essa realidade dá carta branca (sem ironia) para que negros possam cometer injúria racial impunemente.

O fato é que, na triste história da escravização africana ocorrida no Brasil, a divisão mocinho ou bandido que rege a mentalidade de ativistas do atual movimento negro vai encontrar sérias contestações provindas do passado. Uma dessas contestações reside na presença de traficantes de escravos que eram  ex-escravos. Aliás, um dos maiores traficantes de escravos foi Francisco Félix de Souza, ex-escravo baiano mercador de escravos, como relata o diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva em seu livro Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (Nova Fronteira/Ed. Unerj, 208 páginas). Na resenha de Carlos Haag que segue abaixo, o livro é tido como "um painel, cruel, de como negros africanos lucravam, e muito, traficando escravos para viver como reis e comprar armas."

Quando ativistas racialistas virem falar de reparação aos negros pela escravidão africana, bom  perguntar para qual descendente do Francisco Félix de Souza se deve entregar a fatura.
Francisco Félix de Souza, mercador de escravos por [Silva, Alberto da Costa e]
Francisco Félix de Souza se tornou um dos homens
mais ricos do mundo traficando seus irmãos de cor.
Os escravos do escravo
Vida de Francisco Félix de Souza revela como negros negociavam negros

Em Quincas Borba, Machado de Assis conta a história de Prudêncio, o escravo vítima de maus-tratos que, tão logo se vê liberto, compra seu próprio escravo para, ato contínuo, surrá-lo. Em tempos politicamente corretos, de idealização das vítimas, esse parece mais um exemplo do eterno niilismo do Bruxo. Infelizmente, a história mostra que a arte copiava a vida, como revela Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (Nova Fronteira/Ed. Unerj, 208 páginas), do diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva, a biografia do ex-escravo baiano mercador de escravos. Mais: o livro é um painel, cruel, de como negros africanos lucravam, e muito, traficando escravos para viver como reis e comprar armas.

A vida de Félix virou filme, Cobra verde, nas mãos de Werner Herzog, e um romance, O vice-rei de Udá, de Bruce Chatwin. Mas, graças a Costa e Silva, pela primeira vez o tema é tratado com apuro historiográfico. Sem deixar de lado o fascínio rocambolesco da sua vida: o pobre de Salvador que, na África, conseguiu poder, nobreza e uma fortuna calculada em US$ 120 milhões, que fez dele um dos três homens mais ricos do globo. Ao morrer, com 94 anos, ele deixou 53 mulheres, 80 filhos e 12 mil escravos.

Nascido provavelmente em 1768, Félix chegou à África em 1788 para ser comandante da fortaleza de São João Batista de Ajudá, que, no século 18, era o epicentro do mercado exportador de escravos do golfo do Benim (40% dos cativos que cruzaram o Atlântico vieram daquela região), o que lhe rendeu o epíteto de Costa dos Escravos. O tom trágico disso era que os responsáveis pela manutenção desse comércio eram outros negros que vendiam prisioneiros de guerra e condenados pela Justiça para mercadores europeus e brasileiros.

Da elite africana a ex-escravos com espírito de aventura, é inegável a participação efetiva de irmãos de cor na comercialização de seres humanos em condições desumanas para trabalhos forçados.
O rei Guezo, por exemplo, recusou-se a assinar com os ingleses um tratado de abolição de escravos em Daomé, alegando que ‘fazê-lo seria mudar a maneira de sentir do seu povo, acostumado desde a meninice a considerar aquele comércio justo e correto’. Ele acrescentou que havia mesmo canções de ninar sobre a redução dos adversários ao cativeiro”, conta Costa e Silva.
Apesar da carência de recursos, Félix beneficiava-se de um esquema comercial comum a outros atravessadores de escravos: recebia-se o pagamento em negros adiantado dos africanos para entregar, no futuro, armas e outros artigos. O tempo dava a chance para o giro de capital com o agenciamento de cativos.
A correspondência dos traficantes quase não nos deixa perceber que a mercadoria de que trata são seres humanos”, explica o historiador. Diante de um mercado organizado como aquele, o brasileiro prosperou em Ajudá como intermediário e armazenador de negros, prática que agilizou a compra de escravos, pois esses eram embarcados no maior número possível e no menor tempo possível. Lucros certos e fartos.
Félix contou ainda com a sorte: se a proibição do tráfico para as colônias britânicas e os Estados Unidos reduziu o preço dos cativos, a liberalidade dos portos brasileiros permitia cobrar valores cada vez maiores por escravos. E o baiano era o fornecedor principal para o Brasil.
Em pouco tempo o brasileiro percebeu que poderia ganhar ainda mais se aventurando no transporte de negros: comprou vários navios (inclusive os negreiros que eram leiloados pelos britânicos após terem sido apresados) e chegou a encomendar fragatas aos EUA. Envolvido numa disputa dinástica entre dois irmãos pelo poder do reino de Abomé, Félix escolheu o lado do meio-irmão do rei, Guezo, que não apenas o livrou da prisão (o rei Adandozan decidira perseguir os mercadores estrangeiros) como, após assumir o trono, concedeu-lhe o título honorífico de Chachá (ainda hoje concedido aos descendentes do brasileiro), vice-rei de Ajudá e o monopólio na exportação de escravos. Félix era nobre e rico.

Em Ajudá construiu sua casa-grande assobradada num bairro que, pouco depois, passou a ser conhecido como Quartier Brésil. Quando saía pelas ruas, tinha direito a um escravo que o protegia do sol com um pára-sol, guarda armada, tamborete e uma escolta de músicos. Esperto, construiu uma rede de alianças com os microestados que povoavam a costa africana e chamou outros mercadores brasileiros de escravos em operação para sócios. Dessa forma, conseguiu vencer em tempos difíceis, com os ingleses policiando a costa em busca de depósito de negros.

Os europeus passaram a ver nele um interlocutor de prestígio e importância. Mesmo o vice-cônsul britânico no Daomé, John Duncan, ainda que lamentando o fato de Félix se dedicar ao comércio de escravos, chamava-o de “o homem mais generoso e mais humano das costas da África”. O Chachá queria se europeizar e mandou o filho caçula estudar em Portugal, anos após ter enviado o primogênito para o Brasil. Em sua casa reinava o luxo: a mesa era adornada com talheres de prata e louças monogramadas.

Ao receber o príncipe de Joinville para um almoço, saudou o nobre com salvas de 21 tiros de canhão. Certos costumes, porém, não perdia: adorava servir feijoada, feijão de leite de coco, sarapatel, moqueca de peixe e cozidos. Em 1846 foi condecorado por Portugal com a Ordem de Cristo como “benemérito patriota”. Félix foi o mercador negro mais bem-sucedido, mas não foi um caso isolado. Há muitos exemplos de brasileiros, vários negros, que, na esteira do Chachá e aprendizes do seu método de trabalho, se deram bem como escravagistas, como Domingos José Martins, rei do tráfico em Lagos, ou João José de Lima, comandante do mercado em Lomé, entre tantos outros.

Mas Félix era ainda o mestre.
Quando assinava uma letra, esta era aceita sem hesitação em Liverpool, Nova York, Marselha e outras praças. Dele dizia-se que a palavra bastava, não sendo necessário documento escrito para firmar um compromisso”, conta Costa e Silva.
Apenas a velhice corroeu o seu poder. Em 1844, aos 90 anos, com reumatismo, ele parecia, ao rei Guezo, ter perdido a antiga força mercantil e, aos poucos, foi deixado de lado no comércio de escravos. Mas teve tempo ainda de ser quase um dos pioneiros na substituição lucrativa do tráfico de negros pela exportação do óleo de palma ou azeite-de-dendê, que cada vez mais era usado como lubrificante e também como matéria-prima da incipiente mania européia de usar sabonetes para higiene pessoal.

O dendê sempre esteve associado aos negreiros, pois era um dos alimentos dados aos cativos durante a travessia do Atlântico.
Vendia-se azeite aos britânicos e franceses e, muitas vezes, era com mercadorias apuradas nesse comércio que se adquiriam escravos no interior para embarque nos navios negreiros”, explica o historiador.
Félix logo percebeu o alcance dessa hipocrisia e o potencial da mudança de um pólo de comércio, que em breve seria ilegal (sem falar nos riscos crescentes inerentes ao tráfico como doenças, perda de escravos, apreensão de navios etc.) para outro, ligado e inócuo.
Os mesmos grandes portos negreiros e as mesmas empresas dedicadas ao comércio de gente continuaram a comandar as transações com a África. Os navios negreiros foram readaptados para receber os barris de óleo e os seus capitães eram os mesmos que antes negociavam com escravos”, observa o autor.
Félix deixa de ser símbolo do “comércio odioso” para se transformar em capitalista empreendedor e criativo. A raiz dos dois homens é, infelizmente, a mesma.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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