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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

"Todas as mulheres dos presidentes": livro conta a história das primeiras-damas brasileiras

A História das Primeiras-Damas do Brasil
Trajetória pouco conhecida, livro destaca a participação das primeiras-damas ao longo de 130 anos de República. Salvo exceções, elas foram ofuscadas por uma sociedade machista e conservadora

“Filha de um senador, fui esposa de um presidente e mãe de um ministro de Estado.” Trinta e oito anos depois de encerrado o mandato de Arthur Bernardes – na Primeira República, entre 1922 e 1926 –, assim se definiu sua esposa, Clélia Vaz de Melo (1876-1972), em entrevista concedida à revista Manchete em 1964. Natural de Viçosa, de tradicional família de políticos mineiros, Clélia, a mais longeva primeira-dama em 130 anos de República – morreu lúcida aos 96 anos – forjou a própria identidade na trajetória política dos homens de sua família, muitas vezes influenciando decisões à sombra. A história de Clélia, mulher dedicada ao lar e discreta, traduz o itinerário da maioria das primeiras-damas em 130 anos de República.

E se é inequívoco que os postos-chave da política no Brasil foram e continuam ocupados por homens – apenas uma mulher, Dilma Rousseff, foi eleita presidente da República –, é fato que a maior parte das primeiras-damas que orbitaram o poder durante o exercício do mandato de seus respectivos maridos fizeram vistas grossas aos casos extraconjugais e não cultivaram a carreira profissional.

Nesse sentido, a antropóloga, pesquisadora e pós-doutora Ruth Cardoso foi ponto fora da curva. Ser “do lar”, a “retaguarda” dos homens de poder, foi o padrão esperado, assim expresso por Scylla Gaffré Nogueira (1907-2003), mulher de Emílio Garrastazu Médici, presidente entre 1969 e 1974, auge do período da repressão da ditadura militar:
Sou e serei sempre o que fui: a esposa de meu marido, duas vezes mãe. Ao longo de minha vida, não me tem feito maior diferença a função que ele exerce, desde que permitido me seja estar ao seu lado. Minha valia é tão pouca, minha missão é tão fácil e tão suave. A mim, toca fazer-lhe a casa amiga e serena (…)”.
A história não contada das primeiras-damas brasileiras está registrada no óleo sobre tela de Gustavo Hastoy, que retrata, no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, o momento em que o marechal Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório, rodeado por 18 homens, assina em 20 de junho de 1890 o projeto da primeira Constituição da República do Brasil. “A mulher que inauguraria o cargo de primeira-dama no Brasil é a única figura de costas na pintura; impossível ver seu rosto.

A cena explicita uma contradição que vai se repetir ao longo dos 130 anos de República: o Brasil teve muitas primeiras-damas marcantes, mas suas histórias, quando não foram apagadas, são como Mariana Cecília de Sousa Meireles, esposa de Deodoro da Fonseca, na pintura de Hastoy: sem rosto, sem que se possa ao menos adivinhar seus sentimentos, mas presentes, mesmo que às sombras”, escrevem os jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiúza de Melo, autores do livro Todas as mulheres dos presidentes – A história pouco conhecida das primeiras-damas do Brasil desde o início da República (Editora Máquina de Livros).
Todas as primeiras-damas, até mesmo Ruth Cardoso, uma acadêmica reconhecida, cuja trajetória profissional se destaca como exceção entre a maioria das primeiras-damas que não cultivaram carreira profissional, tiveram vidas regidas por opção política do homem com o qual se casaram”, avalia Ciça Guedes.
“Com raras exceções, essas mulheres invisíveis passaram à história como citações nas biografias de homens fortes”, acrescentam.
“Sobre os presidentes da República há grande volume e variedade de biografias, perfis, ensaios e trabalhos. Mas sobre as primeiras-damas há pouca informação. Quisemos contar a história da República com esse viés feminino”, diz Murilo Fiúza de Melo, lembrando que para a historiografia nacional – narrada sobretudo por homens – elas são ignoradas, praticamente “não existem”.
A invisibilidade das primeiras-damas do Brasil fala muito da trajetória social da mulher, numa sociedade machista e conservadora, afirma Murilo Fiúza.
O espaço das mulheres tem sido conquistado com muito esforço”, afirma. Foi apenas no Código Civil de 2002 que as mulheres deixaram, pelo menos perante a lei, de ser subjugadas pelo homem, considerado o “chefe da sociedade conjugal”, e, inclusive, passaram a escolher se queriam ou não adotar o sobrenome do marido. 
Ambos lembram que no Código Civil de 1916 as mulheres precisavam da autorização do marido para exercer uma profissão, o que deixou de existir apenas em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada. 

Já o direito à participação política por meio do voto chegou apenas no governo de Getúlio Vargas, em fevereiro de 1932, quando, por meio de decreto, um novo Código Eleitoral estendeu o direito de voto às mulheres.
Apesar dos avanços da luta pelos direitos das mulheres, a esposa do principal líder do país continua sendo coadjuvante – quanto mais bela, recatada e do lar for, mais feliz estará a nação”, destacam Ciça Guedes e Murilo Fiuza, que lembram, em contraponto, como, nos estertores da monarquia, a princesa Isabel deixou a sua marca na história, nas três oportunidades em que assumiu a regência: assinou a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei Áurea (1888).
Ciça Guedes e Murilo Fiúza fizeram a pesquisa bibliográfica de 34 primeiras-damas, inclusive de Risoleta Neves (1917-2003) – esposa de Tancredo Neves, que morreu em 1985, antes de assumir o primeiro governo civil após a ditadura militar –, e Antonieta Castelo Branco (1922-2010), filha do marechal Castelo Branco (1897-1967), que era viúvo, o primeiro presidente militar a assumir após o golpe de 1964. Os autores também consideraram a biografia de Ana Guilhermina de Oliveira Borges (1855-1891), que morreu antes de Rodrigues Alves (1848-1919) chegar à Presidência, cargo que exerceu entre 1902 e 1906. Ele foi eleito para um segundo mandato como presidente em 1º de março de 1918, mas contraiu a gripe espanhola e morreu.

Entre as 34 primeiras-damas abordadas no livro, oito foram mineiras, com especial destaque para a trajetória de Sarah Luísa Gomes de Sousa Lemos Kubitschek (1908-1996) e Risoleta Neves. Um dos presidentes mais marcantes da história brasileira, sob Juscelino Kubitschek (1902-1976) o Brasil viveu a arrancada desenvolvimentista, expressa no slogan “50 anos em 5”. Os autores destacam, sobre o político apelidado de Presidente Bossa Nova:
Por todos os ângulos em que se examina, parece que nunca fomos tão felizes como no governo de JK, um homem charmoso, descendente de ciganos, que adorava dançar e se divertir”. Classificando Sarah como uma “das mais importantes primeiras-damas” da República, ao lado de Darcy Vargas e Ruth Cardoso, os autores registram a forma como ela impulsionou a carreira política de Juscelino, abrindo-lhe as portas das “famílias poderosas de Minas”.
Mas demonstram que ela foi muito além do papel de coadjuvante, sendo citada pela Fundação Oswaldo Cruz como autora das primeiras iniciativas de prevenção e tratamento de câncer ginecológico no país.
A importância de suas obras assistenciais resistiu ao tempo, mas ela não é tão lembrada quanto outras primeiras-damas de destaque. Foi também vítima do massacre que a ditadura militar promoveu contra a imagem de Juscelino”, afirmam Ciça Guedes e Murilo Fiuza. Ao longo de sua carreira, Juscelino teve diversos casos amorosos.

Conhecida pela reserva e comedimento, Risoleta foi casada por 47 anos com Tancredo Neves (1910-1985), considerado articulador importante da transição democrática: costurou ampla aliança entre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), oposicionista, e a Frente Liberal, dissidência do Partido Democrático Social (PDS), governista, para apoiar, a sua eleição no Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985. Tancredo era considerado moderado, portanto, palatável pelo regime militar para consolidar a transição. Mas foi impedido de tomar posse em decorrência de uma cirurgia, morrendo antes de assumir a Presidência da República, vítima de sucessivos erros médicos.

Clipping Livro conta a história das primeiras-damas do Brasil, por Bertha Maakaroun, Estado de Minas, 09/02/2020

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Carpinteiras constroem minicasas para mulheres sem-teto em Seattle

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Minicasas construídas por carpinteiras para mulheres sem-teto em Seattle (EUA)
O texto abaixo é da Débora Spitzcovsky, do site The Greenest Post, falando sobre a iniciativa de carpinteiras da cidade de Seattle, nos EUA, de construir minicasas para mulheres sem-teto em 2018. Aqui, no Brasil, também tivemos iniciativa assemelhada quando arquitetas foram à periferia ensinar mulheres de baixa renda a construir suas próprias casas. Iniciativas como essas precisam ser conhecidas e multiplicadas também no Brasil que tem tanta gente em situação de rua.
💗


"Sabe aquelas iniciativas que só de saber a respeito já dá um quentinho no coração? Ser mulher em um mundo onde uma série de vieses machistas imperam a todo momento não é nada fácil para nenhuma de nós. E, quanto mais vulneráveis estamos, pior fica. Dá para imaginar o quão difícil é para uma mulher viver na rua?

Tendo essa consciência, um grupo de carpinteiras, o Women4Women, se voluntariou para construir uma vila de casas minimalistas em Seattle, nos EUA, para que mulheres sem-teto da cidade pudessem morar e, assim, deixar a situação de rua para trás.

Ao todo, foram construídas 15 moradias de 30 m² que, juntas, formam a comunidade Whittier Heights Village. O lugar, que a partir de agora será administrado pelo Instituto de Habitação de Baixa Renda de Seattle, ainda conta com uma área comum, que possui cozinha, banheiros e lavanderia.
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Minicasas construídas por carpinteiras para mulheres sem-teto em Seattle (EUA)
As novas moradoras já estão ocupando as casas, felizes da vida! Mas talvez o mais incrível dessa história é o fato de que, por meio de seu trabalho voluntário, as carpinteiras do Women4Women conseguiram ajudar a outras mulheres e a si mesmas.

Isso porque o grupo foi criado com o intuito de divulgar a competência das mulheres para realizar trabalhos braçais na construção civil. Alice Lockridge, fundadora do movimento, ao lado de todas as outras integrantes do coletivo, luta há anos pela causa, decidida a tornar esta uma carreira viável para as mulheres. Atualmente, nos EUA, apenas 10% das 10,3 milhões de vagas de emprego na construção civil são ocupadas por pessoas do sexo feminino – que ainda têm que provar a todo tempo sua competência.

Para divulgar a causa, além de ir às escolas fazer palestras de sensibilização, o grupo atua como voluntário na construção e reparação de casas para pessoas que precisam, mostrando sua competência. Esta foi a primeira vez que se envolveram com a população de rua e a repercussão foi pra lá de grande, exatamente por se tratar de mulheres beneficiando a outras mulheres.

Alguém ainda duvida de que juntas somos muito mais fortes? ♥

Clipping De mulheres para mulheres! Grupo de carpinteiras constrói vila de casas minimalistas para mulheres sem-teto morarem, por Débora Spitzcovsky, The Greenest Post  

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Livro "Mulheres Filósofas na História" para baixar gratuitamente

De Hipátia a Simone de Beauvoir
História da filosofia geralmente significa a história dos homens filósofos, situação que a academia respalda ao focar a atenção apenas neles. As mulheres não filosofam? Não existem filósofas? Filosofar é uma necessidade e uma capacidade humana, não um privilégio masculino.
Folheei pelo menos três enciclopédias filosóficas e, entre todos os nomes encontrados (exceto Hipátia ), não encontrei sequer vestígios do de filósofas. Não é que não houvesse mulheres que filosofassem. É que os filósofos preferiram esquecê-las, talvez depois de se apropriarem de suas ideias  (Umberto Eco)
O livro Mulheres Filósofas na História pretende dar conta da jornada histórica (da Antiguidade ao século XXI) de algumas pensadoras e suas contribuições. A maioria delas não teve as mesmas possibilidades econômicas e simbólicas que seus contemporâneos homens. Muitas foram ridicularizadas por setores masculinos cultos, ameaçadas, silenciadas e até torturadas.

A escritora Ingeborg Gleichauf apresenta quarenta e quatro pensadoras de diferentes origens, ambientes e disciplinas, em seus contextos sociopolíticos e filosóficos (índice abaixo). Isso mostra que, superando muitos obstáculos, elas sempre filosofaram, desenvolvendo seu pensamento paralelamente ao de filósofos reconhecidos e estudados.

Índice do livro:

Mulheres filósofas na antiguidade:

  • Crotone Theano
  • Aspasia
  • Diotima
  • Fintis
  • Perictione
  • Hypatia
Filósofas cristãs da Idade Média
  • Hildegard von Bingen
  • Mechthild von Magdeburg
  • Marguerite Porete
  • Catarina de Siena
  • Christine de Pizan
A era renascentista
  • Tullia d'Aragona
  • Isabel de Villena
  • Teresa de Ávila
  • Marie Le Jars de Gournay
Século XVII
  • Margaret Cavendish
  • Anne Finch Conway
  • Mary Astell
  • Juana Inés da Cruz
A Era da Iluminação
  • Gabrielle Émilie de Breteuil
  • Olympe de Gouges
  • Mary Wollstonecraft
  • Johanna Charlotte Unzer
  • Harriet Hardy Taylor-Mill
Romantismo
  • Bettine von Arnim
  • Karoline von Günderrode
  • Rahel Varnhagen
  • Germaine de Stael
O século 19 e o fim do século
  • Hedwig Dohm
  • Concepção Arenal
  • Helene Stocker
  • Leonore Kuhn
  • Helene von Druskowitz
  • Hedwig Bender
  • Harriet Martineau
  • Mary Whiton Calkins
Filosofia do século XX
  • Hedwing Conrad-Martius
  • Edith Stein
  • Simone Weil
  • Hannah Arendt
  • Simone de Beauvoir
  • Gertude Elizabeth Margaret Anscombe
  • Agnes Heller
  • Sarah Kofman
  • Martha C. Nussbaum
  • Maria Zambrano

Este livro oferece a possibilidade de completar uma história tantas vezes silenciada, uma história fragmentada da filosofia, sendo um excelente ponto de partida para pesquisas adicionais.

Para baixar Mulheres Filósofas na História em PDF, basta clicar aqui . Pode-se lê-lo on-line ou fazer o download gratuitamente para seu PC ou qualquer dispositivo móvel.

Tradução Míriam Martinho de Libro sobre Mujeres filósofas en la historia en PDF ¡Gratis!, Cultura Filosófica, 21/11/2019

Ver também A Presença das Mulheres na Filosofia (livros para baixar em português)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Frances “Poppy” Northcutt, a única mulher na sala de controle da Apollo 8

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Poppy Northcutt, a única mulher na sala de controle do Apollo 8
Ainda hoje a engenheira é uma voz ativa pelos direitos das mulheres na ciência. Conheça a história da norte-americana que rompeu diversas barreiras na astronomia

A astronomia ainda é majoritariamente masculina: menos de 11% das pessoas que já foram ao espaço são mulheres, segundo a Nasa. Mas, na década de 1960, uma engenheira de 25 anos conseguiu fazer história em meio ao clube do bolinha da agência espacial. Frances “Poppy” Northcutt foi a única mulher na sala de controle da Apollo 8, a primeira missão que orbitou a Lua e retornou à Terra.

Conheça alguns fatos sobre a carreira desta engenheira americana, que acompanhou todas as missões do programa:

De calculadora humana a engenheira espacial

Até se tornar a única mulher em uma sala cheia de homens, Northcutt trabalhou em ambientes exclusivamente femininos. Formada em matemática, começou a carreira aos 23 anos como calculadora humana, executando cálculos baseados no trabalho dos engenheiros — todos homens. Por sua vez, as calculadoras humanas eram todas mulheres. O esforço e a curiosidade que a engenheira demonstrou no trabalho acabaram servindo para que fosse promovida para o time técnico da Apollo 8.

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Aos 76, Northcutt ainda está à frente da Organização Nacional de Mulheres do Texas
Advogada dos direitos das mulheres

Enquanto trabalhava como engenheira espacial, Northcutt decidiu fazer outra graduação, desta vez em Direito, para se tornar promotora. O foco de seu trabalho eram os direitos das mulheres.
Eu me vejo como uma cientista de foguetes em um certo período, uma ocasional advogada e uma defensora dos direitos das mulheres em tempo integral”, afirmou em entrevista ao jornal Los Angeles Time.
Ainda hoje, aos 76 anos, Northcutt está à frente da Organização Nacional de Mulheres do Texas e luta por direitos reprodutivos.

Direitos iguais, salários iguais

Apesar de conquistar um assento na sala de controle, a engenheira ganhava menos que seus colegas de equipe. Mesmo com todo o esforço do gerente de operações para igualar o salário de Northcutt ao dos engenheiros homens, a diferença continuava. Na visão dela, a equiparação salarial era difícil de acontecer quando ela havia começado com uma diferença de valores tão significativa.

Ainda que os salários se equiparassem, isso não resolveria outras questões, como os benefícios a que se tem direito na aposentadoria. Mas ela reconhecia a posição privilegiada em comparação às outras mulheres, e procurou ter uma voz ativa por direitos que favorecessem todas, como benefícios de saúde melhores.

Apollo 13 e o retorno à Terra

Foi na sétima missão do projeto que Northcutt vivenciou um dos momentos mais tensos como engenheira especial. O Apollo 13 sofreu um acidente com a explosão de um dos tanques de oxigênio, comprometendo a viagem de três astronautas. Por sorte, Northcutt e a equipe já trabalhavam há anos em planos alternativos para o caso de algo dar errado. Com a suspensão dos programas pela Nasa, a engenheira passou a trabalhar em outras missões, como estudos para chegar a Marte.

Homenagem nos palcos

A peça de teatro “Sizzle Sizzle Fly” foi escrita por Susan Bernfield em homenagem a Poppy Northcutt. A produção estreou em 2017, como um monólogo da autora. Bernfield conta que desde jovem sentia-se atraída pela história de Northcutt e pela sua participação em programa de missões, que ganhou as manchetes na época.

Clipping Poppy Northcutt, a única mulher que esteve na sala de controle do Apollo 8, por Jéssica Ferreira, Galileu, 24/01/2020

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

75% de todo o trabalho de cuidados não remunerado do mundo é feito por mulheres

Uma corrida desleal
Estudo da Oxfam mostra que a força de trabalho feminina é invisível para o mercado.

Há hábitos e rotinas que não escravizam, como usualmente. Em vez disso, devem ser mantidos, para que a hipótese de constância possa ampliar uma rede de pensamentos e boas informações. Todos os anos, um dia antes de começar o Fórum Econômico Mundial (21 a 24 de janeiro), reunião de líderes e empresários abastados, a ONG Oxfam publica um relatório mostrando uma das múltiplas faces de seu tema de abrangência: a desigualdade social.

Este ano não foi diferente. Ontem (19) à noite saiu do forno o relatório “Tempo de cuidar”, em que os estudiosos se debruçaram, mais uma vez, sobre um conteúdo que mostra o lado mais perverso do atual sistema econômico. Em resumo, 2.153 pessoas têm agora mais dinheiro do que os 4,6 bilhões de pessoas mais pobres do planeta.

Mas quando se reflete sobre desigualdade, nada pode ser resumido. O relatório traz múltiplas informações, e eu busquei me deter naquela que dá título ao estudo. Tenho pensado muito sobre o trabalho das cuidadoras, não só por causa de visitas regulares a uma clínica geriátrica onde está a mãe de um amigo, como porque moro num bairro que, felizmente, tem bastante cabecinhas brancas, e elas são muito bem cuidadas.

A tecnologia está nos proporcionando uma vida mais longa, e é preciso saber lidar com algumas privações que um corpo idoso oferece, oferecendo a ele mãos seguras que o amparem nos momentos de necessidade.

A questão é que esta é uma das faces da desigualdade que vem se perpetuando no tempo. O trabalho das mulheres que cuidam, não só dos idosos como das crianças, embora seja crucial para o desenvolvimento de um país – como imaginar um alto executivo sem alguém na retaguarda, cuidando de sua casa e família, dando-lhe tranquilidade para tomar decisões importantes? – vem sendo recorrentemente subestimado.

E o problema deve se agravar na próxima década conforme a população mundial aumenta e envelhece. Estima-se que 2,3 bilhões de pessoas vão precisar de cuidados em 2030 – um aumento de 200 milhões desde 2015. No Brasil, em 2050, serão cerca de 77 milhões de pessoas a depender de cuidado (pouco mais de um terço da população estimada) entre idosos e crianças, segundo dados do IBGE.

A Oxfam calculou que esse trabalho agrega pelo menos US$ 10,8 trilhões à economia e que a maioria desses benefícios financeiros reverte para os mais ricos, que em grande parte são homens, avalia o estudo.

No texto de apresentação à imprensa, a diretora executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia, lembra que “milhões de mulheres e meninas passam boa parte de suas vidas fazendo trabalho doméstico e de cuidado, sem remuneração e sem acesso a serviços públicos que possam ajudá-las nessas tarefas tão importantes”.

A senhora é assistida por três cuidadoras e uma enfermeira na casa em que
mora sozinha em Bauru — Foto: Reprodução/TV TEM
As mulheres fazem mais de 75% de todo o trabalho de cuidado não remunerado do mundo e, frequentemente, segundo os dados do relatório da Oxfam, “elas trabalham menos horas em seus empregos ou têm que abandoná-los por causa da carga horária com o cuidado. Em todo mundo, 42% das mulheres não conseguem um emprego porque são responsáveis por todo o trabalho de cuidado – entre os homens, esse percentual é de apenas 6%”.
Esses dados foram veiculados, na abertura do Fórum, para os ricos e empoderados senhores que se reuniram na gélida cidade suíça de Davos. Será que desta vez, ao menos, sairá dali alguma resolução que possa ajudar a dar os primeiros passos num problema que há décadas está estagnado?

No apagar das luzes do século XX, o embaixador de carreira e representante do Irã nas Nações Unidas Majid Rahnema, compilou no livro “The post-development reader”, ainda sem tradução no Brasil, mais de trinta artigos de estudiosos do mundo todo, com o objetivo de oferecer aos estudantes dados que pudessem ampliar o conhecimento sobre os mitos e as realidades a respeito do desenvolvimento.

No artigo escrito por Pam Simmons, chamado “Mulheres no desenvolvimento, uma ameaça à liberação”, a autora conta que já em 1975, na Conferência das Mulheres convocada pelas Nações Unidas no México, fez-se a denúncia de que as mulheres têm sido recorrentemente ignoradas em todas as políticas desenhadas para o desenvolvimento. Quase meio século depois o não reconhecimento permanece.

Quem primeiro escreveu sobre este estado de invisibilidade das mulheres para o mundo do progresso foi a economista dinamarquesa Ester Boserup, em 1970. No livro “Woman´s Role in Economic Development” (O papel da mulher no desenvolvimento econômico”, em tradução literal), também sem tradução no Brasil, Boserup foca o trabalho na agricultura.

E questiona o pensamento estagnado (olhem aí o lado nocivo do hábito) que considera “natural” a divisão de tarefas de trabalho, sobretudo na agricultura, que leva em conta o sexo. E faz uma provocação, lembrando que em algumas culturas a carga de trabalho segue regras completamente diferentes daquela em que ao homem são destinadas tarefas ditas pesadas, como caçar, e às mulheres restam todo o trabalho restante, não só de limpar o ambiente como de cozinhar e organizar a casa.

Mas, em geral, de fato no mundo agrícola quem aprende a lidar com as máquinas é o homem, enquanto as mulheres permanecem fazendo o trabalho com as mãos. Ester Boserup se preocupa bastante com os países pobres, foca a situação das mulheres em locais, como na Índia, onde o trabalho feminino cresceu na construção civil porque são elas que se subjugam a fazer tarefas como carregar cimento na cabeça por baixos salários.

Mas cita também os Estados Unidos, onde o uso das máquinas vem sendo preferido ao uso de mãos humanas na agricultura, mas, em proporção, aumenta o número de mão de obra feminina - e mal paga – nos campos.

Não são dados contemporâneos, certamente, mas conhecer o trabalho de Ester Boserup dá a dimensão de quão ignoradas são as recomendações para que se tire da invisibilidade a mão de obra feminina no mundo. Uma nova visão é preciso, alertou Pam Simmons em seu artigo escrito há pouco mais de duas décadas.

Ela denuncia a opressão, feita por um poderoso grupo de homens, sobre as mulheres em todas as áreas, quer seja em países pobres como nos ricos. E fala às mulheres de países ricos: “É preciso combater a dominação ‘em casa’”.
No fim das contas, são os homens do Primeiro Mundo que possuem as maiores empresas, controlam as organizações internacionais, dominam os ‘think-tanks’ e visitam os bordéis nos centros de turismo do Terceiro Mundo e esperam deferência por parte de quem eles, financeiramente, ‘suportam’”, escreve ela.
Fazer contato é o caminho que pode começar a desestruturar esta dramática realidade. Para isto, Simmons se reuniu com outras mulheres e conseguiu facilitar a comunicação entre a força feminina de países pobres e ricos. Eis a conclusão de uma estudante indiana que participou do encontro:
Sempre pensei que os valores ocidentais eram bons para o povo do Ocidente e que os valores orientais eram bons para o povo do Oriente. Agora eu sei que os valores ocidentais não são bons para o povo do Ocidente”.
Muita coisa está fora da ordem, não só no mundo feminino, e não só no Ocidente, não só no Oriente. Por isso é preciso transpor fronteiras e espraiar mais e mais conhecimento, informação, dados, estudos. É no que acredito.

Clipping Mulheres fazem 75% de todo o trabalho de cuidados não remunerado do mundo, por Ameliza Gonzalez, G1, 20/01/2020

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