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quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Aplicativos de transporte para mulheres para evitar assédio masculino


Aplicativos de transporte para mulheres planejam expansão impulsionados por casos de violência

Aplicativos de transporte urbano voltados exclusivamente para passageiras e motoristas mulheres estão ampliando suas operações no Brasil, em meio a um quadro de elevados números de violência contra a mulher em grandes cidades do país.

Presente em seis cidades brasileiras, o aplicativo FemiTaxi planeja expandir seus serviços para mais municípios no país e na América Latina até o início de 2018, enquanto o Lady Driver, que começou por São Paulo em março deste ano, iniciará operação no Rio de Janeiro em outubro.

O foco no público feminino tem apoiado ambos os aplicativos em um ambiente altamente competitivo, disputado por empresas que têm recebido milhões de dólares em investimentos como Uber, 99 e Cabify, as maiores do setor no país.

Um dos casos de violência contra mulher mais recentes e de grande repercussão nas redes sociais do Brasil ocorreu em agosto. A vítima, a escritora Clara Averbuck, fez um relato em seu Facebook de que foi estuprada por um motorista da Uber [UBER.UL] que a levava para casa depois de uma festa na capital paulista.
Depois da divulgação da história da Clara (Averbuck), tivemos um aumento de 188 por cento nos downloads do aplicativo”, disse Charles Henry-Calfat, presidente-executivo e fundador do FemiTaxi, em entrevista à Reuters. Ele disse que percebeu o mesmo movimento depois da divulgação de outros casos de violência contra mulheres que usavam aplicativos de transporte urbano.
A Uber baniu do aplicativo o motorista que atacou a escritora e disse em nota à Reuters que “tanto motoristas parceiros quanto usuários estão sujeitos ao mesmo código de conduta e podem ser punidos, até com banimento, caso desrespeitem as regras”.

Procurada pela Reuters, Clara preferiu não se manifestar sobre o assunto.Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, os registros de casos de estupro de janeiro a agosto subiram 3 por cento sobre o mesmo período de 2016. A conta inclui 326 estupros consumados. As tentativas registradas de estupro dispararam 41 por cento, para 31 casos.

Já no Rio de Janeiro, segundo o Instituto de Segurança Pública do Estado, foram registrados 3.134 estupros de janeiro a agosto de 2017, alta de 2,2 por cento em relação ao mesmo período do ano anterior.

Cultura machista

O FemiTaxi conta com 20 mil usuárias por mês e 1.130 motoristas mulheres em São Paulo, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas e Santos. O fundador Calfat disse que planeja expansão para mais duas cidades brasileiras dentro de 2 ou 3 meses, sem revelar quais, e espera lançar seus serviços em outros países da América Latina no primeiro trimestre de 2018, inicialmente na Cidade do México e Buenos Aires. O Lady Driver, que afirma atender mais de 100 mil usuárias com cerca de 8 mil motoristas em São Paulo, se prepara para lançar seu serviço no Rio de Janeiro no final de outubro, afirmou à Reuters Gabriela Corrêa, presidente-executiva e fundadora da empresa. Ela acrescentou que pretende iniciar as operações na capital carioca com pelo menos 1 mil motoristas cadastradas. Gabriela, que morou no Equador, disse que a empresa estuda outras expansões no Brasil e na América Latina, mas ainda não definiu datas.
Peru é um país que todo mundo pede para levar o Lady. Peru, México, Equador são países que têm uma cultura machista, essa cultura latina é muito machista, então a demanda é muito grande.”
Uma pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizada pelo Datafolha e divulgada em março deste ano, mostrou que cerca de 66 por cento dos brasileiros presenciaram agressões contra mulheres em 2016. A percepção de 73 por cento da população é de que a violência contra mulheres aumentou, sensação compartilhada por 76 por cento das mulheres.

A insegurança não é receio apenas das passageiras, mas das próprias motoristas. Segundo levantamento realizado pelo FemiTaxi, 75 por cento das motoristas se sentem inseguras em transportar homens à noite e 68,6 por cento já recusaram corridas de homens por medo de serem assediadas. De acordo com o levantamento, realizado em agosto deste ano com 200 mulheres, 47,9 por cento das motoristas já sofreram algum tipo de assédio enquanto trabalhavam.

Única das grandes empresas do setor a ter uma versão de serviço voltada ao público feminino, a 99 afirmou que decidiu implantar a opção “99 Motorista Mulher” depois que uma pesquisa da empresa com 36 mil passageiros mostrou que mais de 70 por cento deles apontaram um serviço dedicado como solução preferida “para aumentar a segurança e comodidade”, disse a empresa à Reuters.

O serviço, lançado em outubro de 2016, permite que mulheres e crianças escolham ser atendidas por uma motorista. Após um ano, o opcional é o segundo mais procurado pelos usuários da 99, perdendo apenas para os pedidos de carro com ar-condicionado, afirmou a companhia, que tem mais de 300 mil motoristas e 14 milhões de usuários registrados no país.

A Uber, que não tem versão do serviço voltada especificamente para o público feminino, afirmou que investiu 200 milhões de reais em janeiro em uma central de atendimento 24 horas que responde às denúncias de má conduta na plataforma, de motoristas e usuários.

A empresa acrescentou que também lançou em março material de treinamento para seus motoristas, desenvolvido em parceria com uma revista feminina e a iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) que busca desenvolver igualdade de gênero e direitos das mulheres, ONU Mulheres, sobre como tratar bem as usuárias do serviço.

A Cabify, que também não tem versão feminina da plataforma, informou que também conta com um serviço de atendimento 24 horas dentro do próprio aplicativo para usuários e motoristas e central telefônica para os condutores. A empresa disse à Reuters que além de um “rigoroso processo para o cadastramento de motoristas”, realiza palestras informativas presenciais sobre atendimento de qualidade e segurança.

Investimento

Segundo Calfat, do FemiTaxi, desde o lançamento do aplicativo, em dezembro passado, a empresa recebeu 500 mil reais de investimento e registrou crescimento de 25 por cento ao mês em corridas. O aplicativo deve voltar a buscar recursos em dezembro deste ano e espera levantar 3 milhões de reais, disse o executivo.

Já o Lady Driver, que recebeu 1 milhão de reais em uma rodada de injeção de recursos liderada pela holding de investimentos em startups Kick Ventures, planeja uma segunda captação para este mês.

A estudante de Direito Ana Luiza Procopio, 18 anos, que usa o Lady Driver há dois meses, afirmou que essa é uma forma de usar um serviço mais seguro, e “que o único problema é que, por terem poucas motoristas, geralmente os carros demoram mais para chegar do que em outros aplicativos (em torno de 8 a 10 minutos)”.

Já Luciana Fernandes, estudante de 18 anos, que também começou a usar o serviço para “sentir mais segurança”, acredita que os aplicativos femininos de transporte “empoderam as mulheres” e espera que a oferta de carros cadastrados por eles cresça no futuro.

Fonte: Metro, por Reuters, 14/10/2017

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Raiam as trevas no horizonte do Brasil: o conservadorismo está à solta

Prega a ordem dos cemitérios como ideal de vida. Pulsão de morte na veia.
A sanha moralista nas redes sociais

Esse moralismo que aí está é irreversivelmente biruta, aloprado, détraqué

A liberdade anda em viés de baixa. Um manto de breu e caretice sai do armário das piores enfermarias e dos porões inomináveis para ameaçar transformar o país num quartel de cachorros, numa escuridão abarrotada de medos, culpas e fantasmas aflitos. O conservadorismo está à solta, com sua tara furibunda para encarcerar a política, banir a alegria e matar a imaginação. O bicho é horrendo – e se reproduz na velocidade da luz dentro das tecnologias digitais. A propósito, vai aí um aviso aos ciberdeslumbrados: quem acreditava que as redes sociais nos abririam os portais do futuro pode começar a considerar a hipótese de que elas talvez nos levem de volta aos calabouços do passado.

A coisa não veio sem aviso. Em abril, quando a Globo começou a exibir a série Os dias eram assim, correu pelo celular de todo mundo um vídeo de uns cinco minutos, quase seis, em que um sujeito de gravata e suspensórios esbravejava. Para ele, tinha entrado no ar “uma das coisas mais sujas que já se fez na dramaturgia de televisão” com o único propósito de “mostrar uma imagem ruim do regime militar”. Pela mais avançada das inovações tecnológicas, a doutrina do obscurantismo postava seu “conteúdo”.

Não dá mais para esconder. O que está em marcha nesta terra é o Festival de Besteiras – Reacionárias – que Assola o País (o Febê-rê-apá). Valei-nos, Sérgio Porto! A turba virtual baba de saudade da repressão política e moral dos anos 1970. O discurso moralista, além de rabugento e barraqueiro, é mistificador: acredita que a televisão tem o poder satânico de programar o pensamento dos seres humanos. No fundo, o conservadorismo não faz bom juízo da brava gente brasileira; acha que somos todos carneirinhos de cabeça oca à mercê das “lavagens cerebrais” promovidas pela ideologia de esquerda. Fora o que, esse moralismo que aí está é irreversivelmente biruta, aloprado, détraqué: acredita que a catedral das ideologias de esquerda no Brasil é a Rede Globo de Televisão. 😁

O conservadorismo pátrio é um lobisomem que uiva em surto. No campo da política, quer acabar com a esquerda, com a “dramaturgia de televisão”, com a memória da guerrilha e, para simplificar o expediente, com a própria política. Chega desse negócio de partido, de deputado, de senador. “Intervenção militar já!” Altas patentes se voluntariam para golpear o estado de direito. Depois de o general Antonio Hamilton Mourão pregar a “intervenção militar” se o Judiciário “não solucionar o problema político” (num vídeo que “viralizou” nas redes), o tropel só aumenta. 


Na quinta-feira (5), o general Luiz Eduardo Rocha Paiva subiu o tom: “A intervenção militar será legítima e justificável, mesmo sem amparo legal, caso o agravamento da crise política, econômica, social e moral resulte na falência dos Poderes da União”. (“Intervenção, legalidade, legitimidade e estabilidade.” Jornal O Estado de S. Paulo, 5 de outubro. Página A2.)

No campo da cultura e da arte, o lobisomem também uiva. Preconiza censura, execração e castigo. Prega a ordem dos cemitérios como ideal de vida. Pulsão de morte na veia. Quando sente o cheiro de imaginação e prazer, vitupera sobre os “bons” costumes sem libido. Defensores da moral sexual da brava gente espancam ou matam gays porque não sabem lidar com suas próprias inclinações homossexuais. Outro dia, num shopping de Brasília, bateram numa mãe e numa filha que saíam do cinema. Acharam que as duas eram um casal de lésbicas. Os mesmos que gritam “Chega de política!” gritam “Chega de imoralidade!”. Para eles, só a violência pode salvar o Brasil da corrupção e da depravação.

No Rio de Janeiro, na semana passada, o prefeito estrelou um filminho para as redes sociais – sempre elas – em que afronta as liberdades asseguradas pela Constituição Federal e proíbe o Museu de Arte do Rio (MAR) de abrigar a exposição Queermuseu. Para quem não lembra, é a mesma que foi fechada em Porto Alegre depois que bravios rapazes convertidos ao moralismo entraram em histeria e foram às – sim – redes sociais declarar seu ódio contra os estímulos à pedofilia e à zoofilia que localizaram nas obras expostas. (Agora, espíritos ainda livres quiseram reabrir a Queermuseu no Rio, mas o prefeito vetou, em nome da castidade fluminense.)

Se puder, essa mentalidade queimará os livros de Freud, destruirá as estátuas gregas que retratam o hermafrodita, rasgará as pinturas sobre o mito de Leda e o Cisne e pulverizará os carros alegóricos da Marquês de Sapucaí. As trevas se erguem no céu da Pátria, no cibernético e plúmbeo céu da Pátria.

Fonte: Época, por Eugênio Bucci, 12/10/2017

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Lei Maria da Penha: as conquistas e os obstáculos da lei que combate a violência contra a mulher

Antes da Lei Maria da Penha, a impunidade para o homem agressor de mulheres era a regra. Nos raros caso em que a mulher dava queixa na polícia por ter sido agredida pelo parceiro, o máximo que acontecia com o mesmo era uma condenação de fachada: pagava cesta básica, voltava pra casa e dava outra surra na mulher. Com a Lei Maria da Penha, promulgada em 7 de agosto de 2006, efetivou-se o que já estava previsto na Constituição Federal de 1988, ou seja, a obrigação do Estado criar mecanismos para coibir a violência familiar (artigo 226, § 8º).

Sua importância, portanto, é indiscutível, pois forneceu instrumentos para as mulheres se defenderem não só das agressões físicas mas também das violências psicológicas, patrimoniais e morais. Sua implementação, contudo, tem sido difícil, dada às peculiaridades da cultura brasileira, muito machista, e as deficiências do Estado brasileiro para efetivá-la (delegacias da mulher sucateadas, pessoal mal preparado para o atendimento às mulheres, ausência de juizados especiais em todas as comarcas). Basta ver que, segundo pesquisas recentes, 52% das vítimas de violência doméstica ainda se calam, sobre as agressões sofridas, por medo do agressor, do qual muitas vezes dependem financeiramente, e por desconhecimento de seus direitos.

Por isso, embora um inquestionável avanço, 10 anos após sua aprovação em 2006, os dados sobre a violência doméstica ainda são aterradores, colocando o Brasil em quinto lugar, dentre 83 países, no número de ocorrências de homicídios femininos, segundo O Mapa da Violência, divulgado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. Pela passagem do aniversário da lei, agora em agosto de 2017, algumas estatísticas revelaram que:
Em 2016, uma em cada três mulheres sofreu algum tipo de violência (física, psicológica, moral, patrimonial).
Em média, a cada hora, 503 brasileiras deram queixa de violência física.
Uma em cada cinco mulheres sofreu ofensa, totalizando 12 milhões de vítimas.
Nada menos que 10% das brasileiras sofreu ameaça de violência física; 8% das mulheres foram vítimas de ofensa sexual; 4% das mulheres foram ameaçadas com armas de fogo ou facas e 3% (1,4 milhão) das mulheres levaram pelo menos um tiro.
O número de mulheres que afirmaram conhecer alguém que já sofreu violência praticada por um homem é hoje de 71%. Em 2015, eram 56%.” (11 anos de Lei Maria da Penha no Brasil, Regina Beatriz Tavares da Silva, O Estado de São Paulo, 26 Julho 2017)
Então, ainda falta muito o que fazer, mas, considerando que antes não se tinha nada, a Lei Maria da Penha é certamente uma vitória do movimento feminista e das mulheres brasileiras. A Central de Atendimento à Mulher (telefone 180) registrou, em 2016, 1.133.345 atendimentos, um número 51% superior ao de 2015 (749.024). E, neste ano, o Instituto Maria da Penha lançou uma campanha chamada de Relógios da violência que faz uma contagem, minuto a minuto, do número de mulheres que sofrem violência no país, objetivando incentivar as denúncias de agressão, que podem ser físicas, psicológicas, sexuais, morais e até patrimoniais. Falta, sobretudo, mais divulgação sobre a lei (a maioria das mulheres brasileiras já ouviu falar da lei, mas não tem muita informação sobre a mesma) e educação contra o machismo que naturaliza as agressões contra o sexo feminino. Fora naturalmente um aumento e melhoria da infraestrutura dos juizados especializados no atendimento à mulher.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Tereza de Benguela, a líder quilombola contra a escravidão

Tereza de Benguela
Com a ampliação da colonização portuguesa, foi criada a capitania de Mato Grosso, em 1748, e a povoação de Vila Bela, em 1752, às margens do rio Guaporé. Para lá foram levados escravos negros que atuavam em todos os níveis da vida econômica local: como mineradores, na criação de gado bovino, em pequenas iniciativas agrícolas, na caça e na pesca, e até como forças militares contra os vizinhos castelhanos, que também disputavam os territórios de fronteira. Como forma de resistência à escravidão, escravos que conseguiam fugir mergulhavam no interior das matas e dos rios e formavam quilombos, contra os quais a Coroa Portuguesa enviava bandeiras e expedições punitivas.

Um desses quilombos, de nome Quilombo de Quariterê (ou do Piolho), localizado próximo ao rio Piolho, ou Quariterê, no vale do Gauporé, foi liderado por uma mulher, após a morte de seu companheiro José Piolho. Tereza de Benguela (conhecida como Rainha Tereza) era seu nome. Ela criou um sistema político como uma espécie de parlamento, situado numa casa específica do local, onde deputados se reuniam em dias específicos, todas as semanas, para tomadas de decisões. Enquanto vivo, José Piolho, seu companheiro, foi o deputado de maior autoridade na casa, sendo seu conselheiro nas sessões que ela presidia.

Segundo documentos da época, o lugar abrigava mais de 100 pessoas, com aproximadamente 79 negros e 30 índios. Ali, era cultivado o algodão, que servia posteriormente para a produção de tecidos. Havia também plantações de milho, feijão, mandioca, banana, entre outros. Igualmente roupas e ferramentas eram fabricadas no local.

O quilombo resistiu da década de 1730 ao final do século. Tereza morreu, após ser capturada por soldados em 1770, não se sabe ao certo se por suicídio, execução ou doença. Depois de morta, teve a cabeça cortada e posta no meio da praça do quilombo que liderara, em um alto poste, como aviso aos outros quilombolas fugitivos. Os que conseguiram fugir ao ataque, contudo, reconstruíram o quilombo que sofreu outra carga, em 1791, até ser finalmente extinto em 1795.

Em homenagem à líder quilombola, o dia 25 de julho foi instituído como o Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra.

Com informações de Geledés e “Negros do Guaporé: o sistema escravista e as territorialidades específicas” (de Emmanuel de Almeida de Frias Júnior)

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Estudo mostra que educar meninas e meninos de forma desigual é prejudicial às crianças


Por que evitar clichês de gênero na educação das crianças desde cedo
Estudo mostra que em países ricos e nos pobres educar de forma desigual é prejudicial. No Brasil, campanha de marca de sabão ataca estereótipos e é alvo de conservadores

Os meninos gostam de carros. As meninas, de princesas. Os meninos podem estudar, as meninas fazem as tarefas domésticas. São estereótipos de gênero estabelecidos na infância pelos pais, professores, colegas e a sociedade em geral e podem ser prejudiciais quando o indivíduo começa a adolescência – ao redor dos 10 anos. Esta é a principal conclusão do estudo Global Early Adolescent Study, feito em 15 países pela Organização Mundial de Saúde e a Universidade John Hopkins (Baltimore, Estados Unidos). O debate sobre como os estereótipos têm consequências negativas nas crianças acontece há anos. Pais e educadores que defendem, cada vez mais, uma educação baseada na igualdade com muitos atores intervindo para alcançar este objetivo, tal como, por exemplo, as empresas de roupas; as associações para a igualdade, as intervenções educacionais igualitárias ou os muitos pais atuais cuja mentalidade é diferente dos das gerações anteriores. Os especialistas aconselham a trabalhar a igualdade de gênero na infância e não esperar a adolescência.
Não importa se o seu filho está em Baltimore, Pequim ou Nairóbi”, explicam os autores da pesquisa que foi iniciada há seis anos, “o início da adolescência desencadeia um conjunto comum de expectativas de gênero rigorosamente impostas que estão ligadas a um maior risco ao longo da vida do indivíduo, de sofrer com HIV ou depressão, até recorrer à violência ou ao suicídio”.
Descobrimos que os meninos e meninas desde pequenas – tanto nas sociedades mais liberais quanto nas conservadoras – interiorizam logo o mito de que as meninas são vulneráveis e os meninos são fortes e independentes”, assegura em um comunicado Robert Blum, diretor do estudo e professor na Universidade Johns Hopkins. “Esta é a mensagem que foi reforçada por cada pessoa, companheiro, professor, cuidador (...) que vive no ambiente do pequeno ou da pequena”. Os pesquisadores observaram que suas conclusões coincidiam com as de trabalhos anteriores, que afirmavam que “durante a adolescência, o mundo se expande para os meninos e se contrai para as meninas”.
A análise chamada It Begins at Ten: How Gender Expectations Shape Early Adolescence Around the World é a primeira que explica como são construídas as expectativas de gênero no começo da adolescência, de 10 a 14 anos, e como os menores chegam à adolescência tendo claro se são meninos ou meninas em diferentes países do mundo, tanto nos mais ricos como nos mais pobres. Os especialistas também verificaram o risco na saúde mental e física.

As conclusões vêm de entrevistas realizadas nos últimos quatro anos a 450 adolescentes e seus pais e cuidadores na Bolívia, Bélgica, Burkina Faso, China, República Democrática do Congo, Equador, Egito, Índia, Quênia, Malawi, Nigéria, Escócia, África do Sul, Estados Unidos e Vietnã.

Consequências negativas dos estereótipos de gênero.

As entrevistas determinaram que, ao redor do mundo, tanto meninas como meninos estão presos a restrições de gênero desde muito cedo e elas podem ter consequências graves em sua vida, sendo piores nas meninas.
Os estereótipos femininos baseados na ‘proteção’ acabam deixando-as mais vulneráveis, enfatizando o desejo de vigiá-las e puni-las fisicamente quando quebram as regras”, continuam os especialistas. O que as leva a sofrer mais com abandono escolar, casar-se muito jovens, gravidez precoce, infecção por HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Os meninos, em cidades como Xangai e Nova Deli, por exemplo, são “encorajados a sair de casa sem supervisão, enquanto que as meninas devem ficar em casa e fazer tarefas domésticas”.
Meninas e meninos das duas cidades relataram a vergonha que sofriam e os espancamentos que recebiam aqueles que tentavam cruzar a linha.

Em todas as cidades, exceto uma, Edimburgo (Escócia), tanto meninos quanto meninas tinham claro que era o menino que devia tomar a iniciativa em qualquer relacionamento. Em todos os cenários, as jovens afirmaram de forma consistente que a aparência física e seus corpos eram seu principal trunfo.
Precisamos repensar as intervenções de saúde e sociais, que normalmente são feitas quando os menores têm 15 anos ou mais, e começar a fazer isso mais cedo”, continua Blum. “Os riscos para a saúde dos adolescentes são influenciados frequentemente por papéis de gênero já aos 11 anos”, acrescenta Kristin Mmari, professora associada e principal autora da pesquisa. “Vemos como muitos países gastam milhões de dólares em programas de saúde que só começam aos 15 anos, e achamos que provavelmente seja tarde demais para fazer uma grande diferença”, acrescenta a especialista no mesmo texto.
Blum nega o argumento de que em várias partes do mundo os estereótipos de gênero são parte da cultura e, por isso, inamovíveis.
Continuamos imersos em estereótipos de gênero muito rígidos, por exemplo, em alguns lugares nos Estados Unidos e partes da Europa, só nas últimas décadas as coisas começaram a mudar muito. As mudanças podem acontecer, mas exigem vontade política e uma variedade de intervenções”, acrescenta. “E saber que incutir mitos sobre as diferenças de gênero em uma idade precoce pode levá-los a sofrer problemas prejudiciais no futuro.”
No Brasil, a marca de sabão de pó OMO lançou uma campanha na internet a favor da igualdade de gênero na semana passada. Em sua página do Facebook, a marca convocou todos que têm filhos “a fazerem recall de todas as brincadeiras que reforcem clichês sobre gênero.
Meninas podem, sim, se divertir com minicozinha, miniaspirador e minilavanderia, mas também podem ter acesso a fantasias de super-heróis, carrinhos velozes e dinossauros assustadores. E meninos também devem ter toda a liberdade para brincar de casinha, trocar fraldas de bonecas e ter uma incrível coleção de panelinhas”.
O post, no entanto, atraiu a oposição de grupos conservadores que se mobilizaram contra a campanha.


 Fonte: El País, por Carolina Garcia, 11/10/2017

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