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Quando Deus era mulher:

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Aserá,

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segunda-feira, 5 de junho de 2017

Casamento infantil: Mais de 30% das brasileiras casam antes dos 18 anos

Nacho Doce/Reuters - Brasil é quarto país no ranking global de casamento infantil
Brasil está no topo do ranking de casamento infantil na América Latina
Mais de 30% das brasileiras casam antes dos 18 anos.

Levantamento recente do Banco Mundial revela que o Brasil tem o maior número de casos de casamento infantil da América Latina e o quarto no mundo. No país, 36% da população feminina se casa antes dos 18 anos. As informações são da ONU News.

O estudo "Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência" lembra que a lei do Brasil estipula 18 anos como a idade legal para a união matrimonial e permite a anulação do casamento infantil. O problema é que há muitas brechas na legislação.

Consentimento

Se houver consentimento dos pais, por exemplo, as meninas podem se casar a partir dos 16 anos. A autora do estudo, Paula Tavares, fala sobre outras brechas na lei.
Um dispositivo ainda comum em todo o mundo é a permissão do casamento infantil – e em geral sem limite de idade – se a menina estiver grávida. Esse é o caso do Brasil".
Segundo ela, o país também não prevê punição para quem permite que uma menina se case fora dos casos previstos em lei, nem para os maridos nesses casos.
Na América Latina, 24 países preveem pena a quem autorize o casamento precoce, mas o Brasil não está entre eles," observou.
Segundo o documento do Banco Mundial, a cada ano, 15 milhões de meninas em todo o mundo se casam antes dos 18 anos. Em muitas culturas, o casamento precoce muitas vezes é visto como uma solução para a pobreza, por famílias que acreditam que assim terão uma boca a menos para alimentar. No Brasil, os principais motivos incluem gravidez na adolescência e desejo de segurança financeira.

Evasão escolar e renda menor

No entanto, o estudo destaca que o casamento infantil responde por 30% da evasão escolar feminina no ensino secundário a nível mundial e faz com que as meninas estejam sujeitas a ter menor renda quando adultas. Também as coloca em maior risco de sofrer violência doméstica, estupro marital e mortalidade materna e infantil.

Por outro lado, o documento ressalta que eliminar o matrimônio infantil traz ganhos econômicos. Por isso, as recomendações para o Brasil e a América Latina são eliminar as brechas na legislação e adotar punições para a união não prevista em lei.

Fonte: HuffPost, 13/03/2017

terça-feira, 30 de maio de 2017

O calote biliardário dos irmãos Batista no Brasil

Eliane Cantanhêde
Excelente texto da Eliane Cantanhêde dissecando o calote biliárdario dos irmãos Ley Batista no Brasil.

E algumas perguntinhas fundamentais: porque Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões na JBS a ponto de a empresa ter virado um fenômeno internacional? A empresa usou dinheiro público do Brasil, para sediar 70% de seus negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. 

E por que, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País?

Tem gato nessa tuba, e revolta em nosso coração.

O calote do século
Temer tem muito a explicar, mas perdão a Joesley Batista é premiar a corrupção

Antes que a gente se esqueça, Joesley Batista, da JBS, que já foi um dos “campeões nacionais” do BNDES, é agora campeão internacional do calote, um calote não numa pessoa, numa empresa ou num banco, mas num país inteiro. Um país chamado Brasil, onde não sobra ninguém para contar uma história decente e abrir horizontes.

Enquanto amealhava R$ 9 bilhões do BNDES, mais uns R$ 3 bilhões da CEF, mais sabe-se lá quanto de outros bancos públicos nos anos beneficentes de Lula, Joesley saiu comprando governos, partidos e parlamentares. Quando a coisa ficou feia, explodiu o governo Temer, a recuperação da economia e a aprovação das reformas, fez um acordo de pai para filho homologado pelo STF e foi viver a vida no coração de Nova York.

O BNDES, banco de fomento do desenvolvimento nacional, foi usado para fomento de empregos, fábricas e crescimento nos Estados Unidos, onde Joesley e o irmão, Wesley, usaram o rico e suado dinheirinho dos brasileiros para comprar tudo o que viam pela frente. Detalhe sórdido: os frigoríficos que adquiriram lá competem com os exportadores brasileiros de carne. Uma concorrência para lá de desleal.

Eles se negam a pagar os R$ 11 bilhões do acordo de leniência com a PGR, até porque o dinheiro público camarada do Brasil foi usado para sediar 70% dos negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. Se esses procuradores encherem muito a paciência, eles jogam esses 20% pra lá, fecham as portas e esquecem a republiqueta de bananas.

Além de sua linda mulher (como nos clássicos sobre gângsteres), Joesley levou para a grande potência seu avião Gulfstream G650, de 20 lugares e US$ 65 milhões. Também despachou num navio para Miami seu iate do estaleiro Azimut, de três andares, 25 lugares e US$ 10 milhões. Quando enjoar de Nova York, vai passar uns tempos nos mares da Flórida.

Enquanto arrumava as malas, Joesley aplicou US$ 1 bilhão no mercado de câmbio, fez megaoperações nas Bolsas e ficou aguardando calmamente o Brasil implodir no dia seguinte, para colher novos milhões de dólares. E deixou para trás sua vidinha de açougueiro no interior de Goiás, uma sociedade pasma e um monte de interrogações.

Por que, raios, Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões numa única empresa? Joesley podia usar o dinheiro com juros camaradas e comprar aviões e iates para uso pessoal? Os recursos não teriam de gerar desenvolvimento e emprego para os brasileiros? E, se o seu amigão (como dos Odebrecht) era Lula, a JBS virou uma potência planetária na era Lula e se ele diz que despejou US$ 150 milhões para Lula e Dilma Rousseff no exterior, por que Joesley, em vez de gravar Lula, foi direto gravar Temer?

Mais: como um biliardário, que adora brinquedos caros e sofisticados, partiu para uma empreitada de tal audácia com um gravadorzinho de camelô? Como dar andamento e virar o País de ponta-cabeça sem uma perícia elementar na gravação? Enfim, por que abrir monocraticamente um processo contra o presidente da República? E, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País.

Nada disso, claro, significa livrar Aécio ou Temer, que tem muchas cositas más a explicar, como R$ 1 milhão na casa do coronel amigo, R$ 500 mil da mala do assessor Rocha Loures, um terceiro andar do Planalto onde assessores só produziam escândalos.

A sociedade, porém, reage mal ao final feliz dos Batista. A não ser que não seja final ainda, pois a homologação do STF é uma validação formal, mas cabe ao juiz, na sentença, fixar os benefícios da delação. Em geral, o juiz segue os termos do acordo original, mas não obrigatoriamente, e pode haver, sim, fixação de penas. Oremos, pois!

Fonte: O Estado de S.Paulo, Eliane Cantanhêde, 26/05/2017

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Prostituição: regular ou abolir, eis a questão!

É proibido pagar por sexo na Suécia, França e outros seis países
Modelo nórdico, que castiga o cliente para lutar contra as redes e o proxenetismo, ganha força
Na Suécia, quem paga para ter relações sexuais é um delinquente. O país nórdico foi pioneiro, em 1999, em penalizar os clientes da prostituição, que podem pegar até um ano de cadeia. Esse modelo, apoiado no princípio de que a prostituição é uma forma de violência contra as mulheres – elas são uma esmagadora maioria – e um sinal de desigualdade dos gêneros, tem se expandido pelo mundo. O mais recente país a adotá-lo foi a França, que dias atrás aprovou, após um longo trâmite parlamentar, uma lei que prevê multa de até 3.750 euros (cerca de 15.000 reais) para quem pagar por sexo.

A lei francesa reacendeu o debate sobre a prostituição e a conveniência de regulá-la ou aboli-la. A Suécia e a França apostam num novo modelo de abolicionismo, que em vez de penalizar as prostitutas – consideradas vítimas sem liberdade de escolha – propõe acabar com o comércio sexual fechando o cerco sobre sua clientela. Em outras palavras, sem demanda não há oferta. No lado oposto estão as correntes pela legalização, para as quais o trabalho sexual é uma atividade que pode ser exercida livremente, e por isso precisa ser regulamentada. É o que acontece na Holanda, onde as profissionais do sexo pagam impostos e obtêm contrapartidas sociais, e também na Dinamarca e na Alemanha.

Nos últimos tempos, o chamado modelo sueco – ou nórdico, já que os primeiros a copiá-lo foram alguns de seus vizinhos escandinavos – está ganhando impulso. Depois da Suécia, a criminalização dos clientes da prostituição já foi aprovada na Islândia, Canadá, Cingapura, África do Sul, Coreia do Sul, Irlanda do Norte e agora na França. A medida vigora também na Noruega, com o detalhe de que esse país pune também cidadãos seus que fizerem turismo sexual. Além disso, o Parlamento Europeu insistiu em 2014 para que os Estados membros da UE adotassem fórmulas semelhantes, e Bélgica, Irlanda e Escócia debatem atualmente projetos de lei baseados nesse novo abolicionismo. Outros países, como a Finlândia, apostaram num sistema híbrido: castigam a compra de serviços sexuais, mas só se a prostituta for vítima das redes de tráfico humano.

Mas, segundo partidários do neoabolicionismo, esse vínculo entre prostituição e escravidão sexual é praticamente automático. Os defensores do modelo nórdico afirmam que quem vende seu corpo nunca o faz livremente – ao invés de ser uma escolha, seria uma imposição feita por redes de tráfico ou exploração sexual, ou pela pressão da pobreza ou de outro tipo de desigualdade.
A lei se baseia em que é vergonhoso e inaceitável que, numa sociedade com igualdade sexual, os homens obtenham relações sexuais casuais com mulheres em troca de dinheiro”, afirma Kajsa Wahlberg, diretora da unidade de combate ao tráfico humano da polícia sueca, acrescentando que a legislação local enviou um “sinal” importante a outros países. Hoje, o neoabolicionismo se transformou em parte importante da política externa sueca, uma espécie de marca do país. “A prostituição causa um grave dano, tanto aos indivíduos como à sociedade”, argumenta a agente, salientando que pessoas que pagam por sexo não só ferem a dignidade das mulheres como também estão contribuindo para a proliferação dessa arquitetura criminal.
Duas mulheres em uma vitrine do Red Light em Amsterdã, em 2015.  CORBIS
Wahlberg diz que a lei funciona bem. Dez anos depois de ela entrar em vigor, o número de compradores de sexo caiu de 13,6% para menos de 8% da população, segundo dados do Instituto Sueco.
A norma tem um objetivo dissuasivo sobre os potenciais compradores de sexo. Também serviu para reduzir o interesse de diversos grupos ou indivíduos em estabelecer atividades organizadas de prostituição na Suécia”, acrescenta. Desde a adoção das medidas, 6.600 pessoas – todos homens, salvos raríssimas exceções – foram detidas por comprar ou tentar comprar sexo. Destes, aproximadamente metade foi condenada (os dados sobre os julgamentos de 2015 ainda não estão disponíveis). Mas ninguém foi preso, já que todos pagaram a multa, equivalente a um terço da renda pessoal obtida durante dois meses.
E essa falta de condenações graves é uma das principais críticas a uma lei que, segundo as pesquisas, tem grande aceitação social no país. Outra é que, na verdade, o sistema não acaba com a prostituição, apenas a esconde, deixando assim as prostitutas em situação ainda mais perigosa e vulnerável.

Esse é também o argumento fundamental dos críticos da nova lei francesa.
A penalização do cliente não beneficia as trabalhadoras do sexo, apenas as expõe mais à violência – tanto das quadrilhas como da polícia – e ao isolamento”, afirmam integrante do coletivo Strass, que reúne prostitutas na França e se mobilizou contra a nova lei. A medida também enfrenta restrições de ONGs como a Médicos do Mundo, que argumenta que o abolicionismo leva as prostitutas à clandestinidade e as deixa à mercê do cliente ou das máfias, e que a rede de proteção prevista para ajudar as mulheres a deixar a prostituição é precária demais. As entidades sociais estimam que haja entre 30.000 e 40.000 meretrizes na França
Este modelo legal obriga as trabalhadoras sexuais, sobretudo as da rua, a trabalharem nas periferias, em zonas menos visíveis e acessíveis, onde a polícia não possa surpreender os seus clientes”, argumentam integrantes do Tampep, um coletivo europeu de trabalhadoras do sexo, para o qual a penalização do cliente impede a autodeterminação das prostitutas, reforçando o estigma e a discriminação contra elas.
À luz das estatísticas, a policial Wahlberg tem razão: estreitar o cerco sobre o cliente reduziu a prostituição na Suécia, ao menos a sua parte visível. Antes da lei, 600 mulheres vendiam sexo nas ruas de Estocolmo, segundo a polícia. Atualmente são menos de 10. Entretanto, os bordéis e as calçadas se transferiram para a Internet. Um campo muito mais difícil de controlar.

ABOLIR, PROIBIR OU REGULAR
Há vários modelos na Europa
Legalista. Holanda, Alemanha, Dinamarca. Na Holanda, a prostituição é regulamentada como um trabalho desde 2000. A lei obriga os proprietários dos bordéis a pagarem impostos e a contribuição previdenciária das prostitutas. Estas, que precisam de uma licença municipal, têm direito a Previdência Social e seguro-desemprego. A mesma situação se dá na Alemanha. Na Dinamarca, as prostitutas pagam impostos, mas não têm direito a benefícios previdenciários ou seguro-desemprego.
Novo abolicionismo. Suécia, Noruega, Islândia. A Suécia foi pioneira, em 1999, na adoção de uma lei contra a compra de serviços sexuais. A norma proíbe pagar pelo sexo e penaliza o cliente com multas ou prisão. É um modelo atualmente em expansão.
Limbo jurídico. Espanha, Itália. A prostituição na Espanha está num limbo jurídico – embora sua exploração seja crime. Dois em cada dez homens espanhóis admitem que já pagaram pelos serviços de uma prostituta, segundo estudo da Universidade de Comillas para o Ministério da Saúde. Entretanto, alguns regulamentos municipais proíbem a prática e multam tanto os clientes como as profissionais. Uma situação similar ocorre na Itália, onde nos últimos anos proliferaram as situações que penalizam tanto a compra quanto a venda de sexo.
Proibicionista. Na Hungria a prostituição é ilegal. Pune-se com multa ou mesmo com prisão a meretriz que exercer a prática em “zonas protegidas”, ao passo que o cliente só é penalizado se “aceitar” os serviços de uma menor.

sábado, 13 de maio de 2017

13 de Maio: Dia da Vitória do Movimento Abolicionista no Brasil

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, primeira senadora brasileira e primeira mulher a assumir uma chefia de Estado no continente americano, exercendo por três vezes a Regência no Brasil, sancionou a chamada Lei Áurea que aboliu a escravatura em todo o território nacional. Antes disso, a princesa Isabel já demonstrara sua posição como abolicionista convicta, financiando tanto a alforria de escravos quanto até quilombos (Quilombo do Leblon, onde se cultivavam camélias brancas, flor-símbolo da abolição). Seu empenho na abolição da escravidão lhe custou caro inclusive, já que os donos de escravos, sobretudo dos grandes cafezais paulistas, deixaram de apoiar a monarquia em represália à luta dos nobres pela abolição, bandeando-se para o lado dos republicanos, o que, segundo alguns estudiosos, teria apressado a instituição do regime republicano.

Luís Gama
O papel da princesa Isabel na efetivação da abolição da escravatura no Brasil não deve, portanto, ser subestimado, mas não foi ela, na qualidade de branca sensível de bom coração que botou fim a uma das páginas mais infames de nossa história. Seu gesto foi de fato fruto não só de suas crenças pessoais mas também da pressão de um movimento social de grande abrangência, comparado por alguns com as Diretas Já!, que uniu gente de várias classes sociais e várias etnias na luta contra a escravidão, juntando desde políticos e intelectuais brancos como Joaquim Nabuco, o teatrólogo Artur Azevedo e o poeta Castro Alves até negros como o advogado Luís Gama e o engenheiro André Rebouças e ainda mestiços como o jornalista José do Patrocínio. Também estudantes universitários, que começavam a se evidenciar no período, se engajaram na luta em prol da abolição bem como o exército brasileiro, formado à época por bom número de ex-escravos que haviam lutado na guerra do Paraguai. Isso para ficar em alguns exemplos, embora existam outros, pois o movimento abolicionista foi um dos maiores movimentos populares da história brasileira.

Não obstante esse histórico glorioso, movimentos negros confusos – para dizer o mínimo – passaram, a partir da década de 70, a rejeitar a data do 13 de maio sob a desculpa de que ela representaria uma efeméride das elites brancas brasileiras, pois teria sido um gesto de generosidade (sic) dos brancos, tendo a princesa Isabel como principal protagonista – o que não é verdade como vimos acima – e, além disso, uma abolição para inglês ver, já que os cerca de 700 mil escravos libertos na ocasião não foram de fato integrados à sociedade brasileira, como devido, acabando livres dos grilhões de ferro mas prisioneiros das senzalas da pobreza. Em substituição ao 13 de maio, inventaram o dia da consciência negra, em 20 de novembro, como homenagem a data da morte de Zumbi dos Palmares, líder negro que teria lutado contra a escravidão, o que simbolizaria a resistência e a bravura dos negros contra o cativeiro.

Joaquim Nabuco
Curti essa história do Zumbi por um bom tempo, pois, me amarro num herói ou heroína, como todo mundo aliás, haja vista a quantidade enorme deles e delas nas revistas em quadrinhos e nos cinemas. Curti até conhecer a verdade histórica sobre esse personagem mitologizado. Zumbi foi de fato um negro foragido que formou um quilombo, como estrutura de resistência a seu cativeiro pelos brancos, mas não era nenhum herói da luta contra a escravidão. Em Palmares, assim como em outros quilombos, havia escravos também e escravos negros. Sim, o herói da luta contra a escravidão era um escravocrata também. Simplesmente não queria ser escravo, mas não se incomodava de escravizar outros homens, pior, outros homens negros. É que, de fato, o sistema escravagista era onipresente na África, na época do tráfico negreiro, encontrando-se presente também em outros continentes. Na África, os vencidos das eternas guerras tribais, entre as diversas etnias existentes, eram escravizados pelos vencedores que por sua vez os vendiam para árabes e europeus. Então, a escravidão era um sistema comum no período, que a maioria das pessoas aceitava como natural, e que os vencedores em qualquer tipo de batalha aplicavam aos vencidos. Em Palmares, Zumbi era vencedor e, portanto, escravizava outros negros, geralmente negros que não queriam ter saído das fazendas dos brancos. De repente, as senzalas dos brancos ofereciam melhores condições de vida do que as galés dos quilombos.

Pois, é! Então, a maioria dos ativistas do movimento negro rejeita uma data fruto de um movimento social popular, multiétnico, multiclassicista e, portanto, pra lá de democrático, para afirmar uma outra data que celebra a existência de um personagem supostamente heroico contra a escravidão mas que também escravizava?!!! Arrisco uma explicação para esse paradoxo. O atual movimento negro – em sua maioria – tem um viés nitidamente racista, tanto que todo o seu programa de atuação é calcado na afirmação do conceito de raça (uma ideia já sepultada pela ciência), onde a raça negra teria sido subjugada e oprimida pela raça branca que lhe deveria consequentemente uma reparação pelos maus-tratos oriundos da escravidão. Toda a estrutura desse programa de ação é assentada no antagonismo racial que, por sua vez, é alimentado pelo vitimismo. É preciso descrever os negros como vítimas dos brancos, os negros como vítimas e os brancos como algozes, assim tudo na base do preto ou branco, sem nuances.

André Rebouças
Para alimentar essa ideologia, inclusive brutais distorções históricas têm sido feitas. Na historinha da carochinha dos racialistas negros, os negros viviam numa África paradisíaca, correndo apenas dos leões, quando os europeus, brancos e malvados, chegaram e os levaram escravizados para seu continente e para outros, submetendo-os a exploração e a brutais agressões físicas. Como já disse acima, a verdade é outra. Os africanos viviam às voltas com suas guerras tribais (até hoje, aliás) e vendiam seus cativos para quem os comprasse, no caso, os europeus que, por acaso, eram brancos. No Brasil, com o passar dos anos, mesmo antes da Abolição, muitos negros começaram a ser alforriados e, por sua vez, passaram a ter terras também e a comprar escravos, seus irmãos de “raça”. Nos próprios quilombos, os negros fugidos das senzalas brancas também escravizavam outros negros, portanto, não existem bandidos e mocinhos nessa história como, aliás, raramente existem em qualquer período da sombria história humana. A escravidão foi um sistema nefasto – que até hoje existe embora proscrito – de que todos os povos e etnias participaram.

Mas a política do movimento negro atual, em sua grande maioria, rejeita a verdade histórica por uma leitura altamente ideologizada dos fatos, maniqueísta e perigosa, baseada no antagonismo racial. O 13 de maio, como descrevi acima, foi um movimento onde brancos, negros e mestiços, de diferentes classes, lutaram juntos contra a escravidão e venceram a batalha juntos. A Abolição foi uma conquista de pessoas de bem, e pessoas de bem não têm cor. O fato de a inserção dos negros libertos na sociedade brasileira, pós-Abolição, não ter sido realizada como deveria ter sido não invalida a conquista do movimento abolicionista. O que aconteceu após a Abolição é uma outra história, uma história que passa de um regime monárquico para um regime republicano, igualmente negligentes quanto à situação social dos ex-escravos negros. As conseqüências dessa negligência jogaram a população negra na pobreza, mas nunca impediram a miscigenação, nunca promoveram o apartheid racial no Brasil, tanto que somos essencialmente um país de mestiços, sendo a população negra -propriamente dita – minoritária. Mesmo a pobreza não é só desprivilegio de negros e pardos, havendo também um razoável número de brancos pobres. Deveriam estar todos, como nos tempos dos abolicionistas, lutando juntos para tirar a todos da pobreza através de uma revolução educacional, através do resgate da sucateada educação brasileira e de sua melhoria e universalização, pois é ela que permite democraticamente a ascensão social de qualquer um(a). Mas, ao contrário, o movimento negro, em sua maioria, tem preferido o caminho das cotas e do malfadado Estatuto da “Igualdade” racial, em análise pelo Senado no momento, que promovem coisas inacreditáveis como a divisão da população em negra ou branca, tribunais raciais em universidades, para julgar quem é de fato negro ou não (inspiração nazista), e a destruição do critério de mérito, um dos pilares da democracia. A picaretagem chegou a ponto de estarem propondo 60% de vagas para cotistas em universidades, o que, na realidade, praticamente acaba com o vestibular.

José do Patrocínio
O 13 de maio mostra brancos, negros e mestiços lutando juntos contra um sistema absurdo e não se encaixa na visão do atual movimento negro porque este quer brancos e negros separados, brancos e negros antagônicos, o mulato inzoneiro Brasil se definindo como negro ou branco, embora sempre tenha sido mestiço e continue sendo mestiço. Por isso, prefere o dia que homenageia Zumbi e os quilombos, pois representariam uma luta só de negros, protagonizada por um negro herói, mesmo tendo sido esse "herói" um escravista. Por isso, hoje, o 13 de maio, não apenas por ter entrado no calendário das datas oficiais do país, merece ser lembrado como um dia de celebração da união de todos, independente da cor da pele, contra sistemas injustos e crenças equivocadas.

Fotos na sequência: Princesa Isabel, Luis Gama, Joaquim Nabuco, André Rebouças e José do Patrocínio, brancos, negros e mestiços pela Abolição.

Fontes: Divisões Raciais: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Editora Civilização Brasileira; Dossiê Abolicionismo; Monstros Tristonhos (excelente texto de Demétrio Magnoli sobre os tribunais raciais que vêm sendo instalados nas universidades brasileiras);

Ver também Zumbi: Símbolo da Consciência Negra?
Francisco Félix de Souza, ex-escravo, foi um dos maiores traficantes de escravos africanos 


P.S. A propósito, sou mestiça e bisneta de um abolicionista, Martinho Rodrigues de Souza, que como advogado, deputado e jornalista, lutou, em sua terra natal, Fortaleza (CE), pela abolição da escravidão no Brasil.

Atualização 13/05/2013
: O racialismo continuou avançando no Brasil, desde a publicação deste artigo, com mais cotas em universidades (até em nível de pós-graduação) e agora também cotas no funcionalismo público.

Publicado originalmente em 13/05/09

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