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Mulheres samurais

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Quando Deus era mulher:

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Aserá,

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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Humanos: crianças egoístas e más que querem prazer às custas do sofrimento de outros

Uma vida de inferno para que humanos consumam 100 gramas de sua dor
CRIANÇAS EGOÍSTAS

Frank Alarcón
Tristes são os tempos em que deve ser a força da lei, e não a sensatez, quem governa nossas ações. A proibição municipal do foie gras é preciosa tanto em caráter pedagógico como prático. Resistências a essa proibição são sintomas sérios de transtorno moral maior.
 Defensores do foie gras e da exploração animal parecem viver ainda na tenra infância –período em que a conduta egocêntrica mais se manifesta. Para essas crianças que comandam cozinhas em francês e frequentam restaurantes com ternos e saltos altos, se animais sofrem como consequência de suas vontades, o azar é deles.

O que devemos pensar de práticas que obrigam animais enclausurados a uma alimentação forçada, que alteram a fisiologia de suas vísceras, onde estas são extraídas de forma sanguinária, moídas, embaladas e vendidas como iguaria a consumidores voluntariosos?

E o que devemos pensar de consumidores que pouco se importam com as consequências de seus prazeres gastronômicos? Respostas para as duas perguntas se relacionam com a cruel produção e comércio do foie gras (fígado gordo, em francês), atividades que a Câmara de São Paulo busca proibir mediante sanção do prefeito Fernando Haddad.

A palavra-chave é egoísmo. Sob o risco de ter seu negócio e capricho gastronômico obstruídos, produtores e consumidores do foie gras reivindicam seu direito de vender/consumir o que bem desejarem, quando quiserem. Uma questão de fundo puramente pessoal, dizem eles.

Esse raciocínio raso ignora convenientemente uma terceira parte envolvida, à revelia, que é submetida a uma vida miserável para que desejos culinários de alguns minutos sejam atendidos.

Tudo indica que para os reféns do paladar, animais não são dignos de consideração moral. Assim como coisas, animais poderiam ser aprisionados, submetidos a rotinas de convívio dolorosamente artificial, alimentação e iluminação forçada e uma vida abreviada por um pescoço quebrado, uma degola ou outra crueldade que a criatividade humana possa conceber.

Sim, a palavra é esta: crueldade. O sofrimento animal transcende o momento de seu assassinato diante de uma existência de penúria deliberadamente provocada.

Defensores do foie gras e da exploração animal parecem viver ainda na tenra infância –período em que a conduta egocêntrica mais se manifesta. Para essas crianças que comandam cozinhas em francês e frequentam restaurantes com ternos e saltos altos, se animais sofrem como consequência de suas vontades, o azar é deles.

O sofrimento desses animais é desprezível diante do prazer de comer e cobrar –caro– por 100 gramas de crueldade. Aqui, demanda e oferta apadrinham o casamento entre egoísmo e economia. Alguns iludidos alegam que matar animais é tradição, registro cultural praticado há séculos e que, portanto, deve ser preservado. Constrangedor!

Não vivemos mais na Idade da Pedra nem comemos cotidianamente com as mãos nuas. Há séculos incorporamos à nossa rotina alimentar artificialidades como talheres, pratos, cocção de alimentos, guardanapos e papel higiênico.

Invocar o apego às raízes e à preservação cultural, além de embaraçoso, apenas revela quão escravos alguns segmentos da nossa sociedade são de tradições retrógradas.

Tristes são os tempos em que deve ser a força da lei, e não a sensatez, quem governa nossas ações. A proibição municipal do foie gras é preciosa tanto em caráter pedagógico como prático. Resistências a essa proibição são sintomas sérios de transtorno moral maior.

Provoco: Quem ousará proibir a produção e comércio do "foie gras" das classes B, C e D (a salsicha, a linguiça e o hambúrguer) em um país onde 70 milhões de bois e suínos e 5 bilhões de aves foram assassinados apenas em 2014 com os auspícios do governo federal?

Diante da inexistência de uma sociedade corajosa ou de líderes carismáticos capazes de discutirem seriamente a ética animal, mudanças incrementais não são desprezíveis. Explorar animais é eticamente equivocado, ambientalmente nocivo, nutricionalmente desnecessário. Egoístas discordarão.

FRANK ALARCÓN, 41, biólogo, é coordenador no Brasil da ONG Cruelty Free Internationnal

Fonte: Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 23/05/2015

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Em vez de cortar o tamanho do Estado, Dilma corta investimentos e direitos trabalhistas


Governo quer cortar gastos sem mexer no seu próprio tamanho

Aguardado para essa semana, o anúncio do contingenciamento orçamentário deve atingir mais os investimentos, sem cortar o tamanho do governo. É maio e o governo ainda não definiu o quanto cortará do orçamento. A atitude do Planalto em relação ao corte também é ruim.

É evidente que há gastos indispensáveis com a máquina pública, como aqueles feitos em Saúde e Educação. Mas outras partes de um governo com quase 40 ministérios podem ser reduzidas. Não é, porém, o que o governo indica que fará. O investimento deve ser o grande alvo dos cortes. 

O contingenciamento vem tarde, deveria ser divulgado logo após a aprovação do Orçamento. Estamos na segunda metade de maio e os ministérios ainda não sabem o quanto poderão gastar no ano. Nesse período, apesar da negativa do governo, os gastos com os programas sociais foram contidos, o que provocou atraso no início das aulas do Pronetec, por exemplo.

Não se sabe ao certo o tamanho do contingenciamento, algo entre R$ 70 bi e R$ 80 bi. O Planalto diz que dependerá das votações das medidas do ajuste no Congresso. Mas não depende, não.

Esse é um argumento para evitar a derrota em plenário de alguma das Medidas Provisórias. Como estamos no meio do ano, as MPs do ajuste fiscal terão um impacto pequeno em 2015, crescendo ao longo do tempo, em 2016. Ainda é possível que o efeito delas diminua mais, de acordo com a decisão dos parlamentares. As votações no Congresso, portanto, não afetam tanto a necessidade de cortes no Orçamento, como tenta relacionar o Planalto.

Pior que o corte na verba é a indefinição sobre o tamanho do contingenciamento. Ela alimenta a paralisia da máquina pública, que é cara e não pode funcionar porque falta clareza sobre o orçamento para o ano.

Ouça o comentário da colunista:
Fonte: Miriam Leitão.com, 19/05/2015

terça-feira, 19 de maio de 2015

O Brasil não pode ficar à mercê dos interesses e incoerências partidários. Precisa-se urgente de quem realmente se importe com o país

Denis Lerrer Rosenfield
Destaque:
O país vive uma grave crise e, no entanto, os partidos políticos estão se comportando como se só os seus interesses propriamente partidários estivessem em jogo. As questões nacionais passam a segundo plano, servindo apenas de pretexto para os jogos cada vez mais brutos de poder. Governistas atuam como se oposição fossem, enquanto a oposição age como o PT de antanho, renegando, inclusive, as suas próprias ideias. É como se o país tivesse de testar o abismo para logo recuar. Destaca-se, neste cenário, o PMDB que, mal ou bem, está contribuindo decisivamente para a aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, absolutamente necessário enquanto etapa preliminar do saneamento das contas públicas.
O Brasil e os partidos

Se essa primeira etapa de aprovação do ajuste fiscal não for levada a cabo, se ela não for seguida de iniciativas subsequentes de crescimento responsável, o próprio Brasil pode ser o maior prejudicado

O país vive uma grave crise e, no entanto, os partidos políticos estão se comportando como se só os seus interesses propriamente partidários estivessem em jogo. As questões nacionais passam a segundo plano, servindo apenas de pretexto para os jogos cada vez mais brutos de poder. Governistas atuam como se oposição fossem, enquanto a oposição age como o PT de antanho, renegando, inclusive, as suas próprias ideias. É como se o país tivesse de testar o abismo para logo recuar. Destaca-se, neste cenário, o PMDB que, mal ou bem, está contribuindo decisivamente para a aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, absolutamente necessário enquanto etapa preliminar do saneamento das contas públicas.

O PT, a partir dos dois últimos anos do governo Lula e dos quatro do governo Dilma, levou o Brasil a uma situação econômica e ética insustentável. A tal “nova matriz econômica”, eivada de posições estatizantes e esquerdizantes, conduziu ao descontrole da inflação, ao PIB negativo, às contas fiscais em desajuste extremo e, agora, ao desemprego. Neste meio tempo, apoderou-se cada vez mais da máquina estatal, colocando-a a serviço dos seus interesses partidários e eleitorais, como se só isso valesse. O país, enquanto bem maior, bem coletivo, não entrou neste cálculo, sendo apenas um meio de consecução dos objetivos propriamente partidários. A conta desta irresponsabilidade finalmente chegou e o partido, assim como o seu governo, tem imensas dificuldades em reconhecer os seus próprios erros. Continua apostando no marketing e em discursos de esquerda cada vez mais radicais, como se aqui se encontrasse a sua saída.

A esquizofrenia partidária, neste contexto, só tende a aumentar. Sua expressão mais manifesta consiste na oposição que o PT faz a seu próprio governo, tendo chegado, inclusive, inicialmente, a rejeitar demagogicamente as medidas do ajuste fiscal, condição mesma para que o país saia de seu atual atoleiro. Comporta-se como se o governo não fosse seu, como se essas medidas fossem coisas apenas do ministro Joaquim Levy, um “neoliberal”. Note-se que “neoliberal” significa, no atual contexto, a qualificação de uma política que tem como objetivo colocar as contas em dia. Ser neoliberal significa tão somente ser responsável. A esquerda perdeu o discurso.

O PSDB, que deveria ser o partido líder da oposição, não faz melhor figura. Adotou a atitude do PT de antanho, vindo a criticar as medidas de ajuste fiscal como se essas fossem prejudiciais ao país. Ora, essas medidas seriam muito parecidas com as que Aécio Neves viria a implementar caso tivesse sido eleito. É bem verdade que as medidas seriam mais abrangentes e teriam também um forte componente de crescimento. Em qualquer caso, um ajuste fiscal deveria ser feito. Neste sentido, os tucanos são contraditórios consigo mesmos, vindo a renegar o que eles mesmos defendiam na disputa eleitoral. Exercem uma oposição irresponsável, apostando também no fracasso. Acontece que um fracasso das atuais medidas econômicas, mais do que uma disputa partidária, mostrar-se-ia extremamente daninho para o país. É como se os partidos brasileiros não tivessem a menor noção do significado de “oposição responsável”, voltada para o bem coletivo. Cada um olha apenas o seu próprio umbigo!

O PMDB, apesar de seus conflitos internos e a voracidade fisiológica de boa parte dos seus membros, está se saindo melhor do que os seus partidos concorrentes. Graças às novas funções de articulação política assumidas pelo vice-presidente Michel Temer, o partido está se colocando como aquele que melhor expressa os interesses nacionais. Sua atitude de defesa do ajuste fiscal, coerente com uma posição governista e reconhecendo, implicitamente, os erros que foram cometidos, sinaliza para uma postura voltada para o bem coletivo, embora possa, evidentemente, usufruir dos seus dividendos políticos em caso de êxito. O vice-presidente tem clara consciência de que a não aprovação dessas medidas poderia vir a criar um quadro econômico e político extremamente maléfico para o país. Reconhece os limites do jogo político, reconhece aquilo que o país pode ou não suportar. E um downgrade das agências de avaliação de risco poderia ser insuportável!

O enquadramento do PT é um fato também novo nestes 12 anos de governos petistas. O partido sempre se comportou como se o governo fosse exclusivamente seu, colocando os demais partidos aliados em uma posição claramente subalterna. Agora, tentou fugir de suas responsabilidades e foi enquadrado. Procurou, mesmo, votar contra o ajuste fiscal como se não fosse coisa de seu governo, jogando, como se diz, para a plateia. Foi obrigado a fechar questão pelo vice-presidente e pelo PMDB que, por sua vez, teriam ameaçado não levar essas medidas de ajuste fiscal à votação. Forçado a recuar, o PT terminou aprovando essas mesmas medidas com as quais professa não concordar. A desorientação é total. Na hora decisiva, teve medo das consequências de sua irresponsabilidade. Foi impelido a ser governo, apesar de si mesmo.

Ocorre, porém, que o país não pode ficar a mercê das vicissitudes desses mais distintos posicionamentos partidários. Se essa primeira etapa de aprovação do ajuste fiscal não for levada a cabo, se ela não for seguida de iniciativas subsequentes de crescimento responsável, o próprio Brasil pode ser o maior prejudicado, o que significa dizer que o ônus recairá sobre o conjunto dos cidadãos. O país não pode ficar refém das disputas partidárias, como se essas fossem um mero jogo de substituição de posições. O governo age como se não tivesse sido oposição e a oposição age como não se tivesse sido governo. É como se contassem somente os interesses particulares de cada um. É como se nos pleitos eleitorais o bem coletivo e as propostas que poderiam a ele conduzir fossem um mero pretexto. Falta a escritura de um texto, de uma verdadeira narrativa, chamada Brasil.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Fonte: O Globo, 18/05/2015

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Fachin acredita que os juízes têm a prerrogativa de inventar a lei e podem substituir o mandato dos deputados e senadores.

Fachin expoente radical do neoconstitucionalismo,
a árvore teórica de um ativismo judicial ilimitado
Rendição
por Demétrio Magnoli

Max Weber distinguiu a "ética da convicção" da "ética da responsabilidade". Na sabatina de terça, Luiz Edson Fachin invocou a segunda para envernizar uma peculiar "ética da conveniência" –e passou 11 horas declarando sua adoração pelo que criticou ao longo da vida. O jurista atacou o direito de propriedade em 1986. Mas vale a pena discutir 1986? O jurista não aprecia a proteção especial à família nuclear. E daí? A diversidade de opiniões informadas enriquece o STF. Conversa inútil. Nenhum senador desviou-se dos rumos óbvios para inquiri-lo sobre o que interessa: a fonte das leis. Fachin acredita que os juízes têm a prerrogativa de inventar a lei. Se seu nome for aprovado em plenário, os senadores estarão assinando um termo de rendição do Poder Legislativo.

Fachin é da corrente de pensamento de outro Luís, Roberto Barroso, que já está no STF. Eles são expoentes da vertente radical do neoconstitucionalismo, a árvore teórica de um ativismo judicial ilimitado. Nesse campo ideológico, a norma formal deve ceder lugar à norma axiológica, isto é, a valores morais genéricos que serviriam de régua na interpretação dos códigos legais. A Constituição proclama as metas da igualdade, do bem-estar e da justiça? Sob a ótica deles, é o suficiente para varrer a letra das leis pelo sopro purificador do juiz-ativista.

Tudo que está escrito pode ser lido pelo avesso –eis a mensagem de Luís e Luiz. Na "nova dogmática da interpretação constitucional" de Barroso, a filtragem do Direito escorrega da norma objetiva para o terreno do arbítrio subjetivo. A Constituição abriga o princípio da igualdade perante a lei? Basta reinterpretá-la à luz do imperativo de justiça histórica –e concluir pela recepção de leis raciais na ordem jurídica nacional. A letra constitucional proíbe a discriminação de cor no acesso à educação superior? Basta atribuir um significado paradoxal à palavra –e explicar que a meta axiológica da igualdade demanda a "discriminação positiva".

O neoconstitucionalismo nasceu no pós-guerra como reação progressista ao formalismo excludente da ordem liberal. "A lei tem que ser legítima, alinhando-se aos princípios constitucionais!", gritaram os juristas indignados com o novelo de artimanhas de uma legalidade meticulosamente construída para negar direitos. Contudo, nas margens dessa revolta modernizante, surgiu uma escola jacobina que prega a reforma social pelo Direito e, não por acaso, repete incessantemente o mantra da "carência de legitimidade" dos atuais parlamentos.

Os fundadores da arquitetura moderna queriam "mudar a cidade para transformar a sociedade". Os juristas jacobinos cultivam o mesmo sonho exagerado, mas escolheram a ferramenta do Direito, o que os coloca em rota de colisão com o poder encarregado de fazer as leis. Fachin não é petista, a não ser num sentido puramente circunstancial. Mais que um partido, precisa de alianças com o "povo organizado": movimentos sociais, entidades corporativas, ONGs. A reengenharia da ordem jurídica, por cima dos representantes eleitos, deve ser vista como produto da vontade da sociedade civil. Fachin compartilha com o PT o objetivo de anular os direitos do Congresso, isto é, do "povo desorganizado".

"Uma Constituição se faz Constituição no desenrolar de um processo constituinte material de índole permanente", pelo recurso a "ações afirmativas" e pelo "resgate de dívidas históricas", escreveu Fachin em 2011. A "revolução permanente" do Direito, pelo ativismo do jurista iluminado –eis o núcleo do seu pensamento. Numa sabatina intelectualmente preguiçosa, os senadores nem mesmo roçaram no tema relevante. Família? Propriedade? Não: Fachin quer transferir para "os juristas que têm lado" o mandato dos deputados e senadores. Alvaro Dias tem razão numa coisa: essa decisão "não é uma questão partidária".

Fonte: Folha de São Paulo, 16/05/2015

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